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História The Change- Fillie - Capítulo 36


Escrita por: MabelSousa

Notas do Autor


Boa leitura ♥️

Capítulo 94 - Capítulo 36


Millie. 

Uma atriz de primeira viagem. É assim que me sinto entrando no estúdio dessa vez, embora já tenha perdido as contas de quantas vezes já fiz isso ao longo da vida.

É uma carga muito grande de responsabilidade, medo e até certa insegurança, tudo ao mesmo tempo de uma forma que nunca senti antes em minha vida.

Os velhos conhecidos produtores, colegas de elenco são os mesmos, mudando somente alguns figurantes e que agora há uma dublê que vai entrar nas cenas em que se deve aparecer meu corpo.

O nome dela é Lisa. Uma garota legal, bonita e até razoavelmente parecida comigo, ao menos tem o meu tipo de corpo, ou o que eu costumava ter antes de ganhar o peso e a barriga da gravidez.

Ela se mostrou ansiosa ao me conhecer, daquele tipo de garota que fala demais e não tem um filtro muito bom, tanto que deixou quase claro demais que sua maior empolgação era em fazer as cenas com Louis no meu lugar.

Falta de profissionalismo, eu diria, mas uma vez que ela vai me salvar de ter que fazer isso não me importo nenhum pouco.

Roger me levou para fazer alguns ensaios sozinha no set, o qual eu já conhecia. A casa de Audrey, o apartamento dos pais, a escola, clube de ginástica e por fim, mas talvez o mais importante, a casa onde Audrey e Patt irão morar na nova fase depois do casamento.

A cada frase que li no script o choque só aumentava, as cenas são longas, cansativas entre brigas, desentendimentos e as várias e várias cenas íntimas.

-Não se preocupe. O set foi todo remanejado para que vocês fiquem confortáveis, principalmente você. Vamos ter um pouco mais de trabalho para encaixar a Lisa nas cenas, substituir uma coisa ou outra mas no final vai dar certo. A edição vai fazer com que ninguém perceba que você trocou de lugar com ela. -Explica Roger, o diretor, quando finalmente terminamos o pequeno tour pelo set.

Isso me tranquiliza em partes, mas a tensão dentro de mim só continua a crescer. Mesmo assim, dou meu melhor para não demonstrar, uma vez que já compliquei muito o trabalho de todo mundo com a gravidez que não deveria ser um problema o qual eles tinham de lidar.

-Tudo bem. Eu agradeço tudo o que vocês estão fazendo. Esse apoio com certeza deixa o trabalho mais fácil para mim. -Digo, sorrindo sem transparecer meu nervosismo.

Um dos produtores passam por nós e acena para Roger, solicitando que ele o acompanhe.

-Ok. Você pode ir fazer a caracterização e a maquiagem, daqui a pouco nos encontramos em cena. -Diz ele, se despedindo de mim com um maneio rápido de cabeça.

Passo por mais alguns corredores até encontrar meu camarim. David já está lá dentro, junto com a equipe de maquiagem me esperando. Sem a ajuda de Rose o pobre coitado teve o dobro do trabalho no que diz respeito a minha assistência, deu várias voltas pelo estúdio atrás do local mais arejado e trouxe café descafeinado para que eu tomasse enquanto fosse feita minha preparação.

No final de tudo, a primeira cena escolhida para a gravação é a de Audrey chegando em casa vinda da viagem de Nova York, bem onde terminou o segundo filme no ano passado. Pensei que gravariamos na cidade, mas de acordo com Roger, as cenas fora do estúdio serão as últimas a serem gravadas, assim poderemos garantir que não surja nenhum imprevisto com os fãs no meio da rua.

A caracterização é bem simples. Audrey apesar de mais velha, não usa muita maquiagem e as roupas escolhidas pela figurinista são também bem básicas. Um cardigã vermelho, camisa branca e calça jeans, tudo em um número acima do que estou vestindo, afim de que possamos esconder um pouco a minha barriga.

Assim que me vejo pelo espelho é como se eu voltasse no tempo. Não que tenha sido muito, uma vez que só faz exatamente um ano que não gravamos, mas mesmo assim é como se fosse. Minha vida mudou tanto que parece que se passaram muito mais tempo.

-Vou ver se já está tudo pronto lá fora e aí venho te chamar. Da uma olhada no roteiro, precisa estar com as falas na ponta da língua. -David passa o bloco de folhas para mim e beija minha testa antes de sair do camarim.

Se está tão ansioso quanto eu, ele não demonstra. É uma das coisas boas que David tem, sempre profissional quando tem que ser.

Volto a me sentar na cadeira e a repassar as falas, respirando fundo e me concentrando ao máximo para entrar no papel. Alguns segundos depois alguém bate na porta. Eu estranho, pois David não chegaria a fazer isso, mas pensando que pode ser alguém da produção apenas peço para que entre.

Mas quando a porta se abre, instantanemente me arrependo. Não é David, nem ninguém da produção. É Louis, já também caracterizado como Patt Wilson. A surpresa é substuida rapidamente por uma sensação de esturpor e lá no fundo um pouquinho de raiva também.

Assim como também de repente parece que não passou tempo nenhum. Na última vez que vi Louis pessoalmente seu rosto estava completamente desfigurado, com um bom pedaço do lábio inferior partido minando sangue e um olho completamente fodido, mas agora ele está perfeitamente normal, como se nada tivesse acontecido e não há nenhum sinal de que foi agredido tão brutalmente.

