História Tira esse fone Jisung! - Início

05h30

Marcava o despertador que apitava num som estridente e irritante, num esforço rotineiro de levantar aquele jovem preguiçoso da cama. Sempre levava uns tapas, mas faz parte dessa vida de uma tarefa só.

Não havia nem amanhecido ainda, mas Jisung tinha sempre que levantar mais cedo para deixar tudo pronto antes de sair. Era um saco, mesmo que insistisse em dizer para sua avó que ela podia continuar dormindo que ele faria tudo. É, gentileza tem seu preço.

Com toda a coragem que tinha – que era bem pouca – tirou o cobertor de cima de si e levantou seu tronco, espreguiçando-se enquanto bocejava. Abriu os pequenos olhos em direção à janela fechada e coberta pela cortina azul marinho enquanto colocava as duas pernas fora da cama e fazia um esforço para ficar de pé. Cambaleando, afastou a cortina e abriu a janela, mostrando um sol muito tímido a aparecer no horizonte.

Esfregou os olhos outra vez indo em direção ao banheiro para fazer suas necessidades matinais. Terminando, voltou para o quarto e deixou devidamente arrumado.

Jisung morava com seus avós numa casa arrumadinha com todo aquele ar rural com um pé na cidade cheia de tecnologias. Sempre que tinha oportunidade, Jisung deixava tudo pronto e tentava ao máximo não fazer bagunça porque queria sempre agradar seus avós e não deixar trabalho nenhum para eles. Tratavam-no com muito amor e carinho, não seria justo bagunçar e tirar o descanso deles, mesmo que insistissem que estava tudo bem.

Desde então, adotou essa rotina. Levantava, se arrumava, fazia uma caminhada calma com o Rufus, um pequeno cachorro que seu avô encontrou e decidiu acrescentar a família, voltava para deixar a casa pronta e saía para estudar. Deu muita preguiça no início, mas depois de tanto tempo já havia se acostumado.

Tudo isso ele fazia com seu celular e fones de ouvido. Sim, para todos os lugares e cantos que fosse, estaria com seus companheiros inseparáveis. Existia um motivo para essa obcessão e ele nunca contou, nem para seus colegas ou seus avós, era um segredo só dele e de seus pais. Além de que, servia muito bem para ignorar todos ao seu redor.

Não que fosse mesquinho ou egoísta, mas Jisung era muito tímido, evitava conversar ao máximo e na maioria das escolas que estudou apenas os professores e alguns alunos o conhecia. Claro, tudo porque era necessário. Jisung até gostava da solidão, que julgava ser muito bom para sua alma. Ele era seu melhor amigo e isso já estava de bom tamanho.

- Hoje você está inquieto mesmo depois de caminhar, o que houve Rufus? – Jisung murmurava com o cãozinho que ainda estava eufórico – Não tem ração extra hoje pra você, se é o que quer. – Fechou o portão da casa depois de entrar com o cão e retirou a guia, enrolando-a na mão enquanto entrava na casa.

Rapidamente pegou seus materiais e os jogou dentro da mochila, colocando-a nos ombros e dirigindo-se á cozinha. Tomou do café recentemente feito e comeu alguns pães de queijo, guardando tudo ao terminar, percebendo uma presença aproximando-se quando iria sair de casa.

- Não está muito cedo Sungie? Tem certeza que não quer descansar? – A voz sonolenta e doce de sua avó irrompeu pela sala – Comeu direitinho? Não quer achocolatado meu anjo?

- Vovó, não precisava ter acordado... – Murmurou gentil indo abraçá-la. – Eu estou bem, já arrumei tudo para a senhora e o vovô. Aliás, preciso conversar com o capitão do time antes das aulas, pensei em ir mais cedo por isso.

- Mas que netinho esforçado eu tenho – Riu baixinho apertando as bochechas do mais novo, recebendo um biquinho de protesto. – Então tome cuidado viu? Não vá correndo para a escola.

- Ceeerto, não vou. – Sorriu e beijou sua testa, indo em direção á porta novamente. – Talvez eu tenha treino hoje pela tarde. Se eu me atrasar, não se desespere tudo bem?

Recebeu um aceno e outras tantas advertências sobre tomar cuidado com estranhos e olhar para os dois lados da rua ao atravessar antes de sair pela porta de casa e abrir o portão, fechando-o atrás de si para tomar o caminho para a escola. Não era muito longe e seus pais acharam melhor colocá-lo nessa este ano, por ter melhor estudos e ser bem mais perto.

