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História Um Andar - Capítulo Único


Escrita por: BigOlJoe

Notas do Autor


Os personagens aqui retratados não possuem qualquer relação com os artistas reais, qualquer semelhança é mera coincidência.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Acordar àquela hora da manhã numa sexta-feira já não era mais um suplício, como havia sido nas primeiras semanas após suas curtas férias. Não que isso fosse o suficiente para estragar seu humor, claro. Afinal, ainda era sexta-feira. Jung Hoseok afastou com a costa da mão os restos de sono dos olhos, e se sentou, olhando pela janela. A luz do sol lá fora ainda era fraca, e era embaçada por nuvens finas que cortavam o céu. O dia prometia ser frio, do jeito que ele gostava. Esboçando seu primeiro sorriso daquela manhã, Hoseok pôs-se de pé e iniciou sua rotina. Sua vida morando sozinho havia começado com as clássicas conturbações de um solteiro (saudades, preocupação com assaltos, fazer as compras, arrumar a casa...), mas ele achava que estava conseguido ser virar relativamente bem. Como sempre, um gole de café acompanhado de duas torradas, seguido de um banho quente. Como sempre, agarrou suas chaves, fez um último carinho em Hoya, o pug que ainda roncava no sofá, e saiu de casa. Como sempre, saiu de sua casa e tropeçou no tapete que sua vizinha, uma septuagenária, insistia em colocar em sua porta para que “limpasse os pés ao entrar”.

Como sempre, eles se cruzaram assim que Hoseok desceu o primeiro andar.

- Bom dia, vizinho – Sorriu, e acenou num gesto quase exagerado. O café costumava deixar ele um pouco mais elétrico do que de costume.

O outro, que mal havia acabado de trancar a porta, virou-se colocando a bolsa carteiro de lado, olhando para o vizinho que acabava de descer. Deu um meio sorriso, mais por simpatia do que por ânimo propriamente dito. Ninguém que conseguia ser feliz àquela hora da manhã era normal para ele. Mas ele já considerava aquele vizinho diferente dos outros de um modo ou de outro, então não fazia diferença nenhuma.

- Bom dia – Respondeu, acompanhando a resposta com um leve aceno de cabeça.

E desceram as escadas juntos, em silêncio. E era isso. Todos os dias era uma ladainha semelhante. Hoseok descia do 5º andar, encontrava seu vizinho (cujo nome ainda não sabia) no andar de baixo e ambos desciam até a portaria juntos. Algumas poucas vezes eles trocavam meia dúzia de palavras, mas raramente passava de “tudo bem?” ou “que bom!”, até que chegassem no térreo e cada um seguisse seu caminho, Hoseok para o ponto de ônibus e o outro para a faculdade, que ficava a poucos quarteirões dali. Sempre que podia, Hoseok esperava até depois da despedida para ficar olhando o outro seguir seu caminho, admirando-o. Achava-o bonito, gostava de encontrá-lo acima dos outros vizinhos, talvez pela proximidade, talvez fosse o jeito meio reservado do outro, ou até mesmo o jeito como seus olhos semicerravam quando sorria (Meu Deus, como ele adorava aquele sorriso), o fato era que gostava de encontra-lo. Mas sempre que se encontravam era a mesma coisa. Um silêncio desconfortável até a saída do prédio, um “tchau”, um “até mais” e o seu vizinho desaparecia entre uma faixa de pedestre e outra. Tudo o que precisava era falar alguma coisa, qualquer coisa, mas nunca conseguia pensar em nada que pudesse interessar o vizinho.

Hoseok suspirou, ainda pensando em tudo isso, conforme eles chegavam no 2º andar. O outro estava de fones, ouvindo qualquer coisa com uma marcação bem definida. Rap, talvez? Não que importasse. Ele já tinha reparado que o vizinho sempre ouvia música, mas especificamente naquele dia a música estava mais alta que de costume, de modo quase todas as notas eram ouvidas. E ele achava que já tinha ouvido aquela música.

- Isso é Noise Mob? – Perguntou, olhando para o vizinho rapidamente e depois voltando a prestar atenção nos degraus. O vizinho virou-se para ele, tirando um dos fones do ouvido, emitindo um volume alto o suficiente para Hoseok distinguir a música definitivamente.

- Como? – Disse o outro, o fone ainda na mão – Perdão, eu não ouvi.

- A música – Hoseok repetiu, novamente com um sorriso – o nome dela é Mob, do Noise Mob?

- Ah! – O outro respondeu, um sorriso educado aparecendo nos lábios – É, são eles mesmos. Eu gosto bastante dos raps deles. Você ouve também?

- Não tanto quanto já ouvi – Foi a vez dele responder, agora mais animado por conseguir uma conversa de verdade com seu vizinho – Antes de começar a trabalhar eu ouvia mais, só que agora não tenho tanto tempo pra ouvir música.

Por uns poucos segundos nada foi dito, e Hoseok chegou a achar que a sua “grande conversa” teria terminado ali mesmo, quando o outro voltou a falar antes mesmo de chegarem no andar seguinte.

- Você... – começou, a voz parecia meio incerta – tem alguma música no seu celular?

O mais velho olhou para o outro por um segundo, antes de responder com a mesma incerteza na voz.

- Sim, tenho algumas, por quê?

Ao ouvir a resposta, o mais novo parou na escada alguns passos atrás de Hoseok, e tirou seu celular do bolso. Depois, tirou seu fone. Por uns poucos momentos seu braço levantou a blusa que usava, revelando parte de um abdômen que quase fez Hoseok rolar da escada. Em seguida, ele estendeu seus fones para ele.

- Bom, eu gostaria que você levasse eles – Disse, a mão aberta com os fones repousados na palma – Você pode me devolver amanhã. Ou quando nos encontrarmos de novo, sei lá.

Hoseok olhou para ele, por um momento, e novamente sua força de vontade foi testada. Ele estava sorrindo daquele jeito que parecia aquecer todo o ambiente uns 10°.

- Mas você não estava usando? – Perguntou, curioso com aquela iniciativa do vizinho.

- Estava sim, mas você disse que não tinha mais tanto tempo para ouvir música – respondeu o vizinho, ainda com a mão estendida – Você gosta de música, certo?

- Sim, claro – Disse Hoseok, que agora voltava a descer – mas ainda assim, você não precisa me emprestar o fone que você estava usando.

- Pense nisso como um favor entre vizinhos - Respondeu o outro, acompanhando-o na descida – Como se eu estivesse emprestando um martelo ou uma furadeira. No seu caminho de ônibus deve dar para ouvir alguma coisa.

Eles haviam acabado de chegar no térreo, e estavam agora ao lado da portaria, ainda sem o porteiro daquele turno. Hoseok estava parado olhando para o outro, que ainda estava com o fone enrolado nas mãos. Era a primeira vez que eles ficavam frente a frente, Hoseok percebeu. E também percebeu o quanto seu vizinho realmente era bonito, para em seguida torcer que o outro achasse que o seu motivo de corar era o frio.

- Pegue – Disse, estendendo os fones mais uma vez – Por favor.

Hoseok finalmente levantou a mão e pegou os fones, seus dedos roçando levemente os de seu vizinho.

- Obrigado – Ele disse, sorrindo de novo, conforme desenrolava o fio e o plugava em seu celular – Mas por que você fez tanta questão de que eu aceitasse o fone? Você poderia simplesmente ter sugerido que eu comprasse um.

O outro deu um sorriso envergonhando, virando seu olhar para o chão antes de voltar a olhar para ele.

- Você disse que não tinha mais tempo para ouvir música – Respondeu, como quem explica um problema simples – E não ouvir música é uma coisa muito triste pra mim. Não queria que você passasse por isso.

