"– A maldade não é visível. A maldade está escondida nas profundezas da bondade. A maldade é refletida através dos olhos mais gentis e dos sorrisos mais doces. Tome cuidado, pois a maldade andará sempre ao lado da bondade." – Allane.
Ano de 1487.
A bela e ingênua menina afogava-se nas lágrimas que deixava derramar acima do túmulo de sua tão amada mãe, a qual a vida foi brutalmente arrancada pela Igreja. O sorriso antes sempre estampado em seus macios e avermelhados lábios já não existia, agora a raiva e o desejo por vingança contornavam todo o seu corpo, não mais tão frágil como antes. Damara desejava a vingança e abraçava o ódio que se construía lentamente em sua alma, mas como uma jovem camponesa poderia ir sozinha contra a religião tão prestigiada?
Em suas pequenas, mas poderosas, mãos ela carregava sua única riqueza: um cordão de ouro que seu pai, até então desconhecido, deixara para sua mãe antes de partir com a cavalaria. Ela secou suas lágrimas e voltou a sorrir quando, não tão distante do cemitério, viu seu amado, ainda mais belo acima daquele enorme cavalo branco; quando a viu, Alcander desceu do cavalo e o deixou sob cuidados de seu escudeiro, não tardando em abraçar a jovem com carinho.
– Soube sobre sua mãe, senhorita. - Ele suspirou, afastando-se dela. - Meus sinceros pêsames.
– A injustiça conosco é tão grande, senhor! Ao menos permitiram que ela fosse enterrada no cemitério.
– Eu não compreendo, senhorita. - Alcander, aparentemente irritado, olhou com fúria para a torre da Igreja. - Dizem amar tanto ao seu senhor, mas matam sem remorso os seus semelhantes.
– O que eu mais desejo é que tenham o mesmo destino! Insultaram-me tanto, enquanto eu implorava pela vida de minha querida mãe.
– Agora vocês, feiticeiras, não estarão mais seguras.
– O que quer dizer com isso, meu senhor?
– Ah, doce senhorita. - Outro suspiro – Meu rei nos ordenou que vigiássemos este Vilarejo, se víssemos algo de incomum ou algum tipo de devoção ao demônio, teríamos total liberdade de queimar as casas.
– Não, eu não posso aceitar isso! Senhor, de mente tão brilhante e abrangente, com um nome prestigiado e bravura invejável, não poderia intervir?
– Eu tentei, senhorita, mas de nada adiantou.
O olhar tristonho de Damara evidenciou sua dor para com seus familiares, caindo aos pés do homem bem vestido à sua frente.
– Se houvesse uma forma de vingar a minha mãe, de vingar essa enorme injustiça cometida com meus familiares...
– Existe uma forma, Damara!
– E qual seria ela? Diga-me!
Ela levantou-se outra vez e juntou as mãos em frente ao corpo, perdendo-se por um momento nos belos olhos azuis de Alcander. Ele sorriu.
– Você, feiticeira tão poderosa, anseia justiça àqueles que ama, mas também anseia coisas maiores. - Os dedos longos e finos percorreram o cordão de ouro da jovem, direcionando o olhar dela para o objeto ainda em mãos. - Sei que se imagina com um bom título, senhorita, sei que deseja usar belos vestidos e belas joias. Estou errado?
– Não, senhor.
– Então, junte o meu nome com o seu poder, querida. Case-se comigo e dê o seu poder a mim, para que assim possamos realizar o julgamento daqueles que tanto a fizeram sofrer.
Damara estava perdida em tamanha felicidade, havia até mesmo se esquecido de que era apenas uma camponesa, mas apenas por um momento, então, percebendo o que ela perguntaria, Alcander adiantou-se em sua resposta:
– Não se preocupe, garanto a você que o seu nível não atrapalhará nossos planos. Então, aceitaria, minha dama?
O sorriso doce e – ainda – tão ingênuo se abriu de ponta à ponta, enquanto a cabeça dela balançava-se sutilmente, aceitando o pedido feito pelo tão belo rapaz.
Mal sabia ela que aquele belo par de olhos azuis escondia o mais profundo poço do inferno.