Talvez os cabelos um pouco maiores sejam propositais por causa do filme. Estão penteados para trás naquele estilo mauricinho impecável que Patt deve ter e que combina com o terno azul escuro de grife. Se não me engano, Patt agora virou um grande CEO de uma transportadora e é bem isso que ele parece.

O rosto no entanto é de Louis, o sorriso meio triunfante ao me ver é completamente dele também e me faz lembrar rápido do motivo pelo qual aquela raiva alojada dentro de mim vem crescendo com o passar dos segundos em que passo olhando para ele.

-Millie Brown. Ou eu deveria chama-la se Sra. Wolfhard? -Diz ele quando entra e fecha a porta, me olhando e sorrindo enquanto coloca as mãos no bolso da calça quase brilhante.

Argh.. sinto minha boca se torcer pela piadinha sem graça, mas vou na dele, fingindo completa indiferença.

-Só Millie. Não mudei de nome.

Ele sorri de novo e então balança a cabeça como se estivesse decepcionado com a minha resposta. O clima se torna um pouco denso, embora ele não tenha tentado chegar mais perto e começo a me perguntar se isso vai piorar ainda mais quando tivermos que cruzar aquela porta e entrar em cena.

Louis olha para os lados como se estivesse a procura de alguém, depois junta as sobrancelhas ao voltar a olhar para mim.

-Seu cão de guarda não veio? É isso mesmo?

Meu Deus.

Por incrível que possa parecer, consigo rir e me levanto da cadeira colocando a pilha com o roteiro em cima da penteadeira. Eu sabia que ele faria algo assim, por isso nem mesmo me surpreendo.

-Meu marido ficou em casa, como você pode ver. -Respondo, acentuando bem a palavra ao colocar minhas mãos na cintura de forma defensiva, mas ainda indiferente.

Ele acompanha meu movimento quando fico de pé e olha diretamente para minha barriga ficando um pouco sério, como se não tivesse nem ouvido o que acabei de falar.

-Você... Fica bem grávida. -Comenta, voltando a olhar para mim um momento depois. Ainda parece sério e por alguma razão eu também fico, só depois Louis ri de novo, parecendo nervoso. -É baita estranho também.

-Ah. -Solto um pouco do ar que estava retendo e concordo. -Pois é. As vezes eu também acho.

Não é totalmente mentira, mas logo me arrependo de dizer isso. Abro um sorriso e dou de ombros.

-Estou incrível, isso sim.

Louis concorda e retira as mãos dos bolsos para cruzar os braços enquanto me observa.

-Deve ter uma razão muito grande pro Finn não ter vindo aqui te proteger, será que o casamento não vai bem ou foi você que o obrigou a ficar em casa por minha causa?

Capto toda a presunção de suas palavras e a raiva vai se espalhando na minha pele como uma corrente elétrica poderosa. Tenho que me conter para não rebater a altura pois sei que arranjar uma briga com Louis vai ser a última coisa que vai me ajudar a terminar de gravar esse filme em paz. Ao invés disso, respiro pesadamente como se estivesse com tédio e o encaro com desdém.

-O Finn trabalha, por isso não veio. Não tem nada a ver com você. Você não representa perigo nenhum pro nosso relacionamento e ele sabe muito bem disso.

Apesar de Louis ter acertado na mosca, consigo dizer isso como se fosse a mais pura verdade em vez de admitir que foi eu mesma que pedi para que Finn não viesse. Ele não precisa saber disso.

-Certo. Entendi. -Concorda, dando alguns passos para se aproximar de mim. -Brincadeidas a parte, Millie, eu queria que soubesse que eu não guardo nenhum sentimento ruim por você, pelo contrário, queria que essa coisa entre a gente pudesse ser esquecida de uma vez.

Fico chocada, ele fala realmente sério e para perto de mim, perto talvez até demais. Dou um ligeiro passo para trás e rio.

-Ora, Louis. Realmente não tem nada entre a gente. Você só ajudou a fazer com que eu passasse pelo pior escândalo da minha vida, não me contou nada e ainda me deixou sem chance nenhuma de defesa. Apenas isso, mas sabe? É besteira. Eu já esqueci.

Ele deve perceber a minha instabilidade, pois nega com a cabeça.

-Eu sei que fiz merda, mas tentei consertar depois, exigi que a Lexi te contasse a verdade, mesmo que o David tenha me feito jurar que não contaria a você, para proteger você. -Reitera, muito seguro.

Reviro os olhos e me sinto ainda mais cansada dessa conversa.

-Esta bem, Louis. Chega desse Papinho. Não se protege alguém escondendo a verdade dela. Não se pode achar que vai fazer algum bem pra mim quando você mente, faz coisas pelas minhas costas e interfere diretamente na minha vida. Porra, eu já estou cansada de ouvir isso, então por favor, só para.

Quando termino, preciso tomar um fôlego e me sentar de novo. Louis abre rapidamente o frigobar perto da mesa e pega uma garrafa de água, destampando para me dar.

-Desculpa, eu não queria que você se exautasse. -Diz ele, enquanto se abaixa para ficar mais na minha altura ao lado da cadeira, me observando enquanto engulo a água.

Só faço isso por que de fato preciso me acalmar. Não sei o que está me dando recentemente que eu não consigo mais relevar algumas coisas e acabo deixando que praticamente tudo me afete dessa maneira.

