História Tardes outonais de uma biblioteca pacata - Capítulo único

Shouto lembrava perfeitamente do dia em que suas tardes na biblioteca tornaram sua rotina mais agitada. Era uma tarde fria de outono, e a cidade movimentada era afundada em tons de laranja e marrom. Havia acabado de organizar as fichas dos empréstimos dos livros quando um loirinho com aparência de delinquente cruzou os extensos corredores de livros. 

De primeira, achou estranho. Se fosse seguir a lógica das histórias clichês, aquele loirinho deveria usar óculos, ter um cabelo lambido e vestir roupas feias. E era muito pelo contrário: o garoto usava uma jaqueta de couro, calça apertada, cabelo espetado e alguns piercings nas orelhas. Mesmo estranhando — na realidade, achava mais curioso do que qualquer outra coisa —, deixou esses pensamentos de lado e voltou ao trabalho. 

Duas semanas depois, o mesmo loirinho continuava a ir à pacata biblioteca e nenhuma vez chegou a emprestar um livro, o que deixou Todoroki intrigado. Não sabia direito o motivo do garoto sempre aparecer pouco tempo depois do almoço. Vez ou outra pegava ele o encarando, se sentia perseguido.  

Já passava das três da tarde, logo seria hora do seu café. Antes de sair da mesa do bibliotecário, Shouto olhou para todos os cantos da biblioteca, checando se alguém precisava de ajuda. Na prateleira mais afastada viu o delinquente loiro, perdido, provavelmente não sabia o que ler — o que Shouto achou fofo. Nem percebeu quando foi até lá. Estava parado do lado do garoto, que levou um susto ao ouvir a voz do ajudante do bibliotecário tão perto de si. 

— Eu recomendo esse aqui  — disse, e logo se esticou para alcançar o livro. — Não sei se curte mistério e romance, mas ao desenrolar da história as coisas começam a ficar interessantes e o final vai te surpreender.

Paralisado, o garoto rebelde tentava falar algo que não soava mais que murmúrios, à medida que o silêncio se estendia seu rosto ficava cada vez mais vermelho. 

— O nome da rosa? — Olhou fixamente o livro que o garoto de cabelos bicolores entregou nas suas mãos. — Ah! Vou ler sim. Obrigado — respondeu, fazendo uma cara intimidadora para tentar esconder sua timidez. 

— Você realmente gosta de ler, né? 

— Bem, acho que sim. Consigo me prender no universo da história muito fácil, então até que é divertido. 

— Oh! Te entendo totalmente. Já leu a Crônica de uma morte anunciada? É uma obra muito boa, recomendo.

Na semana seguinte, Bakugou estava lá, sentado na primeira mesa, perto da mesa do bibliotecário que admirava secretamente, seu motivo principal para ter começado frequentar a biblioteca da cidade. Na maioria das vezes, pegava um livro para disfarçar que ficava secando o ajudante, e, para sua surpresa, hoje ele estava o  encarando. Devagar, Shouto se aproximou e sussurrou em seu ouvido.

— Não precisa vir aqui todos os dias só pra me ver, loirinho. — Todoroki ria baixinho da cara de Bakugou, que se encontrava vermelho dos pés à cabeça.

— V-você não está muito convencido? ‘Tá viajando na maionese?! — gritou o mais alto que uma biblioteca permitia, ou seja, sussurrou.

— Eh? Não era isso? — Forçou uma cara confusa. — Bom, de qualquer forma, aqui. — Colocou um papelzinho no bolso da jaqueta de couro do garoto e voltou para sua mesa.

Ainda se recuperando do susto, Bakugou lentamente tirou o papel do bolso, temendo abri-lo. 

“Hey, loirinho, se continuar me encarando toda vez que vir aqui, vou acabar derretendo, haha. Se gamou em mim, devia falar. 

Vou ajudar, fica com meu número ××××-××××

— Todoroki, o carinha da biblioteca”.

Ao terminar de ler, olhou imediatamente para Todoroki, que mandou uma piscadela. Bakugou sentiu  tudo azul.