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História Tempos Áureos (livro 2) - 5 - Silêncio


Escrita por: IchygoChan

Capítulo 6 - 5 - Silêncio


Fanfic / Fanfiction Tempos Áureos (livro 2) - 5 - Silêncio

O sono não a alcançou de noite como vinha acontecendo desde que acordara com o pesadelo que sequer compreendia agora. Toda vez que fechava os olhos via-se em um lugar diferente, as vezes sobre montanhas, por vezes de volta a Turandor, morta e abandonada. As vezes estava em um lugar novo, uma cidade bonita, com altas edificações e um templo maravilhoso. Nunca pisara no lugar, mas sentia-se estranhamente apegada à ele, principalmente ao templo, como se tivesse vivido muitos anos ali. Gostava de caminhar entre esses lugares, porém temia que sua mente a levasse para a cidade natal ou o poço profundo, até mesmo o vulcão de lava incandescente onde ouvia sussurros de todos os lados.

Naquela noite ela se esquivou gentilmente do abraço do pai, escorregando para longe da cama. Tinha algo a fazer, quase uma missão. O pai resmungou algo ao percebê-la se afastar de seu toque, entreabrindo os olhos ainda meio confuso pelo sono e Lyah se apressou em beijar-lhe gentilmente a bochecha visível, acarinhando-o enquanto murmurava palavras doces em sua língua natal. Aos poucos ele voltou a dormir, um meio sorriso satisfeito lhe enfeitando os lábios.

Lyah sabia que ele estava sonhando com alguma memória antiga e feliz e sorriu também. Beijou-o mais uma vez, ajeitando a coberta por sobre o dorso que ele teimava em manter descoberto e saiu da cama.

Assim que destrancou a porta, empurrando-a cuidadosamente para sair deu de cara com dois guardas.

- Princesa, não deve sair, é tarde. - um deles se apressou em avisar um tanto temeroso de tocar nela. Seus olhos buscavam a figura do rei adormecido.

Como imaginaram ela não respondeu, apenas os fitou com os grandes olhos em surpresa sentindo algo dentro de si se agigantar, roubando um pouco de seus movimentos.

- Relisium - murmurou tão baixo que mais pareceu um chiado que uma fala. Não tinha sido ela a falar.

Os guardas continuaram a fitá-la, dessa vez um tanto aturdidos. Aos poucos os olhos deles começaram a ficar turvos, opacos e suas pálpebras fecharem. Lyah ergueu as mãos e seus corpos não tombaram, permanecendo em pé como que congelados na mesma posição.

- Estúpidos, não deveriam questionar um soberano- sua voz saiu grave, não mais que um sibilar.

Logo Lyah retomou o controle do próprio corpo, tremendo involuntariamente por conta da energia deixada pelo outro.

O corredor estava iluminado por alguns archotes que ela poderia pegar para usar se não estivessem suspensos por suportes altos, longe de seus dedos. Não importava, pois a luz da lua cheia iluminava alguns trechos, sem contar que ela não precisava de muita luz para enxergar na escuridão em algumas situações, seus olhos eram adaptados a lugares escuros.

O mundo humano é tão... tão...

"....Desprezível" a primeira voz, grave e assustadora, ecoou em sua mente completando sua frase com visível asco.

" .... Frágil" a segunda voz, macia e familiar, rebateu.

"... Confuso" Lyah terminou o pensamento. As demais vozes pareciam adormecidas. "Por que estou do lado de fora do quarto? Os humanos podem me sequestrar se quiserem, estou vulnerável e meu corpo ainda é frágil"

"Precisamos lidar com as ameaças" a voz grave se pronunciou " Calar aquele que pergunta demais"

A segunda voz não se pronunciou, mantendo-se em silêncio.

"Mas eu ainda não tenho poder suficiente para isso" dessa vez não era ela pensando, mas sim uma versão sua muito mais velha a qual não se opunha, como uma segunda personalidade que se tornara ainda mais forte depois do atentado a Turandor, ainda que a abandonasse por muitas e muitas horas, surgindo apenas em momentos oportunos como aquele.

