Senti um cheiro maravilhoso de café fresco vindo da cozinha. Levantei me espreguiçando. Fazia tempo que eu não dormia tão bem.
— Bom dia, Mestre! — Cléo estava pondo a mesa. - O senhor dormiu bem?
— Melhor impossível. — disse bocejando.
— Então vem tomar café. Luís disse que viria aqui depois e eu não vou cozinhar pra ele não.
Cléo fez um bico. Ela não gostava do Luís porque ele nunca tinha muita paciência com o jeito doce dela.
— Não precisa cozinhar pra ele. Ele que coma na rua.
— Como se o senhor fosse deixar seu bebê com fome.
— Está louca!? Ele não é meu bebê. No máximo faz uns serviços pra mim.
— E por falar nisso como anda as investigações? Já descobriu alguma coisa?
— O Luís é que vai me dizer. Do jeito que eu estou tinindo de ódio é bom ele vim com notícias.
A campainha tocou. Meu coração automaticamente ficou acelerado.
Abri a porta. Luís me olhava assustado, como se estivesse visto alma penada.
— Tem notícias, Luís? - disse preocupado com a expressão dele.
— Descobri, Mestre! E é melhor o senhor sentar.
Me apavorei. Luís nunca fora de enrolação e pra ele me mandar sentar é por que o caso era grave.
— Desembucha! — esbravejei.
Cléo veio até mim com um copo de água com açúcar e com a cara bem preocupada.
— Prefiro falar com a Cléo primeiro.
— Como é que é!? Está doido moleque? O assunto é meu e não dela.
— É! Mas a Cléo sabe acalmar o senhor melhor que eu.
— Eu sei mesmo. Por favor Luís, me conta!
— FALA DIRETAMENTE PRA MIM! —disse apertando o pescoço dele com força.
— Calma, Mestre. Se o senhor o matar como vai contar? — Cléo me olhava pedindo clemência.
Fui soltando Luís devagar. Precisava controlar os meus nervos. Seja o que fosse, eu teria que lidar com aquilo.
Ele respirava com força procurando o ar que havia perdido. Deu dois goles generosos na água com açúcar que Cléo segurava.
— Fui até Macaé procurar o que o senhor me pediu.- ele falava baixo segurando a garganta.
— E você achou!? -perguntei afoito.
— Nos mínimos detalhes. Eu demorei porque queria ter certeza que as informações batiam.
— Fala logo, seu traste!
Luís pegou uns papeis amassados no bolso com uma foto e me entregou.
— Melhor o senhor ler.
Desamassei os papéis rapidamente e acabei rasgando alguns sem querer.
A medida que ia lendo as informações que Luís adquirira eu perdia as forças. O meu coração me dava sinais de que iria parar a qualquer instante. Eu tremia tanto que nem vinte litros de água com açúcar me acalmaria. De repente tudo escureceu.
Acordei com a cabeça apoiada no colo de Cléo. Luís estava a minha frente com a cara de pânico. Segurava meu braço e percebi que ele media minha pressão.
— Cléo, vamos levar ele no médico. A pressão dele está muito alta.
— Eu não vou à médico nenhum! - disse me levantando.
— Ei! Pé firme aí, Mestre! Quer morrer!?
Ri de Luís. Ele falar de morte pra mim era ironia.
Olhei para Cléo. Ela havia chorado muito e me abraçava forte também.
— Não faz mais isso! O senhor Sabe que tenho medo.
— Eu já disse que estou bem. E essa história não sai daqui até eu falar com quem interessa. Aliás eu vou fazer isso agora.
— Não, Mestre. Não vou deixar. E se o senhor passa mal da pressão de novo? — Luís realmente se preocupou.
— Quem é você? A minha mãe? -disse batendo amigavelmente no ombro de Luís. - Preciso ir e você sabe disso.
— Então eu vou com o senhor. Vou está pra segurar as pontas, caso o seu coração decida picotar.
Cléo me olhava com súplica. Sabia que ela pediria pra eu deixar Luís ir e que eu não o convenceria do contrário.
— Está bem! Vamos logo. Preciso detonar essa bomba.
Luís pegou o volante. Ele não me deixaria dirigir, ainda mais depois do meu chilique.
