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História Um caso para um caso - Lírio amarelo


Escrita por: Pineapplee

Capítulo 5 - Lírio amarelo


Quando John acordou no dia seguinte, a luz da manhã já entrava no quarto através das cortinas entreabertas. O loiro esfregou os olhos com uma das mãos, sentindo-se mais letárgico que o comum, e percebeu que estava com um pouco de dor de cabeça. Maldita ressaca.

Ao abrir ligeiramente os olhos, John se deu conta de que estava em um ambiente completamente diferente do habitual, e só então lembrou: Ele estava no meio de um caso, estava num hotel no outro lado da Europa, muito longe de casa, e sobretudo, estava "namorando" com Sherlock. 

Quando olhou para o outro lado do colchão, John se deu conta de que estava sozinho na cama. Ele tateou o lugar onde o detetive havia dormido na noite anterior, que agora, encontrava-se frio e vazio. Além disso, tudo estava muito silencioso. John levantou com calma e foi até os demais compartimentos do quarto, apenas para se certificar de que o amigo realmente não estava ali. E de fato, não estava. 

Onde será que você se meteu? Watson não fazia a menor ideia, mas deu de ombros e resolveu apenas se aprontar para começar o dia. Quando terminou de se arrumar, ele ligou para a Sra. Hudson a fim de saber como Rosie estava e ficou tranquilo ao saber que tudo corria bem. Depois disso, John deixou o quarto e foi até o restaurante do hotel para tomar seu café da manhã, na esperança de que talvez encontrasse Sherlock por lá. Só que mais uma vez, John não o encontrou. 

Então, após se alimentar, o médico decidiu dar uma volta pelas imediações do hotel para respirar um pouco de ar puro — e consequentemente, continuar sua procura. Ele percorreu os olhos por todos os cantos que sua vista conseguiu alcançar, mas ainda assim não avistou o detetive em lugar algum. 

John não teve outra alternativa além de voltar para o quarto e esperar que o amigo aparecesse. E assim ele fez, retornando para suas instalações e empenhando-se em ocupar seu tempo como podia. Holmes só deu as caras no começo da tarde, depois do médico ter passado várias horas seguidas inteiramente sozinho. Quando ouviu o som da porta abrindo e avistou o detetive, John ergueu o olhar e enfim tranquilizou-se um pouco mais.

— Olá, John. — Sherlock cumprimentou-o de maneira absolutamente trivial e entrou no quarto com algumas sacolas nas mãos. Ele deixou-as sobre a cômoda da salinha e finalmente olhou para o companheiro, que a essa altura até parecia fazer parte da mobília do quarto, tamanho o tempo em que estava ali.

— Ah, você apareceu. Eu já estava começando a achar que tinha morrido.

— Não seja dramático. Eu estava trabalhando.

— Onde esteve a manhã inteira?

— Estava com o Henry. Tentei me aproximar um pouco mais dele, mas ainda não consegui nenhuma informação muito relevante. Quem sabe nas próximas vezes. Ah, eu passei no mercado e comprei algumas coisas pra você.

— Você passou no mercado? E comprou coisas? Você? — John perguntou descrente.

— Algum problema?

— Você nunca faz isso.

— É claro que faço. — Sherlock franziu o cenho como se tivesse recebido uma ofensa.

— É, uma vez a cada 2 anos. Eu nem vi quando você saiu. — Watson disse a última frase num tom um pouco mais baixo.

— É claro que não, eu saí cedo. Aliás, preciso sair de novo. E dessa vez você vem comigo. — O detetive lhe lançou um olhar lisonjeiro e caminhou até a porta, e diante disso, o loiro abriu um enorme sorriso.

— Até que enfim. 

Watson passou tantas horas ansiando pela companhia do melhor amigo que sequer perguntou aonde iriam. Sherlock também não pareceu se importar muito em dizer. 

Quando os dois deixaram o hotel, John sentiu-se verdadeiramente satisfeito por enfim sair um pouco de dentro daquele lugar. Afinal a cidade era bonita demais para se ficar trancado no quarto.

Enquanto andavam pelas ruas, Sherlock tomou a liberdade de pegar na mão de John e entrelaçá-las, coisa que, desde que chegaram na cidade, já estava quase virando um hábito sempre que saiam em público. Sherlock realmente esperava que isso fosse indicativo de status o suficiente para qualquer um que os visse. O médico, por sua vez, já estava até um pouco mais habituado àquele contato, e arriscaria dizer que, inclusive, confortável.

