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História Terceira Chance - Guilty - Parte I


Escrita por: jaimencanto

Notas do Autor


Primeiramente, peço desculpa pela minha ausência. Infelizmente, apesar de querer viver dentro das minhas histórias, a vida real me pegou nesse ultimo mês. Tive alguns problemas pessoais, e isso me deixou com um bloqueio enorme. Achei melhor não forçar para escrever algo apenas por escrever, porque vocês leitoras não merecem isso. Sei que ficam bravas quando isso acontece, mas ser escritora mesmo não profissional, é uma carga muito grande. Espero que nem todas tenham desistido.Como eu disse anteriormente, passei (e ainda estou passando) por alguns momentos tensos em relação à escrita e à outras coisas que não convém citar. Vou dar o meu máximo, e NÃO vou abandonar essa história. Posso demorar um pouco para atualizá-la, mas peço a paciência de vocês para isso. Espero que entendam.

Capítulo 8 - Guilty - Parte I


             

FERNANDO

 

 A chaleira apitou e eu a tirei rapidamente do fogão. Enchi duas xícaras com o chá e voltei para a sala carregando-as.

- Eu não me lembrava dessa foto.

               Sorri me aproximando dele, entregando-lhe uma das xícaras.

- É, encontrei em uma caixa há algumas semanas. – Respondi olhando para a fotografia sobre a estante. – Achei que ficaria legal aí.

- E ficou. Devo ficar emocionado por saber que é a única foto em toda a sua casa?

               Nós dois rimos.

- Sim, você deveria.

               De fato era uma foto bem bonita, e realmente não havia nenhuma outra que eu quisesse colocar ali. Meu primo era como o meu irmão, e sempre tinha sido assim. Não apenas pelo fato de seus pais terem me acolhido quando minha mãe faleceu quando eu tinha dez anos, mas também por ele sempre ter sido o meu melhor amigo.

- Então... – Me sentei ao sofá e o olhei. – Como estava a estrada?

               Ele riu, sentando-se à poltrona em minha frente.

- Quer mesmo saber isso?

- Não, na verdade. Mas pensei que seria uma boa não perguntar logo de cara o que aconteceu para você vir me visitar. Seria indelicado.

- Mas isso combina mais com você. – Respondeu tomando um gole do chá.

- Tudo bem, então. – Coloquei minha xícara sobre a mesinha e o encarei. – O que está acontecendo, Bernie?

               Desde que fui morar na casa de Bernardo aos meus dez anos, nós contávamos tudo um para o outro. O fato de eu ser cinco anos mais velho não interferia em nossa amizade, pelo contrário. À medida que o tempo passava, eu apenas sentia a obrigação de cuidar dele, como se ele realmente fosse meu irmão mais novo. Seus pais me tratavam como um filho, e nossa relação não poderia ser diferente.

- Fiquei preocupado depois da sua ligação, mas não sabia que você viria para cá tão rápido. Pegou a estrada durante a noite? É perigoso, você sabe.

               Bernie riu.

- Você sempre falando como a minha mãe...

               Não pude evitar em sorrir. Eu realmente parecia sua mãe quando falava daquela maneira, mas era mais forte que eu. Bernardo era minha única família, apesar de ainda termos nossos avós. Mas, levando em conta que minha relação com nossos avós era péssima, eu considerava que apenas ele era minha família, depois do acidente de seus pais.

- Mas eu precisava vir hoje. Já faz um tempo que não te visito. Inclusive, você mudou muita coisa por aqui desde a ultima vez. – Disse olhando em volta.

               Franzi o cenho e cruzei os braços, encarando-o. Ele estava enrolando para termos aquela conversa, e isso me fez preocupar ainda mais.

- Bernardo...

               Ele me olhou e suspirou.

- Vai me dizer logo o que aconteceu, ou eu vou ter que ligar para a Olga e dizer que você está aqui?

- Não, Fernando! Você não vai fazer isso.

- Se não disser logo, eu vou sim.

- Eu vou dizer!

               O olhei divertido, recostando ao sofá. Eu sabia exatamente uma das poucas coisas que deixavam Bernardo tenso, e uma delas era as visitas de nossa avó. Ele ainda insistia em manter contato com eles, coisa que eu me recusava, por isso algumas vezes ele a visitava. Mas, ele sempre se esquecia como nossa avó era sufocante, e como nosso avô era crítico, e acabava traumatizado por longos meses.

- Eu vim porque precisava desabafar com você.

- Desabafar? Algum problema com você?

- Não, não exatamente.

- Com a loja?

- Não.

- Então... Com a Lety?

               Ele não me respondeu. Eu sabia da situação de Lety, principalmente porque apesar da distância, Bernardo e eu nunca perdemos o contato. Desde quando ele a conheceu, Lety era o resumo de todas as nossas conversas. Ele falava o quanto gostava de estar em sua companhia, do quanto ele a achava maravilhosa, e todas essas coisas de homens apaixonados. Algo que nunca aconteceu comigo, por sorte. Não tive a oportunidade de conhece-la por não ter tempo fora do hospital, já que minha vida era resumida em trabalho. Mas, eu sabia que uma pessoa que fazia tão bem à Bernardo, merecia minha admiração.

