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História Templo das Bacantes Vol. 3 - Nada como um dia após o outro e uma noite no meio


Escrita por: Hamal_ , Rosenrot9 e IviCanedo

Notas do Autor


Esse capítulo está intimamente ligado com a One "Angie" então recomendamos que a leiam antes... ( não que vá iterferir no entendimento, porém quem não ler pode perder certos significados e "ovos de páscoa") Vou deixar o link da fic no final do cap ( mas tbm é só pesquisar nos nossos perfis ;D )

Capítulo 42 - Nada como um dia após o outro e uma noite no meio


Fanfic / Fanfiction Templo das Bacantes Vol. 3 - Nada como um dia após o outro e uma noite no meio

Na mesma noite, após a volta de Shaka e Mu das buscas pelos ingredientes do remédio que salvaria a vida de Kiki...

Templo de Baco, 08:30pm.

Diante no computador que iluminava o rosto marcado por profundas olheiras, Geisty se esforçava para lançar na planilha os agendamentos solicitados para aquela noite que se iniciaria em breve no Templo das Bacantes. O tempo, e também as circunstâncias, não eram seus aliados, já que aquela era uma tarefa que costumava executar junto e com a ajuda de Afrodite, ausente sabe-se lá até quando; porém ela não estava totalmente sozinha, contava com suas fies companheiras, a taça de cristal meio cheia e uma garrafa de Chianti pela metade.

Há dias que Geisty vinha sentindo-se sobrecarregada; administrar sozinha um negócio faraônico como aquele não era nada simples, mas não podia, nem pretendia, se dar ao luxo de entregar-se à exaustão física e emocional, uma vez que sabia que muitos dependiam dela, de sua força e resiliência naturais já postas em prova tantas vezes, e também porque ela tinha plena consciência de que não era o trabalho, tampouco as tarefas diárias, que sugavam suas energias, mas sua mente aflita e incansável que teimava em manter-se longe, presa à urgência de Kiki, aos misteriosos conflitos de Afrodite, ao dilema, aparentemente sem solução, de Saga...

Ela suspirou longamente ao lembrar-se do cavaleiro de Gêmeos, então deu um gole no vinho e voltou a concentrar-se nas planilhas espalhadas sobre a escrivaninha ao lado do telefone que descansava fora do gancho; ela não queria mais ter de lidar com seus próprios pensamentos, quiçá com os clientes que ligavam insistentemente. O celular ela nem sabia onde tinha deixado, e também não se importava. Neste ninguém a procuraria.

Distraída em meio tantas listas de nomes e números, de repente ela ouviu duas batidas suaves na madeira da enorme porta dupla que cerrava o escritório. Sem desviar os olhos das planilhas ela apenas respondeu em reflexo, dando mais um gole ansioso na taça de vinho:

— Entra.

A porta fez um rangido ao abrir, e o som, antes abafado, da música que tocava no salão invadiu nítido o local.

— Boa noite, Geisty.

A voz conhecida chamou a atenção imediata da amazona que desviou ligeiro os olhos violetas da tela do computador para crava-los no rosto de Saga, que parado ali na porta tentava transparecer calma, embora fosse traído pelas próprias mãos inquietas que se esfregavam nervosamente e pelo andar freado dois passos a dentro da sala.

Logo o silêncio entre os dois, que pareceu perdurar por horas, mas que na verdade durou poucos segundos, foi quebrado pela amazona que perguntou:

— O que você quer, Saga? Eu estou ocupada... muito ocupada, por sinal — disse ela, e na tentativa de desvencilhar-se da prisão que a imagem do cavaleiro ali lhe impunha, rapidamente desviou os olhos para a sua escrivaninha lotada de papéis, ainda que naquele instante esses não lhe tinham a menor importância, já que eram mera desculpa para fugir daqueles olhos jades que a fitavam ansiosos.

— Eu tentei ligar para você, mas não me atendeu — disse o grego meio constrangido.

