O céu ainda estava acinzentado quando Sasuke saiu do dormitório da U.A., a mochila jogada nas costas e os olhos tranquilos, porém firmes. Mirko havia mandado tantas mensagens que ignorá-la mais uma vez parecia pedir para tomar um chute — literalmente.
Ele seguiu direto para a estação e, em poucas horas, estava de pé diante do prédio da agência da heroína. Assim que entrou, não teve nem tempo de respirar.
— FINALMENTE! — Mirko surgiu no corredor com o mesmo entusiasmo de sempre, saltando até ele. — Achei que fosse me deixar no vácuo pra sempre, Uchiha.
Sasuke suspirou, jogando a mochila no chão. — Eu disse que viria, não disse?
— Disse, mas você tem cara de quem fala pouco e age menos ainda. — Ela sorriu, orgulhosa. — Mas olha só… você veio. Gostei. Tava na hora de alguém com sangue nos olhos chegar aqui. Vai ser divertido.
Ela deu um tapa forte nas costas dele, quase o fazendo perder o equilíbrio.
— Que bom que tá animada… — ele respondeu, ajeitando o casaco.
— Animada e pronta pra ação. E falando nisso — o tom dela ficou mais sério — temos uma missão hoje.
Sasuke virou o rosto em sua direção, atento.
— Um vilão novo… ainda não sabemos muito sobre ele. Só que deixou um rastro de sangue e um símbolo estranho em dois incidentes recentes. — Mirko pegou o tablet e mostrou para Sasuke a imagem do local: o mesmo círculo ritualístico com velas e marcas de sangue.
Sasuke congelou por um segundo. Aquele símbolo…
— Parece que esse maluco acha que pode fazer um culto no meio da cidade — Mirko disse, cruzando os braços. — E adivinha? Nós vamos ser os primeiros a caçar esse desgraçado.
Sasuke olhou de novo para a imagem.
Algo queimava dentro dele.
Algo que dizia que aquilo era só o começo.
— Quando partimos? — ele perguntou.
Mirko sorriu com os olhos brilhando de empolgação.
— Agora mesmo. Se prepara, Uchiha. Isso vai ser uma caçada como nenhuma outra.
Enquanto caminhavam pelos corredores da agência, Mirko notou a expressão de Sasuke ainda tensa. Ele encarava o chão, os olhos escurecidos em pensamento, como se tivesse sido arrastado de volta a algum momento que preferia esquecer.
— Ei… — ela chamou, parando de andar e segurando o braço dele. — Que cara foi essa quando viu o símbolo? Cê ficou pálido por uns segundos.
Sasuke soltou um suspiro, desviando o olhar por um instante.
— Eu já vi esse cara antes — respondeu. — Faz alguns meses. Na praia.
Mirko arqueou uma sobrancelha.
— Na praia?
Sasuke assentiu devagar, cruzando os braços.
— Era fim de tarde. Eu estava sozinho quando senti uma presença estranha. Ele estava parado na beira da água… com aquele olhar vazio e um sorriso que não combinava com o silêncio ao redor. Tinha sangue seco na foice dele, mas não parecia ferido. Falou umas coisas sobre “sacrifício” e “o ciclo eterno da dor”. Eu achei que era só um lunático, então o afastei… mas ele desapareceu antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.
Mirko apertou os lábios, o olhar mais atento agora.
— E você não contou isso pra ninguém?
— Contei pro meu professor… Vendo esse símbolo de novo… não é coincidência. Ele tava se preparando pra algo desde aquele dia.
— Tsc… — Mirko estalou a língua. — Então esse tal culto é mais pessoal do que parece, hein?
Sasuke assentiu novamente, o olhar firme voltando a encarar o símbolo no tablet.
— Ele tá esperando que alguém o encontre. E eu vou encontrá-lo.
Mirko sorriu, não por empatia, mas pela expectativa crescente.
— Que bom. Porque agora eu quero muito saber o que esse doido tá planejando. Vamos dar um jeito de acabar com ele antes que esse “ciclo eterno” comece.
Sasuke apenas respondeu com um aceno curto, já se preparando mentalmente para o reencontro. Desta vez, ele não deixaria o tal vilão escapar.
..
..
O céu nublado parecia mais escuro naquela tarde, como se o próprio mundo reconhecesse o que estava prestes a acontecer. Kureha — o nome que ele agora assumia como identidade — caminhava descalço pelo chão rochoso de uma caverna escondida no litoral. Seus pés sujos de sangue seco não demonstravam desconforto algum. Ao contrário, ele parecia em êxtase.
