Mas se você está quebrado, você não tem que permanecer quebrado. — Selena Gomez.
Ei, você
Ai fora no frio
Ficando solitário, ficando velho
Você pode me ouvir?
Minha cabeça pesava e era como se eu tivesse engolido pílulas demais e elas estivessem presas em minha garganta. Ou talvez eu tivesse engolido pílulas. Mas não morri.
Tentei abrir os olhos e senti-os arder. Doía. Minha cabeça doía, era como estar numa ressaca. Não, era como estar carregando tijolos em cima da cabeça. Resmunguei alguma coisa e ouvi alguém dizer meu nome; eu conhecia aquela voz, mas ela não me parecia comum. Eu não estava costumado a ouvi-la.
Abri os olhos de novo e minha visão estava confusa e desfocada e demorou alguns segundos para que eu pudesse ver quem estava sentado numa poltrona ao lado da minha cama. Diane. Ela sorriu pequeno ao me ver acordar e suspirou parecendo aliviado.
— Está tudo bem, Takao? — Perguntou ela, apreensiva. Assenti meio entorpecido. Minha visão parecia escurecer e em seguida ficar clara demais.
— Cadê o Shintarou?
— Ele esteve aqui por todos esses dias, já que é médico. Ficava vindo aqui de segundo em segundo; até que ele teve esse dia de folga e eu o forcei a ir para casa e tomar um banho decente e comer algo decente. Ele deve estar aqui logo.
— Por quanto tempo eu estive... Aqui?
— Seis dias. Você acordava às vezes, em colapsos, mas logo voltava a dormir. E acho que não se lembra.
Deveras eu não lembrava. Não lembrava nem mesmo da razão de estar aqui e tinha apenas resquícios das memórias. Eu lembro de chorar e de ligar para alguém e depois nada. Tentei me sentar e tive ajuda de Diane que se levantou apressada e segurou minhas costas me ajudando. Ela sorriu caridosa e se sentou de novo.
Eu estou tão bagunçado.
Olhei para àquela mulher, ela parecia estranhamente nervosa. Talvez pensasse que fosse culpa dela. É claro que não, eu estive assim por um longo tempo, mas por alguma razão nunca tinha feto nada como tentar me matar. É claro que eu sempre fumei, usei drogas e bebi demais em demasiado e isso também podia ser considerado se matar, mas nada como ingerir pílulas ou colocar a porra de uma bala na minha cabeça.
— Não é sua culpa. — Garanti. — Você mesma disse que eu era uma pessoa fodida.
— Sinto muito.
Olhei para o soro injetado em minha veias e suspirei.
— Eu estava preocupada com você, claro que não tanto quanto Shintarou. Ele sim enlouqueceu, foi difícil acalmá-lo.
Midorima Shintarou, huh? Eu não deveria ter voltado para a vida dele. Tudo parecia estar dando tão certo para ele naquele momento e de repente o amigo do colégio rejeitado dele aparece em sua vida dessa forma.
— Você quer comer algo? Posso pedir para a enfermeira.
— Sim.
Ela assentiu e se levantou caminhando a passos lentos até a porta, abrindo-a e saindo. Fiquei ali olhando para as paredes brancas do quarto. Suspirei. Talvez Diane tivesse razão, talvez eu devesse buscar ajuda.
Quando passei o olhar pela porta de novo vi Midorima parado ali, com roupas casuais de inverno. Ele me olhava sério. Tenho a impressão de que ele vai me dar um sermão. Ele se aproximou e suspirou antes de se abaixar até a altura da cama e me abraçar desajeitado.
Ele tinha cheiro de sabonete e perfume, e os cabelos tinham cheiro de shampoo. O abracei de volta e o ouvi resmungar algo contra meu ombro, depois me soltou e suspirou. Não disse nada, e nem eu. Estava envergonhado. Eu provavelmente tinha bagunçado a vida dele desde o momento que voltei para ela.
Ficamos ali, nos encarando em silêncio. Ele ergueu a mão e levou os dedos cumpridos até meu rosto, passando-os pela minha bochecha.
— Você está pálido. — Suspirou de novo.
— É... Diane foi pegar algo para eu comer.
— Entendo. O médico responsável por você disse que você deverá ter alta em dois ou três dias, o perigo já passou.
Assenti.
— Você vai ficar comigo em casa até estar totalmente bem.
— Mas você disse que o médico...
— Eu não estou falando só de ficar bem fisicamente, Kazunari.
— Eu não quero incomodar.
— Não incomoda. — Respondeu breve. — Takao, o que aconteceu com você depois do colégio? — Ele não me olhava, estava encarando a janela do quarto e parecia constrangido por perguntar aquilo.
— Meu pai me expulsou de casa quando descobriu que eu saia com homens, e minha mãe me ajudou; mas ela morreu de câncer um tempo depois. Eu não consegui me construir de novo depois disso. Com muito custo eu terminei a faculdade e comecei a trabalhar; mas, eu não sou o melhor advogado. Eu sempre fiz tudo errado desde o começo.
A verdade é que eu estava cansado de viver, cansado de lutar contra os mesmo demônios todos os dias quando acordava. Cansado de decepcionar a mim mesmo. Eu odeio a forma como a luz do sol chega na janela do quarto do meu apartamento todas as manhãs e eu odeio acordar e saber que eu continuo a cometer os mesmos erros, parece que eu nunca aprendo. Eu sou um idiota.
E também havia o fato de eu nunca ter te esquecido completamente, Midorima. Mas isso eu não vou dizer.
— Eu quero ajudar você.
— Eu também. — Ouvi a voz de Diane e olhei para a porta, ela estava parada com uma bandeja. Midorima sorriu e assentiu.