E por um segundo Hoseok ficou sem fala, apenas olhando para o outro, o fone ainda meio embolado nas mãos. Chegou a abrir a boca para falar alguma coisa, mas fechou-a logo em seguida. Acompanhando essa reação, o outro sorriu novamente, e se despediu com seu clássico “até mais”, ajeitando uma última vez sua bolsa carteiro e descendo a rua até a faixa de pedestres. E antes que o sinal abrisse para ele, ouviu o vizinho falar uma última vez:

- Ei! – Hoseok gritou – E para quem eu devolvo o fone amanhã? – Sua voz era um tom que misturava ansiedade, alegria e incerteza. Esperava uma resposta, qualquer que fosse.

Seu vizinho olhou por cima do ombro novamente, e respondeu:

- Entregue para Kim Namjoon! – E virou novamente o rosto, a tempo de o sinal abrir e ele poder atravessar. Hoseok o ficou olhando seguir seu caminho, como de costume, com o fone em uma mão e seu coração na outra.

 

 

Namjoon ainda não entedia o porquê de ter feito aquilo mais cedo. Já haviam se passado mais de dez horas, e ainda lutava contra o impulso de dar tapas em sua cabeça. Não que não estivesse feliz, teve que lutar contra o impulso de rir feito um idiota quando as suas mãos se tocaram, e quando Hoseok finalmente pegou os fones, ele sentiu que talvez a sua própria gratidão fosse maior que a do vizinho. Mas quando o choque inicial passou, muito depois de ter finalmente se apresentado, uma sensação de embaraço completo começou a se espalhar por seu corpo. Isso lhe lembrou de como se sentia quando lembrava de alguma coisa vergonhosa de quando era criança.

“Eu podia muito bem ter começado a improvisar um rap!”, Pensava, acenando negativamente para o chão, o rubor encoberto pelas sombras das 18 horas. “Porra, eu podia muito bem ter enfiado uma cereja no nariz, e não ficaria tão envergonhado assim”, ele parou na rua vazia que antecedia seu prédio, divagando sobre coisas que seriam menos embaraçosas do que o que havia feito. Não era algo digno de constrangimento, ele sabia, mas ainda assim... haviam tantos modos melhores de chamar a atenção daquele homem que morava acima dele, e ele resolveu usar o método mais clichê da cartilha (como se ter uma cartilha não fosse clichê o suficiente). E para piorar, ficou sem ouvir música pelo resto do dia, o que o forçou a (Credo!) interagir com as pessoas da faculdade.

“Bem, agora já foi” Namjoon decidiu, expirando todo o ar dos pulmões “Eu já fiz meu papel de trouxa e já fiz um chapéu com ele. Amanhã eu continuo a me martirizar”, e voltou a seguir seu caminho. Parou em uma loja de conveniências antes, e comprou um engradado de cervejas. Afinal, ainda era uma sexta-feira à noite, e mesmo que não tivesse dinheiro para sair, ainda podia se dar ao luxo de ficar um pouco bêbado e jogar, irritar seu gato, Rapmon, ou seu colega de quarto, Yoongi. Amanhã acordaria, tomaria um café rápido e cogitava assistir a uma orquestra ao ar livre que ocorreria na praça, de manhã. Seu colega de quarto o tinha convidado, mas Namjoon sabia que ele levaria sua namorada, e a última coisa que queria era ser a vela dos dois. Pensando melhor, talvez fosse melhor ficar em casa mesmo, trabalhando no seu currículo para os estágios de fim de curso, vendo algum filme e pedindo uma pizza no fim do dia. Domingo, pensaria em alguma outra coisa para fazer, qualquer coisa que lhe desse uma desculpa para evitar outro almoço familiar como o último. Tudo estava relativamente bem planejado quando chegou no prédio. Estava fechando o portão quando ouviu o grito que, antes de hoje, não lhe seria familiar:

- Segura a porta!

Segurou-a em um reflexo, e virou-se para Hoseok, que vinha em um passo rápido, carregando uma sacola de mercado. Ele vinha meio esbaforido, com um sorriso de gratidão... e os fones de ouvido nas orelhas. Namjoon não conseguiu conter um sorriso leve, que talvez fosse confundido com uma simples cortesia. Ainda mantinha o sorriso quando o vizinho passou pela porta.

- Obrigado – Hoseok agradeceu, limpando a fina camada de suor da testa – Achei que você não fosse ouvir.

- Normalmente eu não ouviria, mas você está com os meus fones, lembra? – Brincou Namjoon, fechando a porta, quando o outro fez menção de tirá-los, apressou-se a falar novamente – Não, não precisa devolver agora! Fique com eles mais um pouco, eles são muito bons.

“’Eles são muito bons?’”, pensou, fazendo força para não alterar sua expressão, “Você não cansa de falar nada com nada, Kim Namjoon? Como você conseguiu entrar pra universidade?”.

- Ah, sim, eu percebi – Hoseok falou, conforme ambos começavam a subir as escadas – E aliás, obrigado por eles. Eu não tinha percebido o quanto eu sentia falta de ouvir música. Eu não tirei os fones até que meu chefe finalmente me chamasse pra reunião do dia.

- Que bom que você gostou – Namjoon respondeu, passando a sacola com as cervejas de uma mão para a outra, menos cansada – E perdão a curiosidade, mas com o que você trabalha? Eu nunca vejo você descer com nenhum material nem nada.

- Eu trabalhava em uma empresa de marketing na minha cidade, em Gwangju, antes de ser transferido pra sede daqui de Seoul – O outro disse, já procurando as chaves de casa no bolso – E eu raramente levo trabalho para casa, por isso deixo todo o meu material na empresa.

- Ah, sim... e você faz o que na empresa? – Namjoon perguntou, genuinamente curioso.

- Eu sou responsável pela parte de administração financeira da empresa – Hoseok tinha orgulho de sua posição – E você? Está estudando ainda, certo?

- Sim, isso mesmo - Era a vez do mais novo responder, ajeitando a alça de sua bolsa carteiro no ombro com a mão livre – Estou no último ano de letras e comunicação, com foco em Inglês. Agora estou procurando um estágio em alguma escola de línguas, ou talvez algum local que precise de um intérprete.

“Eu não me importaria nem um pouco de ajuda-lo com as línguas”, foi a vez de Hoseok simular neutralidade com o rosto, olhando para o vizinho.

Namjoon estava prestes a continuar falando qualquer coisa, quando percebeu que estavam chegando no seu andar. Então decidiu por simplesmente se despedir, apesar de sua vontade ser de convidá-lo para entrar. Mesmo que a conversa não passasse disso, não se incomodava. O vizinho parecia genuinamente interessante. Implicando que ele chegasse a convidá-lo, o que não faria. Seria muito atirado, e talvez fosse assustá-lo. Não, não faria isso. Além do mais, Yoongi podia muito bem estar jogado na sala só de cueca, brincando com Rapmon ou fazendo qualquer coisa. Era uma ideia horrível chama-lo a entrar. Não faria aquilo. Era ridículo. Não faria mesmo. A chave já estava completamente dentro da fechadura. Ele ia apenas se virar e se despedir. “Adeus, até mais”. “Adeus, até mais”.

- Então, você não quer entrar? – Disse Namjoon, virando-se para o vizinho e erguendo a sacola. Antes que sua mente entendesse exatamente o que ele tinha feito, ele continuou – Eu e meu colega vamos beber umas cervejas. Temos suco também, caso você não beba ou algo do tipo.

“Parabéns, Kim”, seu cérebro finalmente computou os últimos segundos, e parecia muito próximo de um desligamento de emergência “Você acabou de assustar o seu vizinho. Olha pra cara dele, você pegou o cara completamente desprevenido! Ele vai subir e vai ignorar você até nunca mais”. No entanto, mais inesperada que o convite que havia acabado de fazer foi a resposta de Jung Hoseok:

- Eu vou só deixar minhas compras em casa, desço em um instante.