A resposta dela veio com o fone do aparelho fixo que ela encaixou ruidosamente no gancho.

— Eu liguei para o seu celular também — insistiu ele.

Ela deu de ombros, fingindo desdém.

— Não sei onde o deixei... acho até que perdi...

Houve uma pequena pausa, em que Gêmeos engoliu em seco coçando nervoso o queixo e em que Geisty emendou irritada:

— O que precisava falar comigo, Saga? Já que está aqui fala logo.

Olhando fixo para ela, de repente o geminiano sentiu-se perdido e um tanto constrangido. De fato aquela não parecia ser a melhor hora para ter escolhido ir falar com ela, pois que era nítido que estava sendo inconveniente — mais uma vez — mas já que estava ali e tinha capturado sua atenção, e considerando que não cogitava voltar atrás, ele tomou coragem e avançou mais um passo em direção à ela.

— Eu queria saber se tem notícias do Kiki... Soube que você esteve com ele no hospital durante o dia — disse ele fazendo uma pausa e finalmente descansando as mãos agitadas nos bolsos da calça. — Se está aqui deve ser porque Mu e Shaka voltaram das buscas e agora estão lá com ele no hospital... Eu queria saber se deu tudo certo, se... se eles conseguiram sintetizar a droga milagrosa que vai salvar o pequeno e...

Geisty não esperou que ele concluísse; matando com um só gole o restante de vinho em sua taça, ela em seguida a devolveu à mesa provocando um alto ruído e depois o encarou questionadora:

— Se está tão preocupado, por que não vai até o hospital?

Saga hesitou por um instante, arqueando os lábios para baixo e encolhendo ligeiramente os ombros.

— Não quero incomoda-los, ora bolas — respondeu estranhando a cena que se desenrolava diante de si, Geisty desarrolhando a garrafa e voltando a encher sua taça até quase transbordar.

— E por que não ligou para eles ao invés de mim? Os dois têm celulares — disse ela devolvendo a garrafa à mesa.

— Eu tentei — respondeu Saga — aliás, minha primeira tentativa foi justamente ligar para o Shaka, mas ele não me atendeu, então imaginei que estivessem ocupados envolvidos lá com Kiki... enfim... Não queria mesmo ser inconveniente... o Mu ainda me olha feio, por isso não fui até o hospital. 

A amazona soltou um resmungo e deu mais um gole generoso no vinho, se deixando afundar na cadeira antes de responder para ele com o olhar perdido no vazio de um ponto qualquer de sua mesa bagunçada:

— Kiki, está mal, Saga. Não vou ficar de rodeios, nem vou te poupar... A vida do meu sobrinho está por um fio... Ele está em coma ainda, e Mu e Shaka estão correndo contra o tempo — disse ela com a voz emocionada, dando em seguida mais um gole na bebida na tentativa de acalmar o coração.

— Atena, misericordiosa! Mas eles conseguiram fazer o remédio? — Gêmeos perguntou afoito, retirando as mãos dos bolsos e as esfregando na testa, onde brotava gotículas de suor, enquanto galgava passos nervosos até o meio do escritório.

— Eles acharam os ingredientes... Mu está tentando fabrica-lo nesse exato momento e eu espero, pela misericórdia da deusa, que dê tempo.

— Vai dar tempo! Vai sim! Confie — disse o grego se aproximando mais, então no calor do momento inclinou-se para frente e tomou a mão trêmula dela com a sua, a pegando de surpresa.

Nessa hora eles trocaram um olhar profundo que não durou um ínfimo instante, mas que significou para ambos mais do que um discurso inteiro de retórica impecável.

Com a boca seca, o coração aos pulos e a respiração ruidosa, tal qual Saga, Geisty recolheu a mão a escorregando ligeira por sobre vidro que revestia a mesa, enquanto o cavaleiro, sem opção, também recolhia a sua.

Tentando desviar o foco daquela situação ela prosseguiu:

— Eu soube que foi você quem achou o diário de Mestre Shion.