Quando termino quase toda a garrafa, Louis toca meu braço antes que eu me levante..

-Millie, é sério. Eu não tive intensão de magoar você, nem de que as suas fotos tomarem a repercussão que tomaram. Sei que deveria ter te avisado e apagado logo tudo de uma vez e me arrependo disso de verdade. -Declara, com o olhar brilhando para mim.

Apesar do cansaço que sinto em voltar a esse assunto, vejo que não há motivo para que eu consiga perdoar David que foi o maior responsável e não Louis. Além disso, preciso deixar as coisas entre nós menos tensas, ao menos até o final desse mês.

-Tudo bem. Só... Vamos esquecer isso, tá legal? -Me rendo, desistindo de vez da minha mágoa.

Louis sorri e concorda.

-Sim, por favor. -Ele se levanta, ajeitando a barra da calça que ficou um pouco amarrotada. -Só mais uma coisa, você tem falado com a Lexi ultimamente?;

Solto um muxoxo de desprezo e nego.

-A vi um dia desses, mas não posso dizer que tivemos uma conversa exatamente. Ela é completamente surtada. -Murmuro, ao me lembrar da briga com Lexi na loja da Gucci.

-Ela tentou conversar comigo também. Não dei trela, mas ela parecia um pouco mal, com problemas mesmo. -Diz ele, com um toque sutil de compaixão na voz.

Felizmente isso não me afeta. Sinceramente já gastei todas as minhas energias possíveis com Lexi, tentando entende-la, quem sabe até perdoa-la mas cheguei ao meu limite.

-Bem, ela está sofrendo as consequências. Não tinha futuro nenhum, estava só escorada em mim o tempo todo. -Digo, sem nenhum pingo de remorso.

No final, Louis apenas concorda, embora eu ache que ele tenha levado o que eu falei um pouco para o lado pessoal também. Louis não era ninguém antes desse filme e provavelmente, sem querer ser esnobe, não seria se eu não estivesse contracenando com ele.

-Vamos, então? Acho que já devem estar esperando por nós lá fora. -Convida, de encaminhando para a saída.

Quase vou, mas então paro fitando minha mão. A aliança de ouro brilhando no meu dedo. Com uma suspiro, consigo retirar e deixar guardada dentro da bolsa e só então acompanho Louis até o Set. 

O cenário da casa de Audrey já está todo montado e algumas pessoas apenas ajustam a luz de cima do grande palco.

Roger repassa a cena mais uma vez e eu me posiciono no lado oposto da porta de entrada carregando minha mala cinematográfica do lado. Minha cabeça entra em foco e eu simplesmente esqueço o que está do lado de fora, incorporando de vez Audrey Mason que está chegando de viagem.

A luz abaixa, ficando num tom opaco e natural e o estúdio inteiro fica em silêncio. O câmera se instala ao meu lado e eu encaro a porta já encenando uma feição ansiosa que é minha também.

O som da claquete batendo seguido do grito de ação me faz me mover e eu toco a maçaneta.

Arrasto a mala comigo quando a porta se abre e ralho baixinho quando de acordo com o script tenho dificuldades de passar a bagagem pelo limiar.

No lado de dentro, Louis, ou melhor, Patt se levanta do sofá surpreso com minha entrada e temos nosso primeiro encontro depois de meses sem nos ver. Faço uma expressão de choque e as lágrimas vem com facilidade quando tenho que fazer Audrey se emocionar ao encontrar o amor de sua vida lhe esperando na sala de estar.

-Aud. Eu não aguentei esperar até você aparecer na minha empresa. Tive que vir aqui. -Patt diz, desconcertado depois do nosso momento dramático de reencontro.

Louis é um bom ator. Tenho que admitir.

-S-sem problema... -Gaguejo de propósito, com a voz embargada pelas lágrimas. -Você... Está bem?

Patt sorri de forma doce e cruza o limiar da sala para chegar mais perto de mim. A câmera está direcionada para ele, então tenho tempo para respirar normal.

-Agora estou, Aud, mas vivi um inferno desde que você se foi. Só agora parece que alguma coisa faz sentido.

A câmera volta para mim e eu espremo os lábios trêmulos, olhando para o lado agora com uma expressão magoada.

-Não sei se podemos superar tudo que aconteceu tão rápido assim, Patt. Eu mudei muito, aposto que você também, as coisas não são mais como eram antes.

Como está escrito, largo a mala e me afasto, indo um pouco mais para longe de Louis.

Ele toca meu braço e eu me viro. A câmera se afasta, agora pegando nós dois no ângulo mais aberto.

-Não diga uma coisa dessas, Aud. Pra mim nada mudou. Continuo o mesmo cara que abriu mão de tudo para ficar com você. Que te ama mais do que qualquer coisa.

Por um segundo esqueço minha fala e engulo em seco. Impossível não associar esse diálogo com um que já vivi antes, só que na vida real, com Finn.

-Você fala assim, mas mentiu para mim por muito tempo, escolheu ficar com ela e não comigo, quando eu mais precisei de você! -Por um milagre as falas vem, assim como mais lágrimas.

Patt balança a cabeça e esfrega o rosto com uma expressão cansada.

-Ela estava grávida. Eu não podia simplesmente abandona-la sem antes saber se o bebê era mesmo meu ou não. Foi você que fugiu de mim e foi para Nova York, se tivesse ficado, se tivesse esperado...