E subiu.

Namjoon ficou alguns segundos ali na porta ainda, sua cabeça maquinando febrilmente como aquele convite quase desesperado havia sido aceito. Aquele desligamento de emergência parecia iminente, a mão que segurava as cervejas chegou até a perder um pouco de força, mas, em um último esforço, recuperou a postura e entrou em casa.

Como havia previsto, Yoongi realmente estava apenas de samba-canção deitado no sofá, uma mão mandando mensagens para sua namorada e a outra acarinhando Rapmon, o gato malhado da casa. E, diga-se de passagem, a casa já havia visto dias melhores: o sofá que ficava de frente para a tevê estava em um ângulo que não permitia uma visão direta, o tapete estava empoeirado e com uma das pontas dobradas, as cadeiras da mesa estavam fora do lugar, e haviam alguns pratos jogados pela mesa. A pia da cozinha estava cheia de louças para serem lavadas, e a chance de seu quarto estar pior do que aquilo era bem grande. Ele provavelmente atrasaria seus planos amanhã para arrumar a casa (ou melhor, faria isso domingo e teria a desculpa perfeita para fugir de sua família), mas naquele exato momento, sua maior preocupação era vestir seu amigo.

- Ei, Suga – Chamou, abrindo e fechando a porta rapidamente atrás de si – veste alguma coisa, a gente vai ter visita daqui a pouco.

- Hum...? – O outro estava concentrado mandando uma última mensagem, antes de realmente prestar atenção em Namjoon – Quem está vindo? Você não resolveu chamar aquele pirralho de novo, né?

- Não, não é o Jungkook – respondeu, lembrando da vez em que chamou um de seus calouros para beber com eles, apenas para vê-lo se empolgar demais com a bebida e passar mal em cima do tapete, que só foi ficar completamente limpo um mês depois – É o vizinho novo, do andar de cima. Eu chamei ele pra beber com a gente.

- E você decidiu isso do nada? – Disse Yoongi, levantando a sobrancelha, em uma reação quase cartunesca – Você não pensou na possibilidade de que seu pobre colega de quarto podia querer um pouco de paz e silêncio? Como vamos conviver se você toma decisões assim sozinho?

- Eu vou lembrar disso da próxima vez que você e a Hyorin chegarem bêbados e começarem a transar no sofá enquanto eu estudo – Namjoon respondeu, com a mesma ironia.

- Nada mais justo – Deu de ombros o outro, rindo, antes de colocar o gato de lado e se levantar, espreguiçando-se e indo em direção ao quarto. Nesse breve intervalo de tempo, Namjoon, decidiu organizar minimamente a sala, que parecia ficar mais desarrumada a cada segundo. Alinhou o sofá (ainda que sob protestos de Rapmon), desvirou a ponta do tapete, e arrumou a mesa (“arrumou” no sentido de apenas tirar os pratos de cima dela). Mal havia aberto a primeira cerveja quando o convidado bateu à porta.

- Pode entrar, a porta está aberta! – Gritou, sentando-se no sofá, seus músculos gritando de alívio depois de um dia cansativo. Deu uma última olhada na sala, para certificar-se de que ela estava minimamente apresentável. Não estava, mas teria que servir por enquanto. Seu coração estava acelerado. Fazia algum tempo desde que havia convidado alguém para sua casa daquele jeito, ainda mais alguém por quem nutria qualquer tipo de sentimento. E mesmo assim ele conseguia se manter ali, sentado, aparentemente relaxado, apenas esperando a porta abrir e ele entrar.

Hoseok abriu a porta devagar, colocando primeiro o rosto sorridente para dentro da porta. Em seguida colocou uma das mãos para dentro, com uma sacola que Namjoon não havia percebido quando estavam subindo: um outro engradado de cerveja. Coincidência ou não, naquele exato momento, Yoongi vinha saindo do quarto, enfiando uma camisa qualquer. Ele não havia notado o recém-chegado ainda.

- Mas então, você sabe se o cara vai trazer alguma coisa pra beber? Porque eu não sei as cervejas que você trouxe vão... – Pouco a pouco, ele realizou que o vizinho tinha acabado de chegar, e viu o que tinha em suas mãos – ... Deixa pra lá.

Namjoon levantou-se e foi até Hoseok, tirando as cervejas de suas mãos.

- Deixa que eu coloco na geladeira – disse, enquanto levava a sacola até a cozinha. E lá de dentro começou a apresentar o colega de quarto e o vizinho – Yoongi, esse é o nosso vizinho... – Parou, de repente notando que não sabia o nome do vizinho.

- Hoseok – Disse o outro, estendendo a mão para o outro com um sorriso caloroso – Jung Hoseok. Prazer em conhece-lo.

- Prazer, eu sou Min Yoongi – Foi a vez do outro responder – Mas pode me chamar de Suga. Todo mundo me chama assim mesmo.

- Prazer... Suga? – Hoseok riu do apelido, e, apesar de já imaginar a resposta, perguntou: - De onde veio o apelido?

- É porque ele é um doce de pessoa – Namjoon respondeu rindo, voltando da cozinha com duas cervejas para o amigo e o vizinho (que, por enquanto, talvez não passasse disso). E então ergueu a sua própria, olhando primeiro para o colega de quarto, em seguida, prendendo seu olhar em Hoseok (Naquele momento só Deus sabia o quanto ele esperava não estar corando nem parecendo estranho) – Um brinde.

- À quê? – Suga perguntou, mas ele já sabia a resposta. Conhecia o amigo bem demais para não saber. E, para o bem ou para o mal, sabia todas as implicações que aquela ideia de romance poderia gerar.

- Ao que nós quisermos, por que não? – Hoseok respondeu antes que Namjoon pudesse dizer algo, agora correspondendo o olhar contido do vizinho.

Dali em diante, os dois sabiam como a noite terminaria.

 

 

Jung Hoseok não lembrava de muita coisa depois da sua 5ª cerveja, apenas flashes rápidos. Conversar com os vizinhos sobre o preço do aluguel era uma dessas lembranças. Rir de alguma história que Suga contou era outra. Ele só não tinha certeza de como, finalmente, foi parar nos braços de Kim Namjoon. Talvez tivesse sido alguma cantada ruim (ou não tão ruim assim), uma brincadeira com fundo de verdade ou talvez tenha sido apenas natural, o fato era que, naquele momento, os braços do outro o envolviam, sua boca procurando a dele, e encontrando. Suga já havia desistido de conversar com os dois e ido para o quarto, visto que o intervalo entre um beijo e outro ia diminuindo cada vez mais, até que eles parassem apenas para respirar. Estavam agora sozinhos na sala, suas mãos vasculhando os corpos, até então, desconhecidos um do outro.

Hoseok estava imerso no momento, a cabeça um pouco leve pelo álcool, brincando com os lábios de seu vizinho. Ele já havia fantasiado com aquele momento várias vezes, no ônibus para o trabalho, no chuveiro enquanto tomava banho, e até na cama, quando esses sonhos semilúcidos brotavam em sua mente. E agora lá estava ele, aproveitando cada segundo daquele beijo forte, cada toque que passava por seu corpo, cada mínimo arrepio que eles causavam.

Namjoon também estava apreciando cada segundo daquilo. De início, quase todo o seu cérebro se concentrava apenas em beijar e ser beijado, acariciar e ser acariciado, exceto por uma minúscula parte, que ainda se perguntava como exatamente aquele convite aparentemente desesperado trouxera frutos. No entanto, passados os primeiros minutos após o êxtase inicial de finalmente ter conseguido ficar com o homem que queria, uma sombra negra começou a preencher suas ideias. Começou como um simples devaneio, quase como um sonho que seria esquecido ao acordar. Mas o tempo ia passando lentamente, e aquela sombra começou a crescer, e logo se tornou uma dúvida concreta. Uma dúvida? Não, era uma certeza. E era uma certeza de medo. De sofrimento também. Não só para ele, como também para aquele que o abraçava e beijava naquele momento. E, finalmente, a ideia veio tão forte que ele se viu forçado a se afastar dos braços do outro bruscamente.