- Ela está mal? – Perguntei já sabendo a resposta.

- Sim. – Ele suspirou. – O caso dela se agravou, e ela está internada.

               O olhei com pesar.

- Eu sinto muito, Bernie. Eu queria poder fazer algo para ajudar, mas você sabe... Não está no meu alcance.

- Eu sei...

               Eu realmente gostaria de ajudá-los nisso. Sabia o quanto Lety era importante para ele, e sabia que em algum momento ele sofreria com toda essa situação. Como médico, eu sabia que era apenas questão de tempo para o caso de Lety se agravar sem o tratamento, e infelizmente esse dia havia chegado. Eu cheguei à perguntar aos meus colegas cardiologistas se havia alguma maneira de ajudá-la, mas seu caso era realmente delicado. Apenas uma doação poderia salvá-la, e como um profissional nada religioso, eu sabia que as chances disso acontecer antes que ela entrasse em uma situação delicada eram baixas.

- Mas eu não vim aqui para desabafar sobre isso. Quero dizer, de certa forma sim. Mas tem algo mais.

- O que?

               Demorou um tempo para ele me responder, o que me deixou tenso.

- É sobre mim. Uma decisão que tomei.

- Qual decisão? – Me ajeitei ao sofá, encarando-o.

- Eu... Decidi... interromper meu tratamento. Eu vou parar de tomar os medicamentos.

               Olhei para ele por um instante, até começar a rir. Bernardo me olhou curioso, mas eu não pude evitar. Só poderia ser uma piada.

- Ótimo, grande piada, Bernie.

- Não é uma piada, Fernando.

- Só pode ser uma piada. – Eu o olhei. – Você não interromperia o seu tratamento.

- Não só interromperia, como já fiz. Eu já parei de tomar os remédios.

               Dessa vez meu sorriso desapareceu, e eu o encarei.

- Você não pode estar falando sério, Bernardo.

- Mas eu estou. E eu queria te contar, porque eu preciso que faça uma coisa por mim.

 

 

 

 

                                                           -------------------------------------

 

 

 

               Eu só me lembro de uma única vez que me irritei com Bernardo, e eu tinha quinze anos. Estava irritado com tantas provas e trabalhos, e com a cabeça focada na faculdade. Mesmo novo demais para pensar nisso, fazer medicina era uma meta que eu havia traçado desde criança, quando minha mãe adoeceu. Eu não queria ter que depender sempre da ajuda dos meus tios, e por isso estava me esforçando para conseguir uma bolsa. Com todo o estresse e toda a pressão, eu estava mais impaciente do que de costume, e em um desses dias, Bernardo teve a sorte de deixar o seu chocolate quente cair em um dos meus trabalhos da escola. Me lembro de ter ficado furioso, gritei com ele e disse que nunca mais o queria no meu quarto. É claro que depois me arrependi, principalmente porque ele tinha apenas dez anos e me via como um “exemplo”. Depois de me sentir mal, fui lhe pedir desculpas mas ainda assim ele ficou um bom tempo sem conversar comigo, ao menos até eu dar o meu videogame para ele, que era a coisa que ele mais gostava na vida. Depois disso, prometi à mim mesmo que jamais gritaria ou me zangaria com ele outra vez. Até então essa promessa estava de pé.

- VOCÊ PERDEU O JUÍZO, BERNARDO! – Gritei enquanto caminhava de um lado para o outro.

- Eu sabia que você ficaria bravo, mas não tanto assim.

- E COMO QUERIA QUE EU ESTIVESSE? VOCE PODE SE OUVIR? VOCE CONSEGUE SE OUVIR?

- Sim, eu consigo. Fernando, eu sei que parece loucura, mas...

- NÃO, NÃO PARECE. É UMA LOUCURA! MEU DEUS, BERNARDO! EU NÃO ACREDITO QUE VOCE PENSOU MESMO QUE EU CONCORDARIA COM ESSA LOUCURA.

- Não pensei, mas eu sei que você vai concordar em algum momento, porque você melhor do que ninguém sabe que não é tanta loucura assim.

- AH NÃO?! – Parei em sua frente, encarando-o. – ESSA SUA IDEIA NÃO É LOUCURA? ENTÃO O QUE É?

               Ele suspirou, abaixando a cabeça.

- Sinceramente, Bernardo! Eu sempre pensei que você fosse inteligente, mas depois disso... Tenho minhas dúvidas.

               Bernardo continuou em silencio.

- Você não pode... Você não pode abrir mão da sua vida... – Eu respirei fundo, tentando não me sentir um idiota dizendo tamanha loucura. – Por causa de uma mulher.

- Não é apenas uma mulher, Fernando. – Ele me olhou.

- É claro que é apenas uma mulher! – Aumentei a voz outra vez. – Vocês estão juntos o que... Há dois anos? E ainda assim acha que ela é o amor da sua vida? Olha, eu sei que você nunca se apaixonou antes, mas isso é um absurdo! Nem mesmo pessoas casadas há mais de trinta anos seriam capazes de fazer isso um pelo outro!

- E o que você sabe sobre isso? – Ele se levantou, me olhando. – Você nunca se apaixonou.

- É claro que não! E se for para eu me apaixonar e ficar louco como você, não quero que isso aconteça nunca!

