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História Trickster: A ilha de Caballa. - Saqueando a Pirâmide!


Escrita por: Reliearth

Notas do Autor


Estou muito surpreso por terem sido basicamente duas sentadas para escrever esse capítulo.
Acho que foi o que eu mais me diverti até agora!
Espero que gostem~
É altamente recomendável vocês escutarem as soundtracks do jogo pelo youtube enquanto leem, para uma experiência mais imersiva, mas não é um must, fica à critério de vocês!
Soundtrack - A Talk (Paradise).
Soundtrack - Crap (Desert Beach Field).
Soundtrack - Pyramid (são 16 segundos, acho que nem compensa).
Boa leitura!! :D

Capítulo 12 - Saqueando a Pirâmide!


Fanfic / Fanfiction Trickster: A ilha de Caballa. - Saqueando a Pirâmide!

Pela estrada de pedra de Paradise uma figura esquisita caminhava cabisbaixa, seus olhos vinham de soslaio para outros olhos tão curiosos e igualmente debochados à sua pessoa. O motivo? Sabia sem sombra de dúvida, era tão berrante que até mesmo ele faria o mesmo se com outro alguém.

Mas seus equipamentos novos não iriam parar Bernard, especialmente depois de todo o trabalho que teve para juntar os stickers e da bronca que levou de Mint na noite anterior quando, com amargura e evidente decepção, chamou-os de abomináveis, levando a moça a cogitar confisca-los.

Seu rosto enrubescido era quase que totalmente escondido pelo novo capacete, uma réplica bem chamativa de um Hula Octopus, com direito até a pequenos tentáculos que desciam das laterais até as orelhas. Sua mão esquerda era encoberta por uma grande concha azul furta-cor, e seu cajado-espada — ainda sem definição —, não passava de uma lança com um peixe falso empalado.

— “Isso é humilhante!” — o músico pensou, sacando imediatamente seu MyView da bolsa tiracolo, já surrada com suas aventuras. — “As orelhinhas e o rabo eu posso aguentar, mas isso é demais!”

Indignou-se novamente, enquanto desmaterializava os equipamentos e dava à tapa sua cara completamente avermelhada, agora ainda mais explícita, já que antes a cor do capacete parecia refletir em seu rosto.

— Estão olhando o quê?! — bradou com certa fúria para o pequeno público que o assistia como um palhaço num circo, mas estes mantiveram os olhares, e alguns até soltaram risadinhas.

O músico ajustou seus óculos sem demora, soltou uma impaciente bufada e pôs-se a caminhar com os ombros encolhidos de raiva, afastando qualquer um que caminhasse em sua direção. E continuou assim até chegar na “ParadIce”, uma sorveteria local que mantinha a já não-tão-mais estranha arquitetura da cidade.

Com os passos ainda pesados e cara amarrada, ele invadiu o estabelecimento do falso piso oceânico e reivindicou uma das mesas conchas, onde apoiou seus dois braços e soltou um longo e audível suspiro.

— Maldita ilha... — desabafou baixinho, olhando para a janela em sua direita, através das outras mesas da cor marfim, e do salão. — Preciso me apressar.

Ao passo que sua voz melancólica escapava pela sua boca — no habitual monólogo — os olhos do músico murcharam por cima de suas bolsas escuras que se acumulavam desde que chegara na quente cidade, mas quase não teve tempo de ir muito além disso.

— C-com licença. — disse o garçom encabulado, com uma bandeja de estrela do mar embaixo do braço, e um cardápio na mão. — Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

Com o rosto inexpressivo, os olhos do tigre fitaram-no como se estivessem analisando, de cima para baixo, o pobre rapaz. Até que finalmente pareciam voltar para a realidade.

— Desculpe Joel, meu dia está horrível mas isto não é motivo para estragar o seu. — ele lançou o melhor sorriso que pode, arrancando do garçom um suspiro aliviado.

Pacientemente, o músico pegou o cardápio do rapaz de bandana cigana azul e trajes de pirata, e repousou-o sobre a mesa. Vasculhou sua bolsa, e retirou o estojo de seus óculos d’onde havia uma flanelinha branca já um pouco empoeirada, mas que ainda — aparentemente — conseguia limpa-los.

Então revistou e revisitou as páginas do cardápio com olhos bem afiados, mesmo que para o garçom, cada vez mais o músico parecesse que poderia simplesmente fecha-lo e decidir se retirar. Mas sua preocupação foi logo absolvida, com o som do toque da unha — um pouco roída — do dedo de Bernard.

— Vou querer este. — disse com uma calma sobrenatural, especialmente depois da breve explosão que acabara de ter.

— Tem certeza que limpou os óculos direito? Esse é o mais caro!! — falou o garçom preocupado, enquanto anotava o pedido com capricho — Achei que ia pedir o de sempre!

— É... Mas acho que está na hora de uma mudança. — Joel olhou para ele com uma face de surpresa e aprovação. — Mas os sabores são os mesmos, e disso eu não abro mão!

— Anotado! — respondeu o rapaz, após um nada surpreso e conformado suspiro nasal.

A montanha de sorvete veio num estalar, arrancando um olhar surpreso e desprevenido do mago, haviam tantos confeites que era difícil até dizer se os sabores eram os corretos. De fato, tão bem decorado que o sorvete mais parecia uma árvore de natal, com asas de Fanta Fish. E tentáculos de Hula Octopus... E uma florida cauda de Sea Scorpion.

Sem outra escolha, Bernard enfrentou o monumento açucarado — timidamente — ciente que poderia, a qualquer momento, ser atacado pelo próprio.

Mas levou cerca de meia hora até estar farto ao ponto de seu corpo se tornar incapaz de processar uma miligrama a mais de açúcar, ou de qualquer outra coisa. E enquanto a metade de seu sorvete derretido e quase irreconhecível se tornava uma intragável mistura de coloração duvidosa, o músico mordiscava uma caneta, e olhava para um caderno em cima da mesa.

—Vejamos, Mint me disse que ele teria uma informação privilegiada para mim já que coletei os cinco stickers. — pensava alto, enquanto passos rápidos cresciam ao fundo. — Só espero que não seja uma grande perda de te-

Bernard engoliu seco e cessou as palavras imediatamente quando sentiu uma mão tocar seu ombro direito.  

— Já faz algum tempo que não nos vemos, Bernard! — disse uma voz mansa, familiar ao músico.

Seus olhos estalaram-se no mesmo instante que reconheceu o rosto que o abordava, enquanto se levantava para cumprimentar o rapaz em sua frente.

— Ahh sim!! Que surpresa! Desde o barco não nos vimos...! — Bernard riu um pouco constrangido.

— Não nego que te encontrei numa boa hora! — disse o rapaz de apetrechos de guaxinim e cabelos castanhos ainda mais claros que o seu.

— Não me diga! Aconteceu algo? — Bernard falou com a voz levemente trêmula e sobrancelhas franzidas e confusas.

