1. Spirit Fanfics >
  2. Túmulo de Sangue >
  3. Aumentando o repertório

História Túmulo de Sangue - Aumentando o repertório


Escrita por: Caus

Notas do Autor


Desculpem a demora, mas percebi que será mais tranquilo pra mim manter essa história como quinzenal.

Preparem-se para descobrir alguns dos segredos do misterioso e perigoso Isaac, e descobrir como nosso casal principal está após o rompimento.

Esse é meu maior capítulo até agora, e acredito que esteja divertido. Então aproveitem!

Capítulo 7 - Aumentando o repertório


Era uma noite chuvosa aquela, na qual Isaac aguardava seu alvo. O professor universitário estava em um carro esporte, parado atrás de algumas árvores e com seu amigo silencioso no banco de trás. Com luzes apagadas e binóculos, observava o veículo estacionado que bateu com a descrição, próximo a um hotel de beira de esquina e preço baixo. E então após toda a espera, finalmente surgiu seu alvo: uma mulher alta e de casaco marrom, cabelos muito negros, rosto largo e sem guarda-chuva. Ela andou até o carro, atenta aos arredores e carregando uma bolsa de viagem.

Começou a perseguição silenciosa. Isaac seguiu com as luzes apagadas e no limite da distância que o binóculo lhe permitiu, o que só foi possível graças às estradas daquela região serem velhas conhecidas dele. O carro parou no estacionamento de um restaurante recém-inaugurado na zona norte da cidade. O lugar prometia vender comida de boa qualidade e trazer um pouco de refinamento ao bairro.

Não vai durar muito, pensou ele.

Ela entrou, mas não antes de olhar na direção de outro carro, onde um homem estava ao volante. Isaac aguardou cinco minutos antes de sair do carro, se deixar molhar de chuva e andar calmamente até a entrada. Deu trabalho achá-la, por isso ele desejava ser ao menos criativo. Era um bom restaurante, refletiu. Das catorze mesas, dez estavam ocupadas, o espaço era retangular e felizmente a mulher estava justamente sentada ao lado de uma mesa vazia. O perseguidor sentou-se na mesa ao lado e pediu para o garçom trazer um Uísque. Ao redor dos dois se viam famílias e casais, e ele deduziu que o lugar estava cheio por conta das promoções de inauguração.

A mulher tinha algo em torno de 1,80m, ombros largos e porte pouco feminino. Cabelos e olhos muito negros e pele branca, possivelmente de origem italiana, pensou ele. Ela não tirou o casaco, mesmo estando um pouco molhado, e aos poucos ele percebeu que mesmo tentando fingir distração com um jornal e uma taça de vinho, os olhos dela se fixavam em uma pessoa específica. Sentado a quatro mesas de distância, um homem de baixa estatura e pele morena falava ao celular, sozinho em uma mesa sutilmente mais bem posicionada que as outras.

Hora de agir, concluiu ele.

...

 

Do outro lado da cidade, Arthur caminhava pela areia da praia, roupas leves e pés descalços. Seu cabelo balançava conforme os caprichos do vento, e sua mente navegava por mares distantes, verdadeiros oceanos negros e profundos. A música que assobiava era como uma trilha sonora da visão paradisíaca a sua frente, com o mar, o céu, as estrelas, e a cidade atrás dele. Bohemian Rhapsody, da banda Queen. Embora raramente tivesse as músicas mais famosas de uma banda entre as suas preferidas, essa era uma exceção honrosa. O vampiro se pegou admirando a melodia, se perguntando como puderam mesclar a música clássica — que preencheu sua vida por séculos — com os sons agressivos dos instrumentos modernos, criando algo único a partir disso. Único e belo.

Ele era um monstro antigo, e Alice, uma mulher moderna. Até a pouco, quis acreditar que pudessem, assim como nessa música, alcançar a harmonia. O encontro da tese e da antítese, resultando na síntese. Uma ilusão, ele sabia, nada mais que um sonho febril.