- Então não diga o que não sabe, Fernando! Letícia é maravilhosa,  e se você a conhecesse...

- Eu continuaria pensando que isso é uma loucura. O que ela é afinal?

- A mulher mais incrível que já conheci, e que não merece tudo o que está passando.

- E você merece? – Falei ofegante. – Você merece cometer essa loucura por achar que está apaixonado por ela? VOCÊ NÃO MERECE, BERNARDO!

- ELA PRECISA DE MIM, FERNANDO.

- ELA PRECISA DE VOCE AO LADO DELA, E ISSO NÃO VAI AJUDÁ-LA EM NADA! PELO CONTRÁRIO! ELA NUNCA IA TE PERDOAR SE VOCE FIZESSE ISSO.

- EU NÃO ME IMPORTO! EU SÓ QUERO QUE ELA TENHA UMA SEGUNDA CHANCE!

- EU NÃO VOU PERMITIR QUE VOCÊ FAÇA ISSO!

- MAS EU NÃO ESTOU PEDINDO A SUA PERMISSÃO! EU VOU FAZER COM OU SEM A SUA AJUDA, A ESCOLHA É SUA!

               Ficamos um tempo em silencio, e isso foi estranho. Eu já estava gritando com ele há algum tempo desde quando ele me contou sua ideia maluca e fora de cogitação. Bernardo costumava ser o mais calmo de nós dois, e eu me sentia culpado por estar tão bravo. Mas, não havia outra reação àquilo.

- Fernando, você é médico. O melhor que já conheci, e não estou enchendo sua bola. Você melhor o que ninguém sabe que não é tanta loucura assim.

               Balancei a cabeça, exausto de tentar fazê-lo entender o obvio. Caminhei em direção à estante e me escorei à ela, abaixando a cabeça tentando recuperar a calma.

- Esse tratamento tem me ajudado, mas você sabe que não pode ser assim para sempre. Você mesmo me disse que ele só será suficiente até uma certa fase.

- Mas ele ainda funciona, Bernardo. E até lá eu já vou ter descoberto uma maneira de te curar. Eu já te disse isso milhões de vezes.

- E diz desde os meus dezoito anos. Agora me diga, você conseguiu chegar à uma solução para isso?

               Eu não o respondi. Aquilo era uma tortura para mim, principalmente porque ele sabia o quanto eu me esforçava para vê-lo bem. Como se não bastasse a morte repentina de seus pais em um acidente, aos dezoito anos Bernardo descobriu que tinha um tumor. Eu já havia me formado em medicina, e com isso comecei a me especializar em neurocirurgia. Desde então eu faço o possível para ajudá-lo, e começamos com um tratamento para que sua situação não se agravasse. Bernardo levava uma vida normal graças ao tratamento, e até então estávamos indo bem. Mas eu precisava descobrir uma maneira de livrá-lo disso para sempre, mas infelizmente ainda não tinha chegado à nenhum resultado que não colocasse sua vida ainda mais em risco.

- Fernando, graças à você eu tenho uma vida normal, coisa que eu nunca pensei que teria desde quando descobri isso. – Ele se aproximou, mas eu não o olhei. – Quando recebi o diagnóstico, todos me falaram que eu não teria nem dois anos de vida. Mas você fez isso mudar, e olha só onde cheguei.

- Exatamente, Bernardo. Não acha que é muita ingratidão da sua parte jogar tudo isso fora por uma loucura dessas?

- Você não entende. Eu não quero viver assim para sempre, Fernando. Não quero viver esperando que há qualquer momento aconteça comigo o mesmo que aconteceu com a Lety. Em algum momento o tratamento não vai ser mais suficiente, e então?

- Então nós procuramos uma outra maneira.

- Não, não há outra maneira. Não adianta adiarmos o que já tinha que ter acontecido.

- Não fale assim! – Falei irritado, caminhando para o outro lado da sala.

- Eu sinto muito, mas é a verdade.

- Se está tentando me convencer de que tenho que concordar com sua ideia, está fazendo errado. Eu discordo ainda mais do que antes.

- Não quero fazer isso. Só estou te explicando minha decisão.

- Não tem explicação para isso.

- Você não conseguiria entender. Com todo o respeito, quando foi a ultima vez que você sentiu afeto por alguém?

- Eu tenho afeto por você.

- Não por mim, por uma mulher.

- Mas que pergunta é essa?

- Você nunca se importou com isso. A única coisa que você gosta imensamente é o seu trabalho.

- Sim, e nunca tive problemas com isso. Meu trabalho não me faz abrir mão da minha vida.

               Bernardo suspirou.

- Lety não merece passar por isso, porque ela tem sonhos. E muitos.

- E você também tem.

- Eu tinha.

- Bernardo, por favor! – Suspirei impaciente.

- Fernando, eu poderia me contentar apenas em ficar ao lado dela, observando sua saúde se agravar, passando os últimos dias que lhe restam dizendo o quanto ela é especial para mim. Mas, e depois? E se ela não conseguir um doador? E se ela não tiver uma segunda chance? Você acha mesmo que eu viveria bem, sabendo que tenho que conviver com uma doença e sem a mulher que eu amo ao meu lado?