— Localizei uma de minhas alunas fujonas. — respondeu o rapaz de terno coral escuro, apontando para um outro rosto familiar, bem maquiado e de cabelos cacheados.

Mas Bernard, por um curto período de tempo, fixou seus olhos perdidos no rapaz em sua frente, que começava a ajustar sem graça seus óculos redondos retro.

— Q-que ótima notícia! — o músico disse se dando conta do silêncio que fizera. — Fico muito contente!

— Obrigado, não foi fácil! — o rapaz riu com certo nervosismo e alívio, enquanto passava a mão pelos cabelos repartidos e compridos até o queixo. — Infelizmente não há muito que eu possa fazer para obriga-la a voltar para casa, mas fizemos um acordo contratual.

— Nossa, um contrato!? — perguntou, num tom de voz vacilante.

— Sim! — ele começou a procurar algo no bolso de sua calça social branca. — A escola me deu uma licença para procurar ela e o grupo de estudantes, então combinamos que ela volta para a casa assim que minha licença acabar. Só que preciso de uma pequena ajuda.

— Uhum! — respondeu novamente, com os olhos vagos. — E como posso te ajudar?

— Bem, você teria uma caneta azul para me vender?

— Tenho sim, Rober-

— Oooo Holden!! — a garota hiena gritou, e Bernard contraiu os lábios no mesmo instante. — Eu sei que você já é meio velhinho, mas tem como agilizar, meu anjo?!

— Rosemary...! — disse com a típica voz assertiva de professor, desistindo da busca no bolso da calça e juntando as palmas da mão, então respirou fundo antes de concluir a frase. — Compostura!

— Aff! — ela revirou os olhos e enrolou o dedo na ponta de seu cabelo cacheado, o professor, no entanto, tornou sua atenção de volta ao músico.

— Robert? — disse Holden num tom surpreso, fazendo o rosto de Bernard enrubescer imediatamente.

— Mil perdões! — o músico tentou se explicar cuidadosamente.

— Está tudo bem, de verdade. Alguns alunos me chamam até de Tio... — disse Holden em um pequeno desabafo. — Tio! Há!! — então riu sem jeito, e começou a hiperventilar com um rosto sofrido. — Logo eu, na flor da idade...!

— Poxa, não fique assim meu chapa. — o músico deu duas leves batidinhas nos ombros caídos do professor. — Garanto que fazem isso de propósito.

— É o que eu gosto de acreditar, crianças podem ser terríveis! Mesmo que sem intenção... — ele ajeitou sua postura. — Mas enfim, como eu dizia... Preciso de uma caneta azul, disseram que algumas das criaturas por aqui carregam uma caneta especial, imbuída de magia.

— Sim, é verdade! — confirmou ele, pegando seu MyView. — Consegui várias durante um trabalho para um velho artista.

— Perfeito! — disse entusiasmado. — Então, por quanto gostaria de vender?

— Oh, imagine!! — disse ofendido. — Não posso fazer isso! Especialmente depois do que aconteceu.

— Eu faço questão! — Holden disse enquanto pegava do bolso de seu terno o MyView de interface laranja.

— Bem, já que insiste... — o músico replicou, após uma breve passada de olhos nos Galders restantes que ainda havia. — Me sentiria mal em recusar, mas farei por um preço muito bom!

Após as negociações serem feitas, Bernard agradeceu e se retirou, adicionando o guaxinim em sua lista de amigos. Mas enquanto se afastava de Holden que desmaterializava a caneta e o contrato, guardado no bolso da calça, conseguiu ouvir uma parte da conversa.

— O camelô te passou para trás, hein?! — Rosemary disse em alto e bom som, fazendo Bernard abaixar a cabeça e apertou o passo, antes que pudesse ouvir a resposta do professor.

Já mais distante dos dois, o músico voltou a olhar para seu diário de outrora, e partiu obstinado para a saída norte da cidade, onde “ele” poderia lhe dar a suposta informação privilegiada que Mint lhe prometera na noite anterior.

Mas ao chegar ao lugar marcado, não encontrou ninguém. Esperou por algum tempo no sol, embaixo dos coqueiros, num banco próximo, andou pelos arredores, se abanou de irritação e calor, e já cogitava seguir sua vida.

— Já vai? — disse uma voz abafada, no instante em que o músico dava o primeiro passo rumo a desistência.

Bernard virou-se para trás e, ao ver o monte de areia com formato humanoide corpulento usando um capacete de proteção amarelo e segurando uma pá, teve uma reação completamente aceitável.

— Sai demônio!! — bradou, enquanto jogava o diário em sua mão na criatura.

Mas logo percebeu a pouca eficácia de seu ataque, quando o objeto se enfincou nele e deslizou lentamente pelo seu corpo, até o chão, num constrangedor silêncio, onde ambos seguiam lentamente o objeto com a cabeça.

— Ai. — respondeu a criatura, levantando seu “olhar” para o seu agressor sem transparecer nenhuma emoção na voz.

Bernard respirou fundo, retirou os óculos e apertou o topo do nariz, onde as plaquetas se apoiam. Então soltou brevemente o ar e colocou os óculos de volta.

— Sandman, eu suponho? — disse levemente irritado.

— Na mosca. — ele respondeu, pegando o diário do chão. — Óbvio demais?

— Me desculpe. — ele recebeu o diário com as mãos, ainda desnorteado. — Essa ilha está começando a me enlouquecer.

— Não por isso, a tendência é piorar. — o ser arenoso respondeu ainda mantendo a monótona entonação. — Então veio me ajudar?

— Ahn? Ajudar? — retrucou o músico, franzindo o cenho imediatamente.

— Sim, ajudar! — Sandman enfiou a pá no chão e retirou de dentro do corpo um baldinho de areia vermelho.

— Mas e a “informação privilegiada”? — continuou Bernard, um pouco horrorizado com a cena.

— De fato existe uma informação, e o privilégio vai ser me ajudar a descobri-la.

— Como assi-

— Aqui está! — ele interrompeu Bernard, jogando em sua mão um pergaminho velho e mal acabado. — Essa é a receita lendária do meu povo! Foi passada desde os primórdios de nossa existência há-

— Receita?! — os olhos do músico se incendiaram. — Você diz receita... De comida?!

— Sim! Como eu dizia, ela foi pas-

— E eu vou poder comer? — Bernard interrompeu novamente. — Digo, é possível para humanos comerem?

— Não vejo porque não! — ele levantou o balde para próximo do músico. — Como pode ver, já consegui a maior parte dos ingredientes da receita passada pelo meu povo desd-

— E você já provou? — seus olhos passavam pela receita no pergaminho maltrapilho. Até que voltou a olhar para seu interlocutor. — Sendo franco, faz mesmo jus ao título que tem?

— ... — o homem de areia fixou o rosto sem definição em Bernard, e apoiou as mãos na cintura.

— Oh! Me desculpe se o ofendi! Mas lendária é uma palavra muito forte! — disse o músico, completamente oblíquo a situação.

