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História Todo Esse Tempo - Hinny - 013


Escrita por: juliw_ra

Capítulo 13 - 013


Ginny se aproxima de mim, examinando a cicatriz, três dias depois da minha última visão e do meu primeiro corte de cabelo em três meses. A marca está bem visível agora, e quando Ginny se inclina na minha direção eu tento me distrair encarando a grama, ou as árvores, ou as pessoas passeando no parque. Então… ela ergue a mão para tocá-la, seus dedos mal encostando na minha pele. Ela o faz com tanta suavidade que causa uma sensação eletrizante.

É estranho, é como se meu corpo estivesse acordando.

— O que aconteceu? — Ela tira a mão e percebo que estava segurando a respiração esse tempo todo.

— Eu não conto histórias tristes — digo, provocando-a.

Ela ergue as sobrancelhas, me desafiando.

— Ah, é assim que vai ser? Só vai contar se eu contar?

Eu silencio, porque percebo que o que está acontecendo é exatamente o contrário do que eu quero. Eu quero contar a ela. Sobre o acidente. Sobre Cho. Ela é a primeira pessoa com quem eu quis conversar disso tudo.

— Eu acho… — eu digo, mudando de posição para apoiar minhas costas na cerejeira, minha voz se perdendo. — Acho apenas que não conto histórias.

— Sim, você conta. Todos nós contamos — Ginny diz, cruzando as pernas sob o corpo. — Nós estamos contando uma história agora mesmo. Decidindo como ser, o que dizer, o que fazer. — Ela põe o cabelo atrás das orelhas. — Isso é… contar uma história.

— Isso é viver.

— O.k., então a história de vida de alguém não é realmente uma história?

Ela me pegou e ela sabe disso.

— Você pode parar de estar certa? — Eu pergunto a ela, porque parece que ela está sempre certa sobre quase tudo. — Por favor?

Ela revira os olhos e me cutuca, um rubor suave aparecendo em suas bochechas.

— Você sabe qual é a melhor coisa de contar histórias? — Ela pergunta.

Eu sacudo a cabeça, meus olhos ainda focados no vermelho das suas bochechas.

— O público — ela diz. — Sem uma audiência, um contador de histórias está só falando com o ar, mas quando alguém está ouvindo…

— Ah — eu digo. — Então você está dizendo que é uma boa ouvinte.

Ela inclina a cabeça e dá de ombros, como se não fosse nenhuma surpresa.

— Sou. E eu adoraria ouvir sua história. Se você quiser me contar.

Pela primeira vez, eu acho que talvez consiga.

— Deus. — Eu suspiro, tentando achar um bom ponto de partida. — Por onde eu começo?

— Comece do começo — ela diz enquanto se apoia na árvore, seu ombro encostando no meu.

Eu olho para ela. O começo? Ela quer ficar aqui até o Natal? Embora eu ache que não tenho mesmo planos até lá.

— O.k. — ela diz, erguendo uma sobrancelha. — Que tal do meio? Dois terços?

Eu rio, tentando pensar qual seria um bom começo. O começo certo.

— Que tal…? — Eu digo, imaginando a forma como o lábio inferior de Cho se projetava para a frente quando ela queria algo de mim. — Que tal eu começar falando da Cho?

Então eu conto a ela. Conto de nós dois brigando pelo mesmo balanço no recreio e Ced oferecendo o dele para pararmos de brigar. De juntar coragem para escrever “Eu ♡ vc” no diário dela no ensino fundamental. Eu conto a ela como eu e Cho matávamos aula todo ano no nosso aniversário de namoro e fazíamos uma pequena viagem de carro para um lugar surpresa que ela tinha escolhido com antecedência. A praia, o aquário, um parque nacional. Ela sempre levava os melhores lanches e fazia a playlist perfeita para o caminho.

Todas as primeiras vezes. Todos os planos. Todas as pequenas brigas e as pazes.

— Quero dizer, nós éramos perfeitos. Eu sei que éramos um clichê, a capitã das líderes de torcida e o quarterback. Mas nós éramos o casal que todo mundo queria ser. — Eu olho para as flores da cerejeira espalhadas a nossa volta na grama. — E mesmo quando não éramos mais, depois que eu estourei meu ombro, tudo ficou bem, porque eu ainda tinha a Cho.

Olho para Ginny, mas ela não diz nada, só espera que eu prossiga com uma expressão suave e sem pressa no rosto.