"Não há necessidade de ter muito poder para o que vai fazer" a voz grave incentivou. Lyah não gostava de como as energias negativas dele pesavam dentro de si.

"Eu não quero machucar ninguém"

"Prefere que te machuquem? Ou ao seu tolo pai humano?"

"Não!"

"Então apenas obedeça" a voz grave parecia ainda mais irritada e isso assustava Lyah a ponto de fazer seus olhos lacrimejarem " Vocês e essa maldita tendência a se compadecer de humanos"

"Eu sou humana também!" Lyah rebateu, desejando que sua outra personalidade estivesse acordada para então responder com mais propriedade. Mas ela não veio.

"Não, você não é!Sabe disso" agora a voz rosnava irritada e chateada " É por isso que ainda estamos presos nessa maldita forma sem conseguir o que queremos de verdade!"

"O que você quer, não confunda as coisas" a voz materna voltou a se pronunciar, soava injuriada também, mas de um jeito diferente "Enquanto eu estiver aqui não vou permitir que faça o que quer"

O outro apenas riu, a voz ecoando como milhares de maus presságios.

"Enquanto estiver dividindo seu poder entre dois mundos pouco poderá fazer. Eu sou paciente, esperei até encontrar o invólucro perfeito, vou saber tomar a dianteira quando estiver mais fraca, sabe disso. Hei de terminar o que deixei incompleto"

"O que você quer terminar?" Lyah indagou confusa, mas não obteve nenhuma resposta.

Chegou finalmente a frente da porta de um quarto. Os guardas a encararam confusos, como se analisassem um vulto sem saber exatamente como proceder.

- É a princesa de Solomus, não é? - um indagou ao outro, embora seu tom deixasse claro que não esperava resposta.

Lyah ergueu ambas as mãos com as palmas voltadas para cada um dos guardas e as fechou.

- Relisium... - sibilou mais uma vez o encanto.

Tal como os de seu quarto esses também adormeceram, permanecendo em pé como que congelados. Seus olhos estavam cerrados e seus lábios silenciosos como se não pudessem mais se abrir.

Concentrando-se na porta dupla que só abria por dentro, Lyah ergueu a mão, dessa vez deitando-a horizontalmente. Os quatro dedos levemente arqueados em um ângulo de agarre, como se estivesse simulando segurar a trava interna. Com um pequeno esforço e muita concentração moveu a mão para a direita.

Houve o som de madeira deslizando por hastes de metal, ela podia sentir a pressão e peso, como se realmente estivesse tocando a trava de madeira horizontal. Pouco depois o destravar da porta soou.

Lyah se aproximou e empurrou delicadamente uma das portas, abrindo uma pequena fresta por onde passou. O quarto estava escuro, sem luz de velas ou da lua. O candelabro tinha sido apagado há pouco tempo, podia sentir o cheiro da cera derretida ainda quente e as pesadas cortinas de veludo índigo tinham sido movidos de modo a cobrir a luz da lua. Não tinha importância, ainda podia ver a maior parte dos contornos.

Mas o quarto não estava vazio, ela podia sentir a presença de alguém, ouvir o bater cadenciado de seu coração e a respiração pesada que ele tentava ocultar. Era como se já esperassem sua visita.

Deu três passos tentando se concentrar de onde viria o ataque, quando a figura nas sombras se ergueria sobre ela. Seus passos soavam leves no tapete felpudo, os dedos dos pés se dobrando sob seu peso antes de se erguer do chão.

A respiração estava mais alta, quente. O coração batendo mais acelerado. Mas não o seu, ela tinha controle da situação.

Ou melhor, ele tinha. A voz pesada em sua mente estava a espera para tomar a dianteira mais uma vez.

Um ruído baixo, quase imperceptível a fez se virar para encarar a parede ao leste e antes que os braços se fechassem ao seu redor ela sibilou.