No centro da câmara, desenhado com precisão quase religiosa, estava um grande símbolo feito de ossos e cinzas. Ao redor dele, pequenas velas tremulavam, mesmo sem vento.
Ele se ajoelhou diante do altar improvisado, passando o dedo pelo sangue fresco de um dos últimos “voluntários”. Seus olhos estavam serenos, completamente desconectados da loucura que o cercava.
— Eles acham que são heróis — sussurrou com um sorriso macabro. — Mas estão apenas adiando o inevitável. Não compreendem o valor da dor. A verdade escondida no sofrimento.
A mão de Kureha tocou um amuleto antigo pendurado em seu pescoço — um dente humano envolto em prata. Ele o apertou com força, e então olhou para o teto da caverna, como se se dirigisse a algo muito acima dele.
— Nana Shimura... e agora esse novo garoto. Tantos nomes se arrastando por gerações. Mas nenhum deles entende.
Ele se levantou lentamente, o rosto banhado pela luz tremeluzente das velas.
— Meu ideal é simples... — falou para si mesmo. — Purificar o mundo. Um sacrifício coletivo. Heróis, civis, vilões... todos iguais diante do fim. Todos devem sentir. Para que, no fim, só os que realmente compreenderem a dor se tornem dignos.
Kureha caminhou até uma parede esculpida com símbolos antigos. Seu dedo percorreu lentamente a imagem de uma espada cravada em um pedestal.
— A lâmina do Julgamento... Quando ela despertar, quando for empunhada por aquele que carrega o sangue certo... o ciclo começará. E eu estarei lá, para ver tudo ruir.
Seu sorriso se alargou. Um sorriso de alguém que já havia abandonado qualquer traço de sanidade comum.
— Venha, Uchiha Sasuke. Agora... terá que me enfrentar quando for tarde demais.
A fumaça subia pesada da entrada da caverna, trazendo o cheiro de sangue seco, pólvora e algo podre — um odor de morte que pairava no ar como névoa. Shigaraki caminhava com as mãos nos bolsos, o capuz jogado para trás, os olhos semicerrados. Seu casaco balançava com o vento que vinha do mar próximo, e seus passos ressoavam abafados entre as pedras encharcadas de vermelho.
Ao adentrar o santuário sombrio, ele viu corpos espalhados pelo chão — não destruídos por ira cega, mas organizados com uma precisão ritualística quase artística. Ossos dispostos em formas geométricas. Sangue desenhando marcas no solo.
Shigaraki franziu o cenho.
— Tsc... que merda é essa?
No centro da câmara, Kureha se encontrava de pé, de costas, observando a chama azulada de uma vela que parecia resistir a qualquer lógica. Ele não se virou. Apenas falou, como se já soubesse quem havia chegado.
— Tomura Shigaraki. O herdeiro do rancor. Da destruição. O garoto tocado por All For One... e ainda assim, vazio por dentro.
Shigaraki se aproximou lentamente, os dedos tremendo de leve, como sempre. Uma mistura de raiva e curiosidade passava por seu olhar.
— Você está fazendo barulho demais. Não pedi pra mais ninguém chamar atenção além de mim — disse Shigaraki, irritado. — Quem diabos você pensa que é?
Kureha se virou, com aquele sorriso sereno e ao mesmo tempo desumanamente intenso.
— Eu sou o fim que vem depois do fim. Enquanto você quer destruir, eu quero transcender. Você quer apagar, eu quero transformar. Somos peças diferentes no mesmo tabuleiro... por enquanto.
Shigaraki respirou fundo, segurando o impulso de fazer aquele corpo virar poeira.
— Você não está comigo, não está sob o controle da Liga. Então o que está fazendo?
Kureha deu um passo à frente.
— Eu sigo a dor. A dor revela os nomes verdadeiros. E um deles... é Sasuke.
Os olhos de Shigaraki brilharam com o nome.
— Você quer ele? — Shigaraki perguntou. — Ele não é dos nossos.
— Não... mas ele será. De um jeito... ou de outro — murmurou Kureha, a voz quase em transe. — A espada vai chamá-lo. E quando isso acontecer, quero estar lá para vê-lo sangrar como todos os outros.