Então eu conto a ela sobre o fim da minha carreira no futebol americano. Quão devastado eu me senti vendo o raio-x, anos de treinos e sonhos destruídos em uma fração de segundo, Cho segurando minha mão na ambulância e no hospital também. Ela nunca saiu do meu lado.

— Não me entenda mal, nós também brigávamos — eu admito. Discutíamos sobre sair ou não com o time depois da minha lesão, quando eu só queria ficar em casa. Ou quando ela quis fazer uma viagem enorme para visitar várias faculdades, mas eu não quis porque eu estava certo de que já tinha conseguido uma bolsa integral na ucla. Ou quando… Bom, nós discutíamos sobre várias coisas. — Provavelmente mais do que a maior parte dos casais. Mas eu sempre achei que era só porque nos importávamos demais.

Eu passo levemente meus calcanhares sobre a grama.

— Eu não sei. Parece tão idiota agora. Era tudo tão…

— Trivial — Ginny diz, erguendo os olhos para mim e eu sei que ela entende. Ela não insiste para saber mais depois disso. Não faz as grandes perguntas, o que aconteceu com Cho, comigo. E talvez seja por isso que eu continuo falando. Eu conto tudo a ela. Da festa de formatura às visões.

Ginny escuta, sem me interromper, até que minhas palavras se perdem. Os olhos dela estão pensativos enquanto ela morde seu lábio inferior, como se ela estivesse repetindo minhas palavras na sua cabeça.

— Alguma vez você já sentiu isso? — Ela pergunta, olhando para mim. — Que você estava controlando tudo?

— Não — eu digo com firmeza, mas soa falso para mim. Especialmente olhando para tudo agora. Ao contar a história inteira, algo faz todas as pequenas falhas ficarem mais visíveis. Há mais delas do que eu me lembrava, o suficiente para levar a um rompimento. — Quer dizer, não sei — eu digo finalmente. — Eu acho que talvez eu tenha me sentido meio inútil depois que perdi o futebol. Como se todo o meu futuro tivesse desaparecido. Eu acho que pensei que se ela estivesse comigo eu não ficaria sozinho. Talvez eu apenas quisesse controlar alguma coisa.

— Na maior parte dos dias eu ainda me sinto assim — ela diz, assentindo, seus olhos distantes.

Eu quero perguntar, mas não quero me intrometer. Eu sei que ela não ter me perguntado me ajudou. Eu preciso confiar que ela vai me contar quando estiver pronta.

— Você ainda quer conviver comigo, mesmo eu sendo assombrado pela minha ex-namorada? — Eu pergunto, tentando amenizar o clima.

Ginny ri enquanto se senta e recolhe um punhado de pétalas de cerejeira.

— Talvez ela não esteja… — ela diz, fechando os dedos e deixando as flores caírem, uma por uma, de sua mão. — Talvez você ainda esteja tentando se manter no controle. Tentando manter uma parte dela com você.

Eu observo as pétalas caindo suavemente no chão.

— Bem patético — eu digo, sacudindo a cabeça — quer dizer, ela me deu um pé na bunda.

— Eu sinto muito, mas… — Ginny diz e eu ergo os olhos e vejo um sorriso se formando nos lábios dela. — Quer dizer… Cho… Sério… Que idiota.

O quê? Ginny disse mesmo isso? Eu faço uma careta, mas de forma totalmente inconsciente, uma risada escapa de mim.

— Você não pode dizer isso. Ela está morta.

Eu tenho bastante certeza de que isso é uma regra social fundamental. Não podemos falar mal de pessoas mortas. A menos que sejam tipo um ditador ou um serial killer.

— Bom, ela terminou com você — ela diz, levantando-se e limpando a sujeira e as folhas de grama que grudaram em sua saia amarela. — Não foi muito esperta.

As palavras dela me pegam de surpresa, mas ela não tem uma expressão de flerte. Eu acho que ela só está sendo uma boa amiga.

É bom poder falar com alguém sobre o término. Alguém que reconhece que eu levei um fora sem me fazer sentir culpado por isso.

Eu me levanto e ela olha para mim, esticando a mão para tocar de leve no meu braço, e o ponto onde os dedos dela encostam parece uma corrente de água que vibra por todo meu corpo. A expressão dela fica séria de novo.

— Eu sinto muito pela sua dor — ela diz. E não parece uma frase vazia, uma frase genérica que todo mundo repete por educação.

Parece genuína.

E é exatamente o que eu preciso ouvir. Ela não está me pressionando para eu melhorar logo. Não está julgando o que eu estou sentindo ou fazendo. Ela só me deixa sentir.