Saga apenas balançou a cabeça em afirmação.

— Obrigada... pelo empenho, por não desistir deles e por não desistir do Kiki — continuou ela com a voz emocionada, depois pegou da taça e deu um gole — essa pode ser a chance que ele estava esperando. Pelos deuses, nenhuma criança merece morrer — disse por último num sussurro.

— Nenhuma! E eu não podia assistir a tudo sem fazer nada... — disse Saga igualmente emocionado e depois de uma breve pausa, na qual pareceu refletir por um instante, emendou: — Eu não podia deixar que eles passassem pela dor que passamos... Eu jamais conseguiria viver em paz.

O cavaleiro suspirou fundo; seus sentimentos sempre vinham em uma enxurrada nesses momentos. Era impossível não reviver a sua própria dor toda vez que falavam de Kiki. Para ele, a própria perda recente ainda era uma ferida aberta e fresca. Angustiado apertou os olhos com as pontas dos dedos em direção ao nariz a fim de conter as lágrimas que se formavam, então resolveu abrir seu coração para a amazona:

— Eu tento lidar com isso da melhor forma, todos os dias, mas... parece que não existe uma melhor forma de se lidar com isso.

— Está falando do que, Saga?

— Do luto... que parece não ter fim. — Ele respirou fundo. — Mesmo indo com frequência à terapia e tomando os meus remédios religiosamente, não encontro nenhum alívio ou... consolo.

— Você não encontra porque não há — disse taciturna a amazona, o encarando enquanto dava mais um gole no vinho — eu te avisei. Essa é uma dor que não acaba, que nunca passa definitivamente, mas que com o tempo alivia e se torna quase... suportável. Você vai aprender a conviver com ela, assim como eu fiz.

Saga contraiu os lábios sentindo um nó sufocar lhe a garganta.

— Você não parece tão aliviada...  Aliás, há dias ando querendo ter essa conversa com você. Precisa de ajuda também, Geisty.

— Eu já tive a ajuda que precisei, e não foi a sua.

— Eu sei... — disse envergonhado desviando o olhar — e sou grato aos nossos amigos por acolherem você quando eu te faltei, mas eu falo de ajuda profissional, Geisty.

— Quem precisa de médico para a cabeça é você, Saga, que é louco. — Irritada ela levantou da cadeira e encheu a taça mais uma vez, sem se dar conta de que acabara de esvaziar mais uma garrafa.

— Geisty...

— Aliás, você sempre precisou, mas só agora tomou vergonha na cara para procurar ajuda.

— Estou tentando falar de você, Geisty, não de mim.

— De mim? Eu estou ótima! — gesticulava com as mãos bem ao seu modo italiano.

— Não está! — Insistiu o grego, mas sem levantar a voz em nenhum momento. — E eu não te julgo por isso... Você está certa quando diz que fui negligente, porque eu fui mesmo, e me arrependo muito. Quantas coisas eu, talvez, pudesse ter evitado se tivesse aceitado antes que precisava de ajuda profissional... enfim... eu não quero que você também se arrependa... E se não quiser ir sozinha à terapia, podemos ir juntos e...

Ela de imediato o interrompeu:

— Não, não podemos. E pare de ser hipócrita, Saga! — Ela disse com expressão de nojo no rosto, erguendo mais a voz.

— Geisty, você não percebe o que está acontecendo? O que está fazendo a si mesma? Eu estou preocupado com você!

Saga tentava se fazer ouvir em meio às palavras ditas por ela ao mesmo tempo, mas ambos não se escutavam, e enquanto ele falava, ela dava a volta na escrivaninha e como uma onça brava já caminhava na direção dele.

— Eu vou te falar o que eu percebo, Saga. Eu percebo que desde que você começou a fazer esses seus tratamentos você está tentando fazer com que eu o acompanhe nas suas seções de terapia, porque não consegue passar por isso sozinho, e como eu tenho negado, você agora resolveu jogar baixo desse jeito comigo tentando me convencer de que eu estou doente. Mas essa comigo não cola.