Depois de alguns minutos de caminhada, eles chegaram a um lugar muito semelhante a uma praça. Era um espaço aberto, repleto de árvores, bancos e pássaros. Haviam alguns estabelecimentos nas redondezas, e John não tardou a perceber que Sherlock tinha interesse em um deles em particular. 

O detetive o guiou até uma floricultura pequena, mas muito agradável. Nela haviam diversos tipos de plantas, sementes, vasos e outros acessórios para jardinagem. Sherlock foi o primeiro a entrar na loja, seguido do loiro, fazendo com que alguns sinos tocassem quando eles atravessaram a porta de vidro, anunciando suas chegadas.

Logo alguém apareceu para atendê-los. Um homem de cabelos grisalhos, na faixa dos 50 anos, aparentemente simpático e de muito bom humor.

— Boa tarde, meu caros! Posso ajudá-los em alguma coisa?

— Boa tarde. — Sherlock disse casualmente. — Somos turistas, estávamos apenas passando por aqui e gostamos muito da sua floricultura. Tudo é muito bonito aqui.

— Ah! Que ótimo. É muita gentileza sua. — O homem disse cortês, abrindo um largo sorriso. — Tem interesse em comprar alguma coisa?

— Certamente sim. Me dê apenas alguns minutos.

— Ah, fique a vontade. Você e seu namorado. — Ele cumprimentou o médico, que lhe deu apenas um breve aceno de cabeça e um pequeno sorriso.

Holmes desvencilhou-se um pouco da mão de seu companheiro e passeou pela loja, fingindo interesse em algumas mudas de flor. John não pôde deixar de notar que desde que entraram ali, o detetive havia ressaltado bastante o seu sotaque britânico. E conhecendo-o bem, ele sabia que o amigo certamente tinha alguma intenção com isso.

— Os senhores são ingleses? — O floricultor perguntou algum tempo depois, e Sherlock imediatamente olhou em sua direção com um sorriso entusiasmado. Então era isso.

— Ah, sim! Viemos da tão adorada Inglaterra.

— É um bom país, de fato.

— Você já chegou a conhecer? — O detetive indagou cerrando um pouco os olhos.

— Tive o prazer de visitar algumas vezes, mas sempre a trabalho. Há certas espécies de flores que são muito mais fáceis de se conseguir na Inglaterra do que em qualquer outro lugar do Reino Unido.

— Oh sim, eu imagino.

John observou Sherlock conversar com o floricultor por mais alguns minutos sobre assuntos diversos, que pareciam até despretenciosos para quem quer que ouvisse, mas John sabia muito bem que o detetive estava conseguindo exatamente todas as informações de que precisava.

Depois de dar mais uma olhada em algumas flores que haviam por ali, Sherlock parou em frente a alguns lírios.

— Ah, lírios amarelos. Esses aí eu também consegui em Londres. — O floricultor ressaltou.

— São muito bonitos. — Sherlock pareceu dizer mais para si mesmo do que para os outros dois que estavam ali, mas John custava a crer que o amigo realmente estivesse admirando as flores. Na verdade, agora ele parecia refletir intimamente sobre alguma coisa. — Vou querer um buquê desses lírios, por favor.

— Ah, pode deixar. — O homem disse sorridente, e foi buscar as ferramentas e embrulhos necessários para separar as flores.

Enquanto isso, Sherlock voltou para o lado de John, lançando-lhe um olhar breve. Quando o vendedor voltou com o ramo em mãos, o detetive recebeu educadamente e fez o devido pagamento pela compra.

— Aqui está. Obrigado, Sr...

— Moss.

— Sr. Moss. Muito obrigado.

— Eu que agradeço. Boa tarde pra vocês. E aproveitem a viagem!

O falso casal lhe sorriu e enfim deixou o estabelecimento, fazendo os sinos da porta soarem novamente. Na saída da loja, Sherlock olhou para trás uma última vez e em seguida se pôs a observar a ampla praça ao seu redor.

— Vamos sentar ali. — Disse ele, apontando para um dos bancos que ficava na sombra de uma árvore frondosa.