Ao alcance de sua visão noturna, uma bela mulata de biquíni se insinuava para uma dupla de amigos. Ela parecia bêbada, e após alguns sorrisos maldosos e palavras provocantes, entrou na água com um deles. A praia estava deserta nessa área, apenas os três e seu observador distante. O homem pareceu se divertir na água, só de bermuda e desejoso por aquela mulher atraente. Após uma breve brincadeira de pega-pega, ele a agarrou, ao que ela pareceu puxá-lo cada vez mais para o fundo do mar. Passaram-se alguns minutos até que o amigo começasse a achar que havia algo de errado na demora do casal em reaparecer. Após chamar por eles inutilmente, adentrou as águas até a altura da cintura, com as ondas subindo e descendo, enquanto tateava e chamava pelo amigo. Não demorou até que algo mais surgisse em meio a uma onda mais alta. Algo como uma mão forte, o prendendo pelo pescoço e revelando um assassino, tão versátil quanto letal.

— Ele não vai sair. — disse o predador, como um espírito da morte, surgindo diante de um homem assustado. — Mas você se unirá a ele.

A morte pelo mar...um dos métodos preferidos do monstro. Era só atrair a vítima, matá-la dentro da água — drenando todo o sangue — e nela mesmo se livrar do corpo. Para uma criatura forte e que não precisa respirar, não era nada difícil mergulhar com um cadáver até águas distantes, deixando a maré carrega-lo para outros destinos. Se, e quando o corpo fosse achado, seria um problema para a polícia, e não ele.

Após cumprirem o objetivo, o casal saiu das águas em um ponto distante, limpos do sangue e de qualquer evidência de seu crime. Não era preciso se preocupar sequer com itens das vítimas deixados na areia, pois não faltariam voluntários para ficarem com eles na primeira oportunidade. O casal de predadores eram a morte caminhando entre os homens, dois malditos demônios que bebiam sangue. A vampira sorria para ele, um sorriso animado, como o de uma menina apaixonada andando ao lado do namorado. Ao lado dela, em meio a dor, Ângelo sequer foi capaz de cumprir sua regra moral de matar apenas criminosos e viciados. Matou dois homens comuns... o vampiro parecia decair ainda mais. Arthur não poderia voltar para Alice, não voltaria, mesmo que ela o perdoasse. No seu caminho não havia sol, apenas trevas, trevas que a engoliriam por inteira! Ainda que ao lado de outro demônio, ele se sentia sozinho, sozinho, como talvez tivesse de passar a eternidade, se quisesse proteger aquela que amava. O monstro tinha muitos pecados, muito inimigos, e envolver sua amada nisso seria o mesmo que condená-la a morte.  

O homem segurou nas mãos seu cordão em forma de cruz, enquanto olhava para a direção onde imaginava ficar a casa da amada.

Não posso arriscá-la de novo, pensou ele. Talvez seja melhor que você sofra por um engano, mas permaneça viva, do que seja feliz por um instante, apenas para nos despedirmos para sempre.

 

...

 

De volta ao restaurante.

— Posso me sentar? — perguntou ao mesmo tempo em que sentava ao lado da caçadora. — É meio-deprimente beber sozinho numa noite como essa, você não acha?

Ela pareceu surpresa, logo ficando desconfiada. Era uma mulher grande e sem atrativos, não era do tipo que a maioria achasse bonita, e sabia bem disso.

— Não, não pode não. Será melhor para nós dois que volte para sua mesa. — disse, mirando um olhar ameaçador que faria outros homens obedecerem sem pensar muito.

— Qual é? Estamos os dois aqui, solitários e molhados, será que não podemos ao menos dividir uma garrafa e aproveitar a companhia um do outro? — o professor exibiu seu melhor sorriso conquistador, e percebeu que ela ficou sem jeito e levemente ruborizada.

Não está acostumada a lidar com homens, principalmente a serem gentis com ela, concluiu ele. De repente, ela segurou o pulso dele e apertou, mas ao não se deparar com o resultado que esperava, soltou-o, parecendo desconcertada pela atitude.

— Perdão, não quis machucá-lo. Só me confundi com algo. — e ficou calada em seguida, voltando a olhar na direção do homem, desconfiada.

Isaac sabia bem o que ela procurava. Aquela mulher usava anéis de prata, algo que em contato com a pele dos monstros, causava queimaduras leves.   

— Você é um pouco bruta, hein? — disse ele, tom brincalhão. — Agora que me machucou, será obrigada a jantar comigo. Garçom!

