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História The Way You Used To Do - O Capítulo do Trem


Escrita por: edema_ruh

Notas do Autor


Capítulo traduzido pela https://twitter.com/pricorcao e revisado por https://twitter.com/edemaruhhh

Capítulo 7 - O Capítulo do Trem


Izuku acordou.

Felizmente, ele não teve nenhum sonho estranho durante a noite, provavelmente devido à exaustão que estava sentindo antes de dormir. Suas discussões com Kacchan sempre o deixavam emocionalmente cansado, fazendo seus ossos parecerem pesados e seu cérebro enevoado, mas a intensidade de sua exaustão só aumentou após sua alma ficar presa à do garoto. 

Durante a maior parte de sua vida, tudo que Izuku pôde fazer foi pateticamente tentar se defender – ou, às vezes, defender os outros – da raiva injustificada de Kacchan. Ele chorava e tremia e sua voz falhava com mais frequência do que o contrário, mas ele ainda assim tentava. Claro, antes de herdar One For All, não havia muito que ele pudesse fazer, e Kacchan acabava lhe dando uma surra ou o repreendendo com tanta força que suas palavras machucavam mais que seus punhos. Izuku imaginou que essa era a razão pela qual ele sempre se sentia tão cansado depois dos conflitos entre eles - a carga emocional que o abuso de Kacchan costumava causar era pesada demais para ele suportar.  

Após se tornar mais forte e confiante sobre si mesmo, as palavras de Kacchan ainda machucavam, mas não da mesma forma que antes. Enquanto Izuku sentia medo e dor quando era um nerd fraco e indefeso, agora ele só sentia pesar quando Kacchan era desnecessariamente maldoso com ele. Pesar pelo que eles costumavam ter, antes da individualidade de Kacchan se manifestar e uma ponte inalcançável se erguer entre eles; pesar pelo que eles poderiam ter tido se ele tivesse nascido com uma individualidade própria ou se os pais de Kacchan tivessem conseguido controlar o seu filho antes que ele ficasse tão convencido. De qualquer forma, Izuku se sentia cansado sempre que havia conflito entre ele e Kacchan - se antes ele se sentia cansado por causa de seu medo, agora ele se sentia cansado por causa de sua mágoa.

As palavras de Kacchan alimentavam seu desejo de se tornar o número 1 também, mas Izuku não podia negar que o principal objetivo era machucá-lo.     

Mesmo assim, quando suas pálpebras abriram e ele instintivamente esticou os ombros, alegrou-se por estar se sentindo bem descansado. Suas costas não doíam mais, seus músculos estavam relaxados e ele sentiu uma energia renovada dentro de si.    

Então ele sentiu algo em sua cabeça.

Virando-se lentamente para olhar o que estava tocando seu couro cabeludo, Izuku se viu perplexo ao perceber que era a mão de Kacchan.   

Ele não conseguia ver o rosto de Kacchan, pois estava enterrado em um dos muitos travesseiros que compunham o forte que ele construiu, mas sua mão e metade de seu braço alcançaram a alta fortaleza de travesseiros e seus dedos estavam emaranhados no cabelo de Izuku, como se ele tivesse adormecido brincando com seus cachos. Izuku congelou, sem saber o que fazer nesse tipo de situação. Ele tinha certeza de que devia ter sido um acidente, mas também tinha certeza de que, se Kacchan acordasse e encontrasse sua mão no cabelo de Izuku, ele certamente encontraria uma maneira de colocar a culpa no idiota do Deku ou como ele quisesse chamar Izuku naquele dia.       

Ele não sabia porque seu coração estava acelerado com a descoberta, mas o que ele sabia era que deveria sair daquela situação antes que Kacchan acordasse.

Izuku moveu-se lentamente, com cuidado, para não acordar Kacchan (porque é claro que ele ainda estava dormindo; era impossível imaginar que ele iria voluntariamente enterrar sua mão no cabelo de Izuku enquanto estava acordado), removendo-se suavemente do toque de Kacchan e se sentando na cama. Ele ficou surpreso quando o colchão não balançou com seus movimentos, mas então lembrou-se de que era um fantasma, e que ele realmente não conseguia interagir com nada nem ninguém além de Kacchan.         

Realmente não fazia sentido que suas costas precisassem de uma superfície macia para dormir, mas seu peso e sua forma não interagissem com o colchão de forma alguma. Como ele poderia tocar em algo sem ser capaz de mudá-lo? Izuku suspirou enquanto se levantava. A individualidade que o atingiu era verdadeiramente excepcional e muito mais misteriosa do que ele gostaria.        

Ele queria falar com All Might em particular, ter uma conversa com seu mentor sem ninguém presente. Ele queria perguntar sobre a investigação, sobre o quão perto eles estavam de pegar o vilão - mas ele sabia que não havia como se comunicar com ninguém sem a intervenção de Kacchan. E All Might não seria capaz de responder a nenhuma das perguntas de Kacchan, mesmo que fossem de Izuku – isso seria quebrar o protocolo. All Might estava frequentemente disposto a quebrar o protocolo por Izuku – não que eles dois jamais fossem admitir –, mas quebrá-lo para Kacchan era uma história totalmente diferente.                

Apesar da promessa de Kacchan de que ele não deixaria que Izuku morresse, ele não podia evitar de se preocupar com as palavras de Aizawa sensei em sua última reunião. Especialmente quando a vida de outro aluno está em jogo. O que ele quis dizer com isso? Sua vida estava em risco? Era por isso que ele estava se sentindo mais cansado a cada dia que passava? Uraraka e Iida disseram que seu corpo não parecia muito bem e, embora Kacchan estivesse tentando deixá-lo mais confortável, ele não estava... se sentindo tão bem também.                                                         

Talvez ele só sentisse falta de sua mãe. Ela sempre sabia como fazê-lo se sentir melhor. Ela sempre tinha a coisa certa a dizer, o lugar certo para tocar, a maneira certa de abraçá-lo. Izuku desejou poder vê-la. Talvez então ela pudesse ajudá-lo com a tristeza cansativa e pesada que sentia no fundo de seu peito.      

Ele se sentou perto da janela e olhou para fora, observando a UA ganhar vida com o nascer do sol. Nenhum de seus amigos havia acordado ainda – Izuku suspeitava que Kacchan era sempre o primeiro a acordar –, mas era bom ver como tudo ganhava cor e os pássaros começavam a piar. Era bom ver como o mundo continuava girando, embora seu corpo estivesse preso a uma cama de hospital sem expectativa de acordar. Era agradável.          

Isso também o fez se sentir ridiculamente pequeno, mas ele realmente não se importava.  

Não demorou muito para Kacchan acordar, rosnando baixo com sua garganta com uma voz rouca e se mexendo na cama. Izuku não se virou para olhar para ele quando o garoto se espreguiçou e suspirou, mas sua cabeça logo espiou por cima da pilha de travesseiros, olhando ao redor do quarto e encontrando Izuku sentado perto da janela. Seu cabelo estava bagunçado de uma forma que poderia ser descrita como adorável, se não fosse de Kacchan que ele estivesse falando.

Kacchan não desejou bom dia, não falou com ele, e nem mesmo fez questão de notá-lo. Ele simplesmente se sentou, espreguiçou-se um pouco mais, levantou-se e foi ao banheiro, fechando a porta atrás de si.          

Izuku suspirou, inclinando a cabeça no batente da janela e observando os pássaros que voavam à distância. Ele sabia que o vento estava soprando, mas ele não conseguia senti-lo.                 

Ele não se moveu do seu lugar perto da janela quando Kacchan voltou e começou a se vestir para a aula. Izuku podia vê-lo trocando de roupa por meio de sua visão periférica, mas ficou onde estava. Como havia feito no dia anterior, Kacchan juntou seu material e colocou tudo o que precisava dentro de sua mochila, mas, ao contrário do que Izuku esperava, ele se sentou em sua mesa de estudo, em vez de sair. Izuku franziu a testa.                

“Kacchan?”, Izuku perguntou, olhando para ele pela primeira vez desde que ele havia acordado. Kacchan não olhou de volta, simplesmente abriu os dois cadernos que estivera usando na noite anterior e pegou seu lápis para fazer anotações. Após sua falta de resposta, Izuku mudou de posição para que pudesse olhar melhor para Kacchan. "O que você está fazendo?"       

“O que ‘cê acha?”, Katsuki respondeu irritado, sem olhar para Izuku.

Ah. Então eles voltaram às suas brincadeiras de sempre, se é que poderia ser chamado assim. Izuku se inclinou e tentou ver o que Katsuki estava fazendo de perto, tentando ao máximo esconder sua decepção com a agressão desnecessária. Ele tinha pensado que pelo menos... algo mudaria depois da conversa da noite anterior. Afinal, Kacchan havia prometido que tentaria melhorar.            

Após o silêncio analítico de Izuku, e provavelmente também se lembrando de sua promessa, Katsuki continuou, ainda soando mal-humorado, mas não tanto quanto antes:           

“Eu vou terminar isso antes de irmos pra droga da aula”.

“Achei que você queria chegar primeiro”, Izuku comentou, focando na leitura do conteúdo dos cadernos. Parecia haver uma mistura de notas nas páginas - as arrumadas certamente eram de Yaoyorozu, enquanto as confusas poderiam ser de qualquer um dos amigos de Kacchan. Izuku percebeu que Kirishima devia ter passado lá em algum momento do dia anterior, provavelmente quando ainda estava dormindo, para entregar as anotações.     

“Pelas merdas que estão acontecendo nos últimos dias, acho que posso dizer com tranquilidade que o universo ‘tá pouco se fodendo pro que eu quero”, Katsuki disse mal-humorado, continuando a escrever. Izuku optou por não responder e, em vez disso, continuou a ler as notas de Kirishima e Yaoyorozu, bem como as que Kacchan estava fazendo no momento. Esta era provavelmente a única maneira de ele conseguir entrar em contato com seus estudos enquanto estivesse preso fora de seu corpo.

Katsuki não tinha mentido no dia anterior quando disse que estava quase terminando os estudos antes de irem para a sala comunal. Menos de vinte minutos se passaram antes que ele terminasse com suas anotações, fechando os cadernos e colocando-os dentro de sua mochila antes de se levantar e jogá-la por cima do ombro. Ele não indicou para Izuku segui-lo ou lançou qualquer outro comentário amargo para ele – em vez disso, ele simplesmente fez seu caminho até a porta, calçou os sapatos no batente e saiu, segurando a porta aberta para Izuku como sempre fez.              

Izuku suspirou, mas o seguiu. Kacchan estava agindo de maneira estranha.

Era de se esperar que o relacionamento deles ficasse ainda mais turbulento após a discussão do dia anterior - Izuku fora dolorosamente honesto, finalmente reunindo coragem (e raiva, mesmo que o sentimento fosse de Kacchan, e não dele) para falar sobre verdades que ele não ousara abordar até então. Claro, tudo deve ter sido um pouco chocante para Kacchan - ele estava acostumado com Izuku vacilando e tremendo de medo embaixo dele, não respondendo de volta e jogando acusações dolorosas em seu rosto.

Izuku esperava que Kacchan estivesse com raiva. Afinal, eles finalmente falaram sobre o dia em que ele disse a Izuku para se matar – Izuku jogou isso na cara dele. Ele o acusou e admitiu toda a dor que Kacchan o fez sentir. Não só isso – ele fez Kacchan sentir sua dor, mesmo que não fosse sua intenção. Se Kacchan não iria mudar, Izuku esperava que ele pelo menos estivesse com raiva, furioso ou mais amargo do que o normal.            

Mas ele estava apenas – quieto. Além das poucas declarações mal-humoradas que ele fez a Izuku enquanto estudava, ele não disse mais nada. Pela maneira como ele caminhava cinco passos à frente de Izuku com as mãos enfiadas nos bolsos e os ombros curvados, ele também não parecia prestes a iniciar uma conversa.        

Huh. Estranho.

“Ei, Kacchan”, Izuku chamou, apressando seus passos a fim de acompanhar Katsuki. Ele estava preocupado, mas também queria testar se Kacchan responderia normalmente. "’Cê ‘tá bem?"          

Silêncio. Eles começaram a descer as escadas.

“Você ‘tá agindo um pouco estranho”, ele insistiu, andando ao lado de Kacchan.

Mais silêncio. Eles saíram do prédio do dormitório.

Izuku franziu a testa, todos os pensamentos sobre testar as respostas evaporando de sua mente. Definitivamente, algo não estava certo. Sua preocupação sobrepujou qualquer outro sentimento, e os pensamentos sobre os testes foram apagados de sua mente.