- Eu sinto muito pela Lety, Bernardo. Realmente sinto. – Eu o olhei. – Mas não é o fim do mundo. Você não pode pensar que não irá conseguir superar, porque você vai. Em algum momento você vai.

- Você não vai me entender, não é?

- Não. Não vou.

- Eu já tomei minha decisão. Farei isso com ou sem a sua ajuda.

               Suspirei olhando-o com pesar.

- Então você irá fazer sem a minha ajuda. Não vou fazer parte dessa loucura.

 

 

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               Bernardo me encarava, mas eu não disse absolutamente nada. Não estava conversando totalmente com ele, apesar de fazer o que eu estava fazendo. Era mais forte do que eu, e perder uma noite inteira de sono pensando em tudo o que ele me disse, me ajudou a tomar aquela decisão. Uma vez prometi ao pai de Bernardo que eu sempre o ajudaria no que ele precisasse, e que seria para ele um irmão mais velho que ele nunca teve. Eu fiz essa promessa, e depois que seus pais faleceram, essa promessa se tornou ainda mais forte. De maneira alguma eu concordava com aquela loucura, e estava certo de que faria o possível e o impossível para fazê-lo desistir daquilo. Mas, até lá, não me restava outra alternativa à não ser ajudá-lo, já que ele estava confiando apenas em mim para isso. Eu jamais me perdoaria se permitisse que ele procurasse ajuda de outra pessoa.

- É possível você me ajudar nisso sem conversar comigo? – Ele perguntou enquanto me encarava.

- Você não está no direito de reclamar disso.

               Ele riu. Como ele conseguia rir em momentos como aquele?

- Quanto tempo vai demorar para sabermos o resultado?

- Não muito. – Respondi indiferente, pegando a amostra e olhando-a. – Vou mandar para o laboratório agora, e assim que tiverem o resultado, eles irão me entregar.

- Você não vai forjar um resultado, não é? Falar que não somos compatíveis só para me fazer desistir disso. Eu sei quando você mente.

- Apesar de ser tentador, eu fiz um voto quando me tornei médico, e não posso quebra-lo. – Suspirei e cruzei os braços, encarando-o. – Por mais que eu quisesse mentir, não vou fazer isso.

- Ótimo. – Ele sorriu e ajeitou o curativo em seu braço. – Você sabe que está fazendo a coisa certa, não é?

- Não comece, Bernardo. – Suspirei caminhando em direção à porta. – Eu ainda posso desistir dessa loucura.

- Obrigado, Fernando.

               Continuei de costas, sem olhá-lo.

- Eu sei que eu nunca te pedi algo assim, e sei que está além dos meus limites como primo e melhor amigo, mas realmente estou satisfeito por você ter concordado em me ajudar.

               Fechei os olhos e engoli à seco. Todas as vezes que ele citava aquele plano louco, meu coração se apertava e minha garganta queimava. Eu ainda tinha esperanças que ele desistisse daquilo.

- Por que? – Perguntei ainda de costas.

- O que?

- Por que ela?

               Fez-se silencio, e eu me virei para olhá-lo.

- Quer saber porque estou fazendo isso por ela?

               Sem responder, continuei a olhá-lo.

- Bom... Como eu disse, quando você a conhecer vai saber o que estou dizendo. Lety é... Simplesmente a melhor pessoa que já conheci. Ela tem o dom de deixar qualquer pessoa à sua volta feliz, e... Se não fosse por ela, esses últimos anos teriam sido uma droga.

- Só por isso? Está fazendo tudo isso simplesmente porque está grato à ela por ter feito o que qualquer namorada deveria fazer?

- Você não entende, Fernando. – Bernardo abotoou a manga de sua camisa e me olhou. – Não estou fazendo isso apenas por ela, estou fazendo por mim.

               Ele se aproximou.

- Eu sei que você nunca sentiu isso por ninguém antes, e sei que também não quer sentir. Mas eu não estou exagerando quando digo que minha vida sem a Letícia seria uma droga. E já imaginou como seria péssimo para mim enfrentar meus dias com essa doença sem ela? Eu iria morrer aos poucos, e a pior morte que existe é morrer por dentro, lentamente. Eu sei, porque já passei por isso. E você também.

               Eu entendi que ele estava falando sobre a minha mãe. Realmente as maiores lembranças dela eram as fotos que eu havia “roubado” da casa dos nossos avós. Minha mãe sempre fez tudo por mim, principalmente porque eu nunca conheci o meu pai, e nunca tive o interesse em conhecer. Eu sabia que ele era um idiota que a abandonou quando soube que ela estava grávida, e que em nenhum momento se importou em procura-la para saber se precisávamos de ajuda. Minha mãe soube cuidar muito bem de mim sozinha, apesar de minha avó dizer o contrário. Ela passou três meses convivendo com aquela doença antes de falecer, e com apenas dez anos de idade, eu tive que me tornar adulto.

- Acredite, eu estarei melhor fazendo isso. Por mais que você pense o contrário.

               Respirei profundamente e abri a porta do quarto.

- Assim que eu tiver o resultado, eu te aviso.