Ela ficou sem saber o que fazer enquanto Isaac fez um pedido para si e estendeu o menu para ela, prometendo pagar o que quisesse comer.

— Por que está fazendo isso? — perguntou, desnorteada.

— Tédio, solidão, carência, o fim repentino de um casamento... E bem, é preciso algum grande motivo para dividir algo com alguém? — e sorriu. — Eu só preciso conversar um pouco com uma pessoa de verdade, consegue me entender?

Graças a isso, acabou quebrando o gelo inicial e arrancando um sutil sorriso dela.

— Eu, se o senhor... digo... — ela pigarreou, e então disse sem jeito. — Sou uma madre católica, acho importante que saiba, antes de me pagar algo. — e desviou o olhar.

Isaac tocou suavemente o pulso tenso da mulher, afetando um sorriso compreensivo.

— Uma pena. Mas... não seja por isso. Sou antropólogo, acho que ainda podemos ao menos ter uma boa conversa. — disse ele, estendendo a mão em cumprimento. — Isaac Levi, e qual sua graça?

— Paola Giovanna, e fico agradecida, senhor Levi.

Ela escolhe enfim a comida, sempre mantendo alguma vigilância sobre seu alvo, agora não mais no celular, apenas bebendo uma taça de caipirinha e parecendo impaciente. Eles começam uma discussão sobre história da religião, as ações da Igreja Católica e a ascensão do cristianismo no Ocidente. Ambos percebem que o outro domina bem o assunto tratado, embora sob um viés diferente.  

— Acredito firmemente que abaixo dessa camada institucionalizada, seja do judaísmo, seja do cristianismo, existe espaço para verdadeiros milagres, para segredos aguardando por serem desvelados.

— Não lhe tiro a razão, professor, mas tenha em mente que há mistérios que cabem somente a Deus, e outros que podemos decifrar, quando os buscamos com coração sincero. A humildade precede a honra, e o bom Deus se revela somente aqueles que o buscam com coração sincero. Em espírito e em verdade.

Entre sorrisos eles notam a aproximação de um outro homem na mesa do alvo da madre. Ele parece pedir desculpas pelo atraso, e após alguns comentários espirituosos, senta-se a mesa com o outro, e se beijam.

— Parece distraída, está tudo bem? — perguntou, Isaac.

A mulher volta a lhe dar atenção, morde um grande pedaço de frango que empurra para baixo com vinho, e só então responde:

— Nada importante. Só não entendo como podem fazer isso, diante de tantas famílias, e mesmo crianças. Como o restaurante aceita isso.

— Entendo, realmente não deve ser algo a que você esteja acostumada.

Isaac observou que frequentemente a madre trocava mensagens pelo celular, mantendo comunicação com seu contato. Sem dúvidas o sujeito do furgão. Após alguns minutos, os dois indivíduos se levantam e decidem ir embora. Paola termina o prato e limpa os lábios, enquanto observa aqueles homens passando por eles. O vampiro é um homem negro e alto, barba feita e cabelo curto, de passos lentos e olhos atentos. O professor percebe que o olhar dele e o da caçadora se encontram por um momento, e apenas observa. Com o corpo tensionado e a mão disfarçadamente segurando uma pequena lâmina prateada, ela observava cada passo deles, até pararem de repente diante da mesa do casal incomum.

— Com licença, tem fogo? — perguntou o vampiro para o professor.  

— Desculpe, não fumo. — ele respondeu, sem conseguir disfarçar um sorriso de quem quase viu uma madre católica matando alguém.

Enquanto estão saindo, ela usa uma última vez o celular, e depois permanece fitando-o, como se aguardasse uma ligação ou mensagem. Então se vira para o professor, parecendo mais animada e confiante.

— Preciso partir, professor Levi. Agradeço sua gentileza, tornou minha noite bem mais agradável. — ela estende uma mão que ele aperta gentilmente. — Que a Virgem Santíssima conforte seu coração e alivie seu fardo. Fique com Deus.

— O prazer foi todo meu, Paola. — Isaac disse, parecendo relaxado na cadeira. — E claro, reze por mim, madre.

 

...