“Sério, Kacchan. ‘Tá tudo bem?”

Silêncio. Izuku suspirou.

“Isso é por causa de ontem?”

Ele começou a sentir raiva - um possível sinal de que provavelmente estava irritando Kacchan. Mas ele precisava saber.

“Só me fala o que é. Eu sei que ‘cê ‘tá irritado, mas não sei porquê.”

“Tch”.

“Kacchan”.

Silêncio.

“Se ‘cê vai ficar agindo assim, então ótimo”, Izuku acabou cuspindo antes que pudesse pensar melhor sobre isso, irritado. Foi só depois de falar as palavras que ele percebeu que não as queria dizer, mas estava se sentindo muito zangado e irritado para retirá-las. 

Era assim que Kacchan se sentia o tempo todo?

Eles caminharam o resto do caminho para a sala de aula em silêncio, Izuku se permitindo desacelerar novamente e caminhar alguns passos atrás de Katsuki. Quando eles entraram, Todoroki, Iida e Uraraka, bem como Yao-Momo e Jirou já estavam lá. Eles pareceram surpresos ao ver Katsuki chegar depois deles, provavelmente pela primeira vez na vida. Katsuki, por outro lado, não olhou para nenhum deles enquanto se dirigia para seu assento designado, mas Izuku olhou para seus amigos com saudade e tristeza, desejando desesperadamente ser visto e se sentindo mal por não poder ser.              

Ele deu uma espiada em Katsuki, percebendo que ele já estava sentado com seu caderno aberto à sua frente. Seus amigos lhe desejaram bom dia, ao que ele respondeu com uma simples bufada e um aceno de cabeça. Izuku ainda não estava com vontade de sentar-se atrás de Kacchan, mas também se sentia estranho de sair do lado dele para ficar com seus amigos. Primeiro, porque seus amigos não podiam vê-lo, então seria estranho e provavelmente um pouco assustador se Izuku apenas ficasse ao lado deles ouvindo a conversa. Em segundo lugar, Kacchan fora seu único companheiro nos últimos dias. Por alguma razão, parecia traição escolher a companhia de outras pessoas em vez da sua, mesmo que ele estivesse sendo um idiota com Izuku. Ser um idiota era apenas o modus operandi de Kacchan, certo?

Os olhos de Izuku dispararam entre Kacchan, que estava sentado em silêncio de costas para ele, e seu grupo de amigos, que estava reunido no fundo da sala falando em voz baixa. Ele mordeu o lábio inferior, tentando fazer uma escolha. Seus olhos encontraram Kacchan novamente. Kacchan não olhou para ele, ou mesmo parecia se lembrar que ele estava lá em primeiro lugar.        

Tá bem. Não faria mal apenas ficar com os seus amigos um pouco, não é?

Izuku se aproximou de seus amigos lentamente, embora não houvesse motivo - eles não podiam vê-lo ou ouvi-lo. Yao-Momo e Jirou haviam deixado seus lugares designados para ouvir a conversa de Iida e Uraraka, enquanto Todoroki estava em seu lugar marcado, de onde ele ainda poderia participar se quisesse (mesmo que parecesse que ele não queria).             

“Quer dizer, ele parece mais cansado a cada dia que passa”, dizia Yao-Momo com uma expressão preocupada no rosto. “Se Tokoyami-kun estiver certo –“           

“Vamos torcer pra que não”, Jirou interveio, com uma expressão neutra. Izuku ainda podia ver a preocupação em seus olhos.      

“Nós devíamos falar com Aizawa sensei sobre isso”, continuou Yao-Momo, nervosa. “Estou preocupada com eles. Especialmente depois da noite passada. Todos nós ouvimos a discussão deles na cozinha. Mesmo com Bakugou falando depois com a gente e entregando a mensagem de Midoriya...”

“Se falarmos com Aizawa-sensei, Bakugou-kun vai nos explodir em pedacinhos”, Uraraka comentou, lançando um olhar hesitante ao assunto da conversa, como se quisesse ter certeza de que Katsuki não a ouviu. Sua alegria usual estava ausente do seu rosto.

Izuku franziu a testa. Do que eles estavam falando?

“Eu acho que Kirishima-kun conversou com Bakugou sobre o assunto”, Iida interveio.

“É, mas ele não acreditou nele”, Jirou pontuou. “Disse que ele estava bem. ‘Cês sabem como ele é”. 

“Nós sabemos como ele é, mas isso não muda nada”, disse Uraraka, parecendo ter feito uma escolha. “Não podemos simplesmente deixar eles... fazerem isso porque Bakugou é teimoso. Temos que fazer alguma coisa”, ela olhou para Yao-Momo. "Eu concordo com você. Acho que temos que falar com Aizawa sensei, mesmo que o Bakugou-kun exploda a gente”.     

“Nós podemos falar com ele após a aula”, Yao-Momo concordou, ainda parecendo preocupada. “Após o Bakugou ir embora. Acredito que é melhor se ele não estiver presente”.

Do que eles estão falando? Por que estão tão preocupados? O que eles vão falar para o Aizawa sensei?

“Não posso dizer que concordo em deixar Bakugou no escuro sobre isso, especialmente por ser um assunto tão pessoal”, Iida franziu a testa. "Mas se ele está sendo tão teimoso e a vida de Midoriya pode estar em perigo por causa disso..."             

O quê?

“… então eu irei com vocês conversar com Aizawa sensei”.

“Não é só a vida do Midoriya”, Jirou corrigiu. “É do Bakugou também. Ele ‘tá definhando”. 

Izuku virou-se para olhar para Katsuki. Ele estava sentado na mesma posição, curvado e em silêncio. Ele franziu a testa.

“O que ‘cê acha, Todoroki-kun?”, Uraraka inclinou-se para a frente em sua cadeira para que pudesse dar uma olhada em Todoroki, cuja visão foi bloqueada por Yao-Momo e Jirou sentadas na frente dele. Ao ouvir seu nome, ele virou-se para olhar para Uraraka, seu rosto tão neutro como sempre. “Você é quem mais tem visitado Deku-kun! E a gente sabe o quanto você é atento nesse tipo de detalhe. Você acha que a teoria do Tokoyami-kun está certa?”, Uraraka elaborou.           

O que é essa teoria? Do que eles estão falando?

“Eu não acho que estou qualificado a dizer se Tokoyami está certo ou errado”, Todoroki disse, pensativo. “Mas eu posso dizer que Midoriya está parecendo mais fraco a cada dia”.

“E o Bakugou?”, Jirou perguntou, lançando um olhar rápido na direção de Katsuki como se quisesse ter certeza de que ele não estava ouvindo a conversa sussurrada, assim como Uraraka havia feito alguns momentos antes.

“Ele parece estar melhor do que antes, eu acho. Mas mesmo assim, parece mais cansado do que o normal. Talvez ter duas almas presas ao seu corpo esteja cobrando o seu preço”, Todoroki comentou. Os olhos de Izuku se arregalaram.

Era isso que eles pensavam? Que Kacchan estava ficando mais fraco e cansado porque estava sendo forçado a carregar Izuku também? Era isso que eles iam falar para o Aizawa sensei?

“Kirishima-kun disse que ele está tentando ser mais legal com Deku-kun, então talvez tenha uma melhora dos dois lados”, Uraraka disse, franzindo a testa. “E, até ontem, eu não esperava que Bakugou-kun fosse falar sobre os sentimentos do Deku-kun daquele jeito. Talvez passar um tempo juntos seja bom pro Bakugou-kun, mas... Ainda assim…”, ela hesitou, mordendo o lábio inferior. “Precisamos achar esse vilão logo”. 

“É”, Jirou concordou, parecendo triste. “Eu não gosto que a alma do Midoriya esteja desconectada do seu corpo por tanto tempo. Isso não pode ser bom”.  

“Eu também não gosto que os professores não estejam nos falando nada”, Yao-Momo completou, abraçando a si mesma. “Eles deveriam pelo menos deixar os amigos do Midoriya saberem o quão perto eles estão de ajudá-lo a melhorar”.

“Talvez eles não estejam”, Todoroki acrescentou de maneira sinistra. Todos os olhares se viraram para ele. “Perto de ajudar ele”, ele esclareceu severamente. “Talvez seja por isso que eles não estão falando nada pra gente”. 

“Essa é uma grave falta de fé na competência da nossa escola, Todoroki-kun!”, Iida repreendeu com veemência.     

“É a verdade”, continuou Todoroki, sem vacilar diante da desaprovação de Iida e cutucando uma de suas unhas com aparente indiferença. “A UA tem recebido críticas diárias da mídia pelos diversos desastres que ocorreram desde que começamos a estudar aqui. Primeiro, um ataque dentro do seu próprio campus, depois Bakugou sendo sequestrado pelos vilões... Você pensaria que eles gostariam de tranquilizar o público e a mídia sobre a condição do Midoriya o mais rápido possível, e é isso que eles têm feito. No entanto, não estamos vendo resultados, apenas promessas. Mesmo que digam que estão perto de capturar o vilão no noticiário, Midoriya ainda está definhando em uma cama de hospital. Isso quer dizer que eles estão desesperados pra manter sua imagem, mas longe de prender o vilão que fez isso. Se estivessem, não perderiam tanto tempo dando entrevistas e conferências de imprensa - estariam ocupados trabalhando na captura”.            

Todos ficaram em silêncio. Iida abaixou a cabeça. Izuku sentiu-se ficar pálido.     

“Talvez deixando Aizawa sensei e, com isso, o conselho de professores da UA, cientes de que Bakugou está ficando sobrecarregado com a conexão que ele compartilha com Midoriya, possamos forçar eles a trabalhar mais arduamente na captura ao invés de focar em sua publicidade”, Todoroki concluiu firmemente.            

“Você realmente acha que Aizawa sensei está mais preocupado com a publicidade?”, Yao-Momo virou-se para Todoroki. Não havia malícia ou julgamento em seu tom, apenas sincera curiosidade.       

“Não”, Todoroki respondeu instantaneamente. “Mas o Diretor Nezu com certeza está, e é ele quem toma as decisões”. 

Todos ficaram em silêncio novamente.

“Bem”, Iida quebrou o silêncio depois de alguns momentos. “Está resolvido, então. Depois da aula, falaremos com Aizawa sensei e vamos informá-lo sobre nossas preocupações em relação ao bem-estar do Bakugou”.    

“E do Deku-kun”, Uraraka adicionou, embora ela realmente não precisasse.

Mais de seus amigos estavam chegando e a classe estava quase cheia. Com o aumento do número de pessoas que poderiam acabar ouvindo a conversa, seus amigos se calaram e o assunto foi encerrado. Izuku decidiu voltar para seu assento designado, um olhar vazio, quase assustado em seu rosto enquanto ele sentava em sua cadeira.

Ele estava... Ele estava sobrecarregando Kacchan? Simplesmente por estar ali? Izuku estava colocando a vida de Kacchan em risco junto com a sua por estar preso à sua alma?

Ele estava... Ele estava fazendo mal ao Kacchan?

Ele se lembrou do dia anterior, da imagem aterrorizante de Kacchan chorando e sua voz falhando só porque Izuku estava um pouco triste. Ele se lembrou de como se sentiu extremamente cansado depois da discussão na cozinha e de como Kacchan também parecia exausto. Ele pensou em como Kacchan apenas caminhava e se sentava com os ombros curvados, em vez de sua postura ereta de costume, sua posição melhor-do-que-você – quase como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros.       

De certa forma, ele estava. Ele estava carregando uma vida inteira nos ombros.

Izuku o estava drenando como um parasita? Ele estava fazendo Kacchan definhar? Ele estava matando Kacchan?   

“Para com isso”, Katsuki sussurrou sem se virar para olhar Izuku, que estava sentado atrás dele. Izuku levantou a cabeça abruptamente, surpreso com a interação repentina.        

“Q-Quê?”, ele perguntou, confuso.

“’Cê ‘tá murmurando de novo”, foi a resposta simples de Katsuki por cima do ombro. Izuku ficou em silêncio e Katsuki voltou a ler suas anotações. Aizawa sensei chegaria a qualquer momento.      

“Kacchan”, Izuku chamou, preocupado. Se realmente havia uma chance de ele estar machucando Kacchan, ele precisava avisá-lo. Katsuki não respondeu, então ele se inclinou sobre sua mesa e sussurrou em seu ouvido com urgência: "Kacchan".     