- Ei... – Hoseok ficou confuso no momento, e deu um sorriso amarelo, apesar de aquela reação o ter magoado um pouco – O que foi? Que cara séria é essa?

Namjoon não percebeu imediatamente, mas realmente havia fechado a cara, em uma expressão que tornava evidente sua preocupação com seus pensamentos. E não gostou disso, porque agora se via na obrigação de explicar o motivo para Hoseok. Na janela, Rapmon miava tristemente, olhando para seu sofá, que agora era ocupado por aqueles dois humanos.

- Bom... É complicado – Namjoon disse, ainda sem olhar para o outro. Estava envergonhado, no fundo. E achou isso de certa forma engraçado, visto que estava pendurado no pescoço dele não fazia nem um minuto – É que eu pensei em umas coisas... bem complicadas de se explicar.

- Você podia tentar, fofo – O outro segurou sua mão, em um gesto de carinho – A menos que você realmente não queira, claro. Você não precisa me dar satisfação nenhuma.

“Fofo”, Namjoon repetiu mentalmente “Quanto tempo faz desde que alguém me chamou assim? Provavelmente no primário, sei lá”. Olhou para o lado, e viu o sorriso tranquilizador de Hoseok. “Deus, como ele consegue sorrir assim? Eu quero beijar ele de novo, agora!”. Suspirando, Namjoon decidiu começar devagar, com uma pergunta simples, mas que definiria se a história seria contada ou não. Caso a resposta fosse negativa, não teria motivos para se preocupar, e poderiam continuar o que estavam fazendo antes. Mas somente nesse caso.

- Primeiro eu preciso saber: O que você quer comigo? – A pergunta saiu de forma mais dolorida e densa do que ele planejara – Pra você nós vamos ficar hoje e segunda-feira tudo volta? Ou você pensou em algo a mais?

A pergunta atingiu Hoseok como uma bola de tênis no estômago, e seu sorriso se tornou uma linha reta, em dúvida. Se antes ainda mantinha um pouco da ebriedade, agora já havia ficado sóbrio novamente. Não que fosse uma pergunta estranha (ele mesmo já fizera essa pergunta certas vezes), era apenas... inesperada naquele momento. Eles haviam acabado de ficar pela primeira vez, e aquela pergunta soou forte demais para a primeira noite. Hoseok, no entanto, já tinha uma resposta, ou quase. Sempre que começava a se relacionar com alguém, prestava atenção na sua sintonia com a pessoa. Caso não sentisse qualquer tipo de química (sexual ou não), sequer se dava o trabalho de manter contato. Mas aquele não era o caso. Depois de conversar com Namjoon e Suga a noite inteira, foi possível ver que aquele homem sentado ao seu lado, todos os seus tiques, suas manias, suas caras e ações o atraíam mais e mais. E, naquele momento, queria manter a relação deles (se é que já podia ser chamada assim) do jeito que estava. Ainda assim, foi impossível não titubear um pouco ao responder.

- Eu... geralmente tento ver se eu tenho química com alguém antes de pensar nessas coisas – Começou a falar, olhando para Namjoon – E eu acho que o que a gente tá tendo aqui é bem legal. Eu gostei bastante. Então, se eu for responder agora, eu quero ficar com você.

Namjoon não gostou de colocar Hoseok contra a parede daquele jeito, mas aquilo era necessário. E aquela resposta aparentemente sincera tornou tudo ainda mais difícil. Sorriu pesadamente, sem vontade nenhuma. Bom, se era pra ser assim, que assim fosse.

- Er... como eu posso explicar? – Namjoon realmente não sabia por onde começar. Uma das mãos repousava no joelho, enquanto a outra passeava na nuca, em uma tentativa de fazer o cérebro funcionar. Optou por falar da forma mais óbvia – Você sabe que eu sou gay, obviamente.

- Ah, jura? – Hoseok riu, incapaz de conter – Achei que aquele beijo tinha sido pra causar ciúmes em alguma ex.

- Continuando... – Namjoon não riu, seu rosto continuava sério – Você sabe, o Suga sabe, e meus amigos da faculdade sabem. Mas a minha família não...

Hoseok ficou surpreso, mas nem tanto. Ele sabia que, mesmo com os direitos dos homossexuais sendo conquistados dia após dia, muitas famílias ainda tinham dificuldade em aceitar membros dela como homossexuais. Dera muita sorte por seus pais e sua irmã compreenderem a sua opção. E, naquele momento, fez sentido a pergunta de Namjoon. Se eles, por algum acaso, viessem a ter algo mais sério algum dia, ele teria que apresentá-lo para sua família, o que poderia ser recebido com um grande choque. Mas quem sabe, com algum preparo anterior, uma conversa não pudesse explicar tudo? Estava prestes a dar a sugestão, quando o outro continuou.

- ...E eles acham que eu estou interessado em uma moça daqui.

Ok. Isso poderia complicar um pouco as coisas.

- Como assim? – Hoseok indagou, agora genuinamente surpreso – Eles simplesmente deduziram que você estava interessado em alguma mulher daqui?

- Eu disse para eles que estava interessado em alguém – Namjoon respondeu, sua voz quase pedindo desculpas – Eles presumiram que era uma moça. Mas era você, Hoseok. Eu não tinha como dar uma notícia dessas por telefone.

Hoseok agora refletia melhor sobre a situação. Não estava cogitando parar de ver Namjoon, sob nenhuma hipótese (pelo menos, não por aquela razão), mas a delicadeza do assunto agora tomava as proporções que o outro atribuía a ele. E, por mais que se incomodasse com o fato de Namjoon não ter contado sua opção à família, Hoseok compreendia até certo ponto as decisões dele. Compreendia, mas não concordava. Ainda assim, a ideia principal não havia mudado para o mais velho: algumas conversas com a família, alguns esclarecimentos e talvez uma explicação demorada, e Namjoon não teria com o que se preocupar. Em teoria era simples. O maior problema, talvez, fosse convencer o próprio Namjoon a começar com tudo isso. Mas, naquele momento, não era preciso se preocupar. Tudo teria seu tempo, mas naquele momento, tudo que os dois queriam acima de tudo, era deixar o mundo lá fora daquele prédio de lado, e voltarem-se um para o outro. Hoseok envolveu o outro em um abraço, agora mais carinhoso do que lascivo, e deu-lhe um beijo no rosto. Namjoon olhava para ele, ainda sério.

- Bom, isso não motivo de estresse agora – E sorriu, tranquilizador – Eu sei que esse assunto é bem sério pra você, mas pra que se preocupar agora? – E parou alguns momentos, antes de continuar – E na verdade, eu acho que você deveria dizer para eles o quanto antes. Esse não é um segredo que faz bem manter.

Namjoon voltou lentamente a sorrir, ainda que fosse com um pouco de má vontade.

- Sim, eu sei – Suspirou mais uma vez, se aconchegando no abraço de Hoseok – Acredite, eu quero falar pra eles. Mas vai ser complicado.

- Ninguém disse que seria fácil – Hoseok agora o colocava mais perto contra o seu peito – Só que você devia fazer isso.