Watson assentiu e foi em seu encalço. Enquanto andavam até lá, Sherlock separou um pequeno lírio com uma das mãos, e com a outra estendeu o buquê na direção de John, fitando-o de relance.

— Pra você. — Ele disse de maneira simplória, como se estivesse meio acanhado.

John ergueu o olhar rapidamente, encarando-o surpreso e desconcertado, mas não demorou a pegar o ramo de lírios de suas mãos.

— Ah- Ham. Obrigado.

Sherlock nada respondeu. Quando chegaram ao banco da praça, ambos sentaram-se um ao lado do outro e ficaram observando a paisagem por algum tempo. John olhou para o buquê em suas mãos. Ele queria muito conseguir permanecer calado e apenas aproveitar o momento, ou ao menos falar sobre qualquer outra coisa, mas sua curiosidade e expectativa pelo caso não permitiriam que ele o fizesse.

— Por acaso aquele era...?

— Isaac Moss? Ex-amigo de Santiago e nosso principal suspeito? Certamente sim. — Sherlock completou seu raciocínio antes mesmo que o parceiro o concluísse.

— Ele não pareceu muito suspeito pra mim.

— Não se deixe enganar pela simpatia das pessoas, John.

— É, eu com certeza não devo fazer isso. — John disse com um meio sorriso, lembrando das incríveis habilidades de atuação de seu amigo. 

— Como? — O detetive indagou sem entender muito bem. O outro apenas balançou a cabeça.

— Deixa pra lá.

— Bom, mesmo que não se deva deixar levar por primeiras impressões, eu devo confessar que ele também não me pareceu muito suspeito. Ou pelo menos, não a primeira vista. — Holmes confessou a contragosto. — Droga. Preciso de mais dados. Vou bisbilhotar a casa dele hoje a noite e ver se descubro algo importante.

— Espera, você vai simplesmente invadir?

— A floricultura fica no andar de baixo e a casa fica no andar de cima. Não deve ser tão difícil subir na grade e entrar pela janela do segundo andar.

— Não é isso que eu estou querendo dizer. Ele pode acabar te pegando no flagra.

— Ele não vai. Isaac faz caminhadas noturnas pelo bosque das 19 às 20:30, eu pretendo usar esse meio tempo.

— Como sabe disso?

— Não foi muito difícil deduzir pelo tênis e pelos alarmes do relógio de pulso dele. Então não se preocupe. Antes mesmo que ele pense em voltar pra casa, eu já vou ter vasculhado cada metro daquele lugar e conseguido descobrir tudo o que puder sem que ele nem mesmo perceba que alguém cometeu uma invasão de domicílio ali.

— Hum... então está bem. — John disse um pouco mais despreocupado, apesar de não aprovar infligimentos à lei nos casos que resolviam. Mas era fato que ele não costumava duvidar do detetive e tampouco questionar seu modus operandi, já que este se mostrava bastante efetivo na grande maioria das vezes. Então, John não poderia reclamar.

— Eu estava convicto de que poderia mesmo ser ele. — Sherlock disse baixinho, olhando para as árvores a sua frente.

— E não está mais?

— Estou apenas aberto a mais possibilidades agora. Mas ainda assim... não me sai da cabeça que Isaac viajou até Londres exatamente no meio tempo em que Santiago foi assassinado. É improvável que tenha sido pura coincidência. Decore minhas palavras, John: ou deve haver alguma explicação muito boa pra isso, ou Isaac é o culpado pela morte de Santiago Llyod.

John apenas assentiu em silêncio, mas provavelmente estava tão ansioso por respostas quanto o próprio detetive.

— O que faremos agora? — Watson indagou olhando para ele com seus olhos curiosos.

— Por enquanto, apenas esperar que Isaac saia de casa.

— Ah. — John assentiu outra vez, voltando a fitar a paisagem ao seu redor.

Sherlock mirou no pequeno lírio que ainda estava em sua mão e girou-o entre os dedos. Depois, ele ergueu o olhar e fitou o companheiro por alguns instantes. De maneira quase despretensiosa, Sherlock ergueu a flor lentamente e levou-a até atrás da orelha de John. O amarelo vivo fazia um bonito contraste contra os seus fios grisalhos e loiro-desbotados. 

