O centro do dormitório estava movimentado, cheio de vozes animadas e risadas. Os alunos da Classe 1-A se reuniam ali, ainda empolgados com os resultados do exame da licença provisória. Sentados no chão, nos sofás ou encostados pelas paredes, todos pareciam estar falando ao mesmo tempo, como se não quisessem deixar o momento acabar.
— Não acredito que conseguimos! — exclamou Ashido, com os braços levantados. — Tipo… quase todo mundo! Isso é incrível!
— Exceto o Bakugou e o Todoroki — lembrou Sero, com um sorriso meio sem graça. — Mas, sinceramente… aquilo foi tenso. A gente passou por muita coisa.
— Eles vão ter outra chance — disse Yaoyorozu, sempre tentando manter o lado positivo. — E provavelmente vão conseguir na próxima. São fortes demais pra ficarem de fora por muito tempo.
— Ei, mas falando sério — disse Kaminari, se inclinando pra frente — alguém viu a luta do Sasuke contra aquele monstro? O tal do Orga?
— Eu vi! — respondeu Kirishima, os olhos brilhando. — Foi insano. O Orga era como um monstro! A individualidade dele fazia o corpo crescer e ficar mais denso. A galera mal conseguia chegar perto.
— E o Sasuke só... desviava de tudo, como se estivesse lendo os movimentos dele antes mesmo do cara atacar — disse Jirou, cruzando os braços. — Foi assustador de assistir. No bom sentido.
— Ele fez mais do que isso — completou Tsuyu, sentada com as pernas cruzadas. — No fim, ele encarou o Orga sem usar um ataque direto. Ele só... derrubou ele com os próprios movimentos. Parecia uma dança.
— E ainda terminou como o maior pontuador da prova — falou Uraraka, olhando na direção da escada. — Parece até injusto, né?
— Ele salvou vários civis, desarmou vários vilões simulados e ainda ajudou a coordenar a defesa de uma área inteira — disse Midoriya, admirado. — Nunca vi nada assim. O jeito que ele se move… é como se estivesse sempre três passos à frente de todo mundo.
— Hm. Ele é bom — disse Iida, com seriedade. — E agora tem uma licença que prova isso.
Ashido olhou em volta e perguntou:
— Onde ele tá agora, aliás?
— No telhado, acho — respondeu Kaminari. — Ele saiu logo depois que os resultados foram anunciados. Como sempre, né?
— Aposto que nem comemorou — murmurou Jirou, meio sorrindo.
O grupo riu, mas era óbvio: todos ali estavam impressionados com o desempenho de Sasuke. E embora quase todos tivessem passado no teste, aquele nome — Sasuke — era o que ecoava mais forte na memória de todos que estiveram lá.
..
..
O vento soprava forte no alto do dormitório, bagunçando os cabelos escuros de Sasuke enquanto ele permanecia imóvel no centro do telhado. Os olhos fixos na cidade lá embaixo, como se buscassem respostas em meio às luzes trêmulas da noite.
Estava em silêncio, sozinho — como sempre parecia estar — mas por dentro, sua mente não parava.
Nos últimos dias, ele vinha sentindo algo diferente. Sua individualidade estava mais afiada, mais natural. Antes, o teleporte exigia concentração, visão clara, até marcações precisas. Agora, bastava um instinto. Uma lembrança. Um som. Um movimento mínimo.
Fuu—shh.
Em um piscar de olhos, ele desapareceu do lugar onde estava, surgindo na borda do telhado, os olhos ainda voltados para o horizonte. Teleportou novamente. Para o outro lado. Depois atrás da caixa d’água. E outra vez. O espaço parecia pequeno demais para ele agora.
A precisão. A velocidade. A leveza nos movimentos. Ele estava mais próximo do que nunca.
Mais próximo da espada.
Aquela arma lendária, selada, guardada em segredo pela U.A., escondida num compartimento que só seria acessado quando a individualidade dele estivesse completamente sincronizada com seus instintos. A “Espada do Espaço Cortado”, como a chamaram — feita para ele. Feita para se unir ao teleporte, para canalizar sua energia e cortar não só matéria… mas distância.
A existência da espada havia sido revelada a ele recentemente, pelo próprio All Might e Aizawa. Mas com um aviso: “Ela só será sua quando estiver pronto. Quando o poder deixar de ser um fardo e se tornar parte de quem você é.”
E agora, ele sentia isso. Não era mais apenas controle. Era conexão.
Sasuke se levantou lentamente, os olhos semicerrados diante do vento noturno. Um leve arrepio percorreu sua espinha, mas não por frio — era a sensação de que algo estava por vir. Algo grande. E que ele estava cada vez mais próximo de alcançar o que era dele por direito.
— Estou quase lá… — murmurou, a voz arrastada, baixa.