E ali ficaram os dois, aninhados nos braços um do outro. Lá fora, na cidade, silêncio. Apenas o som de suas respirações era ouvido. E isso bastava para os dois. Por mais que a noite houvesse começado sob a premissa de sexo e ido para um lado oposto, nenhum dos dois se importava tanto. Hoseok sentia-se bem perto daquele homem. Após passar a noite conversando com ele, tinha se afeiçoado a ele ainda mais do que imaginara em seus devaneios. Aquela pessoa gentil, ordeira, e até certo ponto metódica, e ao mesmo tempo de personalidade tão leve, de convivência tão fácil. E Namjoon sentia-se em seu primeiro porto seguro em muito tempo. Hoseok era todo carinho, para ele. O jeito como falava, a escolha de suas palavras, o desenho que seus lábios formavam ao sorrir, quase como se ele falasse: “vai ficar tudo bem”. E aquele bom humor que parecia inabalável, desde que ele havia se mudado para o andar de cima. Não entendia como aquela pessoa podia funcionar, mas adorava saber que funcionava. Principalmente ali, do seu lado. Algumas horas se passaram, até que Hoseok finalmente decidiu que, naquele caso, o melhor era que ele dormisse em casa naquela noite. Namjoon ainda argumentou, dizendo que não havia motivo para aquela decisão, mas Hoseok simplesmente recusou, novamente sorrindo, e dando-lhe um beijo demorado de despedida. No entanto, ele aceitou o segundo pedido de Namjoon: iriam à um concerto ao ar livre amanhã, junto com Suga e a namorada.

E no dia seguinte, realmente o fizeram. E na semana seguinte, foram ao cinema (apesar de quase não verem o filme). Na semana após esta, assistiram um filme na casa de Hoseok (definitivamente não viram nada do filme). E na seguinte, ficaram na casa de Namjoon e Suga, jogando conversa fora e contando histórias embaraçosas (não havia filme para ser perdido, ao menos). E dois meses se passaram assim, como um estalar de dedos para os dois. A conversa que haviam tido naquela primeira noite não havia sido esquecida. Namjoon sempre dizia que conversaria com os pais, mas nunca o fez definitivamente. Dizia que era preciso timing para essas coisas, e talvez não estivesse errado. Mas o timing dele era horrível, e por certas vezes, se somava à sua má sorte. Como no dia em que ele e Hoseok decidiram passar o domingo na praça central, sem saber que os pais de Namjoon também estariam lá.

 

 

Estava tudo indo bem demais para ser a sua vida. Namjoon, desde que começara a namorar Hoseok (apesar de eles nunca terem chamado aquilo “namoro”), as coisas pareciam ter dado certo demais. Ele não conseguia entender. Talvez fosse simplesmente a melhora no seu humor que desse a tudo um brilho diferente, ou talvez fosse uma coisa de sua cabeça apaixonada. E por aqueles dois meses que se seguiram àquela noite em que ficaram pela primeira vez, Namjoon sentiu-se em paz.

Até aquele dia na praça.

 

 

Namjoon e Hoseok chegaram em silêncio na casa do último, pois naquele dia específico, Suga pedira o apartamento para si e a namorada (para o desespero de Rapmon, que teria seu sono atrapalhado pelos sons que os dois faziam). Hoseok foi o último a entrar na casa. Suas mãos ainda tremiam de raiva, e fechar a porta foi um sacrifício. Namjoon estava quieto, em pé atrás dele, olhando para baixo. Sua boca estava entreaberta, como se quisesse falar algo. Mas nada que pudesse falar agora diminuiria o impacto da última hora. Hoseok ficou alguns momentos encarando a porta, com o pouco de visão que os olhos lhe permitiam. Respirou fundo uma... duas... três vezes. E finalmente se virou para Namjoon, permitindo que ele visse seu rosto, que já deixava de ser reconhecível. Um dos golpes havia sido certeiro sob o olho direito, que agora já estava do tamanho de uma bola de golfe vermelha, e eclipsava metade do rosto. Outro golpe havia sido desferido contra o lado esquerdo de seu rosto, que ele sentia crescer a cada momento que passava. Outros golpes haviam errado seus alvos, mas seu corpo ainda estava vermelho em algumas partes sob a camisa. Com certeza sentiria tudo com mais clareza quando fosse tentar dormir. Mas duvidava muito que fosse conseguir se desligar de tudo tão cedo.

Namjoon olhava para ele, sem conseguir esconder a vergonha em seus olhos. Ele não havia sido tocado, exceto por um empurrão que o havia jogado no chão. Ele tentava não parecer frágil naquele momento, mas cada esforço seu era repelido bruscamente pela lembrança. Suas mãos repousavam ao lado do corpo, mas já buscavam se esconder atrás do tronco, como se ele fosse um criminoso escondendo as mãos sujas de sangue. E de certo modo, elas realmente estavam. E ele sabia disso.

- Namjoon – Hoseok finalmente disse, seu rosto nublado por diversas emoções. Nenhuma delas boa – Você pode me explicar o que aconteceu ali?

Namjoon estava com os lábios secos. Seu olhar caiu ao chão imediatamente depois das palavras de Hoseok. E aquela ação foi tão acusadora para Hoseok que ele sequer esperou a resposta antes de falar novamente.

- Kim Namjoon, não me faz perguntar de novo – Hoseok levantou o tom de voz, agora seu rosto mostrava raiva acima de todas as outras emoções – Eu quero saber o que foi aquela cena na praça.

Novamente, silêncio. Hoya, o pug de Hoseok saiu de algum lugar de dentro da casa e foi pular na perna do visitante, na esperança de carinho, no que não foi correspondido. Ele olhou para os dois por alguns segundos, alternando o seu olhar, sem obter reação de nenhum dos dois. Namjoon continuava quieto, olhando para o chão, envergonhado.

- Kim Namjoon – Hoseok agora estava quase gritando. Nenhuma outra emoção aparecia agora. Apenas a raiva – QUE PORRA FOI AQUELA NA MERDA DA PRAÇA?!

Hoya imediatamente correu para sua cama, e ficaria ali até o dia seguinte, seu olhar assustado seguindo o dono por onde ele fosse. Namjoon mais uma vez não respondeu... inicialmente. Ele precisou respirar fundo, e conter as lágrimas que já estavam próximas de verter. Ele não conseguia olhar para a cara de Hoseok. A expressão de raiva e sofrimento que ele exibia, somada às suas feições, agora distorcidas por inchaços e manchas roxo-avermelhadas, era mais do que ele suportava ver.

- Foi... o meu... – E não chegou a completar a frase, sua voz baixa demais para ser ouvida. Ele sentia o olhar perfurante de Hoseok sob si, e sentia todo o sofrimento dele, e um pouco mais. Respirou fundo e completou a frase – O meu pai... – Sua voz falhou no fim da última palavra.

- Sim, Namjoon, eu sei que era o seu pai – Hoseok ainda não alterara seu tom de voz, e continuava fulminando o outro com seu olhar fixo – O que eu quero é saber POR QUE O SEU PAI ME ESPANCOU NAQUELA PRAÇA?!

Verbalizada, a frase levou Namjoon de volta para o momento fatídico. De antes da chegada do pai, não se recordava de nada além de flashes. Lembrava de chegar à praça com Hoseok de mãos dadas (Ele estava tão bonito com aquela camisa branca e aquele converse vermelho). Lembrava também de, após algum tempo andando, sentarem em um banco e ficarem conversando sobre o trabalho e a faculdade. Lembrava também daquele beijo. Sim, ainda sentia o gosto daquela boca. Ele poderia dizer que aquele havia sido o melhor beijo da sua vida. Quase como se previsse o caos chegando.

