PERCY
Metade dos caras na sala de musculação está com uma ressaca tremenda. Mas eu, por incrível que pareça, não. Não, as revelações desta manhã espantaram consideravelmente qualquer dor de cabeça ou náusea que pudesse ter sentido.
Annabeth foi estuprada.
Essas três palavras estão flutuando na minha cabeça desde que a deixei em seu alojamento, e toda vez que aparecem, uma fúria em brasa explode dentro de mim feito um trem de carga. Queria que tivesse me dito o nome, o número do telefone, o endereço do filho da puta.
Mas é melhor que não tenha dito, caso contrário, provavelmente estaria no meu carro agora a caminho de cometer um assassinato.
Quem quer que tenha sido, peço a Deus que tenha pagado pelo que fez a Annabeth. Que esteja apodrecendo na prisão neste momento. Ou melhor, que tenha morrido.
“Mais dois.” Jason paira sobre mim, enquanto estou deitado no supino. “Vamos, cara, que moleza é essa?”
Expiro e envolvo os dedos na barra. Canalizo toda a minha raiva em levantar os pesos sobre a cabeça, enquanto Jason me acompanha do alto. Depois que termino a última série, ele coloca a barra no lugar e me estende a mão. Deixo que me levante, e trocamos de posição.
Preciso botar a cabeça no lugar. Ainda bem que não estamos no gelo hoje, porque no momento não tenho certeza se ainda sei andar de patins.
Annabeth foi estuprada.
E agora quer transar comigo.
Não, quer que eu a conserte.
Puta merda. O que estava pensando quando concordei com isso? Quis essa menina nua desde o primeiro beijo, mas não assim. Não como um experimento sexual. Não com tanta pressão para… para quê? Fazer com que seja bom para ela? Não decepcioná-la?
“Não precisa ter pressa” , zomba Jason.
Afasto os pensamentos angustiados e percebo que ele está me esperando colocar a barra em suas mãos.
Inspiro e tento me concentrar em garantir que Jason não morra sob minha guarda, em vez de ficar paranoico a respeito de Annabeth.
“Então, tô puto com você” , diz ele, flexionando os braços e trazendo a barra para junto do peito. Em seguida expira e eleva a barra novamente.
“O que fiz agora?” , pergunto, com um suspiro.
“Você me disse que não tava interessado em Sabidinha.”
Meu peito fica tenso, mas finjo indiferença enquanto conto suas repetições. “Não tava, pelo menos não quando falamos disso.”
Jason solta um grunhido toda vez que estende os braços. Estamos os dois levantando uns dez quilos a menos que o habitual, porque com a bebedeira da noite passada ninguém aqui está funcionando cem por cento hoje.
“E agora você tá interessado, então?”
Engulo em seco. “Tô. Acho que sim.”
Jason não diz mais nada. Meus dedos pairam sob a barra enquanto ele termina suas repetições.
Mantenho um dos olhos atento ao relógio acima da porta da sala de musculação. São quase cinco. Annabeth sai do trabalho às dez e vai direto para a minha casa.
E a gente vai transar.
A tensão em meu intestino aumenta, acumulando-se num nó gigante. Não tenho ideia se sou capaz disso. Tenho pavor de fazer algo errado. De machucá-la.
“Não me surpreende que você tenha percebido seu erro” , diz Jason afinal, enquanto trocamos de lugar de novo.
“Ela é legal pra caralho. Percebi no momento em que a vi.”
Sim, Annabeth é legal. Também é bonita, inteligente, engraçada.
E não está quebrada.
A pressão em meu estômago alivia à medida que me apego a esse último pensamento. Foi por isso que concordei em dormir com ela, porque não importa o que tenha acontecido no passado, não importa quantas cicatrizes ainda carregue daquele calvário, não tenho um pingo de dúvida de que Annabeth Chase não está quebrada. Ela é forte demais para permitir que qualquer um — principalmente um filho da puta de um estuprador de ensino médio — a quebre.
Não, o que está faltando é a capacidade de confiar no outro, e, em certa medida, em si mesma. Ela só precisa de alguém para… guiá-la, na falta de uma palavra melhor
Mas, merda, será que esse alguém precisa mesmo ser eu? Não tenho a menor ideia da etiqueta necessária para dormir com uma vítima de estupro.
“Mas, enfim, talvez eu não esteja chateado por você ter chegado primeiro” , completa Jason.
Lanço-lhe um leve sorriso. “Poxa, valeu.”
Ele sorri de volta. “Dito isso, peço isenção do trecho no código da camaradagem que afirma que não posso namorar alguém com quem você terminou.”
Meus dedos se enrijecem em torno da barra. Nem pensar. A ideia de Jason com Annabeth me faz querer dar uma de He-Man com esta barra e atirá-la do outro lado da sala. Mas, ao mesmo tempo, tenho certeza de que não existe a menor chance de Annabeth sair com Jason, principalmente agora que sei sobre seus complexos.
Então, dou de ombros casualmente e digo: “Isenção concedida”.
“Ótimo. Agora vou botar mais cinco quilos nessa belezura aqui, porque, sério, P., somos melhores do que isso.”