-Esperado para ver você feliz com ela e com seu filho? Não, Patt, minha vida não tem espaço para esse tipo de coisa. Sinto muito pelo que aconteceu, mas não posso conviver com mentiras, nunca mais. -O interrompo, limpando as lagrimas, ficando mais firme.

Patt rompe de novo a distância e perco o ar quando toma meu rosto nas mãos. O desconforto me toma completamente, mas tenho que fingir que estou apenas quebrada de tanto amor.

-Agora as coisas são diferentes, meu amor. Aryana mentiu, o bebê não era meu. Não há mais nada nem ninguém entre nós.

Já sabendo o que me espera, solto um suspiro de alívio e mais lágrimas rolam do meu rosto. Para todo mundo, a emoção é de felicidade, mas para mim é de desespero pelo que está por vir.

-Patt.. -Murmuro chorosa.

Fecho meus olhos quando Louis se aproxima ainda mais e nossas bocas se encontram. Meu sangue bombeia tão rápido por meu corpo que parece que vou desmaiar de tanta aflição, mas me controlo, passando as mãos pelo cabelo macio de Louis rezando para que o diretor encerre a cena logo de uma vez.

O beijo se intensifica, sinto Louis se empolgando e se aproximando mais de mim, no limite que minha barriga permite que o faça. Sei que é trabalho. Fico repetindo isso o tempo todo, mas não consigo deixar de pensar o quão errado isso é. O quão... De repente minha mente se esvazia quando sinto Louis enfiar a língua entre meus lábios.

Quero gritar, morde-lo, sair de perto, fazer qualquer coisa para faze-lo parar, mas não posso fazer nada. Se eu enterromper a cena vou causar um vexame com certeza e não vão nem me ouvir quando eu explicar que Louis não está me beijando tecnicamente coisa nenhuma. Parece que um século se passa e eu tenho que retribuir o maldito beijo, sentindo meu estômago se contorcer e minha boca ser invadida pelo gosto de menta da língua de Louis que não para nem por um segundo sequer, parece faminto enquanto me tortura e consome. 

Quando Roger grita "corta" eu me afasto de súbito, passando a mão rápido pela boca sem me dar conta de que estou causando uma péssima impressão em todos ao meu redor.

Vejo o sorriso quase triunfante no rosto de Louis e a vontade de soca-lo só aumenta ainda mais. Finn avisou que ele iria se aproveitar da situação, mas com todo o discurso de fazer as pazes de segundos atrás cheguei a acreditar mesmo que ele não faria isso.

-A cena foi ótima, vamos fazer agora o...

Simplesmente paro de ouvir o que Roger está dizendo e desço rápido do palco. Vou correndo até meu camarim, esbarrando em um dos funcionários da luz, deixando tudo aquilo para trás.

Assim que entro, a porta se abre de novo mas minhas costas.

-Millie? O que houve? Você está se sentindo bem? -É David.

Ele corre até mim e segura meu braço, me forçando a encara-lo com o rosto realmente preocupado.

-É o Louis! Porra! Ele me beijou de verdade! -Berro, ainda limpando os resquícios nojentos de sua saliva entranhados nos meus lábios.

David me solta, parece até aliviado em saber que o problema é só esse.

-Olha, infelizmente vamos ter que voltar... -Ele se interrompe, quando percebe a minha expressão de nojo. -Vou falar com o Louis, mas não dá para você ficar desse jeito cada vez que isso acontecer, é só o começo.

Deixo meus ombros caírem e quase cedo a vontade de chorar. David tem razão. Não tenho como fugir. Louis pode jurar que não vai mais fazer isso, mas na cena, só vamos estar nós dois e se ele quiser, vai fazer igualzinho.

-Por favor, David... Me ajuda a não enlouquecer de vez! -Imploro, correndo para abraça-lo.

Ele beija minha testa e me abraça de volta.

-Quanto mais rápido terminarmos de gravar, mais cedo tudo vai acabar, eu prometo. -Murmura ele, acariciando meu ombro. -O Finn não precisa saber disso.

Meu peito dói só de imaginar que Finn estivesse aqui vendo isso, mas já escondi o quase acidente e não acho justo quebrar a promessa que fiz de dizer a ele tudo o que aconteceu.

Sem decidir nada, apenas concordo e me afasto de David.

Ele verifica meu rosto e toca meu ombro.

-Não estragou a maquiagem. Vou dizer que você teve um enjôo, mas que está bem. Vamos voltar?

Não há mais o que eu possa fazer além de respirar fundo e encarar tudo outra vez.

--

Finn.

Assim que termino meu banho, a tela do computador se acende e começa a tocar quando se inicia a chamada do facetime.

É a primeira vez que vou ver Millie desde que ela viajou então preciso de um segundo antes de atender para respirar fundo, embora a saudade e a vontade de vê-la estejam me matando desde que combinamos a ligação mais cedo, na verdade desde que a vi partir.

A tela se apaga por um momento quando aceito a chamada e segundos depois se acende de novo, agora com seu rosto enquadrado nas vinte e quatro polegadas da tela.

Por um mísero segundo, até parece que ela está aqui mesmo, tanto que não consigo evitar e toco a tela do computador, inconsciente me frustrando ao receber apenas o calor da máquina quando tudo o que eu mais queria era toca-la, tê-la junto de mim, sentir seu cheiro e ter um mísero segundo de paz. 