O grito de seu pai, do outro lado da praça, cortou o ar até sua direção, separando o beijo. No mesmo instante, Namjoon empalideceu vertiginosamente. Hoseok estava ainda confuso, querendo entender o que havia acontecido. O pai de Namjoon em poucos segundos estava do lado deles, sua esposa e sua filha caçula um pouco atrás. Ele, sem sequer se dar o trabalho de discutir qualquer coisa com o filho, apoiou seu peso em uma das pernas e, com uma fúria irefreada, golpeou o rosto de Hoseok com a bengala. Namjoon, que ainda havia tentado explicar as coisas, tentou se colocar entre os dois, no que foi empurrado ao chão pelo pai, que imediatamente voltou a golpear Hoseok. Levaram alguns segundos para que Namjoon conseguisse se reerguer e, em seguida erguer seu amante, que ainda estava em choque. E, sob o som dos impropérios do pai e lágrimas, Namjoon conseguiu um táxi que os levasse até o prédio em que moravam. Nenhuma palavra havia sido dita durante o trajeto todo. E agora, na casa de Hoseok, todas as cartas seriam colocadas na mesa. Fossem elas quais fossem.

Namjoon ainda olhava para o chão, com as cenas correndo em sua mente como um filme antigo acelerado. Ele queria não ter tido a ideia de ir na praça, queria não ter escolhido sentar naquele banco, queria não ter saído da cama hoje... Mas acima de tudo, queria poder estar em qualquer lugar, até mesmo no maldito inferno, qualquer lugar menos ali, sob o olhar inquisidor de Hoseok. E Namjoon sabia a resposta para a pergunta dele, mas isso só tornava a perspectiva de compartilhá-la uma ruptura maior entre os dois, que se adoravam mais que tudo até duas horas antes. Mas não havia escolha. Não agora.

- Ele não aceita relações homossexuais – Namjoon falou de uma vez, torcendo o rosto em um esgar sofrido. Achava que seria rápido e indolor, mas aquela frase se arrastou no ar pelos segundos seguintes, e fala-la havia sido como passar papel-lixa na garganta – Na verdade, ele é completamente contra o homossexualismo. Ele acha que eles são doentes...

Hoseok encarava Namjoon, sua expressão impassível e imutável. Olhar para ele seria como encarar uma estátua de mármore. Dura. Inflexível. Incompreensível.

- E você em algum momento pensou em me falar isso? – Perguntou, abaixando um pouco o tom de voz, mas não tanto – Ou você decidiu que era melhor esperar a vida mudar a perspectiva dele? Porque até onde eu sei você sequer tentou falar com ele.

- Eu tentei falar, eu juro – A voz de Namjoon fraquejava agora, quase um fio da voz de antes – Mas toda vez que eu tentava falar com ele... Que eu tentava ligar... Não conseguia, não conseguiria... Não depois de... – Namjoon mordeu a língua, como se tivesse falado demais.

- Depois do quê? – Perguntou, olhando para o outro confuso. Namjoon olhava para ele, procurando palavras para traduzir algo ininteligível, e as poucas que encontrava pareciam não bastar para explicar tudo. Como nenhuma resposta veio, perguntou novamente – Depois do quê, Namjoon?

Novamente, silêncio. O cachorro ainda observava os dois da cama, com seus olhos grandes arregalados. Namjoon ainda fazia esforço para tentar começar a explicar. As palavras lhe faltaram. E aquilo lhe assustou mais ainda. As palavras que pareciam vir naturalmente em outras ocasiões, fosse para explanar algum assunto em que se interessasse ou convidar alguém para sua casa (como, às vezes, parecia fazer até sem querer), as palavras vinham naturalmente. Naquele caso, elas pareciam grudar à sua garganta como ganchos, arranhando o caminho todo. Finalmente, as palavras brotaram novamente.

- ...Na semana antes de nos conhecermos, houve um almoço em família – Começou, olhando para o chão. Hoseok apenas ouvia com atenção, quieto – Quase todo domingo eles fazem um, apesar de eu raramente aparecer por causa da faculdade. Mas naquele eu decidi ir, por que seria o aniversário de um primo.

“Estava tudo indo bem”, continuou narrando, “Eu com meus familiares, comi o bolo de aniversário, parabenizei meu primo... Mas então ele decidiu sair do armário. E ninguém sequer suspeitava. E ele fez isso na frente dos pais dele, dos meus, na frente do irmão mais velho dele, na minha frente e da minha irmãzinha. ”, Namjoon parou para respirar, e em seguida retomou, ”Ele achou que, talvez por ser aniversário dele, as pessoas ali teriam alguma compaixão. Que entenderiam melhor, ou algo do tipo. Mas não foi isso que houve. ”.

“Imediatamente, ninguém reagiu. Todos ficaram pasmos, apenas olhando para ele. E então o pai dele levantou, devagar, e foi na direção dele. Eu cheguei, por um segundo, a pensar que ele tivesse se levantando para abraçar o filho, dizer alguma coisa do tipo ‘está tudo bem, eu te amo do mesmo jeito’, mas acho que foi ingenuidade da minha parte. A única coisa que ele fez foi dar um tapa no rosto do filho, forte o suficiente para jogá-lo no chão. ”, novamente, Namjoon parou, agora suspirando pesadamente, quase como se sentisse a dor e a vergonha do primo, ”E ficou ali parado, olhando para o filho dele chorando no chão, sem dizer uma palavra. A esposa dele chorava também, apoiada no ombro da minha mãe, que observava a tudo com o nariz empinado. O irmão do aniversariante saiu da sala logo depois do tapa do pai, sem saber como reagir. O meu pai ficou quieto, olhando a cena toda sem sequer mudar de expressão. Minha irmã não entendeu nada, e começou a chorar no momento em que meu tio derrubou o filho dele.“

- E o pior disso tudo... – Namjoon concluiu, finalmente olhando para Hoseok, com um olhar frágil, sôfrego – Foi ouvir meu pai aprovando a atitude do irmão.

O silêncio se instaurou novamente naquela sala. Agora não havia nada, nenhum cachorro querendo atenção, nenhum amigo contando histórias, ou qualquer outra coisa que tornasse aquele ambiente menos frio e tenso. E Hoseok agora conseguia, finalmente, entender o motivo da preocupação do outro. Não era só um caso de incerteza sobre a aceitação dos pais, era a certeza de que Namjoon talvez nunca voltasse a falar com sua família caso algum dia viesse a apresenta-lo. Um calafrio percorreu sua espinha quando pensou que, caso alguma coisa tivesse sido diferente em sua vida, poderia ser ele no lugar de Namjoon, e os seus pais no lugar dos dele julgando um primo diante dos familiares. A perspectiva deixou-o enjoado, e ele precisou se apoiar na parede para não cair. E pela primeira vez naquela discussão, a raiva deu lugar a outro sentimento: mágoa.

- E por que você não me contou isso antes? – Hoseok falou, sua voz encolhida depois da história – Você podia ter evitando tantas coisas desnecessárias apenas me explicando isso... – Sua voz ficou um pouco mais forte, proporcional à dor que suas palavras expressavam. Lágrimas começavam a queimar seu olho inchado - A gente poderia já ter conversado com o seu pai, eu não teria apanhado que nem um cachorro, essa discussão nunca teria ocorrido...

Namjoon não conseguia erguer o olhar. Simplesmente não conseguia. Temia olhar para ele e confirmar o que já era certeza: a decepção de Hoseok com ele.

“Por favor...” Ele pensava, algumas lágrimas já escorrendo pelo rosto, “Por favor, por favor, por favor.... Não me olha assim. Me deixa tentar consertar tudo. ” .

- ... E eu não estaria acabando com tudo agora.

O estômago de Namjoon sentiu o peso de todo o corpo cair sobre ele. Imediatamente ele levantou o olhar, espalhando lágrimas com o movimento repentino. Seu rosto era um misto de perplexidade, vergonha, sofrimento e incredulidade, as trilhas molhadas descendo dos olhos até o queixo.

- Não, Hoseok... – Ele balbuciou, segurando um soluço gigantesco na garganta – Não faz isso. Eu errei, eu sei disso, mas por favor. A gente pode conversar.