 

Deitada em sua cama, o quarto com as cortinas fechadas e ao som melancólico de Love Is A Losing Game, da Amy Winehouse, a jovem psicóloga permaneceu com as mesmas roupas dos dias e noites anteriores, assim como a mesma maquiagem borrada de choro. As batidas na porta começavam a ficar cada vez mais altas e frequentes, assim como o toque do celular e a voz da garota do lado de fora do quarto.

— Cansei, Alice. Não voltei para casa num baita engarrafamento para a dondoca não me atender. — reclamou Tatiane. — Se não abrir essa porta hoje, vou arrombar na base da porrada!

A loira permaneceu olhando para o teto e calada, enquanto uma gata passeava por suas pernas, por fim, se deitando sobre seu tronco.

— Eu avisei. — a frase foi seguida do som de sucessivas tentativas de arrombamento, usando os pés. Como pareceram não ter resultado, logo foram substituídas pelo som de um martelo se chocando repetidamente contra a madeira e fechadura.

Fosse pelo barulho infernal, fosse pelo receio de ter que pagar por uma porta nova, ela se deu por vencida e levantou da cama.

— ...está bem. — a frase foi seguida por um suspiro da dona da casa, e o som de passos se arrastando até a porta trancada. A jovem de grandes olhos e belas curvas adentrou enfim o recinto, casaco de frio e calça apertada, examinando a bagunça com ares de nojo.

— Você está um bagaço, hein, amiga. — disse ela, sentando-se na cama onde a loira voltou a deitar. — Não adianta ter carinha de princesa se você se cuidar como um ogro.

— Veio me dar conselhos de maquiagem, por acaso?

— Sabe que não, o que eu quero saber é como está esse seu coraçãozinho ai.

Ela passou algum tempo em silêncio, até conseguir dizer as palavras:

— ...eu realmente não esperava por isso, não mesmo. — as lágrimas começavam a brotar novamente. — Não depois de tudo que me disse, tudo que fez.

Tati passava um lenço no rosto da amiga, limpando a maquiagem velha e secando lágrimas, enquanto afagava o cabelo dela. Após alguns minutos, Alice continuou:

— Sou mesmo uma tremenda idiota. Burra, burra!

A visitante terminou de limpar o rosto da amiga, permanecendo em silêncio. Com a cabeça dela sobre as pernas, começou a fazer cafuné em alguém que precisava desesperadamente de afeto.

— Você está quieta demais, fala o que quer falar de uma vez. — exigiu a loira.

A morena foi até o computador e desligou a música melancólica, depois abriu as janelas e exibiu um sorriso triste para a amiga de universidade, dizendo:

— Não vou deixar você sofrendo por causa de um babaca daqueles. É aquilo, miga, o cara é solteiro, sem filhos, gostoso e com grana, deve ter fila de mulher querendo dar pra ele! Se não fosse por você, eu seria uma delas. Você pode sair com um cara desses, transar com ele, mas não pode ficar sonhando com algo que passe disso, por que noventa por cento deles não quer. Outros nove por cento são gays, e o um por cento que sobra, é de príncipes encantados que só existem em contos de fadas.

— Acha que não sei disso, Tati? Que não tentei ir com calma, manter o pé atrás? — Alice se sentou, levando as mãos à cabeça. — Acha que não suspeitei quando ele disse que não tinha nem perfil no Facebook? Quando nunca estava disponível para atender durante o dia, ou a tarde, quando resumia sua fonte de renda como “investimentos no mercado de ações”? Acha que algo dentro dessa cabeça dura não apitava, alertando que tinha algo de muito errado ali?

A garota puxava os cabelos com força, como se quisesse arrancá-los. Como se fazer isso fosse lhe trazer paz.

 — Eu tentei, Tatiane, juro que tentei ser racional e pé no chão... só não consegui. Essa coisa no meu peito, burra e persistente, me cegou, me prendeu, me transformou numa patinha a mercê de um idiota com boa lábia e sorriso bonito.

A amiga se aproximou dela, segurando sua face com as mãos, deixando-a recostar-se a ela.

— Você é muito boa pra isso amiga, sofrer por ele, faltar trabalho e coisa e tal. Você sempre foi a mais sensata da dupla, a mais esperta e mais fofa. Eu já tô vacinada, sabe, não consigo mais me surpreender quando os caras me enganam, chifram ou não me levam a sério. Talvez por isso faça o mesmo com eles...pra não me machucar. Talvez não seja um Arthur Castro, mas com certeza você logo encontra um cara bom e que te mereça. E se ele vier com uma barriga de tanquinho e um carrão na garagem, é lucro.