A espada o esperava.
E ele... estava quase pronto para empunhá-la.
Sasuke estava imóvel, absorvendo a calma do telhado. O vento balançava suavemente os fios de seu cabelo enquanto ele observava a cidade iluminada à distância. Sua mente estava focada naquilo que estava por vir — na espada. Só ele sabia o que aquilo significava, o poder que estava prestes a alcançar, e como ele ainda estava se adaptando à sua individualidade.
O som suave de passos interrompeu seus pensamentos. Ele não precisou se virar para saber quem era.
— Sasuke, você precisa parar de ser tão "legal" depois de conquistar algo incrível — disse Kyoka, com uma leve provocação na voz.
Ele virou o rosto, encontrando Kyoka ali, com os braços cruzados e os fones de ouvido em volta do pescoço. A expressão dela era uma mistura de curiosidade e leve incomodação, como se ele tivesse feito algo que ela não conseguisse entender.
— O que você quer dizer com isso? — Sasuke perguntou, ainda com a voz calma, mas um pouco mais suave.
Kyoka deu um passo à frente, seu olhar desafiador, mas com um toque de preocupação.
— Todo mundo lá embaixo está falando sobre sua performance. Você foi o maior pontuador da prova, enfrentou aquele cara, o Orga, como se fosse nada… e você simplesmente some daqui. — Ela fez um gesto amplo com a mão, como se tentasse capturar toda a sua frieza. — A galera espera que você celebre. Mas você sempre age como se não fosse nada.
Sasuke ficou em silêncio por um momento, a expressão séria, os olhos ainda voltados para o horizonte.
— Não tenho muito a comemorar — disse ele, com a mesma calma. — Eu só fiz o que eu devia fazer.
Kyoka suspirou, começando a se aproximar dele, agora mais suave em suas palavras.
— Eu sei… você sempre diz isso. Mas, às vezes, é bom admitir que fez algo impressionante, Sasuke. Não precisa esconder. Não precisa agir como se nada disso tivesse importância.
Ele finalmente olhou para ela, um leve brilho de confusão nos olhos. Kyoka, por outro lado, parecia genuinamente preocupada, como se estivesse tentando entender a razão de ele se afastar sempre que algo grande acontecia.
— Não é sobre ser impressionante — respondeu ele, em voz baixa. — Há coisas que ninguém mais pode entender sobre isso.
Kyoka o observou atentamente. Ela sabia que havia algo mais, algo escondido dentro dele. Algo que ele não compartilhava com os outros.
— Você sabe… — começou ela, hesitando um pouco. — Não tem problema ser mais... humano às vezes. Deixar as coisas ficarem grandes, sabe? Não precisa carregar tudo sozinho.
Sasuke permaneceu em silêncio. No fundo, ele sabia o que ela queria dizer. A espada, a individualidade, o poder — tudo isso estava sendo guardado com ele, não só porque ele era capaz de suportar, mas porque, de alguma forma, ele não queria que ninguém visse o peso que isso carregava.
— Eu... — começou ele, mas a frase ficou presa, como se não conseguisse expressar o que estava realmente sentindo.
Kyoka sorriu levemente, percebendo que ele não tinha muito mais a dizer. Ela deu um passo para o lado, olhando também para a cidade lá embaixo.
— Só… tenta não desaparecer de novo, ok? Você pode ser “legal” depois de algo impressionante, Sasuke. Você merece.
Sasuke ficou em silêncio por um momento, mas dessa vez, algo suave passou por seu olhar. Não era um sorriso, mas era quase como uma aceitação silenciosa.
— Eu vou tentar — disse, finalmente, baixando os olhos.
Kyoka ficou ali, ao lado de Sasuke, o vento tocando seu rosto enquanto ela observava a cidade distante. A conversa havia se acalmado, mas uma sensação de compreensão pairava entre eles. Sasuke, como sempre, estava em silêncio, mas algo nele parecia mais leve — como se ela tivesse tocado algo profundo dentro dele.
Ela deu um passo em direção a ele, sem pensar muito, e segurou sua mão. O gesto foi suave, mas firme o suficiente para que ele soubesse que ela estava ali, de verdade, naquele momento.
Sasuke a olhou, surpreso, mas não retirou a mão. A suavidade no toque era inesperada, e por um momento, ele sentiu uma pequena fraqueza que não costumava sentir. Não sabia como reagir a isso, mas, de algum modo, o gesto não parecia forçado. Parecia... natural.
Kyoka sorriu suavemente, seus olhos brilhando com um toque de sinceridade que raramente mostrava para os outros.
— Você foi extremamente gentil comigo aquela noite, Sasuke — ela disse, a voz baixa, mas cheia de uma ternura que ela não costumava demonstrar. — Eu sei que você não costuma mostrar isso, mas eu senti. Obrigada por isso.