               Dizendo isso, saí imediatamente ao corredor e quando fechei a porta em minhas costas, tomei fôlego. Era como se eu estivesse voltando aos meus dez anos de idade. Mas, ao contrário de ser uma criança indefesa, que tinha que assistir a pessoa que ele mais amava no mundo morrer aos poucos, eu me sentia um inútil. Eu tinha total capacidade para impedir Bernardo de cometer aquela loucura, mas eu estava fraquejando. Estava em uma linha tênue entre brigar, bater o pé e correr o risco de vê-lo infeliz pelo resto da vida ou concordar com aquilo e ficar ao lado dele no tempo que lhe restasse. De qualquer maneira eu estaria perdendo. Perdendo a única família que me restou. Me sentindo de certa forma seu cumplice.

 

 

 

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- E lembre-se de tomar os medicamentos nos horários certos. Isso é muito importante! – Falei ao meu paciente.

- Sim, Senhor. Obrigado, Doutor.

- Não há de que.

               Apertei sua mão e o observei sair do meu consultório. Aquele estava sendo um dia cheio, e não apenas pela carga horária pesada e pelos plantões que eu havia dado a semana inteira, mas por muitos outros motivos. Ajeitei os papéis sobre minha mesa e me levantei, saindo da sala. Segui pelo caminho que se tornou uma rotina para mim naquele ultimo mês, até que parei em frente à uma porta. Antes de abri-la, respirei profundamente algumas vezes e toquei à maçaneta. Por incrível que pareça, por mais pacientes que eu atendesse todos os dias à todo o momento, eu jamais estaria preparado para aquele “paciente” em especial.

               Assim que abri a porta, Bernardo olhou para mim e sorriu. Me admirava seu esforço para tentar parecer bem diante de mim, mesmo que eu fosse um profissional e soubesse exatamente o quanto ele estava debilitado e frágil.

- Oi. – Ele disse com a voz fraca.

- Oi. – Caminhei em direção à sua cama. – Como está hoje?

- Do mesmo jeito que ontem.

               Ele jamais reclamava. Jamais se queixava de dor, jamais dizia o quanto estava exausto e sem forças. Mas eu sabia tudo o que ele estava sentindo, e não era um diagnóstico médico. Eu o conhecia bem o suficiente para isso.

- Sua pressão está baixa. – Falei olhando para o aparelho ao lado.

- É, a enfermeira disso o mesmo agora há pouco.

- Vou aumentar a dosagem de...

- Não. – Ele disse rapidamente e eu o olhei. – Não aumente nada. Apenas... Deixe tudo do jeito que está.

               Suspirei e me sentei ao seu lado na cama.

- Você está ficando pior à cada dia.

- Eu sei, mas essa é a intenção. – Ele sorriu fraco e eu continuei sério olhando-o. – Sério, Fernando. Você já deveria ter se acostumado.

- Sabe que eu nunca vou me acostumar com isso, Bernardo. Por mais que você me peça.

- Você vê isso todos os dias.

- É diferente, e você sabe disso.

- E você prometeu quando me deu o resultado. Você disse que se não fossemos compatíveis, que eu desistiria dessa loucura. E me prometeu que se fosse o contrário, que não tentaria me fazer desistir.

- Mas isso é algo que você não pode me pedir.

- Já faz quase dois meses.

               Eu não o respondi.

- Você fez a ligação hoje?

- Sim. – Respondi friamente.

- E então?

- Ela está na mesma.

- Na mesma quer dizer...?

- Na mesma, Bernardo. Ela está fraca, assim como você.

               Ele me olhou.

- Desculpe. – Suspirei. – Só... Não me pressione tanto, tudo bem? Eu prometi te ajudar, mas não quer dizer que seja fácil.

- Eu sei. Tudo bem.

- Eu preciso voltar para o trabalho agora, mas eu volto mais tarde.

               Bernardo balançou a cabeça concordando e eu me levantei.

- Fernando...

               Antes de sair, olhei para ele.

- Obrigado, mais uma vez.

               Assenti rapidamente com a cabeça e saí do quarto. Bernardo sempre me agradecia, não importava quantas vezes eu o visitasse ao dia. Mas, algo que deveria me fazer sentir bem, só me atingia ainda mais. Ele estava me agradecendo por ajudá-lo a desistir da própria vida.

 

 

 

 

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               O corredor estava vazio, por sorte. Eu tinha o caminho livre para correr, e eu precisava correr. Meu pager não parava de apitar, mas eu só conseguia pensar em chegar ao quarto às pressas. A porta estava aberta, e vários enfermeiros estavam em volta da cama. Assim que me viram, deram espaço para que eu me aproximasse, e não pude deixar de me assustar com a cena que vi. Bernardo estava deitado à cama, sem se mover. Eu sabia que naquele estado, ele só estava vivo por causa dos aparelhos ligados à ele.

- Doutor! – Ele me olhou.

               Ainda encarando-o, mil coisas se passaram em minha cabeça. Momentos que passamos juntos desde nossa infância, até o dia em que me mudei de cidade. Bernardo sempre esteve ao meu lado para me apoiar, e se não fosse por ele, eu não teria me tornado médico. E enquanto os enfermeiros me olhavam, esperando que eu fizesse alguma coisa, me veio a cena de Bernardo sentado ao meu lado um dia antes da prova do vestibular. Eu estava tenso, ansioso e nervoso, e já não tinha mais tanta certeza de que conseguiria a bolsa. Bernardo tocou em meu ombro e disse algo que eu jamais esqueceria: “Se você não conseguir a bolsa, continuará sendo como um irmão para mim, e isso não vai mudar”.