“Falei pra ‘cê não falar comigo em público”, Katsuki rosnou baixo, virando a cabeça levemente na direção de Izuku e falando entre dentes. “Não quero ninguém achando que sou um doido varrido”. 

“É por isso que ‘cê não ‘tava falando comigo antes?”, Izuku franziu a testa. "Mas pera, você não ‘tava falando comigo também lá no quarto, onde ninguém podia te ver, então não pode ser isso, né? Se esse fosse o único problema, não tinha razão pra você me ignorar quando estivéssemos sozinhos, então o doido - “      

“Para. Com. Isso.”, Katsuki rosnou novamente, conseguindo soar mais perigoso dessa vez.

“De-Desculpa”, Izuku pediu, sincero. “Mas eu quero te perguntar uma coisa”.

“Guarda pra quando não estivermos em uma sala cheia de pessoas e quando eu realmente estiver no clima pra aturar suas merdas”, foi a resposta sussurrada de Katsuki. Lá se vai sua promessa de tentar ser melhor, Izuku pensou, respirando fundo.

“Mas é importante”, Izuku adicionou.

“Tô pouco me fodendo. Agora cala a boca”, Katsuki bufou. Izuku se encolheu. 

Ele hesitou por um segundo antes de reunir sua coragem e respirar fundo.     

“Você acha que eu estou te matando?”, ele perguntou em voz baixa, soando quase tímido e como se pedisse perdão. Por alguma razão, isso pareceu ser o suficiente para chamar a atenção de Katsuki de uma forma que nenhuma de suas outras tentativas conseguiu, porque ele imediatamente se virou em seu assento, olhando para Izuku com olhos desconfiados, estreitos e penetrantes. Todas as conversas na sala de aula morreram, já que todos perceberam que Katsuki estava interagindo com um Izuku invisível. Eles provavelmente estão pensando que ele vai surtar como ontem, Izuku percebeu.          

Ao invés de surtar, Katsuki levantou de sua cadeira abruptamente, agarrando o antebraço de Izuku e arrastando-o para fora da sala de aula, ignorando majestosamente todos os olhos que estavam colados nele. Assim que saiu, fechou a porta atrás de si, embora Aizawa sensei ainda não tivesse chegado. Ele empurrou Izuku contra a parede e cruzou os braços acima do peito, uma expressão de não-fode em seu rosto.

“’Tá bem. Fala”, ele instruiu agressivamente. Izuku piscou sem expressão, surpreso com o repentino desenvolvimento da situação.

“Eu – Eu não –“, ele gaguejou nervosamente. Katsuki suspirou e revirou os olhos.

"Você obviamente ouviu algo que não deveria ter ouvido quando ‘tava espiando a conversa dos seus amigos de merda que nem um bizarro do caralho", Katsuki apontou, ganhando um rubor de Izuku. "Então fala. Que merda aqueles bastardos disseram que te deixou tão preocupado?"

“Eu – Eu não tenho certeza se eles querem que você sa-saiba –“, Izuku tentou dizer, apenas para que Katsuki  colocasse raivosamente uma de suas mãos na parede ao lado de sua cabeça, aproximando-se dele e o impedindo de ir embora.

“Tarde demais”, ele rosnou. “Você já veio até mim com essa merda, então pode muito bem começar a desembuchar”.

Izuku olhou para Katsuki, percebendo o leve tom arroxeado sob seus olhos e a forma como seus ombros estavam curvados. Quase como se adivinhasse que Deku estava prestando atenção em seu cansaço, Katsuki se endireitou e respirou fundo, controlando-se.  

“Se você não me falar, Deku de merda”, ele disse em voz baixa e ameaçadora, inclinando-se para mais perto de Izuku e pressionando-o com mais força contra a parede. “Eu vou voltar lá pra dentro e perguntar pros seus amigos de merda tudo sobre isso, seja lá o que for. E eu vou me certificar de que eles saibam que você é o maldito dedo-duro, já que você estava bisbilhotando eles”, ele sorriu vitoriosamente diante do olhar assustado que dominou o rosto de Izuku. O medo foi logo substituído pela indignação.

“Eu não ‘tava bisbilhotando”, Izuku protestou, mas a sua defesa soou fraca até mesmo para os seus próprios ouvidos.

“É mesmo?”, Katsuki bufou. “Então o que ‘cê chama de ouvir a conversa dos outros sem ter sido convidado, sem ninguém saber que você estava ouvindo?”

A boca de Izuku abriu e fechou várias vezes enquanto ele tentava dar uma resposta, fazendo-o parecer um peixe fora d'água. Katsuki bufou novamente e balançou a cabeça.        

“Me fala logo, porra. Se você não quisesse que eu soubesse, não teria me perguntado o que ‘cê perguntou”, ele pontuou. Izuku abaixou a cabeça e suspirou derrotado.

“Eles querem falar com Aizawa sensei depois da aula”, Izuku disse, sem olhar nos olhos de Katsuki. “Eles pensam – er... Eles acham que você está sobrecarregado. P-Por... minha causa. Porque você tem duas almas ligadas a você”, ele concluiu tristemente, levantando o olhar para encontrar os olhos de Kacchan com um olhar de desculpas. O rosto de Katsuki empalideceu consideravelmente, o que fez Izuku franzir a testa.

A ficha dele caiu.

“Você sabia disso, Kacchan?”, Izuku perguntou, uma mistura de preocupação e acusação escondida em seu tom. Katsuki desviou os olhos dele, parecendo mal-humorado. Izuku agarrou um dos pulsos de Katsuki antes que ele pudesse se virar. “Kacchan. Você sabia disso?”, ele perguntou sério. Como Kacchan poderia saber algo assim e não ter contado a ele?!      

“Não me agarra assim, caralho; quem ‘cê pensa que é?”, Katsuki perguntou com raiva, puxando sua mão do aperto de Izuku. Izuku não teve tempo para se sentir triste com a declaração afiada – tudo o que ele podia sentir era raiva – uma raiva avassaladora e consumidora. Ele não sabia dizer se vinha de Kacchan ou dele mesmo.

“Como você pôde não me falar sobre isso?! Você sabia que eu ‘tava te machucando e você não disse nada?!”, ele acusou, sua voz saindo mais alta do que ele pretendia. Para falar a verdade, Izuku não estava acostumado a ter explosões de raiva – essas eram a especialidade de Kacchan, não a dele. Katsuki o encarou.        

“Você não está me machucando porra nenhuma, seu merdento”, Katsuki disse, passando uma mão cansada em seu rosto antes de enfiar as mãos em seus bolsos. “Não acredita em tudo que ‘cê ouve só porque um dos seus amigos idiotas disse”. 

“Então você sabia!”, Izuku acusou novamente, chateado. Katsuki revirou os olhos. Estranhamente, ele não parecia estar tão irritado quanto Izuku estava.

Foi a mesma coisa quando Izuku se sentiu triste antes. Katsuki acabou lidando com a maior parte da tristeza, enquanto Izuku sentia apenas um leve desconforto. Agora, Izuku estava sentindo a maior parte da raiva, enquanto Katsuki sentia apenas um leve aborrecimento. Era uma troca estranha.      

“Olha”, Katsuki disse o mais pacientemente que pôde, ainda revirando os olhos. “Kirishima passou ontem pra me emprestar o caderno. O que eu ‘tava estudando hoje”, ele deu de ombros. “Ele mencionou a teoria idiota do Cabeça de Pássaro, mas não tinha porque te contar porque não é verdade”.

“Mas faz sentido”, Izuku protestou, interrompendo. “Você não podia ter simplesmente escondido algo assim de mim –“  

“Meu Deus do céu, cala a porra da boca!”, Katsuki gritou. A raiva foi drenada de Izuku tão rapidamente que o deixou tonto, e parecia ter voltado toda ao Kacchan. “Eu posso esconder qualquer merda que eu quiser de você, seu filho da puta! Para de pensar que ‘cê pode me dizer o que fazer!”        

“É da minha alma que estamos falando!”, Izuku semi-gritou. “É do seu corpo! Qualquer informação que você decida esconder de mim pode acabar com nós dois morrendo –“

“Isso não vai acontecer –“

“Você devia ter me falado sobre isso, Kacchan!”

“Pra quê, hein?”, Katsuki explodiu. “Pra você reclamar e ficar choramingando pra mim como ‘tá fazendo agora? Pra ‘cê continuar resmungando como o idiota patético que você é? Para você passar a porra do dia inteiro chorando por causa dessa merda? Ok, agora você sabe, Deku. Tem uma chance de você estar drenando a porra da minha força vital a cada respiração que sua alma de merda dá. O que ‘cê vai fazer, hein? Você vai se separar de mim agora? Você vai encontrar uma maneira de se enfiar de volta em seu corpo? Que merda você vai fazer?”, ele empurrou Izuku com força, fazendo com que as costas do garoto colidissem com a parede atrás dele. Katsuki também sentiu o impacto e finalmente percebeu o que tinha feito - e o quão forte ele havia perdido a calma.           

Izuku olhou para ele com olhos grandes e cheios de lágrimas que eram acompanhados por um lábio trêmulo. Ótimo. Ele ia chorar de novo?         

Por que Katsuki não estava chorando também?    

Ele supôs que estava com raiva demais para chorar. Será que seus sentimentos se equilibraram?   

Não, havia uma sensação profunda e sufocante apertando seu peito e causando-lhe dor. Ele estava sentindo a tristeza de Deku. De repente, ele não sentiu mais vontade de ficar com raiva.     

“Eu não te contei sobre isso porque não tem porra nenhuma que ‘cê possa fazer”, Katsuki continuou, as palavras saindo entre dentes cerrados enquanto ele fazia o seu melhor para não perder a paciência. “Não tem nada que eu possa fazer também. Nós nem sabemos se essa teoria ‘tá certa. Nós podemos estar nos sentindo exaustados pra porra porque você continua tendo esses colapsos emocionais de merda o tempo todo e eles estão me cansando pra caralho. De qualquer jeito, realmente não importa se você está drenando minha energia”, ele bufou. Izuku franziu a testa.        

“Não… importa?”, ele perguntou hesitante.

“Não, não importa, Deku idiota”, ele zombou. “Porque – e eu não consigo acreditar que vou falar essa merda pra você –, até nós encontrarmos um jeito de colocar você de volta no seu corpo, você não vai a lugar nenhum. Você ‘tá me ouvindo?”, ele encarou Izuku com olhos intensos, como se para mostrar que estava falando sério. 

Izuku, pela primeira vez, não sabia o que dizer ou como reagir, então ele simplesmente olhou para Katsuki, os olhos arregalados e confusos. Apesar de todos os xingamentos e abusos que ele insistia em dar à Izuku, mesmo em seu estado-de-alma, ele parecia muito decidido em não permitir que ele morresse.

Talvez fosse culpa – afinal, Izuku só estava nesta situação porque salvou Katsuki do ataque do vilão. Talvez realmente tivesse a ver com querer ser melhor do que Izuku quando eles se tornassem heróis. Talvez fosse outra coisa, algo que Izuku não conseguia nomear. De qualquer forma, uma coisa ele podia dizer com certeza - os olhos de Kacchan eram sinceros, assim como suas palavras. Izuku acenou com a cabeça, decidindo confiar na confiança do garoto - se havia uma coisa no mundo que era inabalável, era a confiança de Kacchan em si mesmo.             

“O que ‘cê ia fazer de qualquer jeito, seu pedaço de bosta?”, Katsuki zombou, empurrando Deku para longe de uma forma quase brincalhona depois que o garoto concordou com suas palavras. “Você não vai se livrar de mim tão facilmente”.      

“Bakugou”, uma voz chamou atrás deles. Katsuki se assustou, não tendo ouvido ninguém se aproximar deles, e se virou apenas para encontrar Aizawa sensei parado no meio do corredor, olhar intenso fixo nele. Ele não sabia dizer há quanto tempo o professor estava lá, ou quanto da conversa ele tinha ouvido.        

Se ele ouviu alguma coisa, não transpareceu. Em vez de dizer qualquer outra coisa ou mesmo repreender Bakugou por não estar dentro da sala de aula e esperando por ele, Aizawa sensei simplesmente se aproximou dele, com um olhar intrigado em seu rosto.

“Como está a sua concussão?”, ele perguntou, parecendo genuinamente interessado, embora seu rosto tivesse uma expressão extremamente oposta.        

“Melhor”, Katsuki respondeu, encarando seu professor com um olhar igualmente intenso. “Sensei”, ele acrescentou educadamente como uma reflexão tardia, após alguns segundos de atraso e uma cutucada significativa de Izuku.          