Sasuke ficou em silêncio, o olhar um pouco perdido, mas com algo suavizando sua expressão habitual. Ele não estava acostumado a ser tratado com tanta gentileza, e muito menos a ser reconhecido por ela. Mas naquele momento, algo dentro dele parecia se abrir, como se ele estivesse finalmente sendo visto não só como o “cara frio” que sempre parecia ser, mas como alguém mais humano.
— Não fiz nada de mais — respondeu ele, ainda com a voz séria, mas com uma leve mudança no tom.
Kyoka apertou a mão dele um pouco mais, olhando-o com um sorriso discreto.
— Fez sim. Às vezes, o que mais importa é o que não se diz — ela disse, com um olhar suave. — E você me mostrou mais do que eu esperava.
Por um momento, Sasuke não soube o que dizer, mas o toque de Kyoka ainda estava lá, firme e real. Ele não sabia se aquilo mudaria alguma coisa entre eles, mas a sensação de estar, de algum modo, mais conectado com alguém era nova — e talvez até reconfortante.
Com um suspiro quase imperceptível, ele olhou para ela, os olhos suavizando um pouco.
— Não foi nada — murmurou, mas desta vez, as palavras soaram diferentes. Como se ele realmente quisesse que ela soubesse o quanto, de fato, não tinha sido “nada demais” para ele.
Kyoka, satisfeita com a sinceridade dele, manteve o olhar, ainda segurando sua mão. Sem dizer mais nada, ela se aproximou um pouco mais, mas em silêncio, ambos simplesmente permanecendo ali, juntos, sob o céu estrelado.
O silêncio do telhado foi quebrado por um som distante — um estrondo, seguido por uma série de explosões abafadas. O barulho começou baixo, mas logo se intensificou, misturando-se com o som de socos e chutes ecoando ao longe.
Kyoka franziu a testa, soltando a mão de Sasuke rapidamente. Ela olhou em direção à origem dos ruídos, tentando identificar o que estava acontecendo.
— O que é isso? — ela perguntou, um tom de preocupação na voz.
Sasuke, que até então estava imerso na conversa, ficou em alerta instantaneamente. Seus olhos escanearam a área ao redor, mas foi a direção do campo de treinamento que captou sua atenção. Ele estreitou os olhos e, depois de um momento, reconheceu as vozes e os sons que vinham de lá.
— Izuku… — ele murmurou para si mesmo, antes de olhar para Kyoka. — É o Izuku e o Bakugou.
Ela virou-se para ele, surpresa.
— Eles estão… brigando? — perguntou, já sabendo que, se fosse um treinamento, certamente seria uma luta intensa.
Sasuke deu um leve aceno com a cabeça.
— Não é apenas uma briga. É mais sério que isso. Eles devem estar treinando, mas do jeito deles. Com Bakugou, nunca se sabe — respondeu Sasuke, seu tom quase impassível, mas com uma leve preocupação nos olhos.
Uma nova explosão ecoou, agora mais alta, seguida pelo som de um impacto pesado, como se alguém tivesse sido lançado contra uma parede. Sasuke não perdeu tempo. Ele sentiu a energia pulsando em seus músculos, como se seu instinto quisesse imediatamente intervir. Mas ele se segurou. Não era o momento. Eles precisavam resolver as coisas por conta própria.
Kyoka, no entanto, não parecia tão calma quanto ele. Ela parecia nervosa, observando o som das explosões e o caos que se formava lá embaixo.
— Não vai dar em nada, vai? — ela perguntou, o olhar preocupado. — Eles são doidos, mas não é normal esse nível de destruição.
Sasuke observou a situação por mais alguns segundos, mantendo seu olhar fixo na direção do campo de treinamento. Sabia que ambos eram intensos demais, mas ainda assim havia algo no jeito como se confrontavam que era bem mais… perigoso.
— Vamos lá ver o que está acontecendo — ele disse de forma tranquila, mas com um tom de comando. Mesmo que não fosse uma situação ideal para ele se envolver, ele não podia simplesmente ignorar. Izuku e Bakugou estavam sempre testando seus próprios limites, e isso frequentemente resultava em algo fora de controle. — Fica atrás de mim. Vou garantir que não façam uma destruição ainda maior.
Kyoka hesitou, mas o olhar determinado de Sasuke a fez acenar com a cabeça. Eles sabiam que, se não fossem até lá, o que fosse que estava acontecendo poderia sair completamente do controle.
Antes de se mover, Sasuke deu um último olhar para Kyoka, com uma leve advertência nos olhos.
— Fique em alerta.
..
..