- Doutor!

               Minhas vistas se embaçaram e era como se uma brasa quente estivesse no meio da minha garganta. Meu peito doía de uma forma que eu nunca havia sentido antes. Eu não conseguia pensar em mais nada. Absolutamente nada. Continuei assim por incontáveis minutos, até sentir alguém bater em meu ombro, mas não tive reação alguma. Eu não sentia absolutamente nada.

 

 

 

 

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- Que entre a primeira testemunha.

               Me ajeitei à cadeira já entediado de estar ali quase há um dia inteiro. Aquilo era uma palhaçada. Uma grande palhaçada. Tantos casos piores e mais importantes para serem decididos pela justiça, e eu era obrigado a estar sentado ali, como réu.

- A Doutora Denise Fonseca é oncologista no hospital Ángeles, correto?

 

- Sim. – Ela respondeu, me olhando tensa.

- E a Senhora tem o costume de ajudar o Doutor Fernando Mendiola com todos os pacientes?

- Sim, a maioria deles.

- E consequentemente também o ajudava com o paciente Bernardo Mendiola, que nesse caso, também era o primo dele?

- Sim. – Ela me olhou outra vez.

- Pode nos contar um pouco como o Senhor Bernardo foi se internar nesse hospital?

- Bom... Não sei ao certo como aconteceu. Ele já tinha ido algumas vezes até o hospital para conversar com o Doutor Fernando, mas as visitas não duravam muito. Eles ficavam na sala dele por um tempo, e depois ele ia embora. Até que um dia ele pediu para ser internado, e eu comecei a cuidar do caso dele.

- Cuidar no caso não seria a palavra ideal, não é Doutora? Porque pelo que soubemos, o Senhor Bernardo não recebeu nenhum tratamento como deveria.

               Ela ficou em silencio, e eu me mexi inquieto outra vez.

- Que idiota. – Omar sussurrou ao meu lado.

- Excelência, aqui está o diagnóstico do Senhor Bernardo Mendiola, gostaria de usá-lo como prova.

- Aceito.

- Nesse diagnóstico diz que o Senhor Bernardo descobriu ter um tumor cerebral aos dezoito anos, e desde então, ele vinha se tratando para que o tumor não progredisse, com a quimioterapia e radioterapia. Com a falta do tratamento adequado, seu caso se agravaria e seu tempo de vida obviamente seria reduzido. Segundo consta nos exames do Doutor Bernardo, o médico encarregado do seu tratamento era nada mais nada menos que seu primo, o réu em questão.

               Todos me olharam e eu apenas suspirei impaciente.

- Mas, depois de quase seis anos se tratando contra o tumor, o tratamento foi surpreendentemente interrompido. Não há nenhum vestígio de que o tratamento não funcionava mais, sendo assim, deve ser considerado que o Doutor Fernando Mendiola negligenciou no tratamento...

- Protesto, excelência. – Omar disse em voz alta.

- Senhor Alvez, não está em condições de acusação contra o réu. – O juiz disse rapidamente.

- Peço perdão. – O advogado virou-se para mim, e aproximou-se de Denise logo depois. – Doutora, estou correto ao afirmar que você estava no hospital na noite em que o Senhor Bernardo sofreu uma morte cerebral causada pelo tumor?

- Sim.

- E o que aconteceu quando você chegou ao quarto em que ele estava?

- Ele já... Estava sobrevivendo apenas com os aparelhos.

- Isso quer dizer que se os aparelhos fossem desligados, ele não teria chances?

- Sim.

- Certo. E você diria que todos os profissionais fizeram o possível para tentar salvá-lo?

               Denise me olhou, e hesitou à pergunta.

- Pode me responder, Doutora?

               Eu estava começando a ter raiva daquele advogado. Não que eu me importasse com o resultado daquela audiência, já que tudo estava feito. Eu já não me importava com nada, literalmente. Eu só precisava conviver com aquela culpa pelo resto da minha vida, e isso ninguém poderia mudar.

- Sim, haviam vários enfermeiros na sala, e...

- Mas nesse caso, o responsável para salvá-lo teria sido o Doutor Fernando, correto?

               Ela me olhou.

- S-Sim.

- E ele o fez?

               Denise continuou a me olhar. Ela sabia. Era a única além de mim que sabia, justamente por ela trabalhar comigo. Bernardo gostava dela, e achou que ela era uma pessoa de extrema confiança para que contássemos. E de fato ela era. E era notável que ela estava nervosa naquele momento, porque não queria ser responsável pela minha acusação. A ideia era que ela não dissesse nada, apenas a verdade. Que eu não o ajudei como deveria, e que eu seria totalmente capaz de contornar o caso dele se eu me esforçasse. Tínhamos combinado isso desde o momento que eu soube que enfrentaria aquele processo depois de tudo que aconteceu. Mas, eu sabia que Denise não conseguiria me acusar daquela maneira, e como eu disse, eu já não me importava com mais nada.