— Por que você não descobre? — respondeu com a voz ainda abafada, arrancando um olhar confuso do músico. — Tenho os ingredientes, a única coisa que me falta é uma parte da receita que não foi passada no papiro em sua mão.

— E onde ela está? — retrucou, vasculhando o balde e conferindo a quantidade dos ingredientes.

— Escondida em algum lugar da... — ele fez uma pausa dramática e continuou, balançando as “mãos” no ar. — Pirâmide!

Bernard ficou em silêncio por um tempo olhando a cena, e pôs-se a rir gradualmente atingindo gargalhadas legitimas e sonoras, mas a reação séria e até um pouco preocupada de Sandman, fizeram com que ele começasse a entender que não era brincadeira. Desacreditado, o músico tentou balançar a cabeça em negação.

— É... — o músico revirou os olhos — claro! Que tem uma pirâmide, como pude ser tão ingênuo... — suspirou. — Deixa eu adivinhar, Don Cavalier?

Sandman, com as mãos de areia se apertando frente ao corpo e cabeça levemente inclinada, ficou em silêncio por um segundo e respirou fundo.

— Quer saber? Deixa pra lá! Não precisa, eu peço pra outra pess-

— Não! — Bernard o interrompeu irritado. — Agora é pessoal! Mesmo quase tendo uma convulsão de tanto que comi, eu só saio desse inferno de cidade depois de provar essa receita!!

— ... Muito que bem. — Sandman pigarreou. — É... Pirâmide, né?

— Receita!

— Ah sim, receita. — ele riu desajeitado. — Preciso que você encontre a Glyph Tablet escondida na pirâmide pelos meus ancestrais, sabe, os qu-

— Como ela é?! — o músico insistiu.

— É uma pedra escura com entalhos de glifos, na linguagem do meu povo. — Bernard começou a anotar em seu diário. — É muito fácil encontrar, vai estar fixada em uma parede. Criamos elas para guardar os requisitos das nossas c-

— Considere feito! — ele encerrou a conversa com o som de seu diário fechando. — Deixe tudo pronto, não devo demorar!

Sandman viu o endiabrado tigre apertar o passo para o norte, jogando uma grande quantidade de areia para trás a cada forte passo. E após um momento de reflexão, começou a preparar a receita.

Bernard já havia ouvido rumores de uma construção ao norte. Um grupo de competidores havia espalhado o achado durante a primeira semana que ficara em Paradise, mas acabou não dando a devida importância.

Perdido no brilho da tela de seu MyView, onde procurava mais informações sobre a construção, quase não ouviu uma voz que ecoava ali próximo.

— Eeei! — gritou uma voz aguda e masculina, que não obteve resposta do músico. — O tio, tô falando com você!

Bernard firmou os pés na areia como um carro freia em alta velocidade, ele tornou o olhar pro menino loiro de cabelos rebeldes e se aproximou, respirando fundo.

— Eu não sou tão mais velho que você. — o músico desabafou com calma, embora fosse visível um pequeno tremelique em seu olho direito.

— Sério? Você tem cara de uns trinta. — o menino de colete azul claro insistiu.

— Trinta?! Eu tenho dezoito! — respondeu abismado com a comparação.

— Tanto faz, tio. — ele guardou a chave inglesa que tinha na mão em um dos espaços vazios em seu cinto verde de ferramentas. — Não foi pra isso que te chamei!

— O que você tá fazendo aqui pirralho? — retrucou o músico. — Fugiu de casa?

— Pirralho? — o menino rebateu. — Escuta, eu tenho dezesseis! E não! Pedi pros meus pais me emanciparem pra vir pra ilha!

— Não me diga que veio atrás do prêmio?

— Óbvio que sim! Por que motivo alguém viria literalmente pro meio do nada?

— E pra que você precisa de tanto dinheiro assim?! — ele disse, genuinamente curioso.

— ...Você é sempre tão enxerido assim? — zombou o leão postiço, com um olhar desconfiado.

— Olha, eu tenho mais o que fazer! — o músico disse, se preparando para continuar sua busca.

— Calma tio, eu tô zuando! — o menino riu tentando apaziguar a situação. — Eu preciso do dinheiro pra um projeto.

— Hm?!

— Quero construir um robô em escala real, que é tipo, mó grandão. — ele gesticulou com as mãos, acobertadas por luvas vermelhas sem dedo.

— Robô?! Você é o que por acaso? Engenheiro? — Bernard falou num tom sarcástico.

— Sim!! — bradou surpreso. — É tão óbvio?!

— Não vai me dizer que...

— É, eu abri mão da minha formatura, mas vai valer a pena, até porque não ia perder muito, me formei com um monte de tiozão. No fim eu ia sair pra outro rolê.

— “Ótimo, um mini gênio...” — pensou indignado. — Escuta menino, muito legal, parabéns!

— É Leo! — ele interrompeu.

— Tá... Leo! Mas eu preciso ir pra pirâmide agora, “beleza”?! Passar bem! — o músico se virou e começou a caminhar, deixando Leo com uma face surpresa para trás.

— Nossa, seria uma... — Bernard olhou pelos ombros enquanto o menino continuava a tagarelar — pena! Se você chegasse lá e descobrisse que não tem como continuar a pé!

— Hmm... — o músico levantou uma sobrancelha desconfiado, então se virou e aproximou-se do leão falso. — Supondo... — Leo sorriu imediatamente, mas Bernard cortou-o com seu dedo indicador, avisando para ter calma. — Que isso seja verdade.

— Mas é verdade! — ele retirou seu MyView de interface roxa de um dos volumosos bolsos do shorts bege. — Dá uma olhada aqui!

Leo apontou para a tela de seu aparelho, era um mapa idêntico ao de Bernard, que a princípio não havia entendido a proposta do menino.

— Essa região é coberta por uma constante tempestade de areia, é basicamente impossível atravessar a pé.

— Prossiga. — Bernard disse num tom suave de voz.

— Eu desenvolvi um veículo pra me ajudar a passar pela tempestade e chegar mais rápido na entrada da pirâmide. — o jovem continuou. — O problema é, como eu tinha poucos recursos, acabou que só dá pra controlar ele com duas pessoas.

— E é ai onde eu entro? — disse o mago, com uma sobrancelha arqueada.

— Exato! — o menino encarou-o com seus olhos verdes.

— Tá bom. — disse após um suspiro. — Se não tem outro jeito.

Yes!!! — Leo comemorou vibrando o punho cerrado. — Vem ver o veículo, deixei embaixo daquele coqueiro!!

O jovem engenheiro saiu correndo para a direção que apontou, e quando chegou no destino, começou a arrastar algo para próximo do músico cansado, que caminhava sem muito ânimo.

— Conheça minha invenção! — ele apresentou orgulhosamente o trenó com pequenos propulsores nas laterais, um freio manual na traseira direita, e um pequeno volante escondido nas curvas frontais da madeira. — A S.S. Leo, “vê” um ponto zero!