Sasuke se movia com agilidade, guiando Kyoka pelo caminho que levava até a área onde os sons das explosões e dos impactos estavam cada vez mais intensos. Quando chegaram à borda do campo de treinamento, Sasuke parou de repente, seus sentidos aguçados já captando o que estava acontecendo. Ele podia ouvir claramente as palavras que trocavam — ou mais precisamente, os gritos e provocações que estavam ecoando pelo local.
— Você acha que merece esse poder? Não vai ser tão fácil, Deku! — a voz de Bakugou explodiu, carregada de raiva e arrogância, seguida por uma explosão ensurdecedora.
Izuku, por outro lado, parecia lutar com a mesma intensidade, mas a tensão em sua voz era perceptível.
— Você não pode continuar assim, Bakugou! — a voz de Izuku gritou, ofegante, claramente tentando se concentrar enquanto desviava de um ataque explosivo. — Você está indo longe demais!
Sasuke se aproximou um pouco mais, seus olhos analíticos avaliando a situação. A troca de golpes entre os dois estava fora de controle. A energia deles estava ficando mais descontrolada, e, mesmo à distância, Sasuke já podia perceber a destruição que estava se acumulando ao redor.
Kyoka, que estava logo atrás dele, parecia preocupada, observando as chamas e o caos se espalharem pelo campo.
— Sasuke, isso está fora de controle. Eles podem se machucar! — ela disse, quase exigindo que ele fizesse algo, já visivelmente inquieta.
Sasuke estava atento a cada movimento, cada grito, cada explosão que acontecia à frente. Ele sabia que tanto Izuku quanto Bakugou eram mais do que capazes de se defender, mas o nível de destruição que estavam causando começava a ultrapassar o limite do treinamento.
Ele olhou para Kyoka, um olhar decidido e sério em seus olhos.
— Você precisa entrar agora. Não é o momento para nos expormos — disse ele, sua voz calma, mas com um toque de firmeza. — Vai ser melhor assim.
Kyoka hesitou, os olhos trocando entre ele e o campo de treinamento. Ela queria interferir, queria ajudar, mas sabia que Sasuke tinha razão. Eles estavam lidando com duas forças incontroláveis, e sua presença poderia acabar piorando as coisas.
— Eu vou ficar aqui e... — ela começou a dizer, mas Sasuke a interrompeu, seu tom mais firme agora.
— Agora. Não estou pedindo.
Ela olhou para ele por um momento, estudando seu rosto, e então, relutante, acenou com a cabeça. Não havia mais o que discutir. Ela sabia que Sasuke tinha uma maneira de enxergar a situação de forma clara, e, mesmo que fosse difícil aceitar, ele estava certo. Era melhor não se envolver diretamente agora.
Sasuke observou Kyoka se afastar, dando-lhe espaço para se retirar para um lugar mais seguro. Quando ela entrou, Sasuke voltou a focar na cena à frente. Ele ainda estava observando tudo, mas agora mais distante, esperando o momento certo para agir, se necessário.
— Vocês estão fora de controle. – pensou ele, quase com um tom de reprovação silenciosa.
A noite estava pesada, abafada, como se o próprio ar carregasse a tensão entre os dois. As luzes do campo de treinamento iluminavam parcialmente o local, revelando os rostos suados e ofegantes de Izuku e Bakugou, ambos marcados pelo confronto intenso que parecia ter durado uma eternidade. A poeira ainda caía do céu como cinzas após um incêndio, e o silêncio repentino após tantos golpes quase parecia ensurdecedor.
Sasuke estava em um beco lateral, parte de sua presença camuflada pelas sombras. Ele não havia saído — apenas recuado o suficiente para não ser notado, mas próximo o bastante para ouvir tudo. Seus olhos estavam fixos em Bakugou, que, diferente do habitual, havia parado de atacar. Ele tremia, os punhos cerrados, os ombros rígidos.
E então, a explosão verdadeira aconteceu — mas não uma de poder. Uma de emoção.
— É minha culpa. — A voz de Bakugou saiu rouca, baixa no começo, como se ele mesmo hesitasse em admitir. — A culpa é toda minha.
Izuku, ainda ofegante, franziu o cenho, se aproximando lentamente, sem entender.
— Do que você tá falando, Kacchan...?
Bakugou ergueu o rosto, os olhos intensos, tomados por culpa e frustração.
— A aposentadoria do All Might... foi por minha causa! — gritou, com a voz ecoando entre as estruturas do dormitório. — Se ele não tivesse vindo me salvar naquele dia... Se eu não tivesse sido tão fraco... tão inútil... ele ainda teria aquele poder.
Izuku ficou imóvel, os olhos arregalados. Ele sabia que Bakugou carregava algo dentro de si, mas ouvir aquilo... ouvir o fardo que ele carregava silenciosamente... era devastador.