Shigaraki virou de costas, começando a se afastar.
— Faça o que quiser, mas não atrapalhe os meus planos. Ou eu juro... você vai desejar nunca ter saído daquela caverna.
Kureha apenas sorriu em resposta, os olhos voltando para o altar de ossos.
— A dor é inevitável, Tomura... até pra você.
..
..
O carro cortava a estrada sob o céu acinzentado, e a cidade se aproximava aos poucos no horizonte, envolta por prédios altos e fumaça das indústrias. Mirko estava ao volante, com o cotovelo apoiado na janela aberta, o vento bagunçando um pouco seus cabelos brancos. Ela parecia inquieta, ansiosa pela ação que os esperava. Sasuke, no banco do passageiro, mantinha o olhar fixo na estrada à frente, mas sua mente estava em outro lugar — ou melhor, em outra época.
— Ei, tá muito calado aí, Uchiha — disse Mirko, com um tom provocativo. — Não me diga que tá com medo do vilão que vamos caçar?
Sasuke deu um meio sorriso, sem realmente parecer se divertir.
— Não é isso — respondeu. — Estive pensando... tem algo que você precisa saber. Algo que talvez se conecte com esse vilão. Algo antigo.
Mirko arqueou uma sobrancelha, mais curiosa do que preocupada.
— Vai soltar um segredo agora, é? Manda.
Sasuke se ajustou no banco, finalmente tirando os olhos da estrada para encará-la.
— Existe uma espada. Uma arma antiga, guardada há anos sob sigilo. Dizem que foi empunhada por Nana Shimura nos últimos anos de sua vida. Gran Torino me contou sobre ela antes de morrer.
Mirko não respondeu de imediato. Apenas apertou um pouco mais o volante.
— E o que tem essa espada?
— Ela não é comum. Segundo Gran Torino, não era só uma lâmina... era um catalisador. Algo que reagia à vontade do usuário, potencializando sua individualidade. Mas, ao mesmo tempo... ele disse que ela só responde a um herdeiro específico. Alguém que tenha o sangue certo. Alguém que ela “escolhe”.
Mirko piscou devagar, absorvendo a informação.
— E deixa eu adivinhar... você é esse alguém?
Sasuke não respondeu de imediato. Apenas voltou a encarar a estrada.
— Quando ele me contou, disse que meu avô, na juventude, lutou ao lado de Nana. Eles eram próximos. Meu irmão... ele quase herdou o One for All. Mas recusou. Assim como eu recusei. Ainda assim... parece que a espada ainda me chama.
Mirko soltou um assobio leve.
— Caramba... e você decidiu me contar isso agora?
— Porque o vilão que vamos enfrentar... eu já vi ele antes. Na praia, meses atrás. E a sensação que tive quando o olhei... foi a mesma que tive ao encostar na câmara onde a espada está guardada. Algo nele está ligado a tudo isso. E se essa espada tiver mesmo o poder que dizem... talvez eu vá precisar dela.
Mirko bufou, mas não em zombaria — era um jeito dela conter o nervosismo.
— Você tá se metendo num ninho de cobras, Uchiha. Mas quer saber? Isso tá começando a ficar interessante. E se esse maluco tiver relação com o passado da Nana... então a gente vai dar um fim nisso. Juntos.
Sasuke apenas assentiu, a expressão fechada, decidida.
O tempo da espada estava se aproximando. E ele sentia que não haveria volta depois disso.
..
..
O carro parou na entrada da cidade.
A chuva fina que caía dava um ar ainda mais abandonado ao local. As ruas estavam praticamente vazias, com apenas alguns postes piscando de tempos em tempos. Algumas lojas estavam fechadas definitivamente, com janelas cobertas por tábuas e placas desbotadas. Era o tipo de cidade que parecia esquecida pelo mundo.
Sasuke desceu do carro e respirou fundo, sentindo o cheiro de terra molhada misturado com ferrugem. Seus olhos percorreram o cenário por alguns segundos, até que ele não pôde deixar de soltar um pequeno sorriso irônico.
— Hm.
Mirko, que ainda ajeitava seus equipamentos do lado de fora do carro, o olhou de canto.
— Tá sorrindo? Isso é novo. O que foi?
Sasuke cruzou os braços, mantendo aquele meio sorriso nos lábios enquanto encarava o horizonte silencioso da cidade.
— A espada. A câmara onde ela está escondida... fica exatamente aqui. Literalmente nessa cidade.