As duas ficaram um longo tempo em silêncio, só o som do ronronar da gata por todo o quarto. Alice suspirou, e por fim respondeu:

— As vezes acho que você está certa em fazer desse jeito, só curtir os caras, sem alimentar esperanças ou fazer planos. Mas...no fim eu me recuso a pensar que tudo se resuma a sexo, Tati. Tem que existir algo maior que isso numa relação, não aceito me entregar para qualquer cara mesmo sabendo que ele mente para mim e para outras também. Mais do que isso, não sou capaz de fazer o mesmo.

Tatiane riu da amiga, e então beijou sua testa.

— A diferença entre nós, Alice, é que enquanto você cresceu assistindo Disney e Pixar, eu via a novela das oito, Sex and the City e Friends.

Elas riram e se abraçaram. Confortando-se, como tantas vezes antes já fizeram, e totalmente inocentes quanto aos terríveis predadores que as cercavam por todos os lados.

 

...

 

Assim que ela saiu, preocupada com o fato do seu ajudante não ter se comunicado até então, percebeu que ele continuava ao volante do carro. Estava recostado no banco, parecendo ter pego no sono. Garoto estúpido, pensou, irritada. Mas assim que se aproximou o suficiente, notou algo de estranho na postura dele...como se não respirasse. Morto. A conclusão foi seguida de um vulto furtivo em sua direção. Ela levou uma mão às costas, de onde se tornou visível uma arma de grosso calibre, e na outra uma adaga prateada, que tirou da altura da cintura. Seu alvo original já estava se afastando no carro, talvez nem sequer ciente sobre ela. Teriam sido eles? O tempo não batia.

— O que quer comigo? — perguntou ela a um alto, com luvas e usando uma toca.

A resposta veio na forma de um chute na altura da cabeça, o qual a mulher bloqueou e revidou com um corte fatal no pescoço. Se seu adversário fosse uma pessoa normal, a luta acabaria ali. Mas logo ficou claro que não era, por mais que o contado da lâmina prateada com a pele a deixassem convencida de que não se tratada de um vampiro. Ele desferiu uma série de socos e chutes, que ela bloqueou com técnica e força, até derrubar seu adversário com um violento golpe nas pernas, e encravar sua lâmina sob uma das mãos dele. A outra mão ela manteve segura com o próprio peso, e enfim enfiou o cano da arma dentro da boca de seu agressor, dando um fim aquela batalha sem sentido.

— Que Deus tenha piedade de tua alma. — sussurrou, apertando o gatilho de uma arma com silenciador, ao mesmo tempo em que sentiu uma picada no pescoço.

— De todos nós, minha boa madre. — sussurrou Isaac, silencioso como um fantasma, após se aproximar e aplicar um tranquilizante de efeito rápido, diretamente na veia.

A mulher não teve tempo de reagir, seu corpo inteiro ficando fraco e pesado, seus olhos querendo se fechar enquanto aquele homem a mantinha imobilizada pelas costas, a arrastando até um canto escuro e deserto.

 

...

 

Horas depois, Paola voltou a si.

Estava num lugar escuro, sentindo frio e fraqueza. Aos poucos se dando conta das amarras apertadas que mantinham presas suas mãos e pés, assim como o frio do metal sobre o qual seu corpo estava deitado, numa espécie de mesa de ferro. Para seu desespero, também se deu conta de estar nua.

— Pensei que dormiria a noite toda. — disse Isaac Levi, em pé diante dela, e com um manto negro, cheio de escritos em hebraico. — Preciso saber algumas coisas de você, madre, e espero que colabore comigo.

— Quem é você, afinal? — perguntou, séria.

— Sou só um pesquisador, alguém que busca a verdade e deseja ver o sol do conhecimento nascendo sobre todos. — disse ele, sarcástico, enquanto observava o corpo daquela mulher. — Assim como você, sou alguém que caça monstros, e dá um fim a eles.

— Está dizendo que não trabalha para eles? Que não estava apenas me distraindo para proteger seu amigo vampiro? Então o que é tudo isso?

