História Draper's Glen - 04

"Não deixe o mundo ferrar com você."- The walking dead

"Não fui o que os outros foram

Não vi o que os outros viram

Mas por isso, eu amei,

amei sozinho."

- Edgar Allan Poe

- Draper's Glen: A fé que nos move é a mesma que nos destrói-

A chuva ainda insistia em cair, tirando toda a saturação do céu o tornando cinzento e melancólico escondendo o sol brilhante atrás de nuvens tempestuosas. A pequena cidade estava muito mais movimentada do que os outros dez dias que haviam se passado, para a felicidade de todos a chuva diminuía consideravelmente e as preparações para a missa anual em homenagem as vítimas aconteceria em dois dias.

A de traços asiáticos, mexia compulsivamente nos cabelos agora curtos e sem aquela tonalidade de azuladaque já havia se tornado tão icônica para todos os moradores da minúscula e interiorana cidade, estava sentada nos degraus da curta escadaria que leva ao altar da igreja, seu rosto pálido, que estava enfeitado por um curativo que cobria uma parte da lateral de seu rosto e toda a sua orelha, era iluminado por uma mistura de cores quem viam dos vitrais que ali estavam presentes.

O fone em sua orelha sã e o livro aberto em seu colo lhe serviam como distração. A ponta do grafite deslizava de forma quase preguiçosa pela página amarelada de algum capítulo da divina comédia, anotando e rabiscando coisas que nem a própria Ashley compreendia e, talvez, nem fizesse questão de compreender. Alguns considerariam até um crime o que ela estava fazendo.

Circulava algumas partes que falavam sobre o inferno, se distraindo algumas poucas vezes com a música começando a olhar para o nada.

— Te Atrapalho?

A garota retirou o fone de seu ouvido e encarou o homem loiro a sua frente.

Ele não usava suas habituais vestes de padre, vestia roupas sociais por baixo de um sobretudo amarelo mostarda.

— James Paul, você nunca atrapalha.

Ash deixou que um sorriso fosse moldado em seus lábios e se endireitou dando espaço para que o mais velho também se sentasse na escada. Simpatizava bastante com o loiro, não podia negar.

— Por um minuto comecei a pensar que você tinha se perdido no caminho da igreja.

O padre sorriu amigavelmente em resposta a provocação da Lee. Tinha que admitir, a garota se parecia bastante com o irmão mais velho, principalmente na aparência agora que tinha cortado o cabelo, então passou a criar um grande afeto por ela, não demorou muito para uma amizade um tanto estranha se formar ali. Se sentou na escada próximo da mesma e abriu a pasta elástica transparente repleta de papéis.

— Foi tudo o que consegui, Aaron estava mais disposto a cooperar hoje, acho que vencemos pelo cansaço.

O loiro brincou com um tom de voz bem baixinho enquanto entregava algumas das folhas para a escritora.

— Hmmm...— murmurou inflando uma de suas bochechas— Pena que não tive essa sorte.

Sussurrou ela em resposta, inconscientemente tocando o curativo que escondia o machucado em seu rosto.

Se ela ainda estava viva foi por conta da bala que apenas acertou seu rosto de raspão e, é claro, do homem sentado ao seu lado. James Paul havia chegado na hora certa e, mesmo sem querer, acabou distraindo o Smith que acabou errando o tiro. Era isso que Ashley gostava de pensar, a ideia do delegado ter errado de propósito deixavam as coisas menos interessantes.

Ash tinha uma cicatriz e a audição de um ouvido completamente fodida, mas ela não se arrependia.

James acariciou os fios castanhos mal cortados da menina, os olhares se encontrando e conversando sem que tivessem que falar. James sentia muito pelo ocorrido, Ashley  achava que aquilo poderia acontecer com qualquer um (e pelo o que conhecia do comportamento de Aaron, ela não estava muito longe da verdade.) 

A menina desviou o olhar para as folhas em suas mãos.

- Jhonatan Yves? Esse é o tal do Jhon Y.?

Ashley perguntou com o cenho franzido, agora estava realmente surpresa ao encontrar um nome conhecido por si.