Mirko arregalou ligeiramente os olhos, surpresa.
— O quê? Tá de brincadeira, né?
— Não mesmo — ele respondeu. — É até irônico. A lâmina mais poderosa que já vi... escondida num lugar que ninguém em sã consciência olharia. Uma cidade esquecida, onde mal restam habitantes. Onde ninguém desconfiaria de nada.
Mirko riu, descrente.
— Isso é coisa de velho paranoico. Mas inteligente. Vai ver que a Shimura sabia o que estava fazendo.
Sasuke assentiu, agora com o olhar sério de novo.
— Ela sabia. E se esse vilão estiver mesmo relacionado a isso... ele também deve saber onde procurar.
Mirko girou o pescoço, estalando-o com um leve som seco.
— Então é bom a gente chegar primeiro. Bora, Uchiha. Essa cidade tá com cheiro de problema — ela falou, enquanto começava a andar pela calçada molhada.
Sasuke a seguiu, com o capuz cobrindo parte do rosto.
A cidade podia estar quieta, mas algo ali estava prestes a despertar.
Sasuke e Mirko caminhavam pela calçada molhada, os passos ecoando levemente na rua silenciosa. O vento frio cortava entre os prédios antigos e os olhos de Sasuke vasculhavam cada canto como se conhecessem aquele lugar há anos.
— Esse lugar tá morto demais... — murmurou Mirko, olhando em volta com as orelhas agitadas. — Nem um cachorro passando.
Sasuke parou de repente, analisando a bifurcação da rua à frente. Um caminho levava ao centro da cidade, com prédios baixos e uma antiga igreja. O outro, mais estreito, ia em direção a uma área industrial abandonada, com galpões e velhos depósitos.
— Vamos nos separar — disse ele de forma firme.
Mirko virou o rosto para ele, desconfiada.
— Separar? Cê acha que é uma boa ideia?
— Sim — respondeu, cruzando os braços. — A espada está escondida em um ponto específico, mas existem várias rotas subterrâneas por essa cidade. E se Kureha estiver aqui... ele pode estar se movimentando entre elas. Dois alvos cobrem mais terreno do que um.
Mirko o encarou por um instante, avaliando. Ela não era muito fã de dividir território, mas confiava no julgamento de Sasuke — ainda mais com aquela expressão séria e concentrada que ele carregava.
— Tá bom. Mas se a gente se separar, você me avisa por qualquer coisa, entendeu?
Sasuke assentiu.
— Você cobre a parte leste. Os galpões. Eu vou pro centro antigo. Se essa cidade tem alguma ligação com a espada... vai estar por lá.
Mirko puxou seu comunicador e colocou no ouvido.
— Certo. Não morre, Uchiha.
Ele deu um leve sorriso de canto.
— Só se for de tédio.
E assim, cada um tomou um caminho diferente pela cidade enevoada, com os sentidos atentos.
A noite parecia esconder mais do que segredos antigos.
E ambos sabiam que algo — ou alguém — estava os observando.
..
..
Sasuke caminhava em silêncio pelo beco estreito, os passos precisos ecoando de leve contra o chão úmido de concreto. As luzes da cidade mal alcançavam ali, tornando o lugar mergulhado em sombras e silêncios. Ainda assim, ele se mantinha atento, os olhos escaneando cada detalhe — uma respiração contida, um movimento sutil, um cheiro estranho no ar.
De repente, ele parou.
Ficou em silêncio por dois segundos, então ergueu a voz com calma, porém firme:
— Pode parar de se esconder.
Um leve riso ecoou das sombras, suave, quase cantado. E então, das trevas entre os caixotes e latões de lixo, surgiu uma figura com um enorme sorriso estampado no rosto.
— Uau, você é bom mesmo, Sasuke-kun! — disse Himiko Toga, saindo da escuridão com passos leves, quase dançantes. Seus olhos brilhavam com excitação e loucura. — Eu tava curiosa pra saber o que você ia fazer se percebesse que eu tava te seguindo...
Sasuke não mudou a expressão. Apenas observava.
— E agora? Vai tentar me atacar? — ele perguntou, a voz sem pressa.
— Hmm... eu não sei ainda — respondeu Toga, inclinando levemente a cabeça, o sorriso ainda cravado no rosto. — Talvez eu só queira conversar. Talvez eu queira um pouquinho do seu sangue... Você parece tão forte. Tão... interessante...