— Trouxe você aqui porque preciso da sua ajuda, Paola Giovanna. Encontrei dois monstros antigos, e com os recursos que disponho no momento, não posso dar conta deles.  

— Sou madre Inquisidora, ordenada e treinada pela santa Igreja Católica Apostólica Romana. Minha missão é proteger os filhos de Deus, trazer a luz da salvação à esse mundo, dissipando as trevas que reinam nele. E é o que venho fazendo há mais de doze anos. — proclamou, tentando não corar por sua situação vergonhosa. — O senhor não é como eu, nem como qualquer pessoa digna. É mentiroso e manipulador, mesquinho e baixo. Então me diga, “pesquisador”, o que realmente deseja de mim?

— Você não é bonita...aposto que ainda é virgem, correto? — Isaac alfinetou, maldoso. A mulher ficou ruborizada, enquanto sentia a mão dele sobre sua face, tremendo por completo. — Quer dizer, isso se algum padre pedófilo ou freira sapatão não abusou de você. Como é ser comida por um velho de vestido?

Ela perde o controle, gritando de raiva e forçando as amarras, inutilmente. Ele pareceu se divertir com as provocações, aguardando que se acalmasse.

— Estou de gozação, pode ficar tranquila que não tenho interesse nisso ai que você guarda com tanto afinco...mesmo com tão poucos interessados. Meu negócio com você é meramente profissional.

— Não...zombe...de mim. — ela disse, entre dentes.

— Já ouviu falar sobre golens? Perguntou, enquanto ajustou a mesa para que ela ficasse de pé. — Segundo os mitos, um golem era uma criatura feita de barro e esculpida em forma de homem, seguindo um ritual executado por um rabino. Uma vez que estivesse completo, a criatura sem alma e de assombrosa força adquiria vida, estando sujeita às ordens de seu criador. Mas... criar um golem era perigoso, e em muitas histórias eles saíam de controle, causando a morte de muitos, inclusive seus donos.

—... Feitiçaria judaica, o senhor diz. — disse ela, com raiva na voz.

O professor terminou seu conto teatral, então virando a mesa, para que ela contemplasse o homem que ela matou. Ele estava nu, com o corpo cheio de tatuagens, cicatrizes e escritos hebraicos religiosos. O buraco da bala era visível, e em sua testa, uma palavra hebraica, tudo parecendo ter sido escrito a faca.

— Não preciso traduzir, correto? — disse ele, aproximando-se do homem inexpressivo.

— “Alma”. — disse ela.

— As vezes as lendas escondem segredos, esperando por serem descobertos por aqueles com estômago para isso. Então, Paola, como talvez tenha percebido, o barro da lenda não é tão diferente daquele do qual Adão foi formado, segundo o Torá. O barro é carne, os golens são mortos, e eu preciso de um novo.

— Não...isso não poderia... — a mulher entra em choque ao se dar conta do destino que aquele homem lhe reservou. Sequer conseguindo formular as palavras para exprimir sua revolta e repulsa por aquela ideia.

Paola, aquela mulher experiente e devota começa a de fato temer, suar frio, arrepiar-se! Não pela proximidade da morte, destino para o qual sempre buscou estar preparada, entregando-se pela causa que segue desde menina. Não pela perspectiva da dor, algo comum em seu treinamento, sempre presente em suas missões e que ela mesma já utilizou para se aproximar de Deus. Não o sacrifício do corpo, o objetivo final de todos aqueles que admiram os grandes mártires. Mas sim pela perspectiva daquilo. Se tornar uma coisa, uma abominação! Não havia palavras para definir aquilo, e por isso as lágrimas começavam a molhar sua face.

— Não chore, Paola, minha querida mulher de fé. Você foi escolhida para ser minha nova campeã, e isso não é motivo de tristeza, mas sim de orgulho! Esse homem a nossa frente foi o meu melhor até hoje, e você o venceu tão fácil... — Isaac segura uma lâmina cerimonial em mãos, e tem um sorriso no rosto. — Prevejo um futuro brilhante para nós dois.


Notas Finais


E ai, gostaram do capítulo? O que acharam sobre os golens do professor? Preparem-se para o próximo capítulo.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...