“Então estou correto em presumir que você não vai explodir mais os móveis da minha classe hoje?”, Aizawa sensei ergueu uma sobrancelha para ele, um olhar astuto em seu rosto.             

“Aquilo foi um acidente”, Katsuki abaixou a cabeça com um olhar mal-humorado, sentindo-se envergonhado, mas não querendo entrar em mais detalhes. Aizawa sensei olhou para ele por mais alguns segundos antes de se afastar.       

“Não demore muito para entrar”, ele instruiu, sem olhar para Katsuki e pegando na maçaneta da porta. “A sua situação atual não lhe dá passe livre para fazer o que quiser”.     

“Sensei”, Katsuki chamou antes que Aizawa conseguisse abrir a porta, um olhar sério em seu rosto. Seu professor virou a cabeça para olhar para ele, e ele respirou fundo para se acalmar antes de continuar. “Depois da aula, alguns dos meus amigos vão falar com você. Não dê ouvidos a eles”, ele disse, esperando que Aizawa sensei conseguisse captar a seriedade – e a sanidade – por trás de seu olhar. “Eles não sabem o que estão dizendo”, concluiu.   

Aizawa sensei olhou para ele como se estivesse tentando lê-lo como um livro. Ele não acenou com a cabeça, balançou a cabeça ou deu a Katsuki qualquer tipo de indicação de que tinha ouvido seu pedido antes de abrir a porta e entrar na sala de aula.

“Kacchan”, Izuku agarrou o pulso de Katsuki novamente antes que o garoto pudesse seguir seu professor para dentro da sala. A porta se fechou silenciosamente atrás de Aizawa sensei, deixando os dois garotos parados do lado de fora. Desta vez, Katsuki não se esquivou do toque de Izuku, esperando que ele continuasse. “Não acho que seja uma ideia tão ruim eles falarem com Aizawa sensei”, Izuku disse, parecendo sério e preocupado. “Se a teoria for verdadeira –“           

“Não é verdade”, Katsuki o interrompeu.

“ – se for verdade”, Izuku continuou. “Eu não quero colocar a sua vida em risco”.

“E ‘cê vai fazer o quê? Ir embora e morrer?”, Katsuki bufou uma risada sem humor, zombando. Izuku continuou a encará-lo com um olhar sério, sem concordar nem negar. Por alguma razão, isso irritou Katsuki além de qualquer comparação e ele rosnou. O nerd estava realmente considerando se deixar morrer apenas para poder salvar Katsuki?    

No entanto, essa não seria a primeira vez.

Katsuki rosnou de raiva com o pensamento. Ele se desvencilhou do aperto de Izuku novamente.   

“Isso não vai acontecer, porra”, ele cuspiu amargamente, nunca encontrando os olhos de Izuku.

“Por que você colocaria sua vida em risco por mim?”, Izuku perguntou, confusão genuína evidente em seu rosto, testa franzida. Ele ainda parecia um pouco zangado, mas mais perdido do que qualquer coisa.      

“Eu poderia te fazer a mesma merda de pergunta”, foi tudo o que ele disse antes de empurrar a porta da sala de aula e entrar, não dando a Izuku tempo para protestar. Tudo o que o garoto pôde fazer foi segui-lo.         

 

 

 

 

 

“Juro por Deus, ‘cê ‘tá se tornando mais insuportável a cada dia que passa”.     

“Não é minha culpa nós termos perdido tantas aulas!”  

“Na verdade, é sim, Deku de merda”.

“Achei que já tivéssemos superado isso. Eu salvei a sua vida”.

“Não, ‘cê não salvou porra nenhuma. E para de ficar tentando jogar isso na minha cara”.

“Enfim, eu ainda tenho algumas dúvidas. ‘Cê tem certeza que não podemos passar no escritório do Aizawa sensei depois do almoço? Eu só preciso fazer uma ou duas perguntas sobre teoria das indivi-“

"Já falei que isso não vai acontecer, caralho. ‘Cê já murmurou perguntas demais no meu ouvido durante a porra da aula e me fez parecer um idiota estúpido. Agora cala a boca antes que eu enfie uma meia nela”.   

Uma pausa.

“… Você acha que consegue fazer isso?”

“Tenho quase certeza que eu já fiz em algum momento das nossas vidas”.

“Não, quero dizer. No meu estado atual. ‘Cê acha que você conseguiria enfiar uma meia na minha boca enquanto eu estou... assim?” 

Katsuki olhou para ele.

“’Cê ‘tá dizendo que quer que eu tente?”

Silêncio.

“Você é estranho pra caralho, Deku”.

“Eu só tô dizendo que seria interessante saber!”

“Você ‘tá basicamente falando que quer a minha meia na tua goela. Isso é bizarro pra cacete”.

“Não precisa ser a sua meia! Pode ser a meia de qualquer um! Na verdade, eu acho que seria melhor se tentássemos vários tipos diferentes de meias para obter melhores resultados”. 

“Sai de perto de mim, seu estranho do caralho”. 

“Eu tô falando sério! Eu tenho pensado à beça sobre isso, na verdade”.

“Sobre a minha meia?”

“Sobre tocar coisas. Até o momento, eu sei que consigo tocar em você, e na sua cama, e nos seus travesseiros. Eu não consegui tocar em mais nada no seu quarto, mas quando eu te toco, eu consigo sentir as suas roupas. É porque as roupas estão em você? Ou eu conseguiria tocar nelas mesmo se você não estiver usando? Eu queria tentar, mas eu não consegui abrir o seu guarda-roupa porque a minha mão ficava atravessando ele”.

“Você tentou abrir a porra do meu guarda-roupa?!”

“Pra fins de pesquisa, Kacchan!”

“Puta que pariu. Eu vou matar você!”

“Você não está curioso pra saber?!”

“Eu vou matar você!”

“Quer dizer, qual é o limite de quais objetos eu posso tocar e interagir? Eu posso dormir na sua cama e posso apoiar minha cabeça em um travesseiro - “ 

“Filho da puta murmurante do caralho –“

“ – mas não consigo mover ou segurar, por exemplo. Eu consigo sentar em lugares se eu quiser, mas eu não consigo mexer nada. Se você estiver inconsciente, será que eu conseguiria te arrastar?”

“Deku, pelo amor de Deus –“

“Como as outras pessoas iriam ver? Será que eu só posso te mexer quando você ‘tá acordado?”

“Para. De. Falar. Sobre. Isso. É estranho pra porra”.

“Não aja como se você não quisesse saber também”.

“’Tá bem. Você quer a minha meia na tua goela? Você quer tanto assim a porra da minha meia na tua boca??!!”

“Er… Bakugou?”

Katsuki virou a cabeça para o lado para encontrar Kirishima, Kaminari, Mina e Sero parados na frente dele, todos eles com expressões semelhantes em seus rostos. Eles estavam segurando bandejas com seus almoços, mas Mina estava tremendo muito pela maneira como ela tentava segurar o riso.             

Katsuki levou em consideração o que aquela cena pode ter parecido para eles. Katsuki, sentado (aparentemente) sozinho em uma das mesas do almoço, sua comida intocada na frente dele. Ele, estendendo o braço sobre a mesa e agarrando uma camisa invisível que pertencia a um nerd invisível, gritando ameaças sobre meias na garganta no meio do almoço enquanto sua outra mão estalava com pequenas explosões. Ele provavelmente parecia mais um lunático do que gostaria de admitir.        

“Que porra ‘cês ‘tão olhando?”, Katsuki perguntou, soltando Deku, que caiu pesadamente contra a cadeira sem movê-la do lugar. Tudo bem, talvez fosse realmente interessante investigar quais objetos Deku poderia ou não tocar. Vai se foder maldito nerd e sua curiosidade contagiante.

“Nada”, disse Sero. Seu rosto estava sério, mas Katsuki conseguia perceber que ele queria rir. "’Cê ‘tava só... er..."     

“Gritando sobre meias. No meio do salão”, concluiu Kaminari. Mina mal conseguiu se controlar e emitiu um gemido agudo ao não conseguir conter o riso.    

“É. E daí?”, Katsuki respondeu com raiva, não querendo admitir que a cena que ele fez deve ter sido muito estranha para quem viu de fora. “Não gostou, vá procurar outro lugar pra sentar”, ele rosnou, começando a comer.

Seus amigos sentaram-se em silêncio em sua mesa, todos trocando olhares entre si. Só depois que eles estavam todos acomodados, Katsuki olhou para Izuku, que tinha um olhar meio apologético e meio divertido em seu rosto.          

“’Tá rindo do quê, caralho?”, Katsuki perguntou, irritado, esquecendo-se de sua falta de vontade de falar com Deku na frente de outras pessoas. A insolência de Deku sempre conseguia fazê-lo perder a paciência. Ele pensou que poderia zombar de Katsuki por perder a paciência? Quando foi ele quem o irritou em primeiro lugar? “Fica na tua, nerd”, ele alertou.         

“Desculpa”, Izuku sorriu nervosamente, parecendo que estava juntando todo o seu autocontrole para não cair na gargalhada. "Mas ... Vamos tentar a teoria das meias mais tarde?"             

“Não chama isso assim”, Katsuki rosnou enquanto mastigava a comida. 

“’Cê não devia falar de boca cheia, Kacchan”.

“’Cê não devia meter o seu nariz no que não é da tua conta, Deku”.

“Mas nós vamos testar mais tarde?”

“’Tá bem. Não posso dizer que não será prazeroso enfiar uma meia no fundo da tua garganta”.

“Ok, que parada é essa, cara?”, Kirishima interrompeu a conversa, parecendo em conflito. Olhando para ele, Katsuki encontrou um olhar semelhante no rosto de cada um de seus amigos. “O que é isso sobre meias?” 

“É, mano. Nós só conseguimos ouvir o seu lado da conversa, e é mega estranho fora de contexto”, Sero concordou com a cabeça.

“É alguma metáfora sexual bizarra?”, Kaminari perguntou com um olhar pervertido, fazendo com que o rosto de Katsuki se contraísse imediatamente e seus olhos arregalassem de raiva. 

“Que merda ‘cê acabou de falar? Cai fora da minha mesa, seu pervertido do caralho!”, ele gritou, furioso. Izuku corou violentamente.

“Você que ‘tá falando sobre meias e gargantas!”, Kaminari protestou, soando amedrontado. Katsuki se levantou.

“FORA”, ele gritou. Kaminari só teve tempo de recuar, agarrar sua bandeja e se levantar antes que as mãos de Katsuki estourassem com pequenas explosões. Ele não olhou para trás quando se sentou em uma mesa distante com Mineta e Shoji.       

“Ok”, Kirishima continuou quando Katsuki sentou de volta. “Mas que parada é essa sobre meias?”

“Não é da conta de ninguém”, Katsuki resmungou com raiva, continuando a comer sua comida e sem olhar para Deku.

Eles conseguiram comer em silêncio por um tempo, Mina e Sero falando sobre algo que Katsuki não se importava em prestar atenção enquanto Kirishima alternava entre fazer um comentário aqui e ali na conversa e olhar para Katsuki com preocupação. Izuku, por outro lado, permaneceu em silêncio após o comentário de Kaminari, perdendo-se em pensamentos novamente e olhando para longe enquanto Katsuki comia.        

“Mas eu realmente quero saber se posso ou não tocar nas suas roupas quando elas não estão no seu corpo”, ele comentou distraidamente, provavelmente não pensando que Katsuki iria ouvi-lo. Katsuki cerrou os punhos e rosnou.      

“Para de falar desse jeito”, ele rosnou o mais baixo que pôde, sem querer chamar a atenção de seus amigos. “É estranho pra cacete”.

“De-De-Desculpa”, Izuku disse, lembrando do seu próprio constrangimento. “Não foi minha intenção”.

“Foda-se, só cala a porra da boca”, ele rosnou. Não demorou muito para terminar a comida depois que Deku fechou a boca e, assim que o fez, levantou-se sem cerimônia.  

“Ei, Bakubro!”, Kirishima chamou assim que Katsuki ficou de pé. “Onde ‘cê vai?”

“É, cara! Faz um tempão que não conversamos!”, Sero protestou.

“Eu falei mais que o suficiente com vocês na noite passada”, Katsuki resmungou, pegando sua mochila e indo embora sem olhar para trás. Ele não viu o olhar desapontado de Izuku.

