Eu to morrendo aos poucos. Meu cachorro tá encarando a porta, ou ele quer sair ou tem alguma coisa lá fora. Ele se afasta, se tivesse lá qualquer coisa que pudesse acelerar o processo de óbito já foi embora. A morte é estranha, ela tá com você e nunca te abandona desde o dia em que você nasce. Tu pode tá jogando bola com os amigos dominando o placar com 4x0, que ela tá na plateia, não torcendo por ninguém, da mesma forma que ela já sabe que seu time vai ganhar dessa vez e perder no próximo final de semana quando o goleiro tiver abalado com a morte do avô, ela sabe a hora da sua morte e fica somente aguardando-lhe fazendo companhia. Quem sabe haja diversão nisso pra Morte. Ver os diferentes tipos de desvaida tem o seu charme. Se você bota o canhão de uma Magnum .44 na boca e estoura, a parede atrás de você certamente parecerá um quadro sádico, a obra requintada de um artista mergulhado em pós depressão-profunda que só ganha sua cor quando o sangue repleto de tonalidades vermelho-escuras se funde aos miolos rosa-alaranjados na combinação sublime e fétida que gosto de chamar de “tentação”. Por outro lado, se você passar a sua vida inteira enfiando garganta a dentro hamburgueres, chocolates, salsichas (olha a malícia) e ignorando por completo os advertimentos do ministério da saúde, sua morte poderá se encontrar numa gama ainda mais vasta que do nosso amigo artista. Você pode um, se engasgar até a morte na sua rosquinha caramelizada em bacon e cobertura de morango que consume toda manhã antes de esconder as evidências de sua esposa (ou mãe em casos mais crônicos); dois, infartar no meio da rua com o coração atolado em banha e gordura, porque seu índice de colesterol estava muito alto; três, se sentir mal por estar fora de um padrão de beleza inalcançável e vomitar até que a bulimia bote pra fora o último suspiro saindo pela sua boca gorda. O que acontece é que, eu estou entediado, e não aguento mais ver o dia-dia de minha miserável vida. Acho a morte um fetiche, pra não dizer um desejo. Bem lá no fundo eu sei o que eu quero de verdade, estraçalhar aquela barriga desgraçada e arrancar de dentro cada centímetro de estômago até que eu possa brincar de pula-corda com meu pai e as crianças do bairro. Enquanto disserto, divago, descrevo, meu cachorro me olha de canto de olho, não sei se ele sabe que eu nunca seria capaz de machuca-lo. Sinto a distância separando nós dois, sinto que se eu não fizer nada algum dia vou perde-lo para sempre. Claro que a ideia de imortaliza-lo na parede com palha e verniz me corre a cabeça, mas não posso deixar que nada aconteça com você. Não posso deixar que eu aconteça com você.
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