-Que saudade. -Simplesmente sai de mim, enquanto tiro minha mão da frente do seu rosto. Algo se aperta no meu peito quando ela sorri de volta.

-Eu também. Parece que faz um século que estou aqui. -Diz, e o áudio corta um pouco me fazendo rapidamente aumentar o volume no botão lateral na caixa de som

Não falo nada por um minuto inteiro, apenas observando-a. Atento aos detalhes no rosto da minha esposa e só depois reparo o quarto luxuoso atrás dela. Há um quadro com uma pintura do museu nacional atrás dela, sobre a cama. A lembrança de que agora Millie está muito longe de mim, em outro país, a uma distância muito maior do que as vezes eu me pegava pensando.

-Você está bem? Como vai com o trabalho? -Pergunta, quando eu não digo nada.

A sua curiosidade é genuína, nada daquelas perguntas que se faz apenas para matar o tempo ou quebrar o gelo e isso me afeta. Principalmente quando sei que o motivo pelo qual eu fiquei em Vancouver nada tem a ver com o meu trabalho.

-Tudo bem. Ainda na mesma. Vou trabalhar, volto às duas para nossa casa. Nada de novo. -Digo, abismado com minha tranquilidade ao dizer isso. Não é mentira, mas também não é toda a verdade.

Ainda continuo trabalhando na prefeitura, mas ontem pedi que Amanda cancelasse minhas palestras no resto da próxima semana, a que reservei para ir até Susan, de acordo com o plano, claro se ela cooperar comigo.

-Ah. -Ela suspira e então dá um sorriso ameno. -Hoje foi o primeiro dia de gravação. Fizemos quatro cenas, mas ainda faltam cinquenta.

Assinto, mas logo percebo seu incômodo ao dizer isso. Claro que deve ser porque ainda tem muito trabalho pela frente, mas há algo mais ali também, uma espécie de hesitação, quase arrependimento em tocar nesse assunto.

-E como foi? -Pergunto, cauteloso, mas logo não me seguro e complemento: -Você já encontrou com o Louis, eu imagino.

Seu rosto fica meio branco e a imagem em alta definição me faz ver até que sua respiração se acelera. Não sei se quero ouvir a resposta.

-Sim. Gravamos as cenas juntos. -Responde, sucintamente e então para, sem encarar mais o monitor.

Seu comportamento evasivo me deixa preocupado, em alerta. A conheço bem demais para saber que está escondendo alguma coisa de mim.

-Me diga o que aconteceu. -Vou direto ao assunto, apoiando meus cotovelos na mesa para me manter bem perto da tela..

A imagem treme um pouco quando Millie se mexe do outro lado para afastar uma mecha do cabelo ainda sem me encarar.

-E-le... B-jou...ver-da-d -O delay piora, e eu não entendo o que ela diz. Pelo menos acho que não. Quero que não.

-Como é? Fale mais alto, não consigo ouvir direito. -Peço, chegando no limite do máximo volume da caixa de som

A imagem parece piorar, treme, trava, escuto sua voz entrecortada, mas nada faz muito sentido.

-Millie?? Está me ouvindo?

Quando digo isso o ícone se apaga com uma mensagem em vermelho sobre a tela fora do ar "conexão perdida"

-Merda. -Reinicio o aplicativo e verifico o sinal da internet. Do meu lado está normal então só pode ser problema vindo de lá.

A chamada no facetime não completa e de novo aparece a mensagem de conexão perdida.

Pego meu celular e então ligo direto para seu número, mas a chamada é encaminhada diretamente para a caixa postal acusando estar sem sinal ou desligado. Duas coisas. Sem sinal é impossível, uma vez que ela está em uma cidade grande, desligado é improvável já que Millie tem que manter o celular funcionando por causa do trabalho.

A única explicação é que ela não quer falar comigo e talvez tenha bloqueado o meu número. Fico inquieto, me perguntando o porquê disso.

Volto a pensar nas suas últimas palavras, buscando um sentido até que a frase se completa na minha mente.

Ele me beijou de verdade.

O choque é inevitavel, principalmente quando penso que isso não seria algo que ela me contaria normalmente uma vez que eu mesmo sem querer já sei que beijos estão no script, a não ser que Louis tenha beijado-a fora de cena e aí a coisa muda de figura.

Uma sensação ruim me invade. Entre raiva e impotência, para além da vontade descomunal de pegar o primeiro avião daqui e ir atrás dela, saber o que diabos está acontecendo.

Se de fato aconteceu, Millie não quis, disso tenho certeza. Mas porque me contou? Porque quis que eu soubesse quando sabe muito bem que isso me encheria de raiva e de ciúmes?

E se Louis fizesse de novo? E se ele continuasse fazendo até o final das gravações? Será que ela falaria isso para alguém a fim de para-lo? Será que fez alguma coisa para evitar?

As perguntas me perturbam, me deixam cada vez mais enciumado, mas muito mais preocupado. Eu deveria ter ido. Deveria ter deixado de lado toda essa história com Susan e ter ficado do lado dela.

Me sinto perdido, com uma sensação de mal pressentimento purgando dentro de mim, como se isso só precedesse algo muito pior que está por vir.

Pego o celular de novo, dessa vez pronto para ligar para David ou Lily e exigir que me deixem falar com ela ou que façam alguma coisa para que isso pare de acontecer, mas por coincidência, assim que abro meus contatos o celular começa a tocar e é um outro número que está ligando.