“Então, Kacchan”, Izuku disse, voltando ao seu modo indisciplinado assim que eles estavam longe das pessoas - e, mais precisamente, dos amigos de Katsuki. “Tem certeza de que não podemos parar no escritório do Aizawa sensei no caminho de volta? Eu tenho pelo menos cinco perguntas que gostaria de fazer sobre a aula de hoje e queria resolver elas enquanto ainda estão frescas na minha - “       

“Você tinha falado duas perguntas”, Katsuki o interrompeu sem olhar para ele.

“Hm?”

“Antes. ‘Cê falou que tinha uma ou duas perguntas. Agora já aumentou para cinco”, Katsuki pontuou.

"B-Bem... Eu pensei... Talvez eu pudesse te convencer... Se não fossem tantas perguntas...", Izuku admitiu timidamente, seguindo Katsuki de perto.  

“Porra, você é ridículo”, Katsuki zombou com um escárnio. “Não importa o número de perguntas, Deku de merda. Eu não vou perguntar pra ele as suas dúvidas e ponto final”.    

“Mas Kacchan -“, Izuku tentou protestar, mas Katsuki o interrompeu novamente.      

“Se você realmente quer entender tanto assim, eu posso te explicar mais tarde”, ele ofereceu. Antes que Izuku pudesse ficar sentimental sobre a oferta sem precedentes de estudar com Kacchan, ele acrescentou: “mas só se você calar a boca sobre isso e me deixar em paz pelo resto do dia. Além disso, se você mencionar isso pra qualquer pessoa, e quero dizer qualquer pessoa, não importa quando –“

“Você vai me explodir de alguma maneira bem gráfica. Eu sei”, Izuku concluiu. “Mas você tem certeza que consegue me ajudar com isso, Kacchan?”, ele adicionou hesitante.

“Quê? Não me trate com condescendência, seu idiota de merda, é óbvio que eu consigo”, ele protestou com raiva. Izuku ergueu os braços em derrota, mostrando que não queria fazer mal.     

“Não foi isso que eu quis dizer! Você perdeu tantas aulas quanto eu!”, ele explicou humildemente. “Não achei que você já estava com a matéria em dia”.

“É claro que eu já estou com a matéria em dia; quem você acha que eu sou?”, ele fez uma careta. “Eu não sou idiota como você”. 

Izuku apertou os lábios e olhou para Katsuki com uma expressão ofendida.

“Ok. Lembra da noite passada quando você me disse pra falar quando você estava sendo um cuzão?”, Izuku perguntou, fechando os punhos. “Você está sendo um agora”.      

"Eu também lembro que te disse que 'cuzão' é um palavrão. Você beija sua mãe com essa boca suja, seu Deku de merda?”, Katsuki sorriu maliciosamente. Izuku corou.    

“P-Para com isso! É sua culpa eu ficar falando tanto palavrão!”, ele protestou, envergonhado. “Se você pudesse parar de se sentir tão irritado o tempo todo -“      

“Eu também queria que ‘cê parasse de ser um perdedor nerd sentimental o tempo todo, mas não estou conseguindo o que quero, né?”, Katsuki gritou com raiva no meio do corredor. Alguns transeuntes deram a ele olhares estranhos, já que não podiam ver Izuku, mas Katsuki os ignorou, enfiando as mãos nos bolsos e parecendo mal-humorado. “Além disso, você só deve me dizer que estou sendo um cuzão quando eu não sei que estou sendo um”, ele acrescentou em uma voz consideravelmente baixa.             

“O quê? Então você está fazendo isso de propósito?!”, Izuku exclamou, ganhando um revirar de olhos de Katsuki.

“O que que ‘cê acha?”, ele bufou.

“Isso é maldoso, Kacchan!”

“Tch. Você que fica muito chateado com coisas pequenas”.   

“Me chamar de idiota não é uma coisa pequena!”

“É claro que é. Eu já te chamei de coisas bem piores”.

“Bem, sim, mas isso não significa que você me chamar de - pera”, Izuku franziu a testa, interrompendo seu próprio processo de pensamento quando percebeu onde eles estavam. Na frente deles estava a porta do escritório de Aizawa sensei.             

Izuku se virou para olhar para Katsuki com admiração, surpresa e gratidão em seus olhos, sorrindo com entusiasmo. Kacchan realmente ouviu seu pedido? Ele o trouxe até o escritório de Aizawa Sensei para que ele fizesse as perguntas que ele queria? Essa era a tentativa de Kacchan de mostrar que estava tentando ser melhor?           

“Não fique tão animado”, Katsuki disse simplesmente, sua voz e rosto tão mal-humorados como sempre. “Você vai esperar aqui fora”.        

A alegria do rosto de Izuku se esvaneceu como se ele tivesse levado um soco no estômago.    

“Ma-mas…”, Izuku gaguejou, confuso. "Como você vai saber o que eu quero perguntar se eu vou ficar esperando aqui do lado de fora?” 

“Não é pra isso que estamos aqui, merdento”, Katsuki suspirou aborrecido, virando-se para encarar Izuku. “Não quero você se metendo nos meus assuntos dessa vez. Espera aqui fora enquanto eu converso com ele”, ele instruiu novamente. Izuku franziu a testa.       

“Por quê? O que você vai falar com ele?”, ele perguntou, permitindo que a curiosidade e preocupação tomassem conta dele. Seus olhos se arregalaram. “É sobre a teoria do Tokoyami-kun?” 

“Deku, eu estou tentando com todas as minhas forças não socar os seus dentes cada vez que você abre a matraca, então cala a porra da boca antes que eu perca a minha calma”, Katsuki rosnou. 

“Você chama isso de estar calmo?”, Izuku perguntou em voz baixa, franzindo a testa, ao mesmo tempo em que Katsuki bateu na porta de Aizawa sensei de uma maneira muito grosseira. A voz do professor veio de dentro da sala, soando tão entediada e estoica como sempre e instruindo quem quer que fosse para entrar. Katsuki se virou para olhar Izuku uma última vez antes de abrir a porta, um aviso em seus olhos.    

“Se você sabe o que é bom para você, você não vai entrar, ‘tá me ouvindo?”, ele ergueu as sobrancelhas para Izuku, parecendo ameaçador. “Ao contrário dos seus amigos de merda, eu sou o único que sabe quando você está bisbilhotando, então nem pense em tentar”.   

“Kacchan –“

“Fica aqui, Deku”.

E antes que Izuku pudesse dizer mais alguma coisa, Katsuki abriu a porta, entrou e a fechou com força.    

Izuku queria encostar a cabeça na porta e ouvir; ele queria passar pela parede como Mirio senpai e descobrir sobre o que Kacchan poderia estar querendo sendo tão misterioso. Ele geralmente era tão descarado e honesto - mais do que o necessário, na maioria das vezes -; Izuku não conseguia descobrir o que poderia ter causado a mudança no comportamento.        

Ele nunca negou que iria falar sobre a teoria do Tokoyami-kun. Talvez Kacchan tenha ficado farto da alma de Izuku usando-o como suporte de vida e decidiu pedir a Aizawa sensei uma maneira de se livrar dele? Talvez as acusações e comentários raivosos de Izuku tivessem o incomodado demais e acabado encorajando Kacchan a tentar encontrar uma solução para separá-los mais rápido? Kacchan parecia bem antes de irem dormir na noite anterior - ele até conseguiu soar amigável, algo que Izuku nunca tinha testemunhado antes! Por que, então, ele estava exibindo um humor tão azedo desde que acordou? Por que ele queria falar com Aizawa sensei sozinho, por que ele não queria que Izuku ouvisse a conversa deles? Por que ele estava tão irritado? Sua mente estava correndo na velocidade da luz e Izuku estava ciente de que ele provavelmente estava murmurando, mas ele não conseguia parar. A única pessoa capaz de ouvi-lo não estava por perto para mandá-lo calar a boca.               

Izuku percebeu que estava assustado. Ele havia contado à Kacchan sobre seu medo de acabar sozinho nesse estado-de-alma antes, mas se Kacchan estava realmente tentando se livrar dele, apesar de saber do medo de Izuku... Ele não sabia o que pensar sobre isso. Ele não sabia como se sentir sobre isso. Tudo o que ele queria saber era o que Kacchan estava conversando com Aizawa sensei e o quanto a conversa o afetaria.          

Pareceu uma eternidade até que Kacchan saiu do escritório do professor, parecendo tão indiferente e rabugento como sempre. Ele baixou o olhar para encontrar Izuku sentado no chão ao lado da porta, um olhar ansioso e antecipado em seus olhos enquanto murmurava para si mesmo. Ele suspirou.          

“Você tem ideia de como foi difícil pra caralho falar com Aizawa sensei enquanto você estava me fazendo surtar daquele jeito?”, ele reclamou, começando a se afastar e não dando a Izuku nenhuma escolha a não ser segui-lo. Os olhos de Izuku se arregalaram de compreensão e vergonha - ele havia esquecido que eles estavam compartilhando sentimentos agora, e que provavelmente fez Kacchan sentir todos os estágios de seus próprios pensamentos ansiosos.                   

“De-Desculpa, Kacchan”, Izuku disse, alcançando-o e com um olhar preocupado. “Eu estava... Eu só... Eu não sabia o que você estava falando com ele, então fiquei nervoso”.       

“É, eu pude sentir isso, nerd maldito”, Katsuki revirou os olhos, sem olhar para Izuku. "Mas no fim das contas, você ser a porra de um perdedor fracote foi bom. Me fazer perder a compostura na frente do sensei por nenhum motivo me ajudou com meu caso”. 

“Hã?”, Izuku franziu a testa, confuso. “Do que você está falando, Kacchan? Que caso?”

Katsuki ficou em silêncio, sem olhar para Izuku enquanto eles voltavam para os dormitórios dos alunos.      

“Kacchan?”, Izuku insistiu quando não recebeu resposta. Katsuki permaneceu em silêncio, olhando para frente e agindo como se Izuku não estivesse lá. Izuku suspirou e tentou novamente, curioso e nervoso. "Kacchan, você vai me contar?"     

Mais silêncio. Eles chegaram ao prédio do dormitório e subiram as escadas, Katsuki continuando a ignorá-lo.    

Eles entraram no quarto de Katsuki e ele sem cerimônia tirou o casaco do uniforme, a camisa e depois as calças, jogando-as em uma pilha em sua cama e virando de costas para Izuku para que ele pudesse pegar algumas roupas novas em seu guarda-roupa. Izuku fez o possível para não olhar - afinal, seria estranho se Kacchan o pegasse com os olhos fixos em sua forma quase nua -, então ele apenas se sentou na cama e olhou para os próprios joelhos. De repente, ele percebeu que o uniforme de Kacchan estava bem ao lado dele.     

Ele seria capaz de tocar o tecido, agora que não estava mais em contato com o corpo de Kacchan? Ele lançou ao garoto um olhar cauteloso, como se para ter certeza de que não iria pegá-lo em flagrante em sua tentativa de descobrir. Vendo que Kacchan ainda estava de costas para ele, Izuku lentamente alcançou o outro lado da cama para que suas pontas dos dedos encontrassem o tecido do uniforme -         

“Não se atreva, seu nerd bizarro da porra”, Katsuki avisou sem se virar para olhá-lo. Izuku estremeceu e retirou sua mão como se tivesse sido queimada, corando. Ele não sabia como Kacchan sabia o que ele estava planejando fazer, mas decidiu não questioná-lo sobre isso – ele sabia que provavelmente não receberia nenhuma resposta.         

“Hm, Kacchan…”, Izuku hesitou depois de alguns momentos de silêncio constrangedor. "Nós vamos... a algum lugar?", ele perguntou, percebendo que Katsuki tinha pegado seu jeans e uma camisa de saída, em vez da calça de moletom que ele normalmente usava quando não planejava sair do prédio do dormitório. Novamente, ele foi deixado em silêncio enquanto Katsuki colocava sua camiseta preta antes de se curvar para vestir suas calças. Izuku desviou os olhos novamente.   

Katsuki fechou o zíper da calça e entrou no banheiro, desta vez sem fechar a porta atrás de si como sempre fazia. Izuku ficou sentado na cama, aproveitando a oportunidade para tocar o uniforme de Kacchan agora que ele não estava olhando. Sua mão passou pelo material e ele suspirou em desapontamento. Então, ele só podia tocar nas roupas enquanto Kacchan as vestia.         

Kacchan escovou os dentes (Izuku sabia por causa da maneira como ele rosnava e gritava sobre germes) e lavou o rosto para se livrar do cansaço antes de sair. Ele calçou os sapatos e ficou ao lado da porta, olhando para Izuku como se esperasse que ele simplesmente pulasse da cama e o seguisse como um cachorrinho leal. Izuku olhou de volta, sem se mover.               