— Ah, é isso que você acha? — perguntou ele pasmo.

— É, é isso que eu acho! Quer dizer, acho não. Eu tenho certeza!

— Pois você está errada, Geisty — disse ele agora sim levantando o tom de voz — Mas se é necessário que saiba o real motivo, então lá vai, eu te digo. Eu quero que vá na terapia comigo porque vejo que você está se tornando uma alcóolatra!

Geisty calou-se de súbito enquanto o encarava perplexa.

— O quê?

— Geisty... — Ele respirou fundo. — Você não percebe porque está em um ciclo vicioso, mas no AA nós aprendemos que...

— Foda-se o AA, Saga! — Ela deu um tapa forte na mesa. — Ah, mas era só o que faltava!

— Geisty, indo aos encontros eu finalmente percebi que você bebe há anos! — Insistiu o geminiano. — E não é uma simples taça de vinho à noite depois do jantar como “manda o figurino”. Você bebe uma garrafa inteira de Chianti toda noite, que eu sei, e não é de agora, mas vem desde antes da inauguração desta casa.

— É bordel, Saga! — ela o interrompeu — isso aqui é um bordel, e você não me venha ter vergonha agora de admitir que você é a porra de um cafetão, além do grande idealizador dessa merda aqui.

— Eu não tenho vergonha... mas não é do bordel que estou falando — ele prosseguia mesmo com ela o interrompendo a todo momento: — Estou falando de você e do seu problema com álcool, que vem desde a época em que você secava o bar daqui sempre que estava chateada ou deprimida, não negue.

— Ah, mas é claro!... Porque será que eu fazia isso, não é mesmo? Já que eu nem tinha motivos para viver chateada e deprimida...

— Geisty...

— Nessa sua cabeça doente deve ser muito agradável ser prostituta, não é, Saga? Tinha era que você dar o seu rabo para ver o que é bom, seu figlio de um canne! Aposto que também ia querer mergulhar em um barril de whisky...

— A questão não é essa! — Saga quase gritou.

— Qual é a questão então? Vamos ver! — Geisty gritou ainda mais alto.

— A questão é que você está repetindo o meu maior erro, e eu não posso simplesmente assisti-la fazer isso e não fazer nada! Você está buscando a solução para os seus problemas, medos e aflições no fundo de uma garrafa de vinho, exatamente como eu fazia, no entanto ali não há solução nenhuma, amore mio.

— NÃO ME CHAME ASSIM! — bradou a amazona contorcendo o rosto cansado em uma carranca rubra de raiva, que fez Saga contrair o rosto e amenizar o tom de voz.

— Não há como fugir dos nossos problemas, Geisty — completou ele.

— EXATO! E O PRINCIPAL DELES É VOCÊ, SAGA! — gritou ela aos soluços em meio a um choro repentino, misto de raiva e mágoa, mas não de Saga, e sim de si mesma, de não ser capaz de lidar com o amor que sentia por ele. — VOCÊ É O MEU MAIOR E ÚNICO PROBLEMA! EU BEBO PARA LIDAR COM VOCÊ... EU BEBO PARA ESQUECER VOCÊ... MAS VOCÊ INSISTE.

Exaltada, Geisty pegou a garrafa de vinho vazia sobre a escrivaninha e a atirou contra a parede, a transformando em uma nuvem de pó de vidro e micro gotículas.

— E eu só quero um pouco de paz... por favor... — Ela disse convicta, com os olhos violetas nublados que encaravam o rosto pálido e petrificado do cavaleiro à sua frente. — Eu só preciso de paz na minha vida, Saga.

As palavras de Geisty eram carregadas de ressentimento e de verdade, e como uma lâmina afiada Saga as sentia lhe perfurar o peito rasgando tudo que estivesse em seu caminho, lhe deixando sem ar, sem sangue e sem chão.