— É nisso que você acha que vamos atravessar?!

— Nisso?! — ele puxou o ar ofendido. — Tudo bem! Não é A maravilha mecânica, mas não é de todo ruim!

O menino esticou os óculos de aviador que usava como colar, e colocou-o na testa, dando volume às duas compridas mechas do cabelo loiro repartido ao meio.

— Você vai ficar aqui atrás! — o menino falou, fazendo Bernard se acomodar na parte designada. — Eu vou controlar o leme, e você vai me ajudar com os ajustes finos.

— Ah sim, claro, os ajustes finos... Que são?!

— Tá vendo essa alavanca aqui no meio, e outra na lateral direita? — Leo sentou-se na parte frontal do trenó.

— Sim.

— A do meio é um outro leme, você vai controlar ela quando entrarmos na tempestade, vou apontar pra que direção virar.

— E a outra? — dessa vez Bernard apontou.

— Freio! — ele levantou o dedo indicador, para chamar a atenção do músico. — Essa alavanca só puxe quando eu mandar, ou seja, quando chegarmos na pirâmide! ...Alguma dúvida? — perguntou iniciando os propulsores.

— Leo...

— Fala tio?

— Ahn, primeiro, é Bernard e, segundo, quais as chances desse treco explodir? — o músico perguntou num tom de voz tenso.

— Claro que são baixas! — disse o jovem leão, indignado. — Confia em mim, sou engenheiro!!

— Baixas quanto...?

— Sei lá, uns... trinta por cento!

— Isso não é nenhum pouco baixo!!!! — o tigre ralhou com o jovem leão.

— Claro que é!! Bem menos da metade!! — finalmente os propulsores foram ativados, e a S.S. Leo partiu, levantando um rastro de areia por onde passava.

— Mas que desgraça!! — Bernard continuou a “resmungritar”. — Eu não tenho um minuto de sossego nessa vida miserável!!!

— Ahn?! — Leo respondeu. — Quer que eu vá mais rápido?

— Não!!!!!!

Como Leo havia previsto, o tempo de viagem até a tempestade fora curto, mas imprescindível para que Bernard se acostumasse com o trenó e entender melhor o que deveria fazer quando adentrassem o véu de areia. E em um dado momento, Leo tentou se exibir mostrando que conseguia pilotar sem as mãos, cena que quase levou Bernard a um infarto.

— Estamos próximos! — Leo gritou para Bernard, enquanto puxava os óculos de aviador e colocava nos olhos. — Seus óculos devem te proteger, já que eu vou estar na frente barrando a areia.

— Entendido! — respondeu o tigre, assumindo posição para controlar o leme do meio.

Bernard olhava aos arredores e não via movimento algum, nem de participantes, nem monstros, nem nada. Só um enorme campo aberto, de areia e coqueiros sem folhas, mas apesar da visão distópica, a vista em sua frente — e a de Leo — conseguia ser ainda mais bizarra.

Os dois desbravadores se aproximavam cada vez mais da enorme tempestade que subia até onde os olhos não conseguiam enxergar. Mais parecia um colossal titã, colocado ali para desmotivar qualquer tentativa de atravessá-lo, o leão não estava brincando quando disse que seria impossível atravessar a pé.

— Só mude a posição quando eu avisar, do contrário mantenha o leme mais firme possível! — disse, levantando um pouco do corpo para enxergar algo.

— O que foi?! — Bernard indagou.

— Não tenho certeza, mas... — ele continuava a tentar ver algo, mexendo a cabeça para cima e para os lados.

— Leo?!

— Se prepara!! — ecoou preocupada a voz aguda, enquanto ele assentava novamente o corpo no trenó, e segurava o volante com força.

— Para o q-

Bernard se interrompeu ao sentir seu corpo se inclinar para trás e uma sensação horrível subir pela sua barriga, quase fazendo com que vomitasse o exagerado sorvete que havia pedido. Leo falava algo mas o músico simplesmente não conseguia entender, a única coisa que enxergava ao seu redor era a depressão que a tempestade de areia fez, eles estavam caindo enquanto a cortina de areia já começava a se manifestar.

— O leme!! — conseguiu ouvir após o choque começar a passar. — Segure o leme!

Fermata!!! — bradou o músico, assim que recobrou os sentidos. Se Leo precisava que o leme se mantivesse imóvel, aquilo com certeza iria resolver.

Logo eles se estabilizaram, a depressão não era tão profunda quanto aparentava, mas a tempestade ainda continuava enfurecida. Bernard soltou a sua magia para poder se movimentar livremente de novo, agarrando o leme para tentar mantê-lo fixo o máximo que podia, até que Leo desse a deixa para virá-lo.

Era impossível trocar palavras ali dentro, engasgar por acidente poderia levar o trenó a se descontrolar e, consequentemente, à destruição. Mas isso não foi necessário, Leo logo fez um sinal com a mão direita, e Bernard o seguiu, sentindo o veículo virar gradualmente.

Não havia se passado muito tempo desde que entraram, mas parecia que a cortina nunca iria cessar, era tudo muito confuso, Bernard ainda não sabia como Leo sabia onde ir, ou como ele próprio ainda não tinha ficado cego com tanta areia suspensa. Enormes pilares pontudos surgiam como se ascendessem do chão, e desviar deles era quase impossível, mas para a sorte de ambos, apenas dois deles se fizeram de obstáculo.

Após aquilo, a próxima instrução de Leo foi repentina — para a esquerda —, mas Bernard conseguiu a tempo, sentindo o carrinho rampar na diagonal uma pequena duna.

O impacto quando caíram no chão foi barulhento, e levou um dos propulsores — mais especificamente o da esquerda traseira — a parar de funcionar, Leo definitivamente sentiu isso afetar o controle da direção e virou rapidamente o rosto num impulso para verificar o que aconteceu, mas realmente se apavorou quando voltou a olhar para frente. Avistando os muros da pirâmide se aproximando rapidamente.

— O freio!! — ele gritou, abafando o rosto, para não engolir areia. — Puxe o freio!!

Bernard tentou alcança-lo mas sua mão pegou o ar. Também apavorado, olhou para onde deveria estar a alavanca, mas não havia nada. Então arregalou seus olhos para Leo.

— Que freio?! — berrou, também abafando a boca e nariz.

A choque com a pirâmide parecia cada segundo mais inevitável, naquela situação, nada parecia ser capaz de adiar o encontro, mas Bernard saiu do transe quando Leo se levantou e pulou do trenó, empurrando ele no processo.

Os dois rolaram por alguns segundos na áspera e inóspita areia, ouvindo, um segundo depois, a S.S. Leo se espatifar nos enormes blocos da construção. Eles se levantaram e correram para a entrada da pirâmide, ainda tentando tampar as vias respiratórias do jeito que podiam.

Leo imediatamente começou a tossir quando entrou no escuro ambiente, Bernard não pode evitar de fazer o mesmo, mas felizmente seus olhos não estavam prejudicados ao ponto de ser impossível mantê-los abertos.