“Você vem ou o quê?”, Katsuki perguntou após alguns momentos o encarando em silêncio. Ele parecia irritado, mas Izuku não permitiu que isso o abalasse.          

“Pra onde nós vamos?”, ele perguntou simplesmente, optando por ser franco em vez de passivo-agressivo. Katsuki suspirou, revirou os olhos, abriu a porta e saiu. Izuku foi inevitavelmente arrastado atrás dele pelo laço invisível que os unia, gritando de surpresa. Ele quase havia esquecido que Kacchan não poderia ficar muito longe dele sem trazê-lo junto no processo.           

Katsuki esperou até que Izuku estivesse fora do quarto antes de voltar e fechar a porta atrás de si. Sem lançar ao garoto confuso um único olhar, ele voltou ao seu caminho pelo corredor e em direção às escadas. Izuku tropeçou em seu caminho indo atrás dele.

“Espera, Kacchan! Me fala pra onde estamos indo!”, ele perguntou, tendo suas palavras ignoradas novamente. O desejo de Izuku era plantar ambos os pés no chão e impedir Kacchan de se afastar como se Izuku fosse um cachorro que deveria segui-lo, mas eles estavam no meio de descer as escadas, e se ele parasse tão abruptamente ele poderia acabar fazendo com que Kacchan caísse. Portanto, ele o seguiu, um olhar mal-humorado tomando seu rosto e se misturando com a confusão já gravada ali.      

Assim que eles estavam fora do prédio do dormitório e longe de quaisquer possíveis ouvidos curiosos, Katsuki parou no meio do caminho e se virou para Izuku com um olhar sério e levemente irritado em seu rosto. Izuku congelou em seu caminho, ouvidos aguçados com atenção e olhos arregalados de surpresa.        

“Olha, nerd de merda”, ele disse simplesmente, sua voz saindo naquele tom de raiva usual que parecia ser uma constante para Katsuki. “Nós vamos sair. Eu não quero que você me pergunte nada sobre isso, ou nós vamos dar meia volta e voltar para o dormitório. Você vai entender quando chegarmos lá. Agora cala a boca e me segue”.

As palavras de Katsuki foram tão chocantes que Izuku não o seguiu imediatamente quando ele começou a andar novamente, o que resultou nele sendo puxado e arrastado quando Katsuki se afastou mais. Ele tropeçou e lutou para alcançar o garoto novamente, com um olhar ainda mais confuso em seu rosto assim que se aproximou.             

“O-O que ‘cê quer dizer com 'sair', Kacchan?”, ele perguntou, apesar do aviso de Katsuki. “Podemos fazer isso? Não deveríamos ficar no terreno da UA, especialmente depois que o vilão nos atacou? Kacchan! Kacchan, espere!”, Izuku gritou atrás dele quando suas perguntas ficaram sem resposta e Katsuki acelerou o passo.       

“Kacchan, Kacchan, Kacchan, isso é chato pra caralho”, Katsuki parou no meio do caminho e girou nos calcanhares para olhar furiosamente para Izuku. Ele agarrou um dos pulsos de Izuku e o arrastou para que ele não ficasse para trás novamente, retomando sua caminhada apressada em direção à saída principal do terreno da UA. “Usa o seu cérebro pelo menos uma vez na porra da sua vida e junta os pontos”, ele zombou com raiva. "Que porra você acha que eu estava falando com Aizawa sensei?"           

O rosto de Izuku acendeu em compreensão.

“Ah”, ele disse simplesmente, se sentindo envergonhado pela sua própria falta de percepção. 

“É. Ah”, Katsuki zombou dele, revirando os olhos. “Agora cala a boca e fica do meu lado. Tô cansado de ter que arrastar sua bunda pesada. Não me faça me arrepender disso, Deku de merda”, ele avisou quando eles saíram, soltando o pulso de Izuku e confiando nele para manter o ritmo sozinho.           

Nenhum alarme soou e nenhum segurança tentou detê-los enquanto eles saíam da UA como Izuku esperava. Seus olhos continuavam correndo ao redor com preocupação e cautela, como se vilões estivessem prestes a pular das sombras e atacá-los a qualquer minuto. Ele fez o possível para ficar quieto como Kacchan ordenou, mas havia muitos pensamentos e perguntas em sua cabeça para que ele pudesse manter a boca fechada. Depois de cinco minutos de caminhada – em direção à estação de trem, como Izuku percebeu –, ele quebrou o silêncio.            

“’Cê tem certeza que a gente deveria estar aqui, Kacchan?”, ele perguntou nervosamente, seus olhos continuando a disparar para qualquer possível lugar de onde vilões pudessem emergir pela rua. Izuku podia ser muitas coisas, mas ele não era um covarde; ainda assim, era sempre melhor ser cauteloso do que imprudente. “Quero dizer, o vilão com quem lutamos ainda ‘tá por aí, e ele - ele pode estar atrás de nós. Onde quer que a gente esteja indo, não acho que vale a pena sermos capturados! Além disso, vamos perder as aulas da tarde –“

“Cala a boca”, Katsuki o interrompeu. “Eu sei que porra eu tô fazendo”.

“Sim, eu confio em você, Kacchan”, Izuku esclareceu, porque a última coisa que ele precisava era que Katsuki pensasse que o estava superestimando ou o rebaixando novamente. “Mas eu não confio no vilão. Você nem mesmo está com seu equipamento de batalha!"         

“Eu não preciso da porra do meu equipamento de batalha”, Katsuki bufou. Eles chegaram à estação de trem, e Katsuki silenciosamente entrou na plataforma, sem nem olhar para trás para ver se Izuku o estava seguindo. Izuku, por outro lado, hesitou - ele não estava acostumado a pegar o trem sem pagar pela passagem. Mas ninguém mais podia vê-lo, ou mesmo saber que ele estava ali. Antes que Kacchan pudesse se afastar muito novamente, ele o seguiu, passando pela catraca e se sentindo um criminoso.            

Ele silenciosamente caminhou até onde Kacchan estava parado esperando o trem, um olhar culpado em seu rosto. Katsuki ainda não estava olhando para ele. Eles ficaram em silêncio por vários momentos.             

“Que que é, cacete?”, Katsuki acabou perguntando após algum tempo, sentindo a culpa irradiando de Izuku – quase literalmente, nesse caso, já que ele realmente podia sentir a culpa. Izuku corou. “Fala logo, nerd”, ele insistiu quando não recebeu uma resposta. 

“Não-não é nada”, Izuku disse simplesmente, virando o rosto para que Katsuki não conseguisse vê-lo. Katsuki revirou os olhos com tanta força que quase conseguiu ver o próprio cérebro. 

“Presta atenção, seu merdento. Eu não sou um dos seus amigos melodramáticos que vai insistir nesse tipo de merda se você ficar agindo como um bebê tímido envergonhado. Se eu te perguntar uma coisa e ‘cê não responder imediatamente, então foda-se. Eu não tenho tempo ou paciência para perder implorando pra você falar comigo. Eu prefiro morrer antes de fazer isso”, ele zombou. Izuku abaixou a cabeça e mordeu o lábio inferior, mas permaneceu em silêncio.        

Ele sabia o que aconteceria se dissesse à Kacchan que estava se sentindo culpado porque não pagou pela passagem. Ele nunca ouviria o fim disso. Você é a p**** de um fantasma, seu perdedor de m****. Por que c******* você pagaria pela p**** da passagem?      

O trem deles chegou e eles entraram em silêncio, sem olhar um para o outro. Este era o mesmo trem que eles costumavam pegar para casa, quando a Heights Alliance da UA ainda não existia. Claro, eles nunca se falavam - ou mesmo se olhavam - quando estavam no trem juntos, mas eles ainda moravam no mesmo bairro, e o caminho para suas casas ainda era o mesmo. Exceto que Katsuki estava sempre vários passos à frente dele, e Izuku nunca ousou se aproximar dele.           

Agora, eles ainda estavam em silêncio no trem, e ainda se ignorando, mas pelo menos eles não estavam mais longe um do outro. Eles estavam lado a lado. Izuku supôs que era uma pequena melhoria, mesmo que não parecesse muito.         

Nós não somos amigos, Deku. Nós nunca vamos ser. Nós somos nada além de rivais que acabaram ficando presos um com o outro e agora temos que sobreviver juntos. Assim que você voltar ao seu corpo, tudo vai voltar a ser como era antes. 

Ah, é. Ele quase se esqueceu disso.

Katsuki suspirou cansado com a onda de tristeza que deve ter passado por ele – porque ela certamente passou por Izuku –, mas não disse nada, mantendo sua promessa de que nunca imploraria a Izuku para falar com ele. Izuku, por outro lado, simplesmente tentou afastar as memórias da discussão de sua mente e se concentrar em outras coisas - por exemplo, para onde estavam indo.

Porém, ele não teve a chance de formular um pensamento coerente, porque assim que o trem começou a se mover, ele foi catapultado para fora dele.      

Fazia sentido, se ele tivesse parado para pensar. Ele era um fantasma. Ele podia ficar de pé e sentar em alguns lugares, sim, mas nunca havia tentado descobrir como seu corpo reagia à quebra da inércia. O trem começou a se mover, e ele não tinha mais um corpo físico - então ele simplesmente ficou onde estava, e o trem continuou sem ele, não tendo nada para bloqueá-lo ou mantê-lo dentro. Da perspectiva de Izuku, ele foi catapultado para fora do trem, mas a avaliação correta confirmaria que, na verdade, ele simplesmente ficou onde estava enquanto o trem passava por ele.

Ainda assim, com a perda do piso do trem, Izuku acabou caindo nos trilhos e ficando para trás, enquanto Katsuki permanecia dentro do trem, que se afastava sem um deles.       

Izuku gritou quando o vínculo que o conectava a Katsuki não permitiu que ele ficasse para trás e começou a arrastá-lo atrás do trem, fazendo suas costas arranharem dolorosamente no chão. Ele podia sentir que Katsuki estava tentando puxá-lo de volta, mas provavelmente também estava sentindo a dor de Izuku, o que tornava tudo muito mais difícil. Izuku tentou ficar de pé e correr atrás do trem para diminuir sua dor, mas era difícil se equilibrar quando ele estava literalmente sendo arrastado por um veículo em alta velocidade.

No entanto, a resistência de Katsuki era verdadeiramente admirável. Antes que o trem chegasse na próxima estação, ele encontrou uma maneira de puxar Izuku de volta. Como eles estavam parados no último vagão quando o trem começou a se mover, Katsuki simplesmente caminhou para o próximo vagão, e o próximo, ignorando os olhares estranhos que as pessoas estavam lhe dando (por andar como se arrastasse um peso fenomenal atrás de si – o que ele estava, mas eles não sabiam). O vínculo que os conectava acabou puxando Izuku de volta para o trem quando Katsuki alcançou o segundo vagão, e ele caiu no chão trêmulo, claramente com dor e em choque por tudo que tinha acontecido em menos de um minuto.

Ele deveria saber que isso iria acontecer. Fazia sentido –era pura física –, mas ele estava tão distraído com Kacchan e para onde estavam indo, que não percebeu até que fosse tarde demais. Katsuki, por outro lado, simplesmente voltou para o último vagão onde Deku estava caído e se agachou ao seu lado. Ele gostaria de poder dizer que estava grato por não haver tantas pessoas naquele vagão para testemunhá-lo falando com alguém invisível, mas a verdade é que ele não se importava. Ele nem conhecia essas pessoas. Ele não se importava se eles pensassem que ele era louco. Tudo que ele conseguia se concentrar naquele momento era em Deku, que respirava pesadamente pelo nariz e tinha lágrimas escorrendo pelo rosto.            

Katsuki desejou poder chamá-lo de bebê chorão, mas ele podia sentir a dor que Deku estava sentindo. Ele se perguntou se teria provocado Deku, se não estivesse sentindo sua dor também.        

Katsuki levantou cuidadosamente as costas da ridícula camisa do All Might de Deku para dar uma olhada em suas costas, apenas para descobrir que estava perfeitamente bem. Então ele poderia sofrer danos físicos, mas isso não deixava marcas? Com que tipo de porra de individualidade esquisita Deku foi atingido?           