Pela primeira vez desde que recobrara a consciência Saga pensou em desistir de forçar uma reaproximação com ela; não que não houvesse amor — ao contrário, a amava incondicionalmente e amaria para o resto da sua vida — mas pelo bem dela parecia ser a hora de desistir.

A boca se abriu seca e muda, até a voz sair dela branda:

— Tudo bem, Geisty, se o que te atormenta sou eu, vou deixa-la em paz... vou sair da sua vida... mas saiba que você nunca sairá da minha — disse consternado, porém firme, sem desviar o olhar do rosto dela. — Boa noite.

Saga deu as costas à amazona e saiu em absoluto silêncio; ela o acompanhou com o olhar até a porta se fechar atrás dele sem produzir nenhum ruído.

Assim que se viu ali sozinha Geisty se apoiou com uma das mãos na mesa atrás de si; sentia a força nas pernas lhe faltar, assim como o ar. Súbito ela esticou a mão, pegou a taça e deu um gole no vinho, depois sentou-se no chão olhando para a porta enquanto virava em mais um gole o resto da bebida.

Naquele ponto ela sentiu-se tão sozinha como há muito tempo não estivera. A Descolândia, o apelido que deram ao escritório onde passavam juntos a maior parte do dia, sem Mu e Afrodite ali parecia agora um mausoléu. Fazia-lhe tremenda falta a presença reconfortante de Mu e a animação contagiante de Afrodite, também a alegria e os risos de Kiki... até dos conselhos sempre pontuais e dos sermões de Shaka ela sentia falta.

De repente a vida ficou tão pesada para todos...

Ela sentia que não tinha mais com quem dividir seus medos e anseios além daquele vinho em sua taça.

Paz... A quantos anos esta lhe abandonara!

Mas... será que ela sabia qual a paz da qual sentia tanta falta?

E seria mesmo Saga quem a estava roubando de si?

Ou era justamente ele a única pessoa no mundo que poderia trazê-la de volta?

De repente ela pensou num mundo sem Saga, e essa mera ideia a fez sentir um aperto forte no peito e um vazio indómito na alma, sentimentos estes que eram velhos conhecidos seus.

Angustiada ela enfiava os dedos entre os cabelos negros enquanto se perguntava onde havia errado, onde ela e Saga haviam errado, para estarem ambos agora como estavam, quebrados, aos cacos, e pelo visto sem perspectiva nenhuma de algo que os colasse de volta; então, uma voz interna, a dela mesma, lhe sussurrou no ouvido a resposta: nenhum dos dois erraram, pois que a vida não é um navio que se possa conduzir com precisão, já que este tem um leme, uma bússola e um comandante à sua frente. E se navegar é preciso, viver não é, como um dia cantou o poeta.

Ali sentada com o olhar vago e o pensamento distante, Geisty mais uma vez pensou nos amigos. Teriam Shaka e Mu errado para estarem vivendo o pesadelo em vida que viviam agora? E teria Afrodite errado quando se apaixonou por um homem que por algum motivo não pode ter a identidade revelada? Para ambas as questões a resposta era a mesma. Eles não erraram. Eles apenas viveram. A amazona não sabia por qual tipo do conflito Afrodite passava no relacionamento com o namorado misterioso, mas o brilho no olhar dele, o sorriso e os suspiros quando o mencionava lhe diziam que Peixes faria de tudo, enfrentaria o mundo se preciso fosse, por esse homem, para estar com ele. Assim como Mu e Shaka, que enfrentavam dois oponentes colossais, o Tempo e a Morte, para não terem de abrir mão da vida.

A vida... era ela a única culpada.

E se não há como escapar das armadilhas da vida, essa terrível Quimera devoradora de sonhos e autora de frustrações, ao menos um jeito de torna-la mais branda teria que haver. Foi então que Geisty se lembrou de uma conversa que tivera com Shaka um tempo atrás, logo que Saga recobrara a consciência, mas só agora as palavras dele lhe faziam total sentido: “Tornar a caminhada longa demais só vai prolongar o seu cansaço.”