— Não dói mais tanto quanto antes — eu respondo, surpreso ao perceber que é verdade.

Depois de um tempo nós damos uma volta no parque. Algumas folhas nas árvores já estão mudando de cor para o laranja, o vermelho e o amarelo. Algumas se soltam dos galhos e caem na nossa frente, e nossos pés as esmagam fazendo barulho.

Ginny tira de sua bolsa um pacote de pipoca vermelho e branco que já está pela metade, sobras de uma expedição anterior ao lago. Ela o entrega para mim. Eu pego um punhado, enfiando algumas na boca.

— Você tem sonhos fora de tudo isso? Fora o futebol? A ucla? — Ela pergunta. Nossos ombros quase se tocam enquanto andamos, como se uma barreira invisível entre nós tivesse desaparecido.

Engulo em seco, olhando para o lago que aparece por entre as árvores. É o que minha mãe vem tentando me perguntar. A pergunta para a qual eu não tenho uma resposta.

— Eu não sei. O futebol sempre foi minha primeira escolha. Mas como isso caiu por terra e como meus planos com Cho também… — eu digo, dando de ombros. — Não sei bem por onde começar.

— O que você quer? — Ela pergunta. — Não Cho. Não Cedric, sua mãe. Você.

Eu respiro fundo e digo a primeira coisa que me vem à cabeça, sem nenhum filtro.

— Eu acho que agora eu só quero ser. Eu não quero ir para a ucla e fingir que sei o que quero. Mas eu também não quero ir pra nenhum outro lugar.

— Eu entendo isso, mas você não precisa ir embora pra começar a pensar no que quer. Só porque você não pode mais jogar, isso não significa que você não pode fazer algo relacionado ao futebol — ela diz, alguns grãos de pipoca desaparecendo dentro de sua boca.

— Tipo o quê?

Ela mastiga, pensativa.

— Técnico?

Eu considero isso por um minuto, mas a ideia de ficar no banco ainda parece dolorida.

— Eu não tenho certeza sobre ser técnico. Mas… quer dizer, eles me pediram para escrever alguns artigos sobre futebol para o jornal da escola já que eu precisava ir aos jogos de qualquer forma. Eu gostava de fazer isso e acho que ficaram bem bons. Mas eu não acho que alguém chegou a lê-los.

— Você devia tentar — Ginny diz, empolgada. — Ser um escritor. Ou um jornalista. Assim nós dois contaríamos histórias.

Eu sorrio, o entusiasmo dela é contagioso. Eu tento imaginar isso. Meu nome impresso em algo maior do que o jornal do Ambrose. Dando aos times a cobertura que eles merecem em vez de um caça-clique vagabundo.

— Eles nunca se vão de verdade, você sabe — ela diz de repente, parando no meio do caminho. Eu me viro e vejo que o rosto dela ficou sério outra vez. — Nós os guardamos conosco, assim como você e o futebol. Eles ainda são parte da nossa vida.

Ainda são parte da nossa vida. Isso é tudo que eu queria saber desde o acidente. Encontrar um jeito de viver sem deixar Cho para trás.

Meus dedos roçam inesperadamente na mão de Ginny e eu me afasto imediatamente. A sensação é ao mesmo tempo estranha e familiar.

Enfio minhas mãos nos bolsos e nós andamos em silêncio por um tempo, mas não daquela forma penosa em que você fica desesperadamente tentando pensar em algo para preencher o silêncio. Na verdade isso é gostoso. Confortável.

— Obrigado, Ginny — eu digo enquanto viramos uma curva no parque, os carvalhos altos se erguendo em direção ao céu.

— Pelo quê?

Eu dou de ombros, sem saber como expressar minha gratidão em palavras. Por ser fácil de conversar com ela? Por compreender?

— Não tem sido fácil pra mim conversar com ninguém desde…

Ela assente, como quem já sabe. Claro que ela sabe.

— Você acha que vai voltar amanhã? — Ginny pergunta.

— Na verdade, hum… — Minha voz se perde, meu cérebro tentando se recompor e formar uma frase coerente. — Eu pensei que talvez pudéssemos sair do parque por uma noite. Jantar na minha casa na sexta? Como um agradecimento. — Eu dou a ela um grande sorriso enquanto tento melhorar a oferta. — Eu cozinho alguma coisa.

Ginny me olha de lado.

— E você sabe cozinhar?

— Claro que eu sei — eu digo, fingindo estar ofendido. — Sou fanático por pizza rolls.



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