Quase nada mudaria muito. Apenas se esforçaria como um aluno normal e evitaria se destacar demais dentre os outros, apesar de estar no time de basquete e com certeza apareceria muito mais do que gostaria. Grunhiu pensando nessa possibilidade. Gostava muito de basquete e sentiu-se feliz quando a escola oferecia tantas oportunidades em esportes, mas não tinha ideia que quem entrasse ali seria lembrado pelo resto do ano letivo. Ou dos outros também.

Colocou o fone de ouvido e ligou em alguma música tranquila para afastar esses pensamentos da cabeça. Não havia passado muitos dias desde o primeiro dia de aula, mas já fizera algumas provas e teve de falar com várias pessoas. Não negava que sentia medo de ficar em recuperação em alguma matéria, já que não estava acostumado com esse sistema de provas a cada semana.

Bufou. Nem se acostumara direito e já tinha vários assuntos para resolver.

A vida é assim.

- Olha lá se não é nosso pequeno grande prodígio Pwaark Jisung! – Escutou aquela voz grave e inconfundível de Mark vindo do portão do colégio. Levantou os olhos e o viu rodeado de outros membros do time e algumas garotas, acenando ou apenas olhando para o novato. É, não dava para se esconder.

Atravessou a rua esboçando um sorriso tímido e foi até lá antes que mais pessoas o visse. Foi recebido com um abraço de urso que fez suas costas estralarem com tanta força.

- M-Mark hyung, está m-me sufocando. – Murmurou tentando escapar do abraço, recebendo uma risada calorosa e animada do dono dos braços fortes que quase quebraram suas costas.

- Hahahaha, esse garoto é uma figura! Como vai essa força Pwark?

- Agora, um pouco reprimida. – Disse baixo ainda esboçando um sorriso introvertido, recebendo alguns risos dos colegas de Mark. Bom, não era tão ruim aquela atmosfera, só não estava muito acostumado com tanta gente lhe dando atenção. – An... Falando nisso, preciso tirar algumas dúvidas sobre os jogos...

- Claro! Todos nós nos reunimos no intervalo, vem sentar com a gente que aproveito e explico tudo, o que acha? – Disse Mark ainda todo sorridente e Jisung apenas assentiu com a cabeça. Não era a melhor opção mas não queria incomodar em pedir que o explicasse individualmente. Isto serviria. – Ok, te vejo lá campeão. Vamos entrar antes que bata o sinal, minha primeira aula é com aquele professor maluco de Física, misericórdia entrar atrasado.

Depois de outro coro de risadas, Jisung foi arrastado junto do grupo para dentro do colégio. Não se sentia mal em estar com eles. Na verdade, só queria escutar músicas no celular até tocar o sinal e entrar para a sala, se esconder na última cadeira da sala e fazer o necessário, só pra voltar a escutar música de novo.

Mas com Mark e os populares em seu encalço, seria impossível.

~*~

- Topa Hyuckie? Por favor... – Com olhinhos brilhando e a expressão mais pidona que já fez, Chenle tentava convencer Donghyuck a fazer o que o moreno nunca conseguiu fazer em três anos: iniciar uma conversa com Mark.

- Você é louco Chenle?! É o Mark! – Hyuck gritou abafado com os olhos arregalados – Ele vai achar que eu sou um completo idiota! Esqueceu quem ele é? VOU SER JOGADO NO EXÍLIO SOCIAL.

- Para de drama Donghyuck, você mesmo diz que ele é uma boa pessoa, por que faria isso? – Renjun pronunciou enquanto mastigava um pedaço de chocolate arrancado de sua querida barrinha.

- Ele pode não fazer, mas aquelas anoréxicas despeitadas e sem bunda nenhuma vão me esfolar vivo só por respirar perto dele. – Resmungou, referindo-se ás garotas que cercavam Minhyung, com certa repulsa. – Por que saias tão curtas? Nem perna vocês tem.

- Não muda o assunto Hyuck, é importante! Por favooor, cadê aquele trato de sempre nos ajudarmos? – O loirinho fazia birra enquanto bagunçava o cabelo do moreno para chamar atenção. – Não era um por todos e todos por um? Bando de falsos.