- Ele não poderia. – Ela respondeu, e todos começaram a sussurrar, transformando um grande murmúrio no local.

- Silencio, por favor! – O juiz disse em voz alta e todos se calaram.

- Por que ele não poderia? – O advogado perguntou. Por essa nem ele esperava.

- Porque ele fez uma promessa.

- Promessa?

               Omar escorou-se à mesa e abaixou a cabeça.

- Ela vai acabar com tudo. – Ele disse em voz baixa.

               Eu não disse absolutamente nada. Eu não a julgava, porque sabia que ela estava fazendo a coisa certa. Mesmo que aquilo significasse piorar a minha situação.

- Quando Bernardo se internou no hospital, ele já estava com a saúde debilitada por conta do tumor. Ele de fato não estava se tratando, mas por uma escolha dele.

- Dele você quer dizer do Doutor Fernando?

- Não. Decisão do próprio Bernardo.

- Como uma pessoa se nega a ter tratamento contra um tumor?

- Porque era um plano dele desde o início. Ele queria ser um doador.

               Olhei para o lado e Olga estava perplexa, olhando para mim.

- Está me dizendo que o Senhor Bernardo se negou à ter tratamento contra o tumor, para que ele pudesse morrer e doar os seus órgãos?

- Em especial o coração.

               Novamente houve um murmúrio no tribunal, mas dessa vez até mesmo o juiz estava perplexo, que não exigiu silencio.

- Mesmo com o tratamento, ele não teria muito tempo de vida. O tumor não poderia ser eliminado, e o Doutor Fernando sabia disso. Qualquer tentativa da retirada do tumor poderia causar a morte imediata dele. Nenhum dos dois aceitou fazer uma cirurgia ou um tratamento mais forte. Por isso ele se tratava apenas com a quimo desde os dezoito anos. Mas ainda assim, chegaria um momento que o tratamento não seria suficiente mais. Ele iria morrer de qualquer maneira, o tratamento só estava adiando isso.

               Senti meu peito se queimar ao ouvir aquilo. Por mais que o tempo passasse, aquela sensação terrível jamais iria me abandonar.

- Então, a Senhorita concorda que o Doutor Fernando poderia ter feito algo para salvar o Senhor Bernardo, mas não fez porque simplesmente fez uma simples promessa à ele?

- Sim.

               O advogado me olhou.

- Isso apenas enfatiza ainda mais que o Doutor Fernando Mendiola negligenciou ajuda ao seu paciente e ao seu próprio primo, levando ele à morte.

- Protesto! – Omar se levantou, visivelmente irritado.

- Contenha-se, Senhor Alvez. – O juiz disse.

- Desculpe. Sem mais perguntas.

               O advogado me encarou, e se preparou para ir à sua mesa.

- Eu tenho como provar. – Denise disse e todos nós a olhamos, até mesmo eu.

- Provas? – O juiz perguntou.

- Sim. – Ela colocou a mão no bolso da sua calça e tirou um papel de dentro dele. – É uma carta. Do Bernardo.

- Você sabia dessa carta? – Omar me olhou.

- Não. – Respondi incrédulo. Até então eu pensava que Bernardo havia me entregado tudo que precisava, incluindo uma carta para Lety, e uma para mim.

               O advogado se aproximou de Denise e pegou a carta, olhando-a. Depois de um tempo analisando o papel, ele olhou para mim, sem saber o que dizer.

- Traga para mim, Senhor Alvez. – O juiz pediu.

               Ele se aproximou entregando a carta à ele, que também a analisou e me olhou.

- Leia para todos, Senhorita.

               Denise se levantou e o guarda entregou a carta à ela.

“Ao Meritíssimo Senhor Juíz, à todos os Senhores jures, testemunhas e familiares...”

               Me inclinei sobre a mesa para ouvir melhor.

- “Venho por meio dessa carta que servirá como prova de que o Doutor Fernando Mendiola, neurocirurgião do hospital Ángeles é inocente de qualquer acusação. Irei explicar à todos sobre a minha decisão de morrer.”

               Senti meu peito se queimar a cada palavra. Era como se eu conseguisse ouvir a voz de Bernardo através daquelas frases.

- “Descobri o tumor cerebral aos dezoito anos de idade, e fui desacreditado por vários médicos aos quais me consultei. Quando as esperanças de qualquer tratamento se acabavam, Fernando foi o meu salvador. Através de tratamentos indicados por ele e por sua colega de trabalho e oncologista, Doutora Denise Fonseca, consegui conviver com esse tumor sem nenhum problema aparente. Apesar das várias sessões de quimo para que o tumor não se agravasse e reduzisse meu tempo de vida, eu levava uma vida normal. Por isso devem estar se perguntando: “por que alguém iria querer parar um tratamento que o ajudava a viver?”. A resposta dessa pergunta, infelizmente não poderei responder. Não por ser um segredo, mas por muitos de vocês não serem capazes de entender. Fernando fez o que eu lhe pedi, mesmo contra a sua vontade. Como médico e como melhor amigo, ele se negaria à fazer tal procedimento. Mas, no fim, a melhor decisão que ele tomou foi aceitar fazer isso por mim. Fernando não foi responsável por tirar uma vida. Ele foi responsável por salvar várias.”