Após uma breve pausa para se recuperar e uma batida no cabelo e nas roupas “ensopadas” de areia, Leo se aproximou do mago, voltando seus óculos de aviador para a testa.

— Mano, isso foi muito louco!! — ele se alongou, comemorando o sucesso da empreitada. — Precisamos fazer de novo!!!

— Elizabetinha, se algum dia eu disse que a família real era um peso pro estado eu estava falando sério, mas de uma forma brincalhona! — o mago resmungava para si.

— Ahn... — Leo agaixou e olhou preocupado o músico pálido em posição fetal no chão sujo da pirâmide — bem?

— A gente quase morreu!! — Bernard rosnou, se levantando rapidamente do chão infestado da areia que trouxe com ele.

— A gente, quase, morreu! — replicou o leão postiço, com um ar completamente vitorioso.

— Como a gente vai voltar?!

— Como você é neurótico! Não é à toa que com cara de trintão! — o menino retirou um isqueiro de seu cinto de ferramentas. — Depois a gente vê! — então se aproximou da parede e recolheu uma tocha.

Ele tentou acendê-la uma, duas, três vezes, mas o isqueiro simplesmente não colaborava. Bernard assistiu à cena por um tempo, até que uma luz iluminou o ambiente revelando os murais nas paredes repletos de intrigantes hieróglifos egípcios, e o chão feito de blocos, também decorados com figuras.

A rosto do menino leão se tornou embasbacada, especialmente ao ver que a fonte da luz vinha das as habilidades do mago. Mas antes que Bernard pudesse expelir uma palavra sequer, Leo interrompeu.

— Espera!!! — ele retirou o MyView do bolso e materializou um frasco redondo de poção vazia. — Você consegue enfiar essa luz aqui dentro?

— Nunca tentei. — Bernard se aproximou. — Pra que isso exatamente?

— Só coloca ela aqui dentro que você vai entender. — disse ele, tirando a rolha do frasco, cujo som ecoou levemente pelos corredores.

O mago obedeceu, com muito esmero ele canalizou a magia para caber dentro do pequeno frasco gordinho e, assim que o fez, Leo tampou-o novamente, como tivesse medo que escapasse.

Bernard logo notou o que eles haviam feito, também notou o frasco intensificar a luz de sua magia, mas principalmente notou que ele não precisava mais mantê-la ativa como quando a segurava na mão.

— Intrigante! — disse o mago, na sua pose pensativa.

— Ué?! — o leão postiço parou de vasculhar seu cinto verde, e tornou sua atenção ao colega.

— Você isolar minha magia para fazer uma lanterna. — soltou uma pequena risada.

— A intenção é que funcionasse como um-

— Terrário? — Bernard interrompeu. — Um circuito fechado? Alimentado pela própria energia.

— Olha ele!! — o leão tirou sarro do tom inusitado que o mago usou. — Todo técnico e sério!! São só princípios de conservação de energia, não é nada demais. — ele riu sem graça.

— Vocês são realmente um ponto fora da curva. — Bernard disse, caminhando lentamente para a escuridão.

— Ah não, quer falar de derivadas agora?! — Leo terminou de amarrar a lanterna improvisada na cintura e alcançou Bernard.

— Não. O que eu quero saber é o que vai fazer agora? — o tigre disse com uma voz mais serena. — Eu tenho uma placa para procurar.

— Não se preocupe comigo, te faço companhia! Eventualmente vamos acabar encontrando aquilo mesmo.

— Não foi bem isso o que quis dizer, mas... Tudo bem.

Conforme ambos avançavam pelos corredores desvendavam ainda mais a obscura pirâmide, que devolvia para o barulho de seus passos um fraco eco e um silêncio ensurdecedor. Os hieróglifos eram dos mais variados tipos, contavam histórias visuais como faria e faz qualquer quadrinho, nem Leo ou Bernard se atentaram em descobrir se a história era contínua ou se já repetiam algumas frames.

Estavam mais atentos, na verdade, com as estátuas que começavam a surgir, segurando seus cetros majestosos. Os vasos com cabeças de animais, os papiros empilhados nos cantos e estendidos em cima dos sarcófagos, que por sua vez, residiam em uma sala cheia desses tesouros há muito oferecido pelos servos e familiares.

Bernard só precisou “realimentar” a lanterna uma vez até aquele momento, e tudo parecia correr bem, nenhum monstro até agora havia se mostrado, ou dado alguma deixa que existia, mas assim como os pensamentos ruins ganham forma quando professados pela boca, fora uma questão de segundos até a mais completa paz da penumbra se tornar o verdadeiro caos.

quieto demais.

— Adentramos muito, quase nem lembro mais o caminho de volta.

— Ainda bem que eu fui marcando. — o leão falou, mostrando as fotos do MyView para Bernard. — Com esses pontos de referência vai ser fácil voltar!

— Não até que eu encontre a p-

Ao estranhar o abrupto silêncio do mago, Leo viu o seu rosto empalidecer de repente e, antes que pudesse olhar para trás e descobrir o motivo, sentiu patinhas lentamente subirem pela sua perna.

Seguindo completamente seus instintos, Leo chutou o escaravelho laranja mutante na parede, e tomou uma breve distância, mas parou quando esbarrou em algo com suas costas.

— M-Múmia?! — Bernard balbuciou, e Leo logo também ficou pálido.

A criatura enfaixada da cabeça aos pés deixava visível apenas uma parte de seu corpo, seus olhos vermelhos luminosos. Ela levantou os braços que estralavam horrorosamente e tentou abraçar Leo, se afastando de costas sem saber como reagir. Uma luz ao fundo ganhou intensidade o suficiente para quase cegar o menino, que foi tirado do estado de choque ao ouvir o mago gritar.

Magical Soul!!Bernard lançou a esfera na criatura, arremessando-a na parede.

A múmia soltou um vil choro — que soava como um quadro arranhado — e seus olhos perdiam a cor carmesim, até que se dissiparam no buraco negro das faixas já não tão mais volumosas, pois cada vez mais não passariam daquilo, faixas.

— Estava fácil demais! — o músico apertou o punho que lançara a magia, pegou seu MyView e materializou seus equipamentos.

Leo fez o mesmo após estapear seu rosto para acordar, mas ao contrário do escudo e espada, o rapaz materializou dez balas e acoplou-as numa espécie de cartucho do cinto de ferramentas. A reação de Bernard foi ainda maior ao ver Leo recarregar a recém materializada espingarda de madeira entalhada, com ornamentos de prata.

— O que você acha que está fazendo?! — disse o músico já totalmente equipado.

— Me prepa... — ao ver a cena, o leão arregalou os olhos para o tigre e tentou ao máximo segurar uma gargalhada com sua mão livre.

E mesmo Bernard explicitando um profundo ódio do deboche de quem acabou de salvar, ele não conseguia se ajudar.

— Inacreditável... — o mago balançou a cabeça em desaprovação, fazendo com que as perninhas do seu chapéu acompanhassem o movimento.