Sim, ela já tinha prolongado demais aquele sofrimento.

Não dava mais para negar para si mesma que não foi capaz de matar o amor que sentia por Saga, nem nesses seis anos em que ficou do lado do Outro na esperança de que ele voltasse. Não podia também continuar negando que precisava dele, e ele de si, talvez agora mais do que nunca; e se lhe perguntassem se era mesmo esse amor que tinha para receber e também a oferecer, um amor remendado, manco, um pouco estranho, ela diria que não desejava nenhum outro.

A verdade era que Geisty tinha plena consciência de que seu amor por Saga não era um amor ideal, mas o seu, exclusivo e único; e se não o vivesse estaria condenada a viver pela metade, assim como Saga.

Saga...

Deitada agora no chão, com os olhos fixos no ventilador de teto, ela suspirava repetindo aquele nome, enquanto uma lembrança antiga desenhava em sua mente o rosto jovial de fisionomia doce e serena do cavaleiro por quem se apaixonou ainda adolescente.

Passaram por tanto para poderem escrever sua história juntos.

Instintivamente seu Cosmo procurou pelo de Saga, então ela começou a chorar ao senti-lo triste como nunca e carregando de uma culpa que o fazia implorar por redenção.

Redenção... talvez essa fosse a resposta.

***

Templo de Gêmeos, 09:35pm.

O caminho que Saga percorreu até a Casa de Gêmeos em nada aliviou seu estado de torpor. Parecia anestesiado, do mundo e da vida.

Com ânimo vencido ele adentrou a área residencial; o silêncio era incômodo, a solidão opressiva. Não havia ruídos, cheiros, vozes ou passos, somente os dele. Nunca aquela casa lhe pareceu tão inexpressiva como agora.

Na sala de estar, a velha vitrola lhe pareceu uma alternativa para espantar o silêncio taciturno. Procurou sem pressa pelos LPs sem ao menos ler os títulos; nenhum deles parecia-lhe interessante, até que se deparou com um em específico: Goats head soup, dos Rolling Stones.

Era de Geisty aquele LP. Era o preferido dela.

Saga o puxou da pilha e ficou olhando para a capa por alguns segundos. Não sabia por quantos anos a amazona tinha guardado aquele LP, mas o amarelado do papel denunciava ser mais de uma década, ainda que estivesse intacto. Sabia que Geisty amava aquela banda; ela cantava cada uma daquelas músicas a plenos pulmões sem errar uma estrofe sequer. Se perguntou como ela pôde tê-lo esquecido ali quando arrumou suas coisas e partiu. Talvez ela tivesse saído tão às pressas que se esquecera de levar. Ou talvez ela tivesse a intenção de voltar... Preferia crer na segunda opção.

Uma fisgada no coração, seguida da voz de Geisty que se repetia em ecos em sua cabeça, então lhe fez lembrar que não, ela não ia mais voltar e nada seria como antes. Nunca mais teria sua amazona de volta e isso doía.

Com um longo suspiro e lágrimas nos olhos Saga abriu o LP duplo e de cara se deparou com uma dedicatória de Shion escrita em perfeita caligrafia. Aquele álbum havia sido um presente de aniversário do velho mestre à pupila.

É... a vida parecia não se cansar de cutucar-lhe as feridas abertas.

Sem pensar muito por que razão, Saga colocou o LP número 1 para tocar na vitrola; talvez assim conseguisse enganar o coração dolorido e sentir Geisty ali por perto, preenchendo com sua presença jovial e amada os corredores frios de sua casa, depois mandaria devolvê-lo à sua dona. Assim, ele aumentou o volume no máximo que a vitrola suportava, para que o som ocupasse cada espaço vazio daquela habitação, e deixou sua mente vagar.