Penso em ignorar, mas a agonia e o desespero me fazem atender logo, louco para conseguir resolver pelo menos uma das duas coisas.

-A Susan está com os papéis da transferência em mãos. Pronto para assina-los. -Diz Marvin do outro lado. Sem se incomodar em me cumprimentar antes de tudo.

Não é alívio que eu sinto, mas é uma anestesia, a que vem me preparando a dias.

-E porque ainda não assinou? -Pergunto, deixando meu tom neutro.

-Você acha que vai ser tão fácil assim? -Ele desdenha, fazendo pouco caso. -Ela disse que só assina quando você for lá. Quer fazer isso na sua frente para assegurar que você vai voltar lá de qualquer forma.

O rosto daquela mulher vem de novo em minha mente e eu estremeço de pura raiva. Nosso último encontro não saiu da minha cabeça, a forma como ela pareceu desesperada mas o tempo todo se mostrando firme em suas decisões. Sem vacilar. Jogando. Querendo me manipular e conseguindo me deixar sem saída. Encurralado, refém de suas objeções. Enlouquecendo minha mente com a promessa de desaparecer que nunca é cumpirmda.

-Não sei se vai rolar. Essa história já está indo longe demais. Não tenho como ficar indo lá, fazendo o que ela quer. -Deixo escapar minha voz mais aguda e áspera, como se fosse culpa de Marvin.

Aceitei a proposta de Susan, mas assim que sai de lá a única coisa em que pensei foi em uma forma de sair dessa. E agora que Millie nitidamente está envolvida com problema me sinto cada vez mais inclinado a deixar toda essa merda de lado e ir ficar com ela, com meu filho.

-Eu sei que você não quer, mas você sabe como ela é dura. Não vai ceder se você não ceder antes. É assim que as coisas funcionam com ela. -Diz ele, imparcial, mas com um toque de repreensão na voz, também querendo me moldar aos gostos de Susan.

Porra. A cada dia que passava isso me sufocava mais, acabava comigo aos poucos. O medo e a indecisão, o peso de escolhas difíceis demais de fazer. Queria ficar com Millie em Washington, mas se eu fosse como as coisas iriam se resolver por aqui? Não tinha jeito, pois elas não se resolveriam. Simples assim. Susan ficaria livre no natal e ameaçaria acabar de vez com tudo.

-Eu preciso de um tempo. Um dia. Amanhã resolvo isso. -Disse, depois de ficar muito tempo em silêncio.

Ouvi o bufar da respiração de Marvin.

-Você não pode voltar atrás. Está feito. As consequências vão ser piores se não agir rápido.

-Você faz tudo isso pelo dinheiro não é? Está pouco se fodendo em deixar a Susan aqui ou lá e seu único interesse é meter a mão na grana que a Kelly prometeu. Não é isso? -Não suportei mais e disparei. Com o coração acelerado me fazendo perder a cabeça.

Houve uma hesitação, em seguida Marvin murmurou:

-Estou fazendo o que vocês dois me pediram. A decisão não cabe a mim, mas já que me enfiaram nessa história alguém vai ter que fazer alguma coisa. Já pedi demissão do meu emprego aqui, já fui atrás de um apartamento no Quebec. Não tem mais como voltar atrás. -Disse seco em seguida bufou de novo. -Bom dilema para você. Ligo amanhã de novo.

E então o filho da puta desligou.

Contive a vontade de espatifar meu celular na parede e respirei. Respirei até clarear a mente. O pior de tudo era saber que eu não tinha outra solução. Que se não fizesse o que Susan queria iria passar o resto da vida com medo. Temendo que alguma coisa acontecesse.

Deixando isso alojado no fundo da minha mente, saio de casa, em busca de conforto, de alguém que poderia ao menos tentar me compreender a apaziguar essa coisa que purga dentro de mim e me castiga.

Pego o carro no estacionamento e vou direto até a casa da minha mãe. A essa hora sei que ela está em casa, provavelmente está descansando ou fazendo qualquer coisa.

Assim que entro, no entanto, a primeira coisa que encontro é o Sr. Jones sentado no sofá de frente para a tv e estanco com a porta ainda aberta até me lembrar de que ele namora minha mãe e assim tenho certeza de que não acabei entrando na casa errada..

O homem de pele escura e barba quase branca, ainda usando seu uniforme de Reitor se levanta com um susto do sofá ao me ver e parece completamente desasjustado, fazendo o possível para ajeitar a gravata no pescoço ao mesmo tempo que olha para mim.

-Finn, meu garoto, como vai? -Diz, esticando a mão para mim em cumprimento.

Meu garoto. Era assim mesmo que ele me chamava quando eu ainda fazia faculdade, mal sabia eu que um dia me depararia com esse apelido completamente fora do contexto.

-Muito bem. E o senhor? -Aperto sua mão de volta, mas sem me mover do local..

-Bem também. -Disfarça, pigarreando. -Como vão as coisas na prefeitura?

-Otimas. Minha mãe está? -Desvio rápido, incomodado em me sentir obrigado a perguntar isso estando na minha própria casa.

-La em cima. Chegamos quase agora da UV. -Ele ajeita agora o óculos de grau no rosto e olha para a escada que leva ao andar de cima. -Quer que eu chame?

Foi o fim . Recuso com a cabeça, lembrando a mim mesmo e a ele que não preciso que faça nada. Que posso entrar, que essa casa ainda é minha.