Enquanto Renjun ria dos dois amigos se debatendo, finalmente Donghyuck bufa irritado e dá um basta nas reclamações de Chenle atravessando o corredor até a entrada da quadra, fincando os pés com força no chão. Provavelmente congelaria ao ver Mark, mas se isso sossegaria aquela najazinha loira, ele faria.

Parou na entrada da quadra sentindo as mãos suarem e a garganta secar, olhou ao redor para ver quantas pessoas havia ali. Bom, graças a Deus, não tinha muitos conhecidos, pensou. Provavelmente era um treino para os novatos e nem mesmo tinha muitas garotas ali, só aquela sorridente Joy que acompanhava o time para todos os lugares que fossem.

Pelo menos não tinha nada contra ela e vice-versa, o que já era um sinal de que não passaria o resto do ano letivo todo gótico e depressivo sendo anti-social, esgueirando mais ainda em suas missões de stalkeiar para não ser notado. Assim que era o exílio social: todo mundo te via, sabia quem era você, mas por opção unânime ninguém dialogava a não ser para zoar e menosprezar. E isso destruiria seu maior hobby.

Procurou novamente com os olhos aquele garoto que fazia-lhe suspirar todos os dias e tirava seu sono durante as noites, com as lembranças de seus sorrisos e risadas impregnadas em sua mente. Encontrou-o bebendo água nos bebedores que ficavam perto da entrada. Suspirou de alívio, pelo menos não atravessaria a quadra nem seria visto por muita gente, mas a aproximação daquele loiro magia já estava lhe afetando.

Sacudiu a cabeça diversas vezes antes de irromper um passo tímido até o atleta, tentando afastar o nervosismo – falhando miseravelmente – e parecer menos patético do que era. Bateu a poeira inexistente da própria camisa antes de estender o braço e cutucar o garoto, que levou um pequeno susto.

-Você é o capitão do time c-certo? – Tinha tentado disfarçar ao máximo o nervosismo, mas acabou gaguejando. Xingou mentalmente enquanto tentava não se perder na beleza do loiro que terminava de beber água e limpava a boca tão alinhada e bonita com as costas da mão.

- Ah, sim, eu sou. Aconteceu algo? – Mark analisou Donghyuck com atenção, percebendo que o moreno estava um pouco empalidecido. Colocou a mão no ombro deste, tentando chamar sua atenção. – Você está bem?

Aquele hálito de menta e toda aquela dose de testosterona davam um tapa de realidade em Hyuck quando sentiu o choque daquela mão em seu ombro. Por um instante, vieram tantas cenas em sua cabeça fértil que ele nunca poderia dizer em voz alta. Piscou várias vezes tentando afastar de sua cabeça antes que deixasse escapar aquilo por sua boca.

-Sim! A-an... Bom, e-eu tenho um amigo que q-queria entrar no time... – Começou, abrindo um sorriso introvertido enquanto olhava para as próprias mãos. – Mas eu s-soube que as inscrições acabaram e...

- Ah! Sim... Mas ele é bom? Se ele for muito bom eu abro uma exceção. Sabe como é... Se ajuda, por que não aceitar? – Donghyuck recebeu outro sorriso caloroso e jurou que iria desmaiar ali mesmo se não visse Chenle do outro lado da quadra, correndo com aqueles folhetos nas mãos, deixando um outro loirinho meio confuso para trás. Era o sinal. – Mas por que ele não veio até mim? Ele é tão tímido assim?

- Sim, ele é. Não que eu não seja, mas como sou veterano... - O moreno olhou outra vez para Mark e deu um último sorriso, talvez o mais aliviado que pôde dar até ali. – Ok, eu aviso a ele sobre o que disse. Preciso ir. – Falou rapidamente e como um relâmpago sumiu da frente do loiro, deixando-o confuso. Mark olhou ao redor tentando achar alguma resposta para aquilo tudo, mas a única coisa que aconteceu foi o sinal tocar e todos correrem para fora da quadra.

Bufou por não ter aproveitado tanto o tempo. Teria que dobrar os esforços no próximo treino que era um dia antes da prova de Física, além de ser o último treino antes do primeiro jogo do ano que iria estrear os novatos do time. Não estava fácil pra ninguém.

Enquanto isso, Donghyuck continuava a correr a procura do amigo que tinha colocado ele naquela situação. Prometeu a si mesmo que se esse plano não desse certo esfolaria aquele baixinho vivo.