— Você sempre esteve na frente. Você herdou o poder dele. E mesmo assim... mesmo assim... foi ele quem teve que vir por mim. Foi por mim que ele usou tudo o que restava.
A raiva na voz de Bakugou agora se confundia com dor. Ele não estava mais lutando contra Izuku — ele estava lutando contra si mesmo.
— Eu odeio isso. Eu odeio ter ficado pra trás. Odeio saber que o símbolo da paz caiu... por minha causa.
Sasuke, no beco, ouvia tudo em silêncio. Seu olhar estava sério, mas não frio. Havia algo ali... uma compreensão profunda. Ele sabia como era carregar fardos, sentir que o peso do mundo estava sobre seus ombros. Sabia como era manter tudo por dentro — até não aguentar mais.
E ali, naquele momento, ele viu Bakugou não como o explosivo arrogante de sempre, mas como um garoto... quebrado. Ferido. Tentando desesperadamente lidar com a própria culpa.
Sasuke desviou o olhar por um instante, voltando a encarar o céu escuro.
– Cada um carrega sua cruz... e às vezes, ela pesa mais do que aparenta.
Ele não interferiria. Aquilo era algo que Bakugou e Izuku precisavam enfrentar. Mas agora... ele compreendia mais do que nunca o porquê de Bakugou ser como era. E talvez, só talvez, começasse a enxergá-lo de um jeito diferente.
Bakugou estava com os ombros arquejando, as mãos ainda cerradas em punhos. Seus olhos não encaravam mais Izuku, mas o chão, como se tentasse esmagar toda a culpa que queimava em seu peito. O desabafo tinha aberto uma ferida que ele nunca deixava ninguém ver. Mas agora… não dava mais pra guardar.
— E se aquele desgraçado… — sua voz saiu tensa, carregada de um misto de raiva e alívio por finalmente dizer em voz alta o que o corroía.
Izuku franziu o cenho, confuso, prestes a perguntar do que ele estava falando — mas então Bakugou ergueu o braço e apontou com firmeza, o dedo esticado na direção de um ponto escuro entre dois prédios, um beco que se fundia com a sombra da noite.
— …não estivesse lá naquele dia… tudo teria sido pior pro All Might.
Sasuke, ainda oculto pelo manto da escuridão, manteve-se imóvel.
Ele havia se mantido calado o tempo todo, apenas observando, ouvindo, sentindo o peso de cada palavra cuspida por Bakugou. Mas agora, seus olhos se estreitaram. Ele não esperava ser mencionado — muito menos assim.
Bakugou bufou com força, como se tivesse cuspido um pedaço amargo da alma. A raiva que sempre cobria sua dor começava a se dissipar, e por baixo dela, havia um reconhecimento relutante.
— Ele apareceu como se tivesse saído do nada. Ele que segurou o caminho pro All Might avançar. Sem ele, a luta… teria sido o fim.
Izuku não disse nada. Só encarava Bakugou com um novo tipo de surpresa. Não era só culpa. Era orgulho? Gratidão? Vinda de Bakugou, qualquer uma dessas coisas soava… rara.
No beco, Sasuke ainda não se moveu. Mas por dentro, ele sentiu uma faísca de algo estranho. Não era arrogância. Não era satisfação.
O silêncio que pairou após as palavras de Bakugou foi denso, quase palpável. Izuku ainda absorvia tudo, atônito com a intensidade daquele desabafo, quando passos suaves ecoaram pelo concreto.
Do beco escuro, envolto até então pelas sombras, Sasuke surgiu lentamente. A luz dos postes o revelou aos poucos, o semblante calmo e o olhar fixo em Bakugou. Não parecia surpreso por ter sido mencionado. Muito menos intimidado.
Bakugou franziu a testa ao vê-lo.
— Tch… então tava ouvindo mesmo, desgraçado — rosnou, mas sem o mesmo veneno de antes. Havia mais cansaço do que fúria em sua voz agora.
Sasuke parou a poucos passos dos dois. As mãos estavam nos bolsos e o olhar, apesar de firme, carregava algo diferente. Compreensão.
— Eu... — disse, direto. — Só tirei você das mãos daqueles vilões… e dei ao All Might o tempo que ele precisava pra lutar sem distrações.
Bakugou desviou os olhos, os dentes cerrados. Izuku observava tudo sem saber se devia intervir ou apenas ouvir.
— Eu não fiz nada de grandioso — continuou Sasuke, a voz baixa, mas clara. — Mas se isso ajudou o All Might… então foi o suficiente.
Bakugou abaixou a cabeça, os ombros ainda tensos. O orgulho dele queria retrucar, mas a verdade era difícil de ignorar.
— Eu não sou o herói daquele dia — Sasuke completou, encarando Bakugou. — Mas você também não é o culpado.
Bakugou ergueu os olhos de súbito, surpreso.