— Liviun

Os movimentos ao seu redor simplesmente pararam como se a pessoa estivesse debaixo da água, lutando contra uma pressão estranha que o deixava mortalmente lento. Ela ergueu a mão direita, seus pequenos e frágeis dedos segurando a gola do pijama do rei de Artaris, Shindo, em um aperto violento e mais poderoso que sua mirrada estatura aparentava e o arrastou como se não pesasse mais que uma pluma, arremessando-o na cama sem nenhuma docilidade.

Seus olhos se fitaram na escuridão, os de Lyah brilhando dourados e selvagens.

— Eu sabia que tinha algo de estranho em você! — ele sussurrou vitorioso.

— Pena que não vai poder contar a ninguém. — a voz dela escapou pesada e grave, como um rugido sobrenatural e metálico que fez o olhar do rei se contorcer em pânico.

— O que é você?

— Algo que a sua pequena e atrofiada mente humana não seria capaz de entender.

(...) 

Minutos mais tarde, Lyah saiu do quarto, executando os movimentos de antes para fechar o quarto por dentro e retornou pelos mesmos corredores até chegar ao quarto do rei, onde fechou a porta dupla por dentro e deslizou para perto do abraço do pai.

Naquele momento ela tremia de pavor, incapaz de pensar ou discutir algo com as vozes em sua cabeça. Detestava quando aquela voz tomava o controle de seu corpo, era debilitante, como ser possuída por uma entidade maligna.

E ela não podia fazer mais do que apenas observar.

"Durma, vai se sentir melhor amanhã" a voz doce voltou.

" Eu não quero sonhar com o que acabou de acontecer, nem com Turandor" suspirou com os olhos marejados encarando o nada enquanto buscava mais conforto no colo do pai que revirou a apertando mais contra si.

"Não vai, eu prometo. Vou te levar a um lugar melhor"

"Mas e se ele voltar e mudar tudo?"

"Não vai, está fraco demais para isso" o som doce embalou seus medos, levando-os para longe enquanto a acolhia com sua presença terna " Apenas descanse, eu vou garantir que nada aconteça"

Os olhos de Lyah pesaram com as palavras dela, como se fosse uma canção de ninar e aos poucos se deixou envolver, caindo na inconsciência.

De repente não estava mais do quarto, mas bem longe, afastando-se do reino. Podia ver tudo do alto, todas as florestas, cachoeiras e vilas passando em uma velocidade vertiginosa, bem como o vento gélido contra seu rosto.

Então chegou a uma cadeia de montanhas altas e, após passar por uma redoma mágica, sorriu de modo amplo, sentindo paz e ansiedade. Amava Selkis, o lugar onde nasceu e viveu por muitos anos, embora estivesse diferente, maior e mais urbanizada.

Pousou no templo, esgueirando-se para dentro de uma das janelas familiares enquanto o coração se aquecia. Era um movimento familiar, antigo ao qual não se questionara, apenas repetindo no automático.

Passeou pelo lugar, sorrindo com o sentimento de nostalgia que a tocava. Não conseguia pensar em uma palavra adequada para poder traduzir o que sentia. Um misto de paz e alegria que a deixava aérea, reconfortava.

Piscou por um momento e os corredores se encheram do alarido de vozes. Quando abriu os olhos teve que segurar o riso para não gritar esganiçada.

Haviam tantos dragões transitando aquela câmara que chegava a ser belo.

— O que está fazendo aqui, menininha? — uma voz doce perguntou e Lyah se virou para encarar uma mulher dragão de pele rosada que estava de cócoras a sua frente, encarando-a na mesma altura. A íris dourada de seus olhos contrastava com a cor preta que os circulavam. Seu sorriso era acolhedor e tão terno que lembrou a Lyah o outro pai do qual estava saudosa.

— Acho que precisava apenas passear. — respondeu sentindo-se acolhida — Poderia me mostrar o lugar, moça?

— Claro, eu adoraria.

Lyah não hesitou em dar a mão a moça quando ela ofereceu, sentindo-se protegida. 



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