Katsuki notou uma cicatriz recente, quase brilhante, cruzando todas as costas de Deku, mas não parecia ser o resultado de ser arrastado pelo trem. Seu principal instinto era tocar a carne rosada, mas ele já estava chamando muita atenção ao se agachar sobre Deku daquele jeito no meio do trem. Katsuki teve uma vaga impressão de que a cicatriz era resultado do ataque do vilão que separou Deku de seu corpo, mas ele decidiu que poderia investigar o assunto mais tarde, quando não houvesse dezenas de olhos colados nele. Ele abaixou a camisa de Deku.          

“Você consegue se levantar?”, ele perguntou, agarrando um dos cotovelos de Izuku para lhe oferecer apoio. O trem chegou à estação, parando, e Izuku teria deslizado para fora dele e voltado para os trilhos novamente se não fosse pela mão de Katsuki segurando-o. Ele gritou de desconforto quando suas costas foram arrastadas pelo chão, e Katsuki mordeu o lábio inferior. “Vem, Deku. Vamos acabar fazendo uma cena. Só levanta. Eu vou te ajudar”, ele ofereceu novamente. Antes que Izuku pudesse protestar ou mesmo dizer qualquer coisa, Katsuki colocou o braço do menino atrás de seu ombro e o içou, ignorando o som de dor que Deku fez com o movimento.           

Katsuki também estava sentindo a dor, o que tornava mais difícil para ele suportar o peso de Izuku, mas ele conseguiu colocar suas próprias costas contra a parede do vagão e abraçou Izuku, que instintivamente enterrou o rosto no peito de Katsuki. Ele agarrou-se firmemente a Katsuki por um momento, como se tivesse medo de soltá-lo, até que percebeu o que estava fazendo e tentou recuar com medo. Katsuki, apesar de si mesmo, segurou Izuku no lugar, sem olhar para ele.             

“Esse é o único jeito de ‘cê não passar pelo trem quando ele se mover”, Katsuki explicou simplesmente, seus braços envolvendo Deku e o segurando perto. Ele podia ver todos os olhos no vagão fixos nele, mas se convenceu de que não se importava. Para essas pessoas, ele estava abraçando o ar como um lunático. Para ele, estava se impedindo de sentir a dor de ter suas costas raspadas no chão ao ser arrastado por um trem. Para Deku - ele não sabia o que o abraço significava para Deku.          

Para dizer a verdade, ele também não sabia o que sentir sobre o abraço, então foi mais fácil se convencer de que era apenas para preservar seu próprio bem-estar.        

“Kacchan”, Izuku disse, a voz abafada pelo peito de Katsuki. Katsuki reprimiu um arrepio quando o hálito quente do garoto entrou em contato com sua pele através do tecido de sua camisa. “As pessoas devem estar olhando”.   

“Tch”, Katsuki deu de ombros com indiferença. Não havia mais nada que ele pudesse dizer.

Claro, ele poderia terminar o abraço, mas isso significaria colocar em risco Deku ser puxado para fora do trem novamente assim que ele começasse a se mover. Então ele não iria terminar o abraço. Ele só teria que aguentar até chegarem à estação, que ficava apenas três paradas à frente. Ele poderia aguentar. Ele teria que aguentar.           

Eu só tô fazendo isso por mim, não por ele, Katsuki disse a si mesmo. Eu tô pouco me fodendo pra ele. Só não tô com vontade de sentir esse tipo de dor de novo, então não posso arriscar. Eu não posso soltar ele.

Ele tentou apagar o som agudo do grito de dor de Deku de sua mente e falhou.     

"Como está a dor?", ele perguntou, a voz quase um sussurro. Izuku não conseguia olhar para ele - seu rosto ainda estava enterrado no peito de Katsuki e suas mãos estavam agarradas com força às costas de sua camisa. Katsuki já sabia a resposta para sua pergunta - ele mesmo estava sentindo a dor, afinal -, mas perguntar a Deku sobre isso ainda parecia a coisa certa a se fazer naquela situação.         

“Não-não está t-tão ruim agora”, ele gaguejou. Katsuki sabia que ele estava mentindo, mas não disse nada. “Já passei por coisas piores”.

“Sim, é óbvio que ‘cê passou por coisas piores. Você quebra seus ossos dia sim, dia não”, Katsuki zombou, cansado. Sentir aquele tipo de dor e arrastar Deku de volta para o trem o abalou, e seus membros estavam começando a ficar pesados, assim como suas pálpebras. Tudo o que ele queria fazer era deitar e tirar uma soneca, mas ele não poderia fazer isso até que cumprisse seu objetivo do dia.         

Talvez fazer isso não tenha sido a melhor ideia. Talvez eles devessem voltar enquanto ainda tinham acesso à estação de trem. Talvez ele devesse desistir dessa porra de tentativa estúpida de fazer Deku feliz, mesmo que fosse só um pouco. O que havia de bom nisso? Katsuki acabou o machucando mais do que qualquer coisa.         

Pelo jeito, Katsuki sempre acabava o machucando mais do que qualquer coisa.

“Kacchan”, Izuku chamou, o rosto ainda enterrado em seu peito. Sua voz soou baixa, mas também parecia que ele estava tentando o seu melhor para soar forte e corajoso.     

“Hm”, Katsuki rosnou, indicando para o garoto continuar.

“Obrigado por me puxar de volta”, ele disse sincero. Katsuki franziu a testa. Todos os pensamentos de cansaço e desistência foram esquecidos pela sua mente.

“’Cê achou que eu ia simplesmente deixar você ser arrastado pela porra do trem até chegarmos?”, ele perguntou, parecendo quase ofendido. Izuku não respondeu, o que só deixou Katsuki ainda mais furioso. O nerd de merda realmente pensava isso dele? Katsuki pode ter odiado ele, mas ele não permitiria que ninguém sofresse assim. Era por isso que ele queria ser um herói, pelo amor de Deus. "Tá. Ok”, bufou Katsuki, indignado com a falta de fé de Deku nele.         

Pode ter odiado ele.

Huh. Ele não tinha percebido até o momento. Quando ele havia parado de odiar Deku exatamente?

“De-Desculpa”, Izuku disse, soando sincero. “É claro que eu não penso isso. Mas mesmo assim – obrigado”.

“Tanto faz, Deku de merda”, Katsuki bufou, não querendo lidar com esse tipo de baboseira.

“’Cê sabe”, Izuku continuou, mesmo que Katsuki definitivamente não estivesse no clima para conversar. Ele suspirou indicando o seu descontentamento, mas Izuku continuou falando. “Eu realmente não entendo como essa coisa de alma funciona. Por que o chão me machucou? Não deveria ter atravessado por mim?” 

“Você está literalmente em pé no chão nesse exato momento, cara de cu”, Katsuki pontuou, irritado. “Você não atravessa ele. Ou a minha cama”.

“É, Eu-Eu acho que sim”, Izuku engoliu em seco e concordou com a cabeça. “Mesmo assim. Como estão as minhas costas?”

Katsuki apertou os lábios em uma linha reta.

“Estão normais. Só tinha uma cicatriz grande e feia pra cacete, mas não parecia que era de agora”, ele disse severamente.  

“Jura? Como era?”, os olhos de Izuku se arregalaram contra o peito de Katsuki, claramente ignorante da sua própria cicatriz. 

“Feia. E grande”, Katsuki forneceu de forma simplista, repetindo suas palavras de antes. Izuku suspirou de frustração. “Parecia ter sido do ataque do vilão”, Katsuki acrescentou como uma reflexão tardia após alguns momentos.   

Um silêncio constrangedor caiu entre eles, Katsuki continuando a segurá-lo enquanto o trem se movia e Izuku continuando a enterrar seu rosto no peito de Katsuki, embora ele realmente não precisasse. Eles estavam quase chegando à parada.    

“Vou dar uma olhada melhor nisso mais tarde, quando não estivermos cercados por um bando de figurantes intrometidos que pensam que eu enlouqueci”, Katsuki continuou depois de um tempo. Ele pode sentir Deku relaxar com as palavras.         

“Se-Senhor…?”, alguém se aproximou lentamente de Katsuki naquele exato momento – o que era provavelmente a maneira do universo de zombar dele –, parecendo hesitante e preocupado. Katsuki virou a cabeça para que os cachos selvagens de Izuku não obstruíssem sua visão (ele precisava cortar o cabelo com urgência) e encontrou uma mulher em seus 40 anos segurando a bolsa com força e olhando para ele com preocupação. Ela parecia estar com medo de se aproximar dele. “Você está... Você está bem?”, ela perguntou, franzindo a testa e acenando para ele. Katsuki ficou mais uma vez ciente de que, para outras pessoas, ele parecia estar abraçando e falando com o ar. Por algum motivo, a intrusão da mulher o deixou com raiva e irritado.         

“Tô”, ele disse bruscamente, tentando indicar que a conversa havia acabado. A mulher permaneceu no mesmo lugar.     

“Todos nós vimos que você estava falando sozinho e...”, ela continuou, fazendo o sangue de Katsuki ferver. “Eu - Eu conheço alguém que pode te ajudar, se você precisar”.        

“Eu não preciso da sua ajuda”, ele retrucou, fazendo a mulher se encolher e arregalar os olhos. Ele não foi tão rude quanto poderia ter sido, mas dado que se tratava de uma completa estranha no meio do transporte público, Katsuki decidiu que era melhor não dizer à mulher para ir se foder (por enquanto).            

“Eu só estava –“, ela tentou dizer, mas Katsuki a interrompeu.

“Não ligo. Tchau”.

A mulher piscou para ele várias vezes, parecendo em conflito e quase ofendida por Katsuki tê-la negado tão facilmente, antes de girar nos calcanhares e voltar para seu assento. Katsuki percebeu que ela – junto com vários outros passageiros – ficavam enviando olhares desconfiados para ele quando achavam que ele não estava olhando. Isso o estava irritando muito.

“Como você consegue criar tantos palavrões?”, Izuku perguntou depois de um tempo, afastando Katsuki de seus pensamentos de raiva e assassinato. Ele piscou várias vezes, tentando entender o que poderia ter feito Deku chegar àquela linha de pensamento.    

“Que porra ‘cê ‘tá falando?”, ele franziu a testa. “Eu nem cheguei a xingar ela”.

Izuku deu a ele uma pequena risada.

"Ela, não. Você me chamou de cara de cu. Antes disso, você me chamou de merdento. E normalmente... você me chama de outras coisas. Que eu não vou repetir”, ele concluiu. Katsuki sorriu, embora Izuku não pudesse ver de onde ele estava escondendo o rosto.       

“É, porque falar ‘cara de cu’ e ‘merdento’ ‘tá de boa, mas falar caralho não”, ele provocou.

“Kacchan”, Izuku gemeu em desaprovação.

“Vira homem e fala ‘caralho’ de novo”, Katsuki o provocou novamente.

“Não!”, Izuku imediatamente protestou, parecendo mortificado.

“Você não teve nenhum problema em falar ontem à noite, nerd”.

Izuku enterrou seu rosto mais profundamente no peito de Katsuki, bochechas queimando de vergonha.     

“A situação era diferente e você sabe disso. Fui contaminado pela sua raiva”, ele tentou justificar, com a voz abafada.     

“Hãã?! Contaminado?”, Katsuki rosnou, ofendido. Ele parecia que estava prestes a explodir em um ataque de raiva.

 “Não foi isso que eu quis dizer!”, Izuku acrescentou desesperadamente, parecendo ainda mais envergonhado. Katsuki de repente quebrou o abraço e o peito de Izuku apertou - ele não tinha a intenção de ofender Kacchan, ele estava apenas falando sem pensar primeiro! Ele realmente não queria jogar todo o progresso que eles fizeram no lixo daquele jeito. Mas então ele percebeu que as portas do trem estavam abertas e Kacchan já estava saindo, uma mão apertando o pulso de Izuku e puxando-o para fora também. Eles conseguiram sair assim que as portas do trem estavam começando a fechar.   

Eles se encararam por um momento enquanto o trem partia e eles ficaram parados na estação. Katsuki estava olhando nos olhos verdes de Izuku com um olhar ilegível, e Izuku não tinha ideia do que ele estava pensando. Normalmente, Kacchan era uma pessoa fácil de ler - não havia muito mais nele além de raiva e um desejo inabalável de ser o melhor em tudo o que fazia. Agora, havia algo mais em seus olhos escarlates – algo que Izuku realmente não conseguia entender. Mas não parecia raiva.      

Depois do que pareceu uma eternidade, Kacchan soltou o pulso de Izuku, tão abruptamente que parecia que ele havia sido queimado pela pele do garoto. Antes que Izuku pudesse sequer tentar pensar em algo para dizer, Katsuki anunciou:    

“Já chega de contato físico por hoje”.