— A escolha de All Might foi dele. Ele sabia o risco. E ele teria feito de novo, por qualquer um de nós. Especialmente por alguém como você.
O silêncio voltou por um momento, mas dessa vez, não era sufocante. Era o tipo de silêncio que vinha quando algo pesado começava a ser deixado pra trás.
Izuku, com um leve sorriso, murmurou:
— Sasuke… você fala pouco, mas quando fala…
Sasuke apenas lançou um olhar de lado, discreto.
— …é porque vale a pena dizer — completou, dando as costas e começando a se afastar. — Voltem pros dormitórios. Isso já passou da hora.
Bakugou ficou parado por mais alguns segundos, digerindo tudo. Então respirou fundo, pela primeira vez em muito tempo com um pouco menos de peso no peito.
— Tch… você continua sendo um pé no saco, Uchiha… — murmurou, mas sem força, e finalmente relaxou os punhos.
Bakugou observava Sasuke se afastar por alguns segundos, até finalmente dar um passo à frente, ainda tentando juntar as peças de tudo aquilo. Seu olhar estava carregado de dúvidas, e uma delas precisava ser respondida — ali, agora.
— Ei, Uchiha... — chamou em tom firme. Sasuke parou, sem virar o rosto, apenas esperando.
Bakugou se aproximou com o cenho franzido, os braços cruzados.
— Como você sabia? — perguntou. — Sobre a individualidade do Deku... sobre o One for All. Você sempre olhou pra ele como se já soubesse o que ele carrega.
Sasuke, então, se virou, e seus olhos estavam mais sérios do que o habitual. Ele hesitou por um instante… e depois falou com firmeza, como quem carregava uma verdade antiga demais para continuar enterrada.
— Porque o One for All... tem uma ligação com a minha família.
Katsuki deu um passo pra frente, confuso.
— Como assim...?
— Meu avô, — disse Sasuke, a voz agora baixa, mas firme. — Era um dos aliados mais próximos de Nana Shimura. Eles se conheciam desde jovens… lutaram lado a lado por um tempo. Ele nunca herdou o One for All, mas sabia sobre ele. Sabia da importância de mantê-lo escondido… vivo.
Bakugou permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra.
— E meu irmão… — Sasuke continuou, com um leve aperto na voz, apesar do controle. — Ele foi escolhido. Nana confiou nele. Mas ele morreu antes de poder usar o poder completamente. Um ataque. Uma armadilha. Ninguém nunca soube que ele havia herdado... exceto minha família. E All Might, é claro.
Izuku sentia o coração acelerar. Aquilo era mais do que ele esperava ouvir. Era pessoal. Profundo.
— Quando vi você, Izuku... — disse Sasuke, encarando o verde agora. — Soube imediatamente. Não pelo poder… mas pelo olhar. O mesmo olhar que meu irmão tinha quando decidiu carregar aquilo… mesmo sem estar pronto.
O silêncio caiu como uma cortina pesada.
Sasuke respirou fundo, desviando os olhos para o céu.
— Não é só uma individualidade. É um legado. E ele cobra caro de quem o carrega. Você entendeu isso rápido demais…
Izuku sentiu um nó na garganta. Havia tanta dor por trás daquelas palavras, mas também… respeito.
Bakugou, mesmo em silêncio, parecia entender mais agora. Talvez não aceitasse tudo… mas entender já era um passo.
Sasuke voltou a andar, encerrando a conversa com a mesma calma fria de sempre.
— Eu não preciso saber dos detalhes. Só preciso garantir que ele não seja perdido de novo.
A brisa soprava leve entre os prédios enquanto Sasuke já se afastava, mas a voz de Midoriya o alcançou, hesitante, quase sussurrada:
— Sasuke... se seu irmão quase herdou o One for All… por que você não herdou depois dele?
Sasuke parou mais uma vez. Não virou imediatamente. Ficou alguns segundos parado, encarando o vazio, como se revivesse uma memória que guardava no fundo da mente.
Então se virou parcialmente, os olhos semicerrados, e respondeu com calma:
— Porque eu recusei.
Izuku arregalou os olhos.
— Recusou...? Mas… por quê?
Sasuke respirou fundo, e pela primeira vez, seu olhar parecia mais leve. Não triste. Apenas certo.
— Aquilo não era pra mim, — disse. — O One for All exige mais do que só força ou vontade. Ele exige sacrifício. E eu... sempre soube que queria me tornar um herói pelos meus próprios méritos. Com a minha própria individualidade.
Izuku ouviu em silêncio, absorvendo cada palavra como um golpe suave no peito.
Sasuke então olhou diretamente pra ele, e sua expressão se suavizou com sinceridade.
— E sabe de uma coisa? Ainda bem que recusei.
Izuku piscou, confuso.