Naturalmente, Leo não conseguiu se conter e procurou apoio no chão, mas bastou Bernard apoiar os braços na cintura para que Leo gargalhasse tão alto, que o eco virasse um alarme apontando a localização dos dois.

— Inferno! — o músico resmungou quando percebeu as consequências.

Logo puderam ouvir os gritos, murmúrios e gemidos dos monstros que vinham de todos os corredores. Sem perder tempo, Bernard agarrou o braço do leão e o arrastou para trás de um sarcófago, na esperança que passassem despercebidos.

— Materialize o capacete e fique calado!! — o tigre sussurrou, e Leo obedeceu, equipando seu capacete de pato.

Mas o confronto era inevitável, Bernard espiou por cima do sarcófago, ainda preocupado em revelar sua posição, e logo viu os monstros começarem a invadir a sala. Haviam muitos deles, desde os escaravelhos gigantes — que agora encontravam-se na cor verde e laranja —, até múmias de faixas brancas, cujo olhar carmesim matinha o tom horripilante da anterior.

— Estamos completamente f-

— Eu sabia!! — Leo interrompeu Bernard com o som de sua espingarda sendo engatilhada. — Todos aqueles anos de Resident Evil e Uncharted foram um treino para este momento!

Leo se levantou e escorou-se no sarcófago, atirando sem muito pensar nas criaturas que invadiam seu espaço seguro. Bernard aproveitou a coragem e entusiasmo do leão para também usar sua Magical Soul e acabar com as ameaças.

Apenas um tiro era suficiente para Leo derrubar os escaravelhos, mas mesmo do tamanho de um rosto humano, eles ainda conseguiam ser escorregadios para acertar, especialmente por subirem nas paredes e esconderem-se atrás das relíquias. Bernard por outro lado, havia diminuído um pouco a quantidade de múmias.

— Estamos indo bem! — apontou o músico, com a sala já quase vazia.

— Já abateu quantos? — Leo perguntou, empurrando um botão de seu cartucho pré-carregado. Uma bala saltou para fora com o impulso da mola e ele pegou-a no ar, recarregou sua arma, e atirou imediatamente em um escaravelho verde. — Com esse foram vinte!

— Eu não contado!! — Bernard deixou escapar entre os dentes.

— Há há!! perdendo, né?!

Bernard tentou se virar para ele e repreende-lo, mas quando ia começar o sermão ouviu um barulho estridente e uma flecha de mana vir em sua direção.

Fermata! — ele gritou apontando para a flecha, e ambos ficaram estacionários.

Leo imediatamente localizou a origem do ataque — um escaravelho negro e dourado, na quina direita superior da sala —, então desferiu um barulhento e impecável tiro no alvo, fazendo com que a flecha desaparecesse e Bernard pudesse voltar a se mover.

— Chupa esse Head Shot!! — comemorou triunfante, recarregando a arma novamente. — Esse conta como dois!

— ... — Bernard permaneceu pensativo, enquanto olhava para o escaravelho negro e dourado, adornado como se fosse uma joia.

Um barulho ecoou pelos corredores e alcançou a sala. O som lembrava vagamente um rugido, e chamou não só a atenção dos dois mas também dos monstros, fazendo-os parar de avançar e se retirarem da sala.

— Ouviu isso?! — Bernard disse espantado para Leo.

— Deve ser o chefão!! — o garoto retrucou, recarregando novamente sua espingarda. — Vamo!

Mas antes que ele se levantasse para pular o sarcófago e buscar pela origem do som, Bernard segurou seu braço e lançou um olhar enfurecido.

— Eu preciso saber o que você está buscando, isso está indo longe demais! — Leo retribuiu o olhar do tigre com surpresa, então sentou-se vagarosamente e suspirou.

— Tudo bem... Eu estou procurando pela Sphinx. — disse o engenheiro, mas recebeu em troca um olhar desconvencido. — A estátua.

Eu sei, continue.

— Eu estava na Monster Guild quando ouvi sobre a pirâmide e a Sphinx, disseram que ela ganhou vida e perambulava pelos corredores. Ela é a guardiã do faraó, protegia ele dos pesadelos e o guiava com sua infinita sabedoria.

— E porque isso te chamou tanto a atenção?

— Bem, ela é um leão com asas, tipo, muito louco! — os olhos do garoto brilharam. — E eu precisando de uma carga de inspiração pra continuar desenvolvendo meu robô, que por acaso também é um “guardião dos sonhos”.

— Então você veio despreparado para uma pirâmide cujo interior não consta no nosso mapa, para apreciar uma criatura que, até então, a própria Monster Guild tem poucas informações sobre?

— Pode crê!

— ...Como você conseguiu a emancipação mesmo? — perguntou incrédulo ao jovem.

— É...

— A há! Eu sabia!! — Bernard apontou o dedo para ele.

, eu fugi de casa, mas meu tio me acobertou, então tá de boas!

— Eu vou fingir que não ouvi isso e te tirar daqui, agora. — ele se levantou.

— Ué, e você? — Leo também se colocava de pé.

— Eu só saio desse lugar com. A minha. Placa. — Bernard respondeu entre os dentes, com uma incrível determinação.

— Sozinho?! — contestou Leo. — Sem a minha ajuda você provavelmente estaria ferrado agora há pouco!

Pra começar, isso só aconteceu porque você berrou a nossa localização para os monstros. — respondeu o músico. — E segundo, meu contratante disse que ela seria fácil de encontrar, então deve estar mais próxima a entrada.

Vamo fazer um acordo.

— Não. — falou Bernard num ríspido tom, pegando o MyView de sua bolsa, e se aproximando dos monstros no chão.

— Escuta pelo menos! — Leo insistiu, e o músico olhou para ele sem muito interesse. — Eu te ajudo a achar a placa! Se encontrarmos a Sphinx, você paralisa ela, eu tiro uma foto, e vamos embora!

— Nunca tentei paralisar algo maior que um Fanta Fish. A Fermata também não é uma habilidade muito confiável. Minha resposta é não.

— Aff... — desabafou Leo, já sem esperança de chegar a um acordo com o teimoso mago. — bom! Fazer o que, né?

Bernard assentiu com a cabeça e após terminar de tirar as fotos dos monstros abatidos, recarregou uma última vez a lanterna para voltarem à entrada. Eles se caminharam até a saída da sala, onde haviam dois corredores, um à esquerda e outro para a direita.

O tigre postiço havia arrastado o leão pela esquerda, então foi para lá que começou a caminhar, mas não imagina — enquanto entretido no aparelho —, que o menino fosse fugir pelo corredor contrário.

— Mas que f-

O músico guardou seu MyView e tentou perseguir o jovem engenheiro, mas por mais rápido que corresse, só conseguia ver uma pequena parte do seu corpo virar para algum corredor escolhido — na sua percepção — aleatoriamente.