Ano de 1488.
As fortes trovoadas ecoavam dentro da pequena casa, enquanto o cheiro de terra molhada se misturava ao aroma da Artemísia. Damara permanecia sentada, sorridente ao sentir a presença da tão esperada senhora Kim, a qual bateu algumas vezes na velha porta, então, ao ouvir a doce e sensual voz da jovem feiticeira, entrou, retirando seu casaco encharcado e colocando-o em cima da poltrona ao lado da porta. Sutilmente, Damara esticou sua mão, para que assim a senhora sentasse à frente dela e de seu tarô. Em completo silêncio e, evidentemente, incomodada pelo ambiente tão diferente de seu luxuoso castelo, ela sentou-se.
– Seria você a tal Damara? - Perguntou a senhora, receosa pela aparência juvenil da garota.
– Sim, minha senhora.
– Quando disseram-me sobre você, imaginei uma senhora de idade, muito sábia e astuta.
Damara gargalhou.
– Minha senhora, apesar de meus dezesseis anos, tenho a sabedoria de uma senhora beirando aos cem.
– Sendo assim, direi o que vim fazer.
Damara ergueu seu dedo indicador, calando-a imediatamente. Senhora Kim engoliu a saliva e arregalou seus pequenos olhos quando a voz falhou, então Damara distribuiu cinco cartas pela mesa redonda e as virou, suspirando ao ler o que diziam.
– Acho que o seu marido não gostará de saber que não consegue dar a ele um herdeiro, minha rainha.
Impressionada por Damara saber o que ela diria, sorriu.
– Sei que ajudou outras senhoras anteriormente. Como conseguiu?
O sorriso doce e, ao mesmo tempo, amedrontador surgiu junto a um relâmpago, então o vento apagou algumas das velas quando o olhar de Damara se cruzou, pela primeira vez, com o da rainha.
– Veio de seu reino até aqui para pedir por minha ajuda? Sinto-me lisonjeada, minha senhora.
– Seu nome é famoso, senhorita.
– Lhe ajudarei, senhora, mas terá um preço.
– O cavaleiro contou-me sobre seu preço, trouxe comigo este baú.
Senhora Kim colocou em seu colo um baú médio, contendo dentro deste diversas joias, desde diamantes até pequenas pérolas. Damara sorriu satisfeita.
– Darei também algum pedaço de terra ao seu esposo, se quiser, abrigarei sua irmã em meu castelo, para que assim ela seja minha fiel e intocável serva quando crescer.
– Serva, a minha querida irmã? - Damara gargalhou. - Ela é apenas uma menina de um ano e, sinceramente, eu não a vejo como uma simples escrava.
– Peça-me o que quiser, senhorita! Eu darei a ela um cargo prestigiado, o que desejar, mas por favor, ajude-me a dar um filho ao rei!
– Case-a com o seu filho.
A senhora, receosa, calou-se, mas ao ver a seriedade no olhar de Damara, concordou.
– Mas e se for uma menina?
Damara sorriu.
– Será um belo menino, minha senhora. Eu garanto. Seu marido ficará orgulhoso.
– Como a senhorita desejar.
– Quando seu filho completar dezessete anos, buscará a minha irmã e a apresentará diante à nobreza como sua noiva. Ou prefere ser rejeitada pelo seu marido e morta na fogueira, como se fosse uma bruxa? Pois garanto a senhora que é isso o que acontecerá.
– Como pode ter tanta certeza?
Damara suspirou e apontou para as cartas.
– O destino não mente, minha senhora.
Calada, novamente, a rainha concordou, fechando os olhos ao tomar tal desesperada decisão.
– Como imaginei. - Damara sorriu vitoriosa, recolhendo as cartas. - Amanhã, às duas da madrugada, a senhora deverá estar aqui. Garanta que ninguém a siga.
– Como quiser, feiticeira.
A mulher sorriu e recolheu seu casaco, vestindo-o antes de sair e deixar a jovem feiticeira, satisfeita, em seu lugar.
– Então, que venha o primeiro herdeiro de Lúcifer.