Vou em direção a escada, mas de repente paro quando a vejo saindo do quarto e seu olhar me encontra de cima. De banho tomado, esfregando o cabelo, minha mãe não consegue disfarçar o brilho nos olhos ao me ver, mas logo esse brilho é sobreposto a uma expressão esquisita de embaraço quando ela olha para o meu lado e vê seu namorado.

-Filho... Que surpresa boa. -Desce, mantendo o sorriso claramente desconfortável.

A recebo em meus braços quando ela chega ao final das escadas e suas mãos apertam minhas costas com a mesma saudade, embora não faça muito mais do que alguns dias que não nos vemos.

-Quero conversar com você. -Murmuro baixo em seu ouvido.

Ela se afasta me olhando com interesse e preocupação e então olha para o Sr. Jones. Ele parece igualmente constragido e entende na hora que tem que sair. O que me surpreende é que não vai para a porta de casa e sim toma rumo as escadas

-Foi bom ver você, Finn. Depois podemos conversar melhor. -Diz, ao passar por mim.

Nunca. Tenho vontade de dizer, mas apenas confirmo com a cabeça. No geral não tenho absolutamente nada contra o homem. Sempre foi um excelente profissional, um ótimo educador sem falar que foi e ainda é chefe dos meus pais e meu também, tendo em vista as palestras que ocasionalmente dou na UV, mas um sentimento de proteção me invade, junto com algum senso de justiça em favor do meu pai, mesmo que eu saiba que não haveria possibilidade alguma dele reatar com ela.

Assim que o Sr. Jones sobe e entra no quarto, encaro minha mãe, parecendo pequena pelo constragimento, abraçando o próprio braço.

-Ja estão assim? -Tenho que perguntar, fazendo menção a escada por onde ele acabou de passar.

Ela fica rígida e então sua postura indefesa se transforma. Fica na defensiva, novamente parecendo minha mãe.

-Você também, Finn? Olha só. Sou adulta, não tenho filho pequeno, moro sozinha nesta casa enorme e me sustento. Tenho direito de chamar meu namorado para vir aqui quando eu quiser e ninguém pode me julgar por isso. -Diz, cheia de segurança, mas baixo para não fazer alarde.

Me sinto culpado na mesma hora. Não queria julga-la de maneira nenhuma. Sei o quanto ela sofreu, o quanto ainda sofre e só está tentando se reerguer.

-Foi mal. Só fiz uma pergunta. -Abrando a voz e chego mais perto, tocando seu ombro.

Assim ela não mantém sua pose durona por muito tempo. Suspira e me encara docemente.

-O que foi? Você não pode ter aparecido aqui por nada.

Penso em aliviar a tensão, preparar o terreno para o que está por vir, mas no final me dou conta de que é inútil. Com ela não consigo ser comedido e já estou desesperado demais.

Puxo sua mão e a levo para o sofá comigo. Tomo um fôlego e digo tudo. Desde o momento em que contei a Kelly toda a história com Susan. Seu choque ao descobrir, seu medo em relação a Millie assim como o meu, o plano que traçamos, as prováveis más intenções de Marvin e por fim, a visita que tive que fazer a Susan ontem onde ela me deu seus termos para aceitar a transferência.

Ela escuta tudo estarrecida. Piscando quando parece não entender a princípio e engolindo em seco enquanto continuo. Seu olhar muda, parece meio apavorada, provavelmente revivendo a merda toda que aconteceu aqui nesta casa a meses atrás e que parece nunca ter fim, sempre nos perseguindo.

-Meu Deus... Você... Você foi vê-la. Não... Não acredito. -Murmura, incrédula, movendo a cabeça de um lado para o outro.

A reação é como eu esperava, por isso não posso me sentir nenhum pouco surpreso. Apenas tento me defender.

-Eu tive que fazer isso. A Sarah não quis ir e a Susan deixou bem claro que se eu quiser que ela aceite a transferência tenho que continuar indo lá por uma semana.

Novamente pisca. Tentando digerir, mas claramente não consegue. O que vem depois, me assusta. Ela levanta do sofá, aponta o dedo para meu rosto e berra:

-Você não vai! Está me ouvindo? Não vai! Eu não vou deixar!

-Ei... -Levanto e seguro seus ombros. Louco por vê-la tão agoniada desse jeito. -Não posso me recusar. Você não entende? Ela vai ficar aqui se eu não for!

Ela se debate, se soltando de mim e se afastando. Dor e mágoa estão digladiando em seus olhos, disputando espaço na feição dolorida. Sei o que é isso. É a mesma coisa que vi quando ela descobriu o que Susan fez comigo. Até hoje, depois de tudo. Ela se sente culpada.

-Você não pode. Não pode chegar perto dessa mulher. Ela não é responsabilidade sua! -Berra outra vez, com os olhos cheios de lágrimas e a voz grossa pela força que faz para não chorar.

Foi uma má ideia vir aqui.

-Mãe... Se eu não for ela pode receber um benefício de natal. Pode sair de lá. A Millie e o Harry vão estar aqui. Não dá para deixar que ela fique tão perto, a solta, podendo fazer uma besteira e...

-Você está ficando paranóico! -Me interrompe, gritando, segurando meu braço. -Pare com isso! Pare de ter medo! Meu Deus, ela está presa! Acabou! Você continua dando poder a essa mulher, legitimando as ameaças dela, fazendo exatamente o que ela quer que você faça! Deixando se atingir por tudo! Você não esquece!