Ela mordeu levemente o dedo, encarando-o com intensidade.
Sasuke manteve os olhos fixos nela, analisando cada movimento.
— Não estou com paciência pra jogos — disse, a aura ao redor dele ficando mais pesada. — Fala logo por que tá aqui... ou vaza.
Toga deu uma risadinha, girando nos próprios calcanhares.
— Que impaciente... Mas tudo bem! Eu só vim ver o que o Uchiha perfeitinho tava fazendo nessa cidade fantasma. Tem alguma coisa escondida por aqui, né? Algo importante...
Ela se aproximou, como uma criança curiosa prestes a tocar um brinquedo novo.
— Talvez eu devesse descobrir o que é... Antes de você.
Sasuke deu um passo à frente, o olhar se tornando cortante como uma lâmina.
— Tenta.
Toga parou. Por um momento, os dois ficaram em silêncio, apenas se encarando. A tensão crescia no ar como uma faísca prestes a acender uma explosão.
— Você me dá arrepios, Sasuke-kun... — sussurrou ela, antes de dar um passo para trás, sorrindo ainda mais. — Nos vemos em breve. E da próxima vez... talvez eu esteja de mãos sujas.
E com um salto ágil, Toga desapareceu pelas sombras novamente, deixando apenas o eco de sua risada no ar.
Sasuke ficou parado por mais alguns segundos, os olhos ainda presos na escuridão.
— Isso vai complicar tudo... — murmurou ele, antes de seguir em frente.
Sasuke avançava pelas ruelas silenciosas da cidade, cada passo seu ecoando entre as construções abandonadas. O lugar era tomado por um ar de esquecimento — portas emperradas, janelas quebradas, vegetação crescendo entre as rachaduras do concreto. Era como se o tempo tivesse parado ali, e apenas o vento ainda lembrasse que havia movimento no mundo.
Foi então que ele parou.
O cheiro metálico, denso e conhecido, invadiu suas narinas.
Seu olhar se estreitou.
Mais adiante, na entrada de um antigo prédio comercial, ele avistou.
Sangue.
Manchas escuras e ainda frescas tingiam o chão rachado, escorrendo em direção às calçadas. Havia corpos — quatro, talvez cinco. Civis, aparentemente. Todos dispostos de maneira quase ritualística. Os olhos ainda abertos, os membros tortos, e no peito de cada um... um símbolo estranho riscado com o próprio sangue. Um círculo com linhas tortuosas, feito com precisão e intenção.
O mesmo sinal.
O mesmo que ele havia visto meses atrás, na praia.
Sasuke se aproximou devagar, abaixando-se ao lado de um dos corpos. Tocou o chão ao lado da marca com os dedos, examinando a textura do sangue seco e o padrão deixado ali.
— Ele esteve aqui — murmurou, se levantando lentamente.
Sentia novamente aquela presença... sombria, insana. Como se o próprio ambiente fosse contaminado pelo ideal distorcido do autor daquilo.
– Kureha…
A mente de Sasuke começou a montar as peças. As vítimas, o símbolo, a localização remota. Não era um ataque aleatório — havia um padrão. Um propósito por trás de tudo isso.
Ele olhou ao redor. As construções velhas, a cidade morta, o silêncio absoluto...
Era como se aquele vilão estivesse preparando um altar. Uma oferenda.
Ou talvez… um chamado.
Sasuke respirou fundo, os punhos cerrados, e continuou seu caminho, os olhos cada vez mais atentos. A espada de Nana Shimura estava ali, em algum lugar — e agora ele sabia que não era o único a procurá-la.
..
..
Kureha, antes de se tornar o temido vilão que deixou rastros de sangue e caos pelas cidades esquecidas, foi um nome que permaneceu à margem dos registros oficiais da U.A. e da Comissão de Heróis. No entanto, seu passado se entrelaça diretamente com o de Nana Shimura, a lendária heroína que um dia carregou o fardo do One for All.
Kureha era um aspirante a herói, nos tempos em que Nana Shimura ainda atuava. Ele não chegou a estudar oficialmente na U.A., mas fazia parte de um grupo paralelo de treinamentos mantido em sigilo por heróis independentes que atuavam em áreas de maior risco. Foi lá que ele conheceu Nana, quando ela apareceu para reforçar as defesas da região e ficou um tempo para treinar aqueles jovens — entre eles, Kureha.