Enquanto a música tocava, Saga caminhou até seu quarto e de dentro de uma das gavetas retirou uma pequena caixa de madeira que guardava o relicário e a aliança de casamento de Geisty, pertences que ela também havia deixado para trás quando foi embora. Todos os dias olhava para eles; eram sua injeção de ânimo e o alívio para saudade. Ele abriu o relicário e contemplou a pequena foto que tiraram juntos e que fora colocada ali, em seguida depositou um beijo sobre ela. Ainda podia sentir o perfume de Geisty na peça, e se angustiava diariamente ao percebe-lo cada vez mais fraco. Aquilo fora tudo o que lhe restara de sua amada amazona, e se sentia miserável por isso, mais do que antes, e talvez no dia seguinte mais ainda.

Como ele pôde deixar que as coisas chegassem aquele ponto? Fazia-se a mesma pergunta que repetia incansavelmente em todas as sessões de terapia; sabia que era preciso aprender a lidar com a culpa, a perdoar-se, mas era tão difícil... Por um breve momento pensou em ligar para doutor Tibúrcio Aeropholius e dividir com ele sua dor, mas desistiu... já tinha falado sobre isso com ele na sessão daquela tarde e provavelmente falaria de novo amanhã, e depois, e depois...

Cansado, Saga foi procurar num banho quente algum conforto para o corpo e os sentidos anestesiados pelos tantos medicamentos que estava tomando, e ali, debaixo da cascata de água morna do chuveiro, que lhe atingia a nuca, ele finalmente se permitiu extravasar seus sentimentos e chorou. A angústia que sentia lhe comprimir o peito subia pela garganta e arrebentava em soluços ruidosos, enquanto as lágrimas grossas deslizavam quentes por seu rosto se misturando à água que caia do chuveiro.

Pela porta do banheiro, que deixara aberta, a música da vitrola entrava e embalava seu pranto, mas ao contrário do que esperava esta não fora capaz de espantar a solidão que assolava seu coração.

Pela primeira vez em anos sentiu-se frágil, como se toda a sua força física, e também sua vontade, lhes fossem tomadas; assim, sentou-se no chão de ladrilhos do boxe amplo, com uma das pernas flexionadas e a testa apoiada no joelho, deixando que a água golpeasse suas costas enquanto se rendia ao pranto sofrido.

Nessa hora a agulha da vitrola encerrou uma faixa e deu início à próxima, e logo o primeiro verso da canção tocou fundo as lembranças e o coração de Saga, pois que esta era uma velha conhecida sua, ainda que a considerasse muito mais bonita quando cantada pela voz suave de Geisty.

— Ah...Angie! — ele sussurrou.

Ele se lembrava como se fosse ontem da primeira vez que ouviu aquela canção, na prisão do Cabo Sunion; a voz angelical e melancólica da amazona entoava as notas de forma tão bela e charmosa que pareciam espantar o desalento que aquele lugar horrível provocava.

Ele desejou que aquela música exercesse nele o mesmo poder, que espantasse toda dor e desalento em seu coração, e que como no passado lhe trouxesse ela, Geisty.

Imerso naquelas lembranças tão nostálgicas, Saga não percebeu a aproximação de passos silenciosos, que temerários seguiram até a porta de vidro fumê do boxe, a qual foi aberta lentamente.

Na mesma hora Gêmeos levantou a cabeça e ergueu os olhos inchados pelo choro, e seu rosto abatido então ganhou ares de espanto quando viu ali, diante de sua alma e corpo totalmente expostos, a figura de Geisty, de pé, muda, o encarando com expectativa enquanto trazia no rosto um olhar triste em meio aos borrões deixados pelo rímel devido às lágrimas.

Por um momento eles apenas se encararam, sérios, imóveis, até que a amazona, sem cortar o contato visual com o cavaleiro, retirou os sapatos, entrou no boxe e ajoelhou-se à sua frente; lentamente ela passou a analisar cada traço do rosto dele, enquanto sem pressa afastava os fios de cabelo molhado que lhe caiam por sobre os olhos jades vidrados.