Diane se aproximou e colocou a bandeja na espécie de mesa que ficava junto da cama, perto o suficiente para que eu pudesse comer.
Refeições hospitalares não tendem a serem boas, mas eu estava com tanta fome que aquilo era de miníma importância. Comi tudo rápido demais e quase engasguei uma duas vezes, quase matando Midorima do coração.
Os dias se alastraram, tive de aceitar começar um tratamento psicológico que Midorima praticamente me forçou a aceitar. Não é como se tivesse escolha. Depois de três dias no hospital recebendo tratamento, eu finalmente tive alta e pude ir para o apartamento de Midorima, porque ele também não me deu escolha enquanto à isso.
Quando chegamos no apartamento, ele disse que tinha um quarto que ele não usava e que arrumaria ele para mim. Estava cheio de caixas e poeira. Entrei ali e acendi a luz, vendo Midorima abrir a janela com dificuldade.
— Está emperrada. Dou um jeito nisso depois. Eu vou arrumar aqui, okay?
Assenti e ele começou a mover algumas caixas com certa facilidade. Midorima sempre foi magro demais, alto demais e pálido demais, eu não achava que ele fosse tão forte, parecia que se quebraria a qualquer momento.
— Quer ajuda? — Perguntei.
Ele me olhou e sorriu.
Ainda não estou acostumado com esse Midorima que sorri demais.
— Sim... Faça café, eu amo café.
Revirei os olhos, mas assenti sorrindo e sai de lá, indo para a cozinha. Café, huh? Se tem algo que eu tenho em comum com Midorima e até Diane é o vício em cafeína.
Preparei o café e fui levar uma xícara para Midorima, que agora estava limpando uma prateleira. Fiquei olhando; depois trocou o lençol da cama de solteiro dali e o colocou com certa dificuldade já que era aqueles lençóis de elástico que tem pacto com satanás e quando você coloca um lado deles o outro magicamente sai e você fica naquele joguinho irritante.
Ele virou-se para mim após terminar ali e sorriu.
— Obrigado.
Ele pegou a xícara e se sentou na cama, bebendo o café lentamente.
— Tá um dia bonito lá fora.
— Huh?
— Senta aqui, Takao. — Ele bateu a mão no lado do colchão ao lado dele.
Hesitante, me aproximei e sentei. Ele continuou bebendo café e parecia pensativo.
— Estou feliz que você voltou para minha vida, mesmo que de forma desastrosa.
Sorri e abaixei a cabeça.
— Eu sei que já te pedi desculpas antes, mas parece que nunca é suficiente. Por tudo que eu te fiz passar no colegial, me desculpa. Eu fui imaturo, eu não liguei para como você se sentiu e fui acima de tudo, ignorante.
— Bem, não há como voltar no passado, vamos apenas esquecer disso. — Disse calmamente, evitando olhá-lo. Sabia que se eu o olhasse de novo, assim como há anos no colégio, eu o beijaria.
Midorima estalou a língua e afagou meus cabelos.
— Você deveria olhar para o rosto de alguém quando falar com ela.
Passei a olhar para a parede branca. Qualquer coisa menos olhá-lo. Não havia nada que eu não gostasse naquela pessoa, mas eu não podia beijá-lo, ele tinha uma namorada maravilhosa e uma boa vida e agora eu tinha conseguido voltar a ser amigo dele. Íamos assistir jogos de basquete juntos e jantamos juntos às vezes, discutíamos sobre política e sobre coisas idiotas que apenas dois amigos discutiam. Mas se eu desse um passo em falso, tudo seria arruinado.
— Takao... — O ouvi murmurar.
Não.
Virei o rosto lentamente para ele e vi seu rosto pálido demais e bem amadurecido. Ele é tão bonito. O vento que passava pela janela e adentrava o quarto, o cheiro do perfume de Shintarou, de café que emanava dos lábios dele, levemente.
Fiquei o encarando por segundos até que Midorima abriu um sorriso e então eu não vi mais nada, apenas pude sentir os lábios macios dele contra a minha boca.
Merda.
O ouvi resmungar algo, meu nome e tentar me afastar. Estava sendo rejeitado de novo.
Alguém me pare, eu estou fazendo merda de novo.
Tentei mover meus lábios contra o dele, e me surpreendi quando ele parou de tentar me afastar e apenas tomou a atitude de tentar adentrar com a língua por entre meus lábios, deixei. Ele me parecia hesitante, aquilo é uma traição. Por favor se afaste. Se não for você quem se afastar eu não vou conseguir também. Ele segurou meu rosto com suas mãos grandes e frias e eu coloquei minha mão sobre a dele.
Se afaste.
Só nos afastamos quando a falta de ar se fez presente. Permanecemos ali, com os rosto próximos, ofegantes.
Me afastei e me levantei.
— D-desculpa, isso não era par—
— Eu também não devia... — Shintarou também se levantou.
Nos encaramos corados e suspiramos.
— Merda... Você tem a Diane, o que eu fiz? Me desculpa, mesmo Shintarou. Eu sempre ajo por instinto e me arrependo depois.
— Tudo bem, Takao... Foi só um beijo, não vai acontecer de novo, okay? — Ele me pegou pelos ombros. — Juro... Não foi só sua culpa, foi minha também, eu devia ter te afastado.
E silêncio de novo.
E de repente estávamos nos beijando de novo.
É errado. Trair alguém é algo imperdoável e o que a gente estava fazendo com a Diane era traição e das piores. É péssimo. É horrível, então porque a gente simplesmente não para com isso? Você tem alguém, Midorima Shintarou, alguém que é linda e alguém que tem sido uma ótima pessoa para mim.
Lembre que todo mundo que você conhece
Está com medo de algo,
De amar algo,
E perdeu algo.
— Eu sei que eu não sou a única mais.
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