- Namjoon... Eu não vou conseguir ficar com alguém que não faz o que precisa fazer – Hoseok estava bem próximo de lágrimas também, mas não queria chorar ali, não agora – É só isso que eu tenho pra falar.

- Por favor, Hoseok – Namjoon estava forçando os seus nervos ao limite para não chorar convulsivamente – Me deixa tentar compensar. Eu consigo, você sabe... – E depois de um segundo, em desespero, falou - ... Eu te amo.

“Eu te amo”. As três palavras que Hoseok não queria sob hipótese nenhuma ouvir agora. As lágrimas rolaram lentamente pelo rosto inchado, e ele explodiu novamente.

- ENTÃO LIGA PRO TEU PAI, CARALHO – Gritou, em uma tentativa de afastar as lágrimas, sem sucesso – LIGA PRA ELE AGORA, E DIZ QUE VOCÊ É GAY MESMO! DIZ PRA ELE QUE VOCÊ NÃO VAI MUDAR ISSO, E QUE ELE TAMBÉM NÃO!

Namjoon congelou diante da condição imposta.

- Não me pede isso – Disse entre os dentes trincados – Eu não vou conseguir falar com ele agora, e você sabe que não... por favor... – Ele não conseguiu completar a frase. O soluço preso na garganta foi forte demais. Imediatamente após o primeiro, veio outro, e outro, e mais um. As lágrimas agora não escorriam, apenas corriam. Sua dor finalmente atingira seu limite.

Hoseok ainda olhava-o de cima. Já sabia que a resposta seria algo parecido, mas o choro o pegara desprevenido. Suas próprias lágrimas já caíam, mas ele não voltaria atrás agora. Não agora, depois de todo o ocorrido na praça.

- É, foi o que eu pensei – Disse, afinal. E abriu a porta atrás de si – Por favor, Namjoon... Vai pra casa.

Namjoon ainda tentou falar alguma coisa. Qualquer coisa que o deixasse ali por mais alguns momentos. Qualquer coisa mesmo. Qualquer coisa que não fossem aquelas lágrimas e soluços, que ele amaldiçoava com todas as forças naquele momento.

Nada saiu.

E ele também.

 

 

Quanto tempo já fazia desde aquela briga? Dias, semanas, meses? Namjoon não fazia ideia, sequer fazia questão de saber. As memórias daquele dia ainda estavam muito frescas, todas elas. Chegar na praça com Jung Hoseok, ser derrubado pelo pai enquanto este surrava seu amante, a discussão catastrófica resultante... E o fatídico término. Namjoon se contorceu na cama, como se uma mão gelada envolvesse seu peito. Já havia amanhecido, e o sol já surgia ao longe, entrecortado por nuvem negras espessas. O dia prometia ser bem frio. Ele odiava dias frios. Odiava com todas as suas forças.

Não queria sair de casa. Não ainda, pelo menos. Se saísse, com quase toda certeza encontraria Hoseok descendo as escadas, e ele não sabia se o seu orgulho (ou talvez sua vergonha) resistiria a vê-lo novamente. Havia chego ao ponto de escolher as matérias da faculdade de forma a não ter que cruzar com ele, mas o hábito de acordar mais cedo ainda era mais forte do que ele. E Yoongi acordava aproximadamente no mesmo horário, o que dificultava dormir além da marca das seis da manhã. E lá ficava Kim Namjoon, quase todas as manhãs, sozinho com seus pensamentos e lembranças dos dois meses que passara com o seu vizinho.

Não havia um dia que se passasse sem que ele lembrasse de detalhes da briga com Hoseok. De como eles chegaram na casa dele. De como Hoseok havia ficado momentos apenas encarando a porta, como que colocando as ideias em ordem. Da explosão dele, que tanto assustou Namjoon. Da explicação que ele teve que dar, que gerou ainda mais atrito. E da porta aberta. Aquela porta aberta, revelando o caminho para o corredor e as escadas. De como descer aquelas escadas parecia ter sido andar pelo corredor da morte. De entrar em casa e dar de cara com um Yoongi confuso, e repelir qualquer tentativa de contato dele. De chorar. Chorou do momento que entrou no quarto até anoitecer, e dali até dormir. De acordar no dia seguinte e pensar, aliviado, que havia tudo sido um pesadelo terrível. E então lembrar que tudo realmente havia ocorrido.

Um andar? Não, era mais do que isso. Lembrar das cenas daquele dia já era dolorido o suficiente. Mas pior do que isso era que elas sempre vinham acompanhadas pelos momentos bons que eles tiveram juntos. Namjoon se retorceu na cama, encolhendo-se mais ainda. Essas lembranças é que o matavam. Lembrar de quando ficaram pela primeira vez. De quando saíram pela primeira vez. Da primeira noite deles juntos. Não sabia como ainda não havia enlouquecido, com essas lembranças. Não lhe entrava na cabeça que tudo aquilo houvesse acabado por um descuido dele. Não, definitivamente não era um andar. A distância entre os dois naquele momento parecia grande o suficiente para preencher o vazio no peito de Namjoon.

Incapaz de lidar com esses pensamentos por mais um segundo que fosse, Namjoon decidiu se levantar e ir tomar café. Saindo do quarto deu de cara com Suga, sentado à mesa comendo uma tigela de cereal. Sua barriga roncou um pouco ao ver a tigela. Nada mais justo, visto que comia mal nos últimos tempos. Suga olhou para ele. Já estava pronto para ir para o trabalho, em uma estação de rádio local. O gato dos dois ainda dormia no sofá, como um trapo velho jogado. Namjoon serviu-se de uma tigela de cereal, e sentou de frente para Suga, sem dizer uma palavra.

Suga não se deu ao trabalho de dizer nada. Já estava a par da situação, e, para ele, tudo que havia para ser dito já estava implícito para os dois. E Namjoon sabia disso, mas isso não tornava mais simples. A decisão que tinha para tomar não havia sido fácil antes, e não seria agora. Nenhuma palavra foi trocada entre os dois durante todo o tempo em que ficaram juntos. Após alguns minutos, enfim, Suga se levantou, apanhou sua pasta e foi em direção à porta. Estava quase saindo, quando Namjoon finalmente disse algo, sua voz rouca e pedinte:

- Você acha que tenho que fazer isso?

Suga olhou para ele em silêncio. Pensou em dizer que não, que era melhor que fizesse as coisas no seu tempo, como sempre defendera. E chegou a abrir a boca para dizer essas palavras, mas em seu lugar saíram outras.

- Eu acho que você já sabe se tem que fazer ou não – E então, dando um meio sorriso, saiu, fechando a porta atrás de si. O som de seus passos descendo as escadas ainda pode ser ouvido até chegar no segundo andar, quando sumiram.

Namjoon terminou de comer e voltou para o quarto. Rapmon seguiu-o quarto adentro, e se deitou do lado dele. Namjoon nunca havia verdadeiramente apreciado a presença daquele gato como nos últimos dias. Se não fosse por ele e por Suga, talvez estivesse bem pior. E talvez não estivesse prestes a fazer o que ia fazer agora. Ficou sentado, acariciando a barriga branca do gato, olhando para o celular em seu colo, imaginando as possíveis reações que aquela ligação causaria. Chegou a discar o número diversas vezes, mas nunca completava a ligação. Não conseguia.

“Kim Namjoon, você tem que fazer essa ligação”, pensou, exasperado, quase jogando o celular na parede, “Isso não é só por você, é pelo Hoseok também”.