~*~

Sentado preguiçosamente na cadeira com os pés jogados em cima da mesa, dava atenção á um joguinho de celular qualquer enquanto esperava os outros membros do clube de dança chegar. O líder havia faltado e pediu para Jaemin que informasse o básico para os novatos, como aquecimento e passos simples. O único que estava ali, olhando para as paredes e bocejando a cada 5 minutos era Lee Jaeno, um novato que mal chegou ao colégio e já era considerado popular por ser belo e ter uma voz linda. Pra completar, descobriu no dia das inscrições que também era ótimo na dança.

Um pacote completo, pra variar. Não era irritante nem amigável, apenas ficava muito calado ou sorrindo, com uma aparência de lerdo e avoado. Ainda um livro indecifrável.

- Com licença... Jae?  – Os dois olharam para a porta onde um menino com os dentes da frente lascados e o cabelo tingido com um vermelho forte olhava para dentro da sala com os olhinhos castanhos procurando quem chamou. Jaeno encontrou seus olhos e sentiu novamente aquele arrepio que havia sentido ao ouvir aquela voz que ele nunca esqueceria, tão nostálgica e tão impregnada em sua mente e coração. Renjun apenas desviou o olhar para Jaemin como se Jaeno não existisse.

- Ren! O que faz aqui?  – Jaemin, exibindo seus dentes branquinhos e bem alinhados, ajeitou-se na cadeira e desligou a tela do celular, repousando-o na mesa.  – Você finalmente se inscreveu na dança?

Renjun andou com um pequeno receio para perto de Jaemin – passos discretamente acompanhados pelos olhos de Jaeno – e sentou-se numa cadeira de frente para a mesa, apoiando um braço na coxa e a cabeça na mão, demonstrando tédio.

- Não Jaemin, ainda não. – Murmurou com preguiça. – Só vim dar um recado sobre um novato que vai vir...

- Conhecendo novatos? O que anda aprontando Renjun? – O moreno esbanjou mais um de seus sorrisos branquinhos e debochados. – Não me diga que gosta dos mais novinhos?

- Credo, eu pensei que você fosse mais inocente Jaemin. – Exclamou perplexo com a resposta do outro que apenas riu da reação. – Não, não ligo pra essas coisas. Apenas quero avisar que um garoto loirinho virá aqui. Ele está muito perdido aqui na escola, sabe como é. Queria muito fazer parte desse clube também, mas as inscrições já esgotaram... – Jaemin escutava com atenção a Renjun enquanto o outro garoto saía da sala com, pela primeira vez, um semblante irritadiço. – Então queria que você o aceitasse, mesmo que ele recuse. Ele não quer incomodar sabe? Ele tem aquele complexo, sei lá.

- Hmm... Mas tem certeza que ele é bom? Quer dizer, nós sempre aceitamos novas pessoas, mas nessas circunstâncias ele tem que ser bom. Você sabe como o Kai é. – Tentou explicar, recebendo um bico do ruivo. Queria muito atender esse pedido, mas só o líder poderia fazer ser definitivo.

- Ele é bom sim, você vai ver. Pelo menos, dê a ele uma chance... – Renjun, com a faceta mais pidona que já fez na vida, olhava para Jaemin esperançoso, o que fez o garoto rir. – Me leve a sério! – Exclamou rindo, não conseguindo ter a seriedade que queria.

- Ok, ok, eu vou dar. Mas só o líder pode dizer se-

-Certo, certo. Pelo menos a chance você vai dar, se não eu arranco esses dentes seus com alicate, um a um. – Ameaçou, apontado o dedo indicador na face de Jaemin. – Estou observando. – Sorriu docemente e levantou da cadeira, saindo pela porta, quase esbarrando no garoto que estava tentando ignorar. Fingiu que nada havia acontecido e apenas sumiu dali, acontecimento que não passou despercebido por Jaemin, que observava Jaeno olhando a trajetória do ruivo.

- Pode começar, Jisungie.

Jaemin, que estava no meio da aula de passos simples quando foi interrompido pelo novato loirinho e completamente perdido, o puxou para o centro da sala antes que recusasse a chance.

Chegou um pouco esbaforido e cansado do que parecia uma maratona, com um folheto em mãos que julgou ser algum cartaz do clube de dança. Apenas o jogou na mesa e iniciou uma breve conversa com o menino, logo colocando uma música e o colocando no meio da roda que os outros membros haviam feito.

- Apenas dance.