E ele girou nos calcanhares e foi embora.

Izuku o seguiu.

 

 

 

 

 

“Então…”

Silêncio.

“’Cê vai me dizer pra onde nós vamos?”

“Mais uma merda de pergunta sobre isso e vamos pegar o trem de volta para a UA. E eu não vou te segurar dessa vez”.     

“Você quer dizer que você não vai me abraçar?”

“Hãã?!”

“Ah, qual é, Kacchan. Não aja como se aquilo não tivesse sido um abraço”.

“Eu não sei o que tem dentro da porra do seu cérebro, mas aquilo não foi um abraço. Eu estava impedindo que você fosse catapultado pra fora do trem porque a merda da sua alma não consegue se agarrar em nada”. 

"Por que seus braços estavam em volta de mim, então?" 

“Quê?”

“Você não precisava me segurar daquela maneira. Se tivesse ficado em pé na minha frente servindo de escudo já estaria bom”.

Silêncio constrangedor. Katsuki parecia com raiva.

“Você mal conseguia ficar de pé sozinho com suas pernas de merda se tremendo todo”.

“Eu teria dado um jeito”.

“Não, você não teria. ‘Cê ‘tava gemendo que nem uma vadia”.

“Não fale coisas assim!”

“Mas você estava. ‘Cê teria caído com o cu no chão se eu não tivesse te segurado. E eu não queria sentir esse tipo de impacto”.

“Uh. Tá bem”.

Eles continuaram a andar lado a lado na rua vazia, raios de sol passando pelas folhas e fazendo o cabelo de Izuku brilhar em todos os diferentes tons de verde. Katsuki intencionalmente não olhou para ele e fez o seu melhor para ignorar seus pensamentos sobre cortar os malditos cachos e domesticá-los. O cabelo de Deku estava bagunçado pra caralho - como isso não o incomodava?      

“Por que é tão difícil pra você demonstrar afeto?”

Katsuki estreitou os olhos. Ele não tinha previsto essa pergunta.

“’Cê ‘tá falando sério agora, Deku de merda?”

“É sério. Acho que nunca te vi ser carinhoso com alguém antes, e te conheço desde que tínhamos quatro anos”.     

“Cala a porra da boca”.

“Tudo que ‘cê faz é ser rude e gritar com as pessoas”.

“Você vê qual é a porra do problema? Eu falo pra você calar a boca porque não quero falar sobre essa merda, e aí o que você faz? Você ignora e continua falando de qualquer maneira. Mas se eu acabar calando a tua boa e jogar algumas verdades na sua cara, você fica chateado e com os olhos marejados como uma porra de um perdedor fracassado. Se decide, porque eu ‘tô de saco cheio dessa merda”.     

Silêncio.

“Que merda, eu sabia que acabaria me arrependendo disso. Eu não sei porque eu me importei”.       

“Desculpa”, Izuku se desculpou, parecendo sincero. “Vou tentar ser... Menos... Resmungão”. 

“Só cala a porra da boca de uma vez”.

Silêncio.

“Mas, se um dia você quiser falar sobre isso –“

“Deku”.

“Eu vou – Eu vou estar –“, ele hesitou, suspirando. “Você pode falar comigo. Se você quiser”.

“Não tem nada pra falar. Algumas pessoas tem a porra de paciência pra lidar com esse tipo de baboseira, algumas pessoas não. Eu sou o tipo de pessoa que não tem”. 

“Não é baboseira, Kacchan”.

“Eu digo que é”.

“Mas não é!”

"Não pense que não vou chutar o seu traseiro só porque posso sentir o que ‘cê sente. Você ‘tá realmente me tirando do sério agora”.

“Tá bem”.

Mais silêncio. Pelo que Izuku poderia dizer, eles estavam indo para a vizinhança deles. Kacchan estava indo visitar seus pais?        

Agora que Izuku estava passando mais tempo com Katsuki - mais tempo do que eles já haviam passado juntos em suas vidas, mesmo que eles se conhecessem desde a infância - ele poderia finalmente atestar algo que realmente o incomodava por um tempo. Kacchan nunca foi afetuoso. Com ninguém.        

Izuku esperava encontrar algum afeto entre Kacchan e Kirishima-kun, já que os dois eram tão próximos, mas não havia nada em sua amizade além de brincadeiras amigáveis ​​e divertidas. Izuku podia dizer que Kacchan gostava de Kirishima, mesmo que ele constantemente o chamasse de nomes e se referisse a ele como “Cabelo-de-Merda” na maioria das vezes. Havia uma espécie de amizade juvenil entre eles – ou amizade máscula, como Kirishima a chamaria –, mas quando Kacchan olhava para Kirishima, não havia ternura ou afeto em seus olhos.     

Izuku nunca tinha ouvido Kacchan dizer que amava alguém, ou expressar qualquer coisa além de um leve aborrecimento para com uma pessoa, na melhor das hipóteses. Mesmo que fosse apenas o Clássico Kacchan, o pensamento ainda incomodava Izuku. Ele nunca amou alguém? Ele queria saber, mas sabia que era melhor não perguntar.       

Izuku tentou se imaginar se referindo a sua mãe como "velhota", como Kacchan se referia a sua mãe, e descobriu que não poderia, nem mesmo hipoteticamente. 

Um barulho estranho chamou sua atenção e Izuku olhou por cima do ombro, avistando uma sombra rápida desaparecendo em um canto que eles acabaram de virar. Imediatamente alerta, Izuku cerrou os punhos, os olhos se tornando afiados.        

“Kacchan”, ele sussurrou, ainda olhando para trás, mas nunca parando de andar. Katsuki não deu a mínima para ele. A sombra emergiu da esquina e reapareceu na rua, seguindo-os. À distância, Izuku não conseguia distinguir um rosto ou reconhecer a pessoa. “Kacchan”, ele sussurrou novamente, com mais urgência.         

“O quê?”, Katsuki perguntou, soando incomodado.

“Acho que estamos sendo seguidos”, Izuku disse com outro sussurro, ainda olhando por cima do ombro. Katsuki franziu a testa como se achasse que Izuku estava louco e olhou por cima do ombro também, seguindo a linha de visão de Izuku. Izuku poderia dizer que, embora Kacchan não parecesse ter acreditado nele, ele ainda estava tenso e cerrou os punhos também, como se estivesse pronto para entrar em combate a qualquer momento.          

Então Katsuki relaxou, suspirando em uma mistura de alívio e aborrecimento e se virando.

“É só o guarda da UA”, ele disse calmamente - ou tão calmamente quanto conseguia ser, sendo Kacchan. Após o olhar confuso de Izuku, ele revirou os olhos e acrescentou: "Aizawa sensei não nos deixaria sair sem alguém cuidando de nossas bundas a cada segundo. Então ele mandou umas pessoas para nos acompanhar, ou seja lá o que esses palhaços estão fazendo”.       

“Espera”, Izuku franziu a testa. “Eles estão nos seguindo desde que nós saímos?”

“É”, Katsuki concordou com a cabeça. “Achei que até o seu cérebro de macaco já teria percebido. Não é à toa que foi você quem acabou com a alma separada do corpo”, ele zombou. Izuku suspirou, mas decidiu não responder, para não ser acusado por Kacchan de jogar coisas na sua cara novamente.

“Eu não percebi”, Izuku comentou, por falta do que dizer.

“Claramente”, Katsuki estalou a língua.

“Desculpe se eu estava muito ocupado sendo arrastado por um trem pra prestar atenção aos guarda-costas que nos seguiam, Kacchan”, Izuku suspirou aborrecido. Katsuki fez uma careta.        

“Cacete, para de ser tão dramático”, Katsuki bufou. “Além disso, você está pegando o meu sarcasmo e eu não gosto disso. Então para”.

“Eu gostaria de poder”, Izuku gemeu com sinceridade. Ele realmente não estava se divertindo aprendendo o maneirismo de Kacchan. “Não gosto de sentir tanta raiva o tempo todo”.             

“Eu também não gosto de sentir que meus olhos estão prestes a correr uma porra de uma cascata o tempo todo, mas qual de nós está reclamando disso, hein?”, Katsuki retrucou mal-humorado, encerrando a discussão. Izuku ficou em silêncio, dando à pessoa que os seguia um último olhar acima de seu ombro antes de voltar, sentindo-se pelo menos aliviado por não estarem realmente sendo seguidos por vilões.      

Ele deveria ter percebido que Aizawa sensei não seria tão imprudente a ponto de permitir que duas vítimas de um recente ataque de vilão – sendo que uma delas ainda estava em coma – vagassem pela cidade sem proteção. O que ele não conseguia perceber, pela vida dele, era por que diabos Aizawa sensei os deixaria sair em primeiro lugar – o que poderia ser tão importante a ponto dele permitir que Katsuki faltasse às aulas da tarde, saísse do terreno da UA e fosse escoltado por aí?           

Para a surpresa de Izuku, a resposta não estava tão longe quanto ele pensava. Eles não dobraram a esquina que levava ao apartamento de Katsuki, o que tinha sido seu primeiro e principal palpite. Se eles não estavam na vizinhança para ver os pais de Katsuki, então do que se tratava? Para onde eles estavam indo? O instinto de Izuku era perguntar a Katsuki sobre isso, mas ele sabia que não devia brincar com sua sorte. Ele não duvidava da coragem de Kacchan de simplesmente se virar e sair antes que eles chegassem ao seu destino apenas porque Izuku o estava irritando.    

Eles entraram em uma rua familiar e, em seguida, em um complexo familiar. Foi só quando eles entraram em um prédio muito familiar que os olhos de Izuku se estreitaram em suspeita e realização, e ele se virou para Kacchan com um olhar questionador. Um olhar quase esperançoso.              

Kacchan o encarou de volta, olhos intensos e escarlates ilegíveis. Eles não pareciam tão zangados como de costume.       

Izuku não disse nada e continuou andando.

Eles só pararam quando chegaram a uma porta muito familiar e, a essa altura, os olhos de Izuku já estavam cheios de lágrimas - lágrimas de descrença, de gratidão, de surpresa. Ele não conseguia acreditar que Kacchan tinha passado por todos esses problemas por ele. Ele não conseguia acreditar que Kacchan, de todas as pessoas, tinha realmente feito isso.    

Katsuki manteve os olhos fixos em Izuku enquanto erguia o punho, batia na porta e esperava.      

Izuku queria sustentar o olhar de Kacchan, mas falhou quando a porta sacudiu e abriu, revelando a figura confusa, cansada e esgotada de sua mãe.      

Os olhos de Katsuki ainda estavam fixos em Izuku.

“Mãe!”, Izuku suspirou de pura alegria, olhando para sua mãe com olhos grandes e brilhantes. Inko, no entanto, não conseguia vê-lo, focando em Katsuki.     

“K-Katsuki-kun?”, ela perguntou, franzindo a testa, preocupação evidente em seus olhos. Ter uma visita como essa sem aviso prévio... Ela compreensivelmente pensou que algo de ruim deveria ter acontecido com seu filho. "O que foi? Está tudo bem?" 

“Sim”, Katsuki disse simplesmente, as mãos enfiadas nos bolsos, sem olhar para ela diretamente, mas sem olhar mais para Izuku também. "Ouvi dizer que você não tinha mais permissão para visitar, então trouxe Deku pra te ver. Podemos entrar?”, ele perguntou, soando muito mais educado do que Izuku estava acostumado a ouvi-lo. Se este fosse qualquer outro momento, ele teria ficado impressionado, mas a visão de um Kacchan educado foi subjugada pela visão de sua mãe, de quem ele tanto sentia falta, em pé na frente dele.          

“Ah”, Inko exclamou surpresa, seus ombros caíram em evidente alívio por nada de ruim ter acontecido com seu filho. “Ah, mas é claro, querido. Entre, entre”, ela se afastou para que Katsuki pudesse entrar no apartamento. Ele entrou, parando no meio da sala e olhando em volta com nostalgia em seu rosto mal-humorado. Izuku, por outro lado, não conseguia tirar os olhos de sua mãe, tentando desesperadamente tocá-la, mas falhando em todas as vezes.

Katsuki podia sentir a frustração de Izuku por não ser capaz de interagir com sua mãe no fundo do peito, mas ele também podia sentir uma profunda sensação de alegria e felicidade absoluta que ele não se lembrava de ter sentido antes em toda a sua vida.     

Katsuki não se atreveu a olhar para Izuku, para que o garoto não percebesse a tristeza que essa percepção gravou em seus olhos escarlates.       



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