Recuo diante das duras acusações, me soltando de seus braços. Minha pulsação se acelera e comeca a torturar meus ouvidos. Pavor me consome. Desespero que vem lá do fundo da minha alma.

-Como eu posso esquecer? Como eu posso deixar para lá a possibilidade dessa louca fazer mal a minha mulher e ao meu filho? Ela continua aqui mãe! Nunca se foi! Está só esperando o momento certo para voltar e acabar com tudo de novo! Se você não enxerga isso é porque está se fazendo de cega! Escondendo a verdade de si mesma e eu não aguento mais fazer isso! -Rebato, gritando igualmente alto.

Ela se afasta, com os olhos arregalados, me temendo. Reconhecendo em mim aquele cara cheio de raiva e de ressentimento que ela achou que eu já tinha ido embora. Eu também pensei isso. Com o casamento, os meses de paz, a gravidez de Millie, a felicidade, deram espaço para que ficasse mais tranquilo, mais calmo, mas tudo acabou quando recebi aquela ligação de Marvin me dizendo que Susan estava colocando dificuldade em se mudar de cidade e que poderia estar solta em alguns meses.

O homem vil, rancoroso, fraco, cheio de medo e atormentado por pesadelos nunca foi embora e agora voltou com força total.

-A Millie sabe de tudo isso? -Pergunta, baixinho, se recuperando do susto.

Seria menos doloroso se tivesse me dado um tapa na cara. A pergunta só me perturba, me faz lembrar do canalha mentiroso que estou sendo, do covarde, mas não deixo que isso me abale.

-Não. -Consigo dizer, até com um pouco de indeferença aliviado pela anestesia.

Ela faz um gesto negativo com a cabeça. Como se não me reconhecesse. Cheia de decepção.

-Foi por isso que você não foi com ela. -Constata, separando as sobrancelhas.

-Sim. -Permaneço impassivel, admitindo, cruzando os braços para que essa confissão não me mate.

-Finn... -Suspira, deixando os ombros caírem. -Ela nunca vai perdoar você. Se você continuar com isso, se for encontrar essa mulher de novo...

-Estou fazendo isso por ela! Só por ela! Qual é mãe? Você não vê? Não posso deixar que nada aconteça com ela, porra! -Sem querer grito de novo. Minha cabeça explodindo, incapaz de aceitar o que está me dizendo.

Millie vai ficar com raiva. Vai reclamar, mas vai entender. Vai esquecer quando Susan estiver longe.

-Se é por ela porque não diz a verdade? Porque mente e esconde isso? Você sabe porque. Sabe que ela não quer nada disso, sabe que não iria aceitar jamais que você se aproximasse da Susan. -Diz, seca, amarga, sem precisar aumentar o tom de voz para me atingir.

Corro a mão pelo cabelo. Cada vez mais confuso. Revoltado comigo, com tudo o que está acontecendo. Com a possibilidade de Millie não me perdoar, mas coagido pelo pesadelo que parece se tornar cada vez mais real na minha cabeça.

Parece que estou andando em uma corda bamba bem em cima do abismo. Segurando tudo o que posso nas mãos para não desmoronar e cair dentro dele.

Mal noto quando minha mãe me toca, colocando a palma da mão quente e úmida no meu braço, me vendo ruir e com pena de mim. Querendo me reparar quando já não tenho conserto.

Odeio isso, ser forte o tempo todo me deixou exausto, com uma sensação de que estou mais sozinho do que nunca. Vim aqui esperando ter algum conforto, algum incentivo, um sinal de que estou no caminho certo, mas a verdade é que estou sozinho.

Nem minha mãe que sofreu junto comigo toda a dor que essa história causou, me entende. Mas quem entenderia? Quem saberia o que é ser manipulado por anos? Ficar dependente do amor de uma mulher que se envolveu comigo para me usar, que se aproveitou da minha inocência de criança para destruir a minha família? Que me deixou por anos vivendo uma paixão que me impediu de viver? Que fez com que eu me tornasse um obcecado e mentisse para todo mundo para esconder um amor que nunca tinha sido errado para mim? Que voltou só para me enganar de novo? Que me fez conviver com minha própria irmã como se não fossemos nada um do outro? Que me separou de Millie várias vezes? Que me fez cometer loucuras para defende-la? Que ameaça retornar mais uma vez para tirar tudo de bom que eu construí? Que mesmo longe volta para infernizar meus sonhos e me tirar a paz?

Não. Ninguém entende. Só pensam no que é fácil. No que é conveniente. Mas esquecem que o peso que deixam para trás só fica sobre mim, se acumulando em minhas costas até me soterrar.

-Filho... Pra onde você vai? -Minha mãe grita, assustada quando saio porta a fora de casa.

Por uma terrível coincidência está chovendo muito. Do nada. A tempestade que eu já sentia se aproximar chegou e como sempre, só eu vou sentir as consequências dela. Tudo bem, faço isso, garantindo que eu não vou levar ninguém comigo. 


Notas Finais


Oi gente.

Vi alguns comentários e sei que As vezes é fácil dizer que o Finn é manipulável ou até burro por cair na conversa da Susan, mas a gente esquece que só quem sofre com isso é ele, que ele se sente sobrecarregado demais e responsável por tudo. Não que esteja agindo certo, mas a gente precisa ver por esse lado. O quão perturbado ele ainda é.

Até breve ♥️


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