Ah, como ela amava aqueles olhos!... Que falta sentira deles.

A tristeza neles era visível, mas nem assim lhes tirara a beleza. Ela sempre os achou expressivos e profundos, agora ainda mais, e olhando para eles novamente tão de perto ela sentia o coração ladrar aflito dentro do peito, ansioso.

Foi tão longa a espera... E não era como se ela tivesse acabado, pois que haviam ainda muitas dúvidas tumultuando os pensamentos da amazona, e era para sana-la que ela estava ali. Precisava tirar a prova real.

Num gesto lento Geisty colou seu rosto ao de Saga, enquanto ele se mantinha imóvel, então mesmo debaixo dos respingos d´água ela sentiu o cheiro de seus cabelos e da pele, que mesmo molhada ainda conservava o odor característico da loção pós-barba. Nessa hora ela deixou escapar um sutil ofego, e sua respiração pesada tocou o rosto do cavaleiro que em reflexo fechou os olhos e soltou pela boca um longo suspiro, quase engasgando-se com o ar e com a água que lhe respingava no rosto. O hálito dele tocou instantaneamente os sentidos da amazona, que sem mais poder adiar ou driblar o desejo tocou-lhe os lábios com os seus, suave, a princípio aprazendo-se do saudoso sabor, e depois, sem mais delongas, aprofundando o beijo enquanto enfiava os dedos longos entre os fios azuis dos cabelos dele; matando de vez aquela vontade sufocante que lhe roubava o ar.

Aquele toque dos lábios dela com os seus era tudo o que Saga precisava para crer que não estava delirando, então como se tivesse despertado de um pesadelo terrível e caído nos braços abençoados de um sonho que se torna realidade, eufórico ele a abraçou pela cintura e a puxou para seu colo, ao mesmo tempo em que se entregava de corpo e alma àqueles lábios adocicados pelo vinho.

Embalados pela música que tocava na vitrola, instigados pela paixão e pela euforia do reencontro, eles entrelaçavam suas línguas quentes e macias, enquanto as mãos femininas da amazona corriam ágeis pelo corpo musculoso e nu do cavaleiro, que afoito também trabalhava com as suas, mas para abrir os botões da camisa que ela usava. Quando conseguiu livra-la da peça ensopada a atirou para fora do boxe sem nem ver em qual direção. Na ânsia de agilizar o processo, Geisty em desespero desceu as mãos para a própria calça de alfaiataria, abrindo ela mesma o zíper. Saga sem demora a deitou sobre o piso de mármore e enquanto se beijavam alucinadamente ele a ajudou a se livrar da calça e da lingerie, para sem demora deitar seu corpo sobre o dela

Ambos tinham urgência. Urgência para se amarem, para se tocarem, para sentirem um ao outro, para voltarem a se entregar aquele amor desvairado que só eles conheciam.

Deitados ali, com a água morna a cair sobre seus corpos nus, eles se entregaram um ao outro de forma plena e intensa, matando a saudade que sentiam do gosto, do cheiro, do toque, do som, e isso era como estar de volta ao paraíso.

Foram os cinco minutos mais intensos e deliciosos que eles viveram; quase fizeram valer os seis anos de espera. Quase.

Exaustos e satisfeitos depois daquele sexo desenfreado e urgente, deliciados pelo orgasmo que tiveram juntos, abraçados e arfantes eles agora tentavam acalmar seus corações, que batiam agitados de alegria e euforia.

Ainda ofegante, sem de fato acreditar no que havia acontecido, Saga correu os dedos pelos lábios de Geisty antes de beija-los longamente, depois apoiou sua testa na dela e olhando profundamente em seus olhos violetas sorriu. Um sorriso de felicidade plena.

— Senti tanto a sua falta — sussurrou com emoção Geisty, que tinha os olhos marejados.

— Eu nunca mais irei embora, eu prometo a você — respondeu Saga selando a promessa com um beijo.


Notas Finais




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