Ele continuou perseguindo o menino, virou à esquerda e viu seu calcanhar entrar no corredor à direita. Continuou, e ouviu um eco vindo do corredor à esquerda, se deparou com uma sala vazia. Bufou de raiva.

O eco havia parado, o silêncio novamente ensurdecia seus pensamentos agitados, seu coração parecia que ia sair pela boca, e a respiração ofegante o deixava ainda mais aflito. Bernard finalmente se dera conta que havia o perdido de vista, numa encruzilhada.

Sem saber onde estava, ou Leo, ele decidiu seguir em frente, mas sentiu algo puxar seu braço para trás, fazendo ecoar pelo ambiente o barulho de sua arma sendo jogada no chão.

— Quê?! — reagiu arfante.

Uma múmia de faixas sujas e um cheiro podre havia prendido seu braço com uma das faixas de seu corpo. Diferente da múmia branca, seus olhos carmesins não eram só horripilantes, mas também ardilosos de rancor.

Magic-

Ele tentou invocar sua magia, mas algo o atingiu antes, o intenso círculo de invocação vermelho embaixo da múmia desapareceu com o barulho de algo se despedaçando. Bernard sentiu uma enorme fraqueza e seu escudo concha também foi ao chão.

A múmia se aproximava com o outro punho livre envolto por uma energia vermelha, idêntica ao do círculo que havia invocado há pouco, mas antes que pudesse golpear o mago, Bernard respirou fundo e explodiu em sua mão a Magical Soul, dando alguns passos desnorteados para trás, e arremessando a criatura no chão.

A fita fora queimada no processo, seu corpo ganhou força novamente, e antes que a múmia pudesse ataca-lo de novo, ele conjurou com as duas mãos uma grande esfera mágica. Seu círculo de invocação brilhou com tanta força que a atmosfera em sua volta mexeu com a gravidade, fazendo suas roupas e cabelo flutuarem.

Magical Soul!! — ele gritou e disparou a esfera no monstro. O empuxo da magia foi tão grande, que o levou ao chão.

A esfera atingiu e atravessou a múmia, mas dissipou-se antes que chegasse à parede.

— Meus óculos!! — Bernard vasculhava o chão na completa escuridão, sujando suas mãos com a poeira, enquanto engatinhava para todos os lados, até que finalmente encontrou sua armação, com uma lente levemente trincada.

Após amaldiçoar todos as entidades que conseguia lembrar, o furioso mago se pôs de pé e apertou suas mãos trêmulas com muita força. Então ligou a lanterna de seu MyView, pegou os equipamento do chão, e continuou a buscar por Leo.

Durante o caminho encontrou um dos escaravelhos adornados — dessa vez prateado —, arremessou imediatamente sua lança, usou Fermata para que o monstro não se movesse, e após acertar a criatura, continuou seu caminho, chamando pelo nome do menino.

Ao longe no escuro, uma luz brilhava, revelando as estátuas e hieróglifos no corredor, antes que pudesse sequer imaginar que o fugitivo leão estivesse lá, Bernard ouviu uma tenebrosa e intimidadora voz ecoar até ele.

— Decifra-me ou te devoro.

— E o que eu ganho com isso? — a fina voz também ecoou.

— Leo!! — gritou o músico de volta, quase trombando nas estátuas e tropeçando nos vãos do chão.

— Se decifrar meus enigmas ou talvez os meus segredos, então hei de estar satisfeito, e um desejo lhe concederei.

— Muito top! — disse, percebendo então o ofegante músico que invadiu o corredor. — Manda!

O queixo do músico quase caiu e seu coração parou de bater por um milésimo de segundo, ao ver o imenso leão de asas e um chapéu egípcio dourado e verde. Suas pernas fraquejaram e ele se viu escorado com as costas na parede, deslizando lentamente.

— Em silêncio, estou sem perceber. — disse a Sphinx, mas sua boca não se mexia. Ela rodeou o jovem leão pensativo.

— Ao seu lado sempre, quando há luz pode ver. — ela aproximou seu rosto com um olhar de soslaio e mostrou os dentes, mas Leo ainda permanecia pensativo.

— Às vezes com discrição. — ela levantou a pata, e virou-a para cima. — Às vezes com grande poder. — e suas aterrorizantes garrar saltaram para fora.

— Sobre as águas posso pairar, e o dia em noite transformar. — então a criatura caminhou novamente para frente do leão, e arranhou o chão com sua pata direita, invocando uma ampulheta já com alguma areia consumida.

— Quantas chances tenho? — o menino indagou.

— Uma. — a Sphinx respondeu.

— E quanto tempo me resta? — ela sorriu.

— Pouco. — sussurrou, engolindo a saliva e lambendo o focinho.

Leo suspirou inquieto e olhou para a ampulheta, já na metade. Bernard não sabia o que fazer, ainda fitava a mítica criatura num misto de horror e admiração, já sentado no chão apoiando as costas na parede.

O menino fechou os olhos e sussurrou o enigma novamente, mas o tempo não estava à seu favor. Cada vez mais grãos iam enchendo o reservatório de baixo, e a Sphinx se preparava para atacar, tensionando seus fortes músculos e intimidando o alvo com suas pupilas retraídas e íris amarela.

A areia estava para acabar, assim como a trêmula lanterna alimentada pela magia do mago. Leo finalmente havia chego há uma conclusão, e a impaciente criatura tinha certeza que iria se alimentar.

— Eu sei a resposta! — o menino disse, com o peito estufado e absoluta certeza.

— Pois então? — provocou a Sphinx.

— A reposta é... — Leo bateu o olho rapidamente na fraca lanterna amarrada em sua cintura, e encarou a fera. — Sombra.

O sorriso da criatura se transformou em uma frustrada e furiosa expressão. Ao ouvir a resposta, ela quebrou violentamente a ampulheta que havia invocado fazendo cacos e areia voarem pelo corredor, e levantou seu corpo, lançando um olhar orgulhoso.

— Congratulações, você decifrou meu enigma. — recitou, num tom grave. — Como prometido havia eu, um desejo lhe hei de conceder.

— Quero que me revele a localização da “Benção de Posseidon”! — o menino bradou determinado.

No entanto, a expressão de confusão no rosto da fera e também na de Bernard, logo fizeram Leo perceber que ela também não teria tal resposta.

— Nunca ouvi falar de tal artefato. — a Sphinx retrucou. — Se não pertence ao meu rei, não hei de saber. — o menino suspirou desolado. — E então, o que desejas?

Leo olhou para Bernard, que não portava uma expressão muito agradável, e algo pareceu acender em sua mente.

— Faça a cortina de areia desaparecer completamente!

— Se assim desejar.

A criatura reforçou o apoio nas quatro patas, levantou as asas no estreito corredor, e invocou um círculo de magia idêntico ao de Bernard, do tipo Magic. Um zunido cresceu junto com a luz do círculo. A grande Sphinx soltou um rugido ensurdecedor que poderia facilmente ter ecoado por todos os corredores da pirâmide, Leo e Bernard taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Quando abriram, ela não estava mais lá.