— Se eu tivesse aceitado, talvez nunca tivesse conhecido você. E, de verdade… — ele deu um leve sorriso de canto — conhecer um amigo tão bom quanto você vale mais do que qualquer poder.
O coração de Midoriya quase pulou no peito. Ele não conseguia evitar o sorriso bobo que se formava em seu rosto. Saber que Sasuke o considerava um amigo… e ainda por cima com tanto peso na voz…
— Sasuke...
Sasuke já voltava a caminhar.
— Vamos. A noite tá só começando. E você ainda me deve uma revanche no treino.
Midoriya correu pra alcançá-lo, sentindo o peito leve.
Afinal… não era todo dia que se ganhava a amizade de alguém como Sasuke.
Bakugou ainda estava parado no mesmo lugar, os olhos voltados para o chão, os pensamentos girando como um furacão silencioso. O silêncio entre os três começava a se arrastar por tempo demais… até que Sasuke, que já havia dado alguns passos, parou e virou o rosto por sobre o ombro.
— Vai ficar aí parado, Katsuki?
A voz foi firme, direta — como sempre. Mas o que realmente pegou Bakugou de surpresa foi o nome. Pela primeira vez, Sasuke havia o chamado assim. Sem apelido, sem provocação, sem desprezo.
Só o nome. Simples. Humano.
Bakugou levantou os olhos devagar, encarando Sasuke com um leve franzir de testa, mais surpreso do que irritado. Por um segundo, não respondeu. O uso do seu nome verdadeiro carregava algo que ele não estava acostumado a receber: respeito.
— Hmph... — bufou, tentando disfarçar o impacto. — Tch… só tô pensando.
Sasuke apenas assentiu uma vez, como quem dizia: "tudo bem".
— Mas não pensa demais, — completou, já se virando. — Você não é só isso que carrega.
Bakugou ficou em silêncio, os olhos acompanhando Sasuke se afastar junto de Midoriya.
Ele não respondeu, mas ali, naquele instante, algo dentro dele mudou. Talvez pouco. Talvez muito.
Mas mudou.
..
..
A luz suave do corredor iluminava a entrada principal do dormitório, e ali, de pé, como uma estátua silenciosa, All Might aguardava.
Suas roupas civis estavam um pouco amarrotadas, como se ele tivesse saído às pressas, e seus olhos — apesar do cansaço evidente — permaneciam atentos. Ele sabia onde os garotos estavam. Sabia que aquela conversa precisava acontecer.
E agora eles estavam voltando.
Sasuke e Midoriya foram os primeiros a aparecer, lado a lado, silenciosos. All Might apenas os observou, assentindo para os dois em agradecimento — como um pai que confia que seus filhos voltaram bem.
Mas então, a passos lentos, Bakugou surgiu logo atrás.
Os olhos de All Might se voltaram diretamente para ele, e por um instante, o silêncio entre os dois parecia mais pesado do que tudo o que havia sido dito naquela noite.
Bakugou parou alguns metros antes da porta. Os olhos, antes sempre carregados de desafio, agora pareciam perdidos. E All Might, sem dizer nada, se aproximou.
Foi rápido.
O antigo símbolo da paz o puxou para um abraço firme. Sem hesitar. Sem pedir permissão.
Bakugou travou por um segundo. Os olhos arregalados. Mas não resistiu. Não naquela noite.
— Me desculpe… por não ter conseguido proteger você sem que isso custasse meu último combate… — murmurou All Might, a voz rouca, baixa, carregada de sinceridade.
Bakugou sentiu o peito apertar. Ele cerrou os olhos com força, o maxilar trincado.
— A culpa não foi sua, — All Might continuou. — Você foi uma vítima. E ainda assim, se manteve firme. Como um verdadeiro herói faria. Eu escolhi lutar… porque proteger vocês sempre foi meu dever. Não se culpe por isso, Katsuki.
Era a primeira vez que All Might o chamava pelo nome também. E isso atingiu Bakugou mais fundo do que qualquer grito, soco ou sermão já havia feito.
Ele não disse nada. Não precisava.
Apenas respirou fundo, e pela primeira vez em muito tempo… deixou que alguém segurasse o peso junto com ele.
Sasuke observava de longe, parado ao lado de Izuku. Nenhum dos dois interrompeu. Aquilo era entre mestre e aluno. Entre herói e sucessor de um ideal.
E, talvez… entre pai e filho.
All Might afastou-se de Bakugou aos poucos, ainda com uma das mãos em seu ombro, firme, como um apoio silencioso. Então ergueu o olhar para Sasuke e Midoriya, que observavam a cena com respeito.
— E vocês dois... — disse, com a voz mais firme agora. — Foram incríveis.