Finalmente, depois de protelar por quase uma hora inteira, discou o número. Seu coração parecia bater em compasso com o toque da chamada, em intervalos que deviam ser muito longos para serem saudáveis. Ele não saberia dizer isso. E então, a voz masculina atendeu. Ela era áspera, como um som de pedras sendo raspadas. Era a voz que o ensinara a falar suas primeiras palavras. A voz que havia se emocionado a cada aniversário seu. A voz que lhe assombrava desde o almoço em família. Aquela que, ainda hoje, aparecia em seus pesadelos, jogando-o no chão e gritando todo o tipo de ofensa.

- Alô? Quem fala? – A voz de seu pai chamou do outro lado da linha, a espera de uma resposta.

A princípio, Namjoon achou que fosse desmaiar. Sentiu-se realmente bem próximo disso. Mas naquele momento ele não podia. Suas mãos tremiam ao ponto de cansarem os braços, e por um segundo Namjoon teve a impressão de que vomitaria. Mas ele não podia voltar atrás. Não podia. Não podia.

- Se você não responder eu vou desligar – Disse seu pai, com um tom decisivo.

- ... Oi pai – Namjoon finalmente falou, após todo o silêncio. Ele quase riu ao se dar conta de que aquela era a primeira conversa que teria com seu pai desde o almoço de seu primo. Não que fosse engraçado, era apenas uma risada nervosa.

Por um instante não houve reposta do outro lado da linha. Namjoon chegou a pensar que o pai havia desligado assim que ouvira sua voz, mas então a voz soou novamente.

- ... Namjoon? É você?

- Sim pai, sou eu – Namjoon respondeu, com o coração aos pulos e a língua seca como areia – Eu acho que a gente precisa conversar um pouco...

 

Hoseok havia acordado particularmente tarde naquele dia. Não que houvesse acordado horas mais tarde (de fato havia acordado com apenas uma hora de atraso), mas era o suficiente para incomodá-lo. E coisas que o incomodassem apareciam agora com mais frequência do que antes. Passou a mão pelo rosto, tanto numa tentativa de se despertar quanto para analisar seu rosto. O olhou roxo já estava quase sumindo, mas uma mancha avermelhada ainda denunciava a lesão, e o queixo já não estava mais inchado, mas ainda latejava um pouco quando abria demais a boca ou quando sorria. Mas quanto aos sorrisos ele não precisava se preocupar muito. Poucas coisas vinham o fazendo sorrir. Não queria admitir para si mesmo, mas sentia mais falta de Namjoon do que julgava.

Levantou da cama vagarosamente, ainda pensando no vizinho do andar de baixo (seria somente um andar mesmo?). Não conseguia esquecer da surra que o pai dele lhe dera naquele final de semana (e seu corpo também não), assim como não conseguia esquecer a discussão que teve com Namjoon. A princípio, a discussão terminaria apenas com cada um indo para sua casa no fim, e no dia seguinte eles conversariam melhor. Era isso que Hoseok achava pelo menos, até que seu amante contou-lhe a história do seu primo. A princípio ficou chocado com a atitude dos familiares de Namjoon, com a selvageria com que trataram um membro dos seus. Em seguida, ficou chocado com o fato de Namjoon não ter lhe contado isso antes. E no fim, esse choque virou mágoa. Para ele, o fato de Namjoon ocultar a história significava que ele não confiava em Hoseok. E não ser digno da confiança de alguém para quem havia se entregado completamente pelos últimos meses era, no mínimo ofensivo. A surra, a história oculta de si, a vergonha que sentia pelas duas coisas... tudo isso culminou naquele término. E nele fechando a porta atrás de Namjoon.

Lágrimas começavam a escorrer novamente por seu rosto quando foi tomar café. Hoya estava deitado no sofá, ainda roncando quando ele chegou na sala. Hoseok olhou para ele com carinho, enquanto fazia seu café da manhã. Saber que ele estaria ali, esperando por ele quando voltasse do trabalho o acalmava um pouco. Mas não diminuía a dor que ele sentia. Lembrava do sorriso de Namjoon, do jeito como seu humor irônico parecia melhorar a cada dia, da forma como ele costumava passear com os dedos pelo corpo de Hoseok... Tudo isso parecia piorar ainda mais a manhã de Hoseok.

Após tomar o café e limpar suas lágrimas, Hoseok tomou seu banho e se arrumou. Não podendo se dar o luxo de atrasar mais ainda, ele fez um último carinho em Hoya, deixou sua tigela de comida cheia e saiu, trancando a porta atrás de si. Por um breve momento se imaginou no lugar de Namjoon no dia em que o expulsou de casa. O pai o havia humilhado em público, batido em seu namorado e, muito provavelmente, o deserdado no mesmo dia. E para melhorar o seu dia, o mesmo namorado que havia apanhado agora havia terminado com ele. A vertigem que atingiu Hoseok apenas por se imaginar naquela situação foi tremenda.

Hoseok desceu o primeiro andar, e antes de continuar descendo, parou diante da porta de Namjoon e Yoongi. Ficou encarando-a por alguns momentos. Àquela hora da manhã Suga já teria saído para trabalhar na rádio, e Namjoon provavelmente já teria ido para a aula... Mas custava alguma coisa tentar? Quer dizer, por mais que houvesse terminado com ele, eles ainda eram vizinhos, e vizinhos se preocupam uns com os outros, não? Principalmente quando um deles está tão mal quanto Namjoon aparentava estar. E se não houvesse ninguém, sequer se incomodaria, e seguiria seu rumo para o trabalho. Por fim, seu impulso foi mais forte que ele: deu três batidas na madeira dura da porta.

Nada lá dentro. Nenhuma resposta foi ouvida. Hoseok ainda ficou mais um minuto esperando algum sinal de que houvesse alguém em casa, mas nada. Suspirou, quase decepcionado. Estava prestes a sair andando, quando finalmente uma voz familiar respondeu lá de dentro.

- A porta tá aberta, pode entrar.

Era Namjoon. Por algum motivo ele ainda estava em casa àquela hora. E será que ele sabia que era Hoseok na porta? A voz dele parecia diferente. Será que ele havia acabado de acordar? Como que para responder a sua pergunta, ouviu novamente do lado de dentro da porta:

- Eu sei que é você, Hoseok – Disse Namjoon. Sua voz realmente parecia cansada – O Yoongi tem a chave, ele não ia bater assim.

Hoseok encostou na maçaneta, mas não a abaixou. Não sabia como olhar para Namjoon depois de todo aquele tempo. Não sabia o que falar. Meu Deus, ele sequer sabia porque havia decidido ir ali. Aquilo era ridículo, não havia motivo para ele ter feito aquilo. “Sim, há um motivo, sim”, ele pensou, olhando para a mão encostando na maçaneta “Eu estou com saudade dele. ”. E ele sabia que era verdade. Não havia motivo para duvidar daquilo. O que ele não sabia era se Namjoon realmente queria vê-lo. E logo em seguida, a resposta do seu questionamento surgiu.

- Eu conversei com o meu pai, sabe? – Namjoon disse, do outro lado da porta, em uma última tentativa de chamar a atenção do homem do andar de cima – E eu acho que agora a gente podia conversar... Sobre tudo. Me dá só uma chance...

Era isso que faltava para Hoseok. Alguns segundos apreensivos depois, ele entrou pela porta, e viu Namjoon ali, sentado no sofá, com o rosto aparentando tanto cansaço quanto sua voz. Mas ele parecia... em paz. Qualquer que houvesse sido o rumo da conversa com seu pai, parecia ter tirado um grande peso das costas dele, e isso foi um alívio grande para Hoseok. Talvez a conversa que os dois tivessem agora fosse boa.

- Bom, você queria uma chance – Hoseok falou, depois de segundos de silêncio esmagador. E em seguida, deu um meio sorriso – Eu estou aqui. Pode começar.

Ao ouvir isso, Namjoon sorriu. Deus, como Hoseok amava aquele sorriso.



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