- Sim, ele mesmo. Também encontrei sobre William Sullivan e Hannah Sophie Smith.

A mais nova assentiu com a cabeça e voltou a ler. Seu estômago embrulhou ao ouvir o nome de hannah, entregar aquele arquivo para eles era uma maneira do delegado se desculpar. Esteve mais duas vezes na delegacia, obviamente acompanhada do padre para que eventos desastrosos não se repetissem, e o Smith parecia estar arrependido do que fizeram. Seu livro ainda estava aberto em seu colo, todos os seus rabiscos e frases sem nexo estavam expostos e James acabou por não evitar olhar.

— Você não é da polícia, né?— O loiro perguntou, já sabendo a resposta. A garota tinha mostrado um distintivo, alegando que era uma detetive, era bastante convincente.

—Sou.— respondeu firme ainda focada nas páginas mudando rapidamente de assunto— Isso... Isso realmente não faz nenhum tipo sentido! E-eles não tinham nenhum tipo de ligação, não tinham nada a ver, nada em comum!

— Tinham aproximadamente a mesma e idade e problemas de interação social.

Ashley olhou para o padre com um expressão um tanto quanto estranha.

— Eles— apontou para os papéis— Esses aqui tinham idades parecidas, os outros não.— suspirou passado as mãos pelos cabelos bagunçando ainda mais os fios revoltos e mal cortados. —Certo... Jhonatan era o típico moleque encrenqueiro que passava dos limites sempre que podia, provavelmente fazia bullying com criancinhas e já teve várias passagens pela polícia. Olha, o garoto tinha uma suástica nazista cravada na própria pele! Hannah e William eram apenas... apenas problemáticos? Mas nada que se compara com as atrocidades que o Yves fazia, aquele moleque era um sociopata louco!

— Talvez seja por isso que ele seja considerado invalido.

James falou como se aquilo fosse óbvio, e era, apenas os livres de pecados entrariam no paraiso... Era quase a mesma lógica. Pelo menos Ash  achava que era sobre isso, talvez seu chute sobre haver uma seita religiosa sequestrando crianças estivesse certo. Sentia como se sua cabeça estivesse prestes a explodir com aquele tanto de informações.

— Isso... A família dele... Onde está a família dele?

— Se mudaram pouco tempo depois da descoberta do cadáver.

Ashley de repente parecia estar estranhamente animada, o homem mais velho já tomava fôlego para falar algo do tipo "Tenha calma", mas antes que ele ousasse pronunciar algo fora interrompido pelo sino da igreja que começou a tocar.

Ela era escritora e aquilo estava lhe dando um pico de criatividade que fazia sua cabeça pulsar. Várias histórias estavam se formando em sua cabeça, era esse o motivo da excitação e não o caso em si.

Todo o brilho no olhar da Lee se fora e uma ponta de desânimo tomou conta da mesma. O loiro apenas suspirou e levantou-se com calma arrumando a roupa em seu corpo no processo. 

— Um dia para o senhor é como mil anos, e mil anos como um dia....— segurou as mãos de Ash a levantando, deixando as folhas, livros e tudo que estava em seu colo cair fazendo uma grande bagunça no chão— Você precisa ter calma, minha menina.

James Paul falava com aquele tom de voz baixo e calmo que exalava um carinho enorme que deixava a americana totalmente boba. Sorriu quando a menina concordou um pouco cabisbaixa e se abaixou para pegar as coisas espalhadas no chão se preparando para ir embora.

— A missa vai começar daqui a pouco, você pode ficar se quiser...

Ashley o olhou por alguns segundos antes de responder.

— Não sou muito fã de igrejas... C-com todo respeito, cl-claro.— murmurou baixinho fazendo o homem rir.

— Tudo bem, Ash, eu vou precisar ir agora.— Se aproximou e afastou os fios de cabelo da testa da menina antes de plantar um leve selar no local.— Ash, esteja aqui amanhã às 08:00, okay?

Ashley assentiu com a cabeça

— Mas por quê?

— Vamos visitar o Liam e a Hannah no sanatório amanhã.