Os próximos trinta minutos voam. A sala fica vazia, foi todo mundo para os chuveiros. Mas quando vejo que Lake ainda está na barra fixa do outro lado da sala, caminho até ele.
“Ei, cara, tem um tempinho?” , pergunto, enxugando a minha testa suada com uma toalha.
Ele solta a barra, e seus tênis pousam no colchão azul de ginástica. Então pega a própria toalha. “Claro. O que foi?”
Hesito. Jogadores de hóquei não são do tipo que se abrem uns para os outros feito mulherezinhas. Na maioria das vezes, jogamos conversa fora no vestiário ou trocamos insultos, com raros papos mais sérios.
Austin Lake é a exceção à regra. Aluno do último ano, alto e corpulento, é quem você procura quando precisa de um conselho, quem você chama quando está com um problema, o cara que vai largar tudo o que estiver fazendo só para ajudar. Na temporada passada, quando metade dos jogadores mais velhos se formaram e estavam acontecendo as indicações para capitão, disse a Lake que se ele quisesse o posto, eu o apoiaria cem por cento. Ele me cortou logo, insistindo que era péssimo em animar o time e que preferia jogar mais a liderar, mas no fundo sei que Lake é o nosso líder de verdade. Não existe ninguém melhor. Sem brincadeira.
Dou uma olhada na porta aberta, em seguida, abaixo a voz. “Isso tem que ficar entre nós, tudo bem?”
Um sorriso irônico levanta seus lábios. “Cara, se você soubesse quantos segredos estão flutuando nesta minha cabeça grande, enlouqueceria. Confia em mim, sei manter a boca fechada.”
Despenco no banco de madeira comprido contra a parede e descanso as mãos sobre os joelhos. Não sei por onde começar, mas sei que não posso dizer a verdade. Isso é algo que só Annabeth tem o direito de compartilhar.
“Já dormiu com uma virgem?” , arrisco.
Ele pisca. “Hmm. Certo. Bom, já. Já dormi.” Lake senta ao meu lado. “Cá entre nós?” , pergunta.
“Claro.”
“Nat era virgem quando começamos.” Nat, na verdade, é Natalie, a namorada de Lake desde o primeiro ano. Os dois são aquela espécie de “o” casal, do qual todos zombam por serem nojentos de tão perfeitos, embora no fundo todo mundo tenha inveja do relacionamento deles.
Tenho que perguntar: “Você também era?”.
Ele sorri. “Não. Compareci a esse departamento aos quinze anos.”
Quinze anos. A idade de Annabeth quando foi… de repente me pergunto se aquilo foi a sua primeira vez, e o horror fecha minha garganta. Meu Deus. Perder a virgindade é uma questão importante para algumas garotas — não posso nem imaginar como seria ter isso tirado de você.
“Por quê? Tem um encontro com uma virgenzinha gostosa?” , brinca Lake.
“Algo assim.” Considerando que conheceu Annabeth ontem à noite no Malone’s, tenho certeza de que Lake é capaz de ligar uma coisa à outra, mas sei que não vai comentar com ninguém.
E acho que essa história de virgem é mais segura do que proferir as palavras vítima de estupro. Afinal, a abordagem de se dormir com uma não pode ser tão diferente assim de se dormir com outra. Em ambos os casos, você precisa ser paciente, respeitoso e cuidadoso, certo?
“Então, o que você fez para a primeira vez de Nat?” , pergunto, sem jeito.
“Honestamente? Só tentei deixá-la confortável.” Lake dá de ombros. “Ela não curte aquela palhaçada toda de flores, velas e pétalas de rosa na cama. Não queria fazer da situação uma coisa grande demais.” Outro dar de ombros. “Mas algumas meninas fazem questão da produção toda. Então, acho que a primeira coisa no seu caso é descobrir que tipo de garota ela é. Discreta ou super-romântica.”
Penso em Annabeth e em toda a pressão que está passando para ser “normal” — que deve ser um milhão de vezes pior do que a pressão que eu estou sentindo no momento —, e, na mesma hora, sei a resposta.
“Definitivamente discreta. Acho que velas e pétalas de rosa a deixariam nervosa.”
Lake faz que sim com a cabeça. “Então basta ir devagar e tomar o cuidado de deixá-la à vontade. Esse é o único conselho que posso dar.” Ele faz uma pausa. “E muitas preliminares, cara. Meninas precisam dessas coisas. Sacou?”
Eu rio. “Sim, senhor.”
“Mais alguma pergunta? Porque estou fedendo mais que um porco e preciso desesperadamente de um banho.”
“Não, só isso. Obrigado, cara.”
Lake me dá um tapa no ombro e se levanta. “Não se estresse muito com isso, P. Sexo precisa ser divertido, lembra?” Em seguida, me lança uma piscadinha e sai da sala de musculação.
Não me estressar? Como posso não me estressar?
Solto um gemido em voz alta, feliz de que não haja ninguém para ouvir o som aterrorizado.
Deixá-la à vontade. Ir devagar. Muitas preliminares. Não me estressar.
Certo. Posso fazer isso.
Ou pelo menos espero muito poder.
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