Bernard se levantou da parede, chacoalhou suas roupas, e se aproximou do jovem leão postiço, dando-lhe um leve tapa na cabeça.

— Ai!!

— Você não tem amor na vida não, demônio de moleque?

— Tá, eu mereci. Mas olha! — Leo materializou uma placa de pedra negra com alguns entalhos. — Encontrei a sua placa!

— Ótimo. — ele recebeu a placa, sentindo seu MyView vibrar. — Obrigado. Agora vamos!

O músico seguiu adiante com passos fortes e barulhentos, e Leo o alcançou sem muito entusiasmo. Com a ajuda das fotos que ele havia tirado, não demorou muito até que conseguissem encontrar a saída da enfadonha pirâmide, e para a surpresa de ambos, a entrada estava começando a ficar infestada com a areia.

Leo disparou na frente, só um terço da entrada estava bloqueada, Bernard no entanto congelou quando ouviu uma risada tenebrosa ecoar pelos corredores, e sem querer se envolver em mais encrencas, tirou uma foto da Glyph Tablet, e a repousou no chão, disparando para a saída.

Do lado de fora, uma chuva de areia caia incessantemente, confirmando que o pedido de Leo havia sido concretizado, a tempestade não estava mais lá e, logo, a areia suspensa voltaria a ocupar o chão de onde veio.

— Bernard! — o menino já um pouco distante gritou. — esperando o quê?! — o músico correu em direção a ele, deixando a pirâmide para trás, sendo soterrada pela areia.

Quando chegaram no que seria a borda da tempestade, tiveram que parar para retirar a areia acumulada da roupa e dos cabelos, e aproveitaram para notar como a depressão causada pela tempestade já estava se regularizando com a chuva de areia. Daquele ponto, foram cerca de quarenta minutos até os dois chegarem em Paradise.

— Só pra você saber, a Sphinx também contou ponto, então estou com, sei lá, uns vinte e cinco!

— Eu já te disse que não contei. — ralhou o tigre. — Não tem como ganhar quando não há competição. Não insista.

— Não contou né?! — disse desconfiado. — Você falando isso só porque perdeu! — mas Bernard apenas suspirou com a provação do menino.

— A propósito, bom trabalho. — falou ele. — Eu não teria acertado aquela charada.

— Na real, eu que agradeço!

— Ahn?! — ele olhou surpreso, mas não insistiu no motivo. — Foi uma pena ela não saber a localização da estátua.

— Eu meio que já esperava, mas não custava tentar!

— É... — Bernard pigarreou. — E agora?

— Vou pra Monster Guild, certeza que eles vão pirar o cabeção quando eu mostrar as fotos da Sphinx!

— No meio de todo aquele caos você conseguiu tirar uma foto?!

— Claro que sim! — o menino vasculho algo no bolso do short. — Foi pra isso que eu fui lá!

— ...Brilhante. — o músico se conformou.

! — ele mostrou o MyView de interface roxa para o músico. — Me a dê dê.

— Hm... Não sei se devo. — Bernard disse, sério. — Você é encrenca!

— Que isso tio, tirando? Sou firmeza! — dessa vez, Leo ralhou com o músico, mas percebeu o tom do comentário ao ver a notificação chegar.

— Até a próxima.

— Pode crê! Só vê se não perde de novo!! — o jovem correu para a direção leste da cidade, gargalhando.

— “Peste!” — pensou o músico, com um contido sorriso.

Bernard teve de caminhar pouco até Sandman, visto que a entrada que estava era a norte, onde o próprio ficava. E, ao contrário da vez anterior, não precisou procurar pelo homem arenoso, na verdade, ele estava já havia avistado o músico e acenava com sua pá do cabo vermelho.

— Como prometido! — Bernard mostrou para Sandman a foto que tirou da Glyph Tablet, fazendo com que seu contratante “cocasse” o capacete.

— É... Uma foto serve. — disse ele. — Está bem legível, pelo menos.

— Espero que esteja tudo pronto, estou faminto! — o músico desabafou, ajustando seus óculos destruídos.

Sandman levou o músico até uma mesa de praça, ali próximo, pediu para que se acomodasse na banqueta de cimento amarelo, e mostrou a mistura dentro do balde. O título de lendária começou a fazer sentido para Bernard, quando viu aquela areia brilhante como se fosse pó de ouro, encher seus olhos de luz, e por mais estranho que seja, realmente parecia muito apetitosa.

Sandman pediu emprestado o MyView do mago, leu mentalmente as instruções da Glyph Tablet, concordando com sua cabeça ocasionalmente, e começou a adicionar um pouco mais dos ingredientes: meia Oasis Water, um Sand Cake, e esfarelou uma Limestone. Mexeu tudo com um Garden Trowel, deixou ela em repouso pelo tempo de uma Sandglass, e então serviu uma quantidade cautelosamente medida na tampa do balde de areia.

— Pronto! Faça as honras! — ele entregou uma colher para o músico. — Quando for mastigar, abra a boca em exatamente sessenta e cinto graus!

— ...Vou tentar. — o músico estranhou as instruções.

— Meus ances... — Sandman se calou e fitou Bernard por um segundo, então continuou ao perceber o rosto do músico esperando que continuasse. — ...trais, já construíram um império usando essa receita, só que, claro, era um pouco adaptada para aquela região. — completou a frase, orgulhoso do feito.

— Espera! Construir?! — franziu o cenho, e afastou a colher da boca. — Vocês usavam comida para construir?!

— Não, seu tolo! Usávamos comida pra comer! — Sandman disse, apoiando as mãos na cintura, indignado com a suposição de Bernard.

— ...Não?! — ele respondeu horrorizado após refletir um pouco.

— O nosso sistema digestório é muito peculiar, as reações químicas fazem com que a mistura se torne muito mais firme que o cimento de vocês, humanos. Nossas construções duram por milênios! — o músico escutava o homem de areia boquiaberto, estarrecido com tudo que acabara de ouvir. — Essa mistura é conhecida como o “Piche de A-

— Nossa, olha a hora! — Bernard interrompeu abruptamente. — Eu tenho que ir!!

— Mas você nem experimentou!! — ele rebateu, espantado.

— ...Eu — fez uma pausa enquanto reunia suas tralhas. — Adoraria!! Mas realmente preciso correr contra o tempo, sabe... É tarde! É tarde!! — Bernard riu completamente sem graça apontando para o pulso sem relógio, partindo, quase tropeçando, para o sudoeste da cidade. — Adeus, obrigado!

— Eu hein?! — Sandman comentou, enquanto via o músico correr. — Gente estranha...! Pelo menos sobra mais!


Notas Finais


Estou pensando em migrar a fic para outra plataforma... Não sei ainda.
Preciso começar a divulgar melhor, mas e a preguiça? KAKAKAKA
Cap 13 já pronto, só vou dar uma revisada e posto alguma hora!
Obrigado por ler <3


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