Ah, a noite. O momento mais sagrado de todos. Para Luisa, era a única parte do dia em que podia ser livre.
Sua vida não estava boa. Encrencas na escola, depressão e mais uma série de fatores que simplesmente a destruíam.
Ela conhecia apenas duas coisas que, realmente, a deixavam feliz: cigarros e a praia.
Oh, a praia.
Uma vez, no final de julho, resolveu passar o último dia das férias na área litorânea. A areia cobria-lhe os pés e a tênue luz lunar iluminava-lhe. Seus olhos percorriam a área tão perfeita, e ela questionava a possibilidade de se tornar parte de tudo aquilo. Se isso fosse possível, as coisas seriam tão melhores... Seriam perfeitas para a jovem garota. Não teria de ouvir os xingamentos na escola, muito menos as provocações dos meninos populares. Não aturaria mais as meninas que tanto a perseguiam, acusando-a de ser a "causadora da desgraça no mundo".
"E seria eu a causa?", se perguntou naquele dia.
Ela sentara na areia e observara o belo oceano. Surpreendia-se com a calmaria das ondas e a sincronia dos sons praianos.
De repente, ouvira uma voz. Uma bela voz, vinda de um local não tão distante.
"Mas o que?"
A voz ficava cada vez mais forte e parecia chamar-lhe para o mar. Luisa, curiosa, aproximara-se do som.
E, de olhos arregalados, observara aquela figura.
Uma mulher bonita. Não, bonita era pouco; era magnífica. Possuía cabelos pretos e ondulados, que cobriam-lhe os seios e terminavam na cintura. Ah, os seios, fartos e atrativos. O corpo parecia planejado por uma divindade de tão incrível. Era a mulher mais bela que Luisa já havia visto.
A troca de olhares entre as duas fora fortíssima, e nem mesmo o fim do mundo poderia acabar com aquilo.
Mas a bela moça fora embora. Ela se fora.
Luisa ficara desolada; acreditou ter sido uma alucinação ou algo assim.
Mas sabia que havia algo estranho.
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-Volte logo, não quero que pensem merda sobre nossa família. - disse sua mãe.
-Tá, tá.
Luisa estava cansada daquilo. Queria evitar a família pelo máximo de tempo possível.
Era véspera de ano novo. Os parentes estavam reunidos em sua casa e celebravam, felizes, a virada de ano. Para ela, tudo não passava de uma grande idiotice.
Mas tinha um plano em mente: reencontrar a mulher da praia. E queria porque queria encontrá-la, não importa como. Se dirigiu à praia lentamente, encarando o asfalto desgastado da rua. Seus pensamentos eram confusos e desconexos, e tudo parecia uma confusão.
"Por que quero achá-la? Quem é ela?"
Nem percebeu quando chegou no local. A área em que se encontrava era mais vazia, pois os turistas ficavam mais ao norte.
Começou a andar em direção ao mar. Estava nervosa e não sabia o que a esperava naquele oceano.
Sentiu a água gelada molhar-lhe os pés. Sorriu involuntariamente lembrando de sua infância, quando costumava ir ali com seu pai para brincar.
Mas nada disso poderia voltar.
-Procuras por mim, pirralha? - a súbita voz fez Luisa virar-se assustada, encarando o ser que tanto desejava reencontrar.
-O que? Espera...
-É, eu já sei a resposta - a mulher sorriu. - Venhas, preciso mostrar-te uma coisa.
A oferta era tentadora.
-Tem certeza?
-Venha logo. E tire essas roupas.
Luisa obedeceu e despiu-se rapidamente. Alguns segundos depois, foi de encontro a mulher.
-Chama-me de Jade, Luisa.
-Como sabe meu nome?
-Oras, pensas que nunca te vi por aqui? Quando eras pequena, moçoila, banhava-te em minhas águas. Lembras?
Luisa estava chocada. Como aquela estranha mulher sabia de tudo sobre si?
-Lembro, sim, mas nunca te vi antes. Quem é você?
-Jade. Apenas isso. Venhas, não aguento mais esperar - sorriu sadicamente.
A jovem sentiu o corpo ser puxado por Jade. Elas começaram a ir para o fundo, o que assustou Luisa.
-Jade, Jade! Onde você tá me levando? Jade! Espera! Eu não sei nadar!
-Calma, minha garota, saberás na hora certa.
Tudo aquilo era assustador e extraordinário ao mesmo tempo. Tudo parecia ter saído de um sonho, e Luisa apenas deixava-se levar.
Tão tola.
Jade começou a ficar submersa, levando Luisa junto. Esta começou a se debater em busca de ar, e foi interrompida.
-Respiras, meu amor. Não precisas do ar.
A adolescente apenas tentava voltar à superfície num esforço inútil. Quando pensou ser seu fim, assustou-se ao respirar normalmente embaixo d'água.
-O que...
-Eu disse. Não olhes para baixo, tudo bem? Apenas siga-me.
O céu tornava-se cada vez mais escuro, aproximando o mundo do novo ano.
-Tudo bem - respondeu agitada.
Elas iam cada vez mais fundo, tão fundo que a luz das estrelas não se fazia mais presente. Havia uma iluminação estranha, que vinha do chão submerso.
-Eu não imaginava que era assim tão bonito - disse Luisa, encantada.
-É, minha pequena, você só viu o começo. Logo tudo isso será seu - respondeu Jade.
Tudo estava muito estranho. O que Jade quis dizer com essa frase?
Logo, chegaram num local... Absurdo.
Era enorme. O pátio arenoso expandia-se em todas as direções. Os corais decoravam o espaço juntamente com os animais. Havia construções por todos os lados, mas o local parecia deserto. E magnífico. E incrível. E bizarro.
-Onde estamos? - perguntou Luisa, assustada.
-Onde estamos, Luisa? Isso não importa, querida - respondeu Jade. - Venha comigo, garota, vamos nadar.
E, novamente, obedeceu.
Elas nadaram. Nadaram por o que pareceram horas. E Luisa havia se esquecido de tudo.
"Jesus, minha mãe vai me matar."
-Não olhas para baixo, e não te preocupas. Estás tudo bem.
Mas nada estava bem
Logo, Jade se soltou.
E Luisa observou a cena mais linda de todas.
A mulher estava nua. Toda a silhueta anteriormente observada parecia ainda mais bela, e a jovem se arrepiou.
Porém, ela não tinha pernas. Ela tinha uma cauda.
Luisa foi puxada depois de alguns minutos, e começou a dançar automaticamente.
-Estás me deixando louca, Luisa - após dizer isso, Jade agarrou-a e iniciou um beijo.
Luisa se assustou de início, mas logo relaxou e curtiu o ósculo. Aquele beijo foi, sem dúvidas, o melhor de sua vida.
Mas ela sentiu tudo acabar.
Tudo começou a escurecer. Os lábios estavam sozinhos novamente e seu corpo parecia solto no mar.
-Tão ingênua, Luisa, tão ingênua - Jade sorriu.
Luisa não respondeu; ela não conseguia.
E o escuro aumentava cada vez mais.
-Descansa em paz, bela moça.
E tudo acabou.
Todo o sofrimento que ela implorou para terminar acabou de repente.
O melhor momento de sua vida se dissipou, e ela mergulhou na escuridão.
Para sempre.
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