Chegamos a praça José Wilker. Estava bem tranquila. A velha avó do Duca ainda estava com a banca aberta. Estava sentada em uma mesa onde a garota que tava fazendo sucesso, a tal de Sol, conversava animadamente com ela.
Decidi não me aproximar. A última coisa que eu queria era a velha me enchendo o saco. Eu poderia me irritar e passar mal e ela também.
Ficamos ali dentro do carro por meia hora até que finalmente vi Nat e Karina saírem da Academia de Gael.
Eu e Luís descemos do carro e nos aproximamos devagar para que elas não percebessem. Estavam conversando sobre o treino pesado de Gael.
— Cadê o seu pai!? - disse assustando Karina.
Nat desistira de subir na moto. Veio pra perto de mim em posição de defesa.
— O que você quer aqui!? Vai embora!- o ódio dela era palpável.
— Olha meu anjo, não estou com muita paciência e não quero ser grosseiro com você. Então seja uma namorada boazinha e não me enche. - disse me aproximando de Karina, que apesar de assustada não recuou.
— Cadê o frouxo do seu pai?
— Em primeiro lugar, meu pai não é frouxo e em segundo lugar não te interessa.
Olhei pra Karina e sorri. Sempre gostei dela. A atitude de não abaixar a cabeça pra ninguém.
— Bom já que você não quer me contar eu e Luís vamos levar as duas pra dar uma volta. Eu mato a saudades da Nat e você toma um sorvete, ok?
— Assim não vai ser justo, Mestre. Vamos fazer assim: O senhor mata a saudades da Nat e eu descubro o lado feminino da Karina.
Segurei Nat e cobri sua boca. Luís fez o mesmo com a Karina. Elas se debatiam ferozmente mas éramos mais fortes. Consegui-mos arrastá-las para dentro do carro.
— Então. Vão falar cadê o Gael ou vamos curtir essa noite?
— Olha aqui seu, desgraçado! Se quer fazer alguma coisa, faz comigo deixa a Karina em paz.
— Mas e eu, Nat? Vou ficar segurando vela? — Luís acariciou o rosto de Karina e ela lhe deu um soco no nariz.
Luís apesar de sangrando, gargalhava.
— Só não devolvo o soco, porque seria um desperdício nesse rosto bonito.
— Covarde! - Karina esbravejava.
— É! Elas não vão colaborar! Fica aqui amansando as duas que eu vou achar o Gael. Me espera meu anjo. A gente têm muito o que conversar.
Caminhei sorrateiramente até a academia do Gael. O ambiente estava praticamente escuro. Apenas a luz da sua sala estava acesa.
Ele estava de costas viradas pra mim e conversava amorosamente no telefone, provavelmente com a Dandara.
— Como assim ela não chegou aí? — Gael disse preocupado. —Provavelmente ficou de papo com a Nat. Eu já estou indo, beijo.
—Manda um beijo meu pra ela também.
Gael deu um pulo da cadeira.
— O que você ta fazendo aqui? — disse se levantando e vindo em minha direção.
— Conversar. E calma a Karina e a Nat estão bem. Luís está cuidando bem delas.
Vi Gael se alterar. Percebi o medo e o ódio tomando conta dele.
— Se você e aquele projeto de bandido tocarem um dedo na minha filha, eu mato vocês dois.
— Tem água, aí? Estou morto de sede. - sentei na cadeira em frente a sua. Nunca havia sentado ali.
Gael se controlava pra não enfiar aquele copo na minha garganta. Ele jogou o copo e a jarra de água fresca na minha frente.
— O que você quer!? — disse com a voz rouca. Eu estava testando os seus nervos.
— Que você se sente. Sabe muito bem que eu odeio conversar sentado quando se têm alguém em pé.
Gael sentou bufando de ódio. Olhava todo o tempo para os lados na esperança que Karina aparecesse diante de seus olhos.
— Calma. A sua caçula está bem. Luís é um rapaz respeitador. Você se surpreenderia com ele.
— Eu estou muito surpreso sim mas com a sua cara de pau! O que quer de mim Lobão!?
Meti a mão no bolso e mostrei os papéis e a foto para Gael.
— Leia! Qualquer dúvida pode me perguntar.
Gael fitou a papelada como se fosse drogas. A primeira coisa que ele olhou foi a foto. Percebi um brilho estranho em seus olhos.