Nana via um potencial bruto em Kureha. Ele era sério, focado e tinha uma individualidade rara: “Condução Vital”, que permitia a ele canalizar energia vital de outros seres vivos para si, aumentando temporariamente sua força e regeneração — embora isso o colocasse perigosamente perto de cruzar linhas éticas. Nana tentou ensiná-lo a ser mais do que sua individualidade. Tentou mostrar que um herói é feito de escolhas, não apenas de força. Ele admirava Nana profundamente, talvez até obsessivamente, vendo nela a personificação da justiça.
Mas tudo mudou quando um ataque de vilões destruiu o vilarejo onde eles estavam.
Nana foi chamada para proteger outros civis, e Kureha ficou para trás, tentando defender os que ainda restavam. Ele falhou. Pessoas morreram. Ele se feriu gravemente. E na mente de Kureha, o abandono de Nana se transformou em uma traição.
Quando se recuperou, sua visão do mundo estava distorcida. Ele acreditava que os heróis haviam se afastado demais da verdadeira justiça. Para ele, os fracos deveriam ser purificados, e os fortes — aqueles que sobrevivem à dor — deveriam liderar. Ele passou a ver Nana não como uma inspiração, mas como um símbolo de hipocrisia, de um sistema falho.
Nos anos seguintes, Kureha desapareceu dos radares, aprimorando sua individualidade e estudando símbolos antigos ligados à energia vital e espiritual. Ele desenvolveu um ritual, um ideal, no qual a energia daqueles que "fracassam" é usada para fortalecer os verdadeiros escolhidos. É por isso que seus ataques sempre deixam corpos dispostos como parte de um símbolo — são parte de seu ritual de purificação e julgamento.
Hoje, Kureha busca algo mais: a espada de Nana Shimura. Ele sabe que ela foi forjada com propósito — um símbolo e uma arma da esperança. Para ele, tomá-la é necessário. É simbólico. Tomar a espada da heroína que o “abandonou” é, para Kureha, tomar para si o direito de julgar e reconstruir o mundo sob suas próprias regras.
E ele sabe… que Sasuke Uchiha está ligado a essa espada.
E por isso, o confronto é inevitável.
Kureha observava do alto de uma construção parcialmente demolida, o vento sussurrando entre as frestas do concreto. Seus olhos não brilhavam de excitação — eles estavam serenos, frios, calculistas. Como os de alguém que já havia tomado todas as decisões possíveis. Abaixo, caminhando com os sentidos atentos e a respiração controlada, Mirko percorria as ruas estreitas e sujas daquela cidade esquecida, onde o tempo parecia ter parado.
Ela estava sozinha.
Kureha se moveu como um fantasma — sem som, sem sombra. Seu corpo era quase imperceptível, envolvido por uma aura tênue de energia vital canalizada momentos antes de dois corpos caírem em becos próximos. Não se importava com vítimas anônimas. O que ele buscava agora era simbólico. Era preciso um golpe certeiro. Um corte no elo.
E ela era esse elo.
Mirko. A heroína-ranqueada. Selvagem, indomável, poderosa. Mas acima de tudo... ligada a Sasuke Uchiha. Não apenas como uma mentora temporária. Mas como alguém que confiava nele, que acreditava em seu potencial. Ela era uma peça importante no jogo — não por ela mesma, mas por tudo que ela representava para ele.
— Uchiha... sempre cercado de figuras fortes. Sempre tentando carregar o mundo nas costas sem perceber os laços que o prendem ao chão, — murmurou Kureha, como se falasse para os espíritos ao seu redor.
Ele podia sentir a energia ao redor dela, pulsante, viva. Um contraste tão grande com os cadáveres frios que ele usava em seus rituais. Isso tornava o momento ainda mais significativo. Um ataque agora não era apenas estratégico. Era um símbolo.
O momento era perfeito.
Com os olhos semicerrados e o sorriso amargo desenhado no rosto, Kureha recuou para as sombras. Ele não era tolo. Sabia que Mirko não cairia fácil. Mas o aviso precisava ser dado. O primeiro movimento feito. O jogo agora estava aberto, e a peça chamada Mirko seria a faísca de um novo ciclo.
Era hora de arrancar Sasuke da zona de conforto.
De obrigá-lo a escolher.
De prepará-lo... para o verdadeiro julgamento.
Próximo capítulo: Kureha pt2
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