Ele deu alguns passos, parando diante de Sasuke. Seu olhar era sério, mas havia algo ali — admiração, talvez até orgulho.
— Sasuke, você não apenas ajudou a proteger o Bakugou, como também manteve a cabeça fria num momento em que até eu, com toda a minha experiência, estava sendo pressionado. Se não fosse por você ter retirado ele dali a tempo... as coisas poderiam ter sido ainda piores.
Sasuke assentiu uma única vez, sério, mas havia um brilho contido nos olhos. Reconhecimento daquele que um dia foi o maior herói. Era o suficiente.
All Might então olhou para Midoriya.
— E você, jovem Midoriya… fez exatamente o que esperava de alguém que carrega esse poder. Não é só sobre força. É sobre coração. Sobre nunca desistir, mesmo quando tudo parece te esmagar.
Midoriya ruborizou, desviando os olhos.
Mas então, a postura de All Might mudou um pouco. Mais tensa. Mais séria.
Ele olhou para os três — Sasuke, Midoriya e Bakugou.
— O que foi dito lá fora… sobre o One for All, sobre o passado de Sasuk… tudo isso deve permanecer entre nós. Só entre nós.
O silêncio caiu novamente, agora pesado, mas não desconfortável. Apenas carregado de responsabilidade.
— Esse segredo é maior do que nós. E se for mal interpretado… pode colocar em risco tudo pelo que lutamos.
Sasuke foi o primeiro a responder, com um simples:
— Entendido.
Midoriya apertou os punhos e assentiu com firmeza.
Bakugou, ainda com o olhar carregado, bufou baixinho, mas respondeu:
— Tch. Não sou idiota. Ninguém vai saber por mim.
All Might fechou os olhos e suspirou com um alívio discreto, mas sincero.
— Obrigado… a todos vocês. Continuem seguindo em frente. E lembrem-se... a chama do símbolo da paz pode ter mudado de forma, mas ela ainda vive.
Ele virou-se, começando a caminhar lentamente de volta para dentro, deixando os três com a noite calma ao redor — e um peso novo sobre os ombros. Um segredo compartilhado, selado pela confiança e por algo ainda maior: o dever.
..
..
A sala de estar do dormitório estava envolta por um silêncio tenso — o tipo de silêncio que antecede um terremoto. Todos os alunos presentes pareciam congelados no tempo, com os olhos vidrados na cena no centro da sala.
Sasuke, Midoriya e Bakugou estavam lado a lado, em pé, de frente para um Aizawa absolutamente furioso.
O professor não gritava. Não precisava. O olhar dele, mais sombrio do que nunca, e o tom de voz gelado, eram suficientes para que até Kaminari engolisse seco do sofá, sem soltar um único comentário.
— Vocês três… — Aizawa começou, os olhos vermelhos brilhando, sinal claro de que suas individualidades haviam sido anuladas. — Saem no meio da noite, causam uma destruição considerável numa área pública, não avisam ninguém… e ainda por cima se envolvem numa luta daquele nível?
Ele andava de um lado para o outro, como um leão em jaula.
— Midoriya, eu esperava mais discernimento de você. Bakugou, sua cabeça quente não é novidade, mas achei que tivesse aprendido algo nos últimos meses. E Uchiha... — parou bem em frente ao Uchiha, cruzando os braços — ...você podia muito bem ter impedido tudo antes de sequer começar.
Sasuke manteve o olhar firme, sem tentar se justificar. Midoriya olhava pro chão, encolhido de culpa. Bakugou… bem, Bakugou bufava, mas não dizia uma palavra.
— Pior de tudo, — continuou Aizawa, voltando a andar — é que o All Might encobriu tudo. E eu entendo os motivos dele. Mas isso não significa que não haverá consequências.
Ele apontou para os três.
— Vocês vão ficar sem treinamento prático por uma semana. Sem combate. Sem uso de individualidade. Sem exceção.
— Mas, sensei— Midoriya tentou, aflito, mas Aizawa ergueu a mão.
— Sem “mas”. Vocês tiveram sorte que ninguém saiu ferido gravemente. Mas não contem com sorte sempre. Se não aprenderem agora, podem perder tudo lá fora.
Um novo silêncio caiu. Os outros alunos só observavam, como se não ousassem sequer respirar alto.
Aizawa suspirou, passando a mão no rosto.
— Agora, subam pros quartos. Amanhã vai ser um longo dia.
Os três assentiram em silêncio e começaram a subir. Antes de desaparecerem na escada, Aizawa falou novamente, mais baixo, mas audível:
— Estou decepcionado… mas ainda acredito em vocês.
Sasuke parou por um segundo, antes de continuar subindo.
Mesmo com tudo aquilo, saber que Aizawa ainda confiava neles… pesava mais do que qualquer castigo.
Próximo capítulo: Big Three
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