A chuva ainda caía, mas com mais tranquilidade, pois já não havia mais raios ou trovões, o que facilitou a chegada da rainha ao maior palácio daquela região. A mulher, beirando aos vinte e cinco anos, desceu da carruagem e subiu sem pressa a escadaria do palácio da família Jeon, sendo recepcionada pelos empregados e guiada até a sala principal, onde o casal de amigos estava, esperando-a com um belo e gentil sorriso no rosto. As senhoras curvaram-se e Jeon apenas acenou com a cabeça pouco antes de se retirar. Sozinhas, então, iniciaram uma conversa.
– Já faz um tempo! Como está, cara amiga? - Perguntou Kim.
– Ah, estou um tanto triste.
– Aconteceu algo? Percebi que o Rei não estava muito contente.
Antes de responder à amiga, a senhora checou cuidadosamente os cantos da enorme sala, certificando-se de que nenhum de seus criados a ouviria, então, sussurrou:
– Eu não entendo o porquê, mas não consigo dar o herdeiro ao meu marido! Tentamos tantas vezes! Invejo as camponesas que mesmo sem tentar vivem parindo.
A raiva misturou-se com a tristeza no olhar dela, então Kim acabou respirando fundo antes de aconselhar:
– Cara amiga, sei o quão fiel és ao nosso Deus, mas nunca pensou em procurar uma bruxa?
A senhora Jeon arregalou os olhos, incrédula, negando imediatamente.
– Enlouqueces-te?
– Não, de modo algum! - Kim respirou fundo, outra vez, e prosseguiu: - Ouvi histórias de que uma jovem bruxa consegue fazer com que as mulheres engravidem.
– Em troca de que? Com certeza de um pacto com o demônio!
– Está enganada! - Insistiu. - Dizem que o processo é indolor e não envolve cortes, apenas coisas naturais e rezas!
– Nunca imaginei que se interessasse por bruxaria. - A evidente decepção no olhar da amiga intimidou Kim. - Eu jamais iria contra as leis de Deus!
– Eu pensava o mesmo, mas todas as noites eu machuco meus joelhos em orações, implorando por um milagre!
– O que está dizendo-me?
Kim respirou fundo e fechou os olhos, então revelou:
– Eu também não posso engravidar, minha amiga. Eu procurei a bruxa, ela garantiu-me que eu teria um belo e forte menino.
– Em troca de que? De sua pobre e bondosa alma?
– Não! Em troca de joias e um pedaço de terra!
Kim falou alto, pois jamais venderia sua alma ao demônio, mas preferiu esconder a parte do casamento de seu filho com a pequena Pandora. Pensativa, a rainha calou-se, olhando em direção à porta da sala, tendo plena vista da escada que levava aos quartos.
– Uma bruxa. Você procurou por uma bruxa! Bruxas mentem, são objetos maldosos e meretrizes de satanás!
– Assim como são nossas únicas escapatórias para continuarmos em nossos postos. Não sei o que fará, mas eu apostarei minha confiança em Damara, porque o meu marido merece um herdeiro!
– Ah, realmente está corrompida pelo demônio!
– De modo algum! Estou desesperada, e se para ficar ao lado de meu marido, com meus bens e meu poder, confiarei em uma bruxa.
O silêncio voltou a incomoda-las, mas Kim percebeu que a rainha pensava com cautela sobre a proposta da amiga, afinal, tudo estava em jogo, inclusive o amor de seu marido.
– Leve-me à bruxa amanhã ao anoitecer.
Kim sorriu, segurando ambas as mãos da rainha.
– Garanto-lhe que não se arrependerá, minha amiga!
Mesmo assustada com sua própria decisão, a mulher sorriu e assentiu, olhando para a grande janela, observando o céu nublado enquanto repetia os pedidos de perdão a Deus, enquanto Kim, agora em completo silêncio, agradecia àquela jovem bruxa por dar-lhe a chance de trazer ao mundo o seu primeiro filho, o herdeiro do reino vizinho àquele.
Herdeiro este que mesmo tão precocemente, já possuía um belíssimo e forte nome.
Kim SeokJin.
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