Quando percebeu o que Sherlock estava fazendo, John voltou a encará-lo com surpresa, afinal o gesto foi completamente inesperado. As pétalas da flor e as pontas dos dedos de Sherlock acabaram encostando levemente em sua pele, provocando-lhe um arrepio profundo que começou ali e se estendeu por quase todo o seu corpo. 

— O-o que está fazendo?

— Redecorando. — Sherlock respondeu com simplicidade, dando um pequeno sorriso e desviando o olhar do lírio para fitar os olhos límpidos de John. O loiro ficou hipnotizado por tudo aquilo. A troca de olhares foi breve e singela, mas foi mais que suficiente para que algumas borboletas batessem asas de maneira fervorosa, e não na praça em que estavam, mas sim em seu estômago, para ser mais específico.

Sherlock foi o primeiro a cessar o contato visual, voltando a encarar as árvores como se não tivesse feito nada demais. Ironicamente, para John, ele havia feito algo em tanto. Mas o médico apenas engoliu em seco e tentou agir normalmente.

— Esse lugar realmente tem alguma coisa que nos traz uma certa paz, não acha? — Sherlock comentou com certa trivialidade.

— É, acho que sim. — O outro piscou repetidas vezes, encarando o próprio colo.

Depois de algum tempo, Sherlock se mostrou disposto a dar uma pequena trégua naquele caso até o anoitecer — quando a busca por pistas se daria de maneira um pouco mais direta —, e assim, convidou John para conhecer alguns pontos da cidade que ele próprio já havia visitado quando fez sua ronda no dia anterior. Watson ficou realmente encantado com como aquela cidadezinha conseguia ser tão pacífica e bonita, sobretudo no verão. 

Ao longo do passeio, eles conheceram algumas lojas locais e um café muito agradável onde puderam sentar um pouco e tomar 2 capuccinos, enquanto viam o tempo passar. Eles também descobriram o significado da palavra galesa Cwtch*, conheceram o rio Ebbw e andaram de mãos dadas por toda a margem. John estava começando a apreciar bastante o contato com a mão do parceiro, apesar da problemática de que, às vezes, isso o incitava a desejar um contato ainda maior.

Quando o sol se pôs, eles voltaram para suas instalações, jantaram no buffet do hotel, e por fim, subiram para o quarto. John sentou sobre a cama com um sorriso leve no rosto. Um sorriso tão gracioso quanto aquela bela tarde, afinal ele havia apreciado o tempo espairecedor que passou ao lado de Sherlock. Sinceramente, John sentia que estava mesmo precisando disso.

Ao ver o detetive vestir as luvas e se preparar para a noite fria e furtiva que viria pela frente, John levantou para se aprontar também, mas foi interrompido por Sherlock.

— Você fica.

— Como? — Watson ficou um pouco descontente com sua objeção.

— Você fica no hotel e eu vou à casa do Isaac.

— Mas eu quero ir com você. — Ele protestou como uma criança que deseja muito ir até onde a diversão está.

— Não. Você deve ficar aqui, por precaução. 

— O quê? Por quê?

— Primeiro porque nesse tipo de coisa eu trabalho melhor sozinho. E segundo porque é noite. Se alguém me flagrar, só um de nós dois vai ser visto. É melhor assim. — Sherlock olhou em seus olhos com convicção, mas John não parecia muito satisfeito, então o detetive se viu na necessidade de dizer alguma coisa para conformá-lo. — Você pode vir comigo em outra ocasião, ok? Quando for mais oportuno.

— E enquanto isso eu fico aqui e espero você voltar? Como um inútil?

— Exato. Não que você seja um inútil, é claro. Faça o que quiser enquanto eu estiver fora, só não chame atenção demais. — Sherlock olhou mais atentamente para ele e parou para refletir por um instante. — Pensando bem, é melhor que vá dormir. Eu vejo o quanto está cansado pela viagem. Você precisa de um pouco de descanso.

— Não parece divertido pra mim.

— Sinto muito.

— Não, não sente.

— É, não mesmo. — Sherlock disse com certa indiferença, terminando de colocar o cachecol e aprumando o sobretudo no corpo. — Não me espere acordado. Boa noite, John.

— Boa- — Antes mesmo que John concluísse sua fala, Sherlock já havia batido a porta e lhe deixado sozinho. — noite.

Ao