— É a gente e daí!? - perguntou sem muita emoção, como se estivesse vendo a coisa mais óbvia do mundo.
— Ainda to esperando você ler.
Tentei não demonstrar tanta expectativa em relação aos papéis. Não queria que Gael pensasse que aquilo me abalava.
A medida que ele lia vi nele o que eu senti. Seus olhos saltavam das órbitas, a sua boca ficou roxa e eu sentia que o ar estava lhe faltando.
— Isso não é verdade! Não pode ser... É apenas coincidências.
— Quer tirar a prova dos nove? -disse tentando manter a frieza mas em vão, aquela história mexia comigo e com ele também.
— Quero! Mas não hoje e nem agora! Preciso respirar ou vou ter um infarto fulminante e não vou morrer sem não esclarecer isso.
— Bom! Então agora é com você.
— O quê!? Você vem aqui, rapta a minha filha, invade minha academia, bebe da minha água e solta uma bomba dessas no meu colo e agora se vira? Não senhor! Eu vou na sua casa amanhã e a gente vai resolver isso juntos!
— Juntos!? A gente não faz nada juntos a mais de vinte anos. Eu não vou fazer nada com você.
— Vai sim! Você mexeu nisso e agora vai comigo até a gente descobrir se é verdade o que está aqui.
Gael estava alterado mas não me agrediu. Ele sacodia o papel lendo e relendo sem acreditar.
O celular dele tocou.
Percebi que era Dandara. Ela não desistiria porque estava preocupada.
Gael digitou algo no celular para a esposa, provavelmente uma desculpa.
— Você vai soltar as meninas e eu vou na sua casa amanhã na hora do almoço e nem me vem com desculpas porque eu vou te caçar no inferno! Então, se adianta! Manda logo o Luís solta-las.
— Se você está indo na minha casa na hora do almoço é porque não vai contar a ninguém sobre essa conversa, acertei?
— É obvio que não! Só vou expôr isso quando eu e você tomarmos as providências.
Peguei meu celular e dei a ordem para Luís solta-las.
— Avisa para o seu moleque magirnal não tocar mais na minha filha, senão ele pode dizer adeus a esse campeonato.
— Fica frio, Gael! Não vai prejudicar o pobre rapaz. Ele merece participar e você é um grande Mestre e muito justo. Portanto, jamais iria misturar pessoal com profissional, né? - ri irônico.
Saímos tranquilamente porta a fora da acadêmia. A respiração de Gael estava afoita. Por mais que eu o tranquilizasse e sabia que Luís não ia se meter a besta de pôr a mão aonde não devia, ele não ia sossegar até ter a filha nos braços.
—Pai! — era Karina e corria pra Gael.
Ele a pegou no colo abraçou-a muito.
— Viu? Ela está inteira! — Luís cuidou bem de você, K?
Nat veio correndo também e com todo a força me acertou um soco.
— Seu filho de uma puta! A próxima vez que você fizer isso de novo, não vai dar nem tempo de você sentir a liberdade. Eu te meto na cadeia!
— Calma, meu anjo! Como é que você xinga a sua sogra desse jeito? Ainda mais por que ela já faleceu e além do mais, me falaram que visita íntima na cadeia não é tão bem aproveitada assim.
Nat avançou pra cima de mim me enchendo de socos, tapas e pontapés. Segurei- a com força. Gael me puxou para que eu a soltasse, enquanto Karina a segurava.
— Eu vou acabar com a sua raça! Me larga, Karina! Deixa ele vim, Gael! Eu quero quebrar a cara dele.
— Te bater eu não vou! Mas também não vou apanhar.
— Já chega! Lobão vai embora daqui! e Nat você não aguenta com ele, então respira!
Karina arrastou Nat para dentro da acadêmia enquanto ela bufava de ódio.
— Me larga! — disse me soltando de Gael. — Amanhã uma da tarde!
Luís estava no carro segurando a boca com a camisa. Eu também estava ferido.
Quando olhamos um para a cara do outro, não resistimos. Começamos a gargalhar feito loucos. Fazia muito tempo que eu não ria assim.
Antes de sairmos da praça, ainda pude ver a Nat secando suas lágrimas enfurecidas. Sumindo na noite na moto que um dia eu lhe dei.
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