               Senti meu olhos marejarem e pigarrei, ajeitando o terno. Não queria fraquejar justo ali. Eu não poderia. Denise terminou a carta e olhou para mim, com as lágrimas rolando em seu rosto.

- Quando ele lhe entregou essa carta? – O juiz perguntou, já que o advogado estava sem palavras.

- Dois dias antes da sua morte. Ele disse que sabia que Fernando sofreria algum processo.

               Dessa vez, Denise olhou para minha avó, que estava sentada do outro lado, também abatida após a carta.

- A acusação poderia averiguar a veracidade da carta, meritíssimo? – Alvez perguntou.

- Sim. – O juiz respondeu rapidamente.

               Alvez pegou a carta de Denise e a levou até a minha avó, entregando-a. Com as mãos tremulas e os olhos vermelhos, ela passou os olhos pela carta. Enquanto isso, o local ficou em total silencio. Depois de um tempo olhando para a carta, ela virou-se para mim, e eu consegui perceber um misto de raiva e mágoa que ela me olhava. Diferente de como estava antes, já que era apenas raiva.

- Senhora? – O juiz a olhou. – Essa é a letra do seu neto falecido?

               Minha avó olhou para o juiz.

- Sim. É a letra do Bernardo.

               Mais uma vez houve um murmúrio e eu percebi que todos olharam diretamente para mim. Até então eu estava suportando tudo, mas depois daquela carta, eu só queria ficar sozinho.

- Doutor Mendiola, dê um passo à frente, por favor.

               Ergui minha cabeça e olhei para Omar, que assentiu. Me levantei e caminhei em direção ao juiz, respirando profundamente.

- Segundo essa carta, o Senhor apenas concordou em interromper o tratamento por pedido do Senhor Bernardo?

- Sim. – Respondi rapidamente.

- E teria feito o contrário se ele não fosse seu familiar?

- Obviamente.

- Como médico, o Senhor fez um voto, não é?

               Hesitei antes de responder a pergunta.

- Sim Senhor.

- E esse voto se baseia em salvar vidas, e não acabar com elas.

               Engoli à seco.

- Sim Senhor.

- Sendo assim, o Senhor tem total consciência de que quebrou seus votos?

- Sim, eu tenho.

- E faria tudo de novo se fosse preciso?

               Olhei para trás, onde minha avó estava sentada. Percebi quando meu avô segurou a mão dela e os dois me encararam. Voltei minha atenção para o juiz e tomei folego antes de responde-lo.

- Sim, eu faria.

               Ouvi os murmúrios mais uma vez enquanto o juiz me encarava.

- Sendo assim... – Ele escorou-se à sua cadeira. – O Senhor é considerado culpado por negar tratamento à um paciente...

               Antes que ele terminasse a frase, a conversa aumentou e Omar se levantou rapidamente.

- Excelência, existe o direito à recusa de tratamento médico e...

- Ah, por favor! Ele é um assassino! – Alvez disse.

- Você não sabe o que está dizendo! – Omar se aproximou.

               Os dois começaram a discutir, deixando tudo ainda pior.

- ORDEM! – O juiz gritou e todos se calaram.

- Senhores advogados, mantenham a postura! Eu ainda não terminei de dar a minha sentença.

- Desculpe. – Os dois disseram.

- Após a morte cerebral do Senhor Bernardo, o que aconteceu com seus órgãos, Doutor? – Ele me olhou.

- Foram doados.

- E o Senhor tem conhecimento de quem os recebeu?

               Olhei para Omar, e ele me encarou tenso.

- Pacientes que estavam no topo da fila para receber doação. E que eram compatíveis.

- Sendo assim, quantas vidas ao todo foram salvas graças à essa doação?

- Cinco, ao todo.

- Senhor Alvez, consta nos documentos que Bernardo era um doador?

               Alvez olhou para minha avó e depois para mim.

- Sim, excelência. Ele era.

               O juiz suspirou e voltou a me encarar.

- Sendo assim, Doutor Mendiola, sua sentença será com sua própria consciência. Caberá ao Senhor pensar se fez a coisa certa ou não.

               Olhei perplexo para ele.

- Caso encerrado.

               As vozes ecoaram por todo o local, mas eu continuei parado no mesmo lugar, sem saber o que fazer. Senti Omar se aproximar e bater em meus ombros animado, mas eu não estava como ele. Eu não ficaria preso, mas talvez aquela sentença tivesse sido mil vezes pior. Minha consciência e meus pensamentos eram as únicas coisas que estavam acabando comigo naqueles últimos dias, e conviver com isso seria uma tortura. Eu estava livre fisicamente, mas eternamente preso com minha própria culpa.    


Notas Finais


PS: Pra quem achou o cap meio confuso, Bernardo é o primo do Fernando, e era o namorado da Lety (que até então vocês acharam que era o Fernando). Esse cap e o próximo será o POV do Fernando contando como tudo aconteceu até a Lety receber o coração do Bernardo.


Como eu disse anteriormente, passei (e ainda estou passando) por alguns momentos tensos em relação à escrita e à outras coisas que não convém citar. Vou dar o meu máximo, e NÃO vou abandonar essa história. Posso demorar um pouco para atualizá-la, mas peço a paciência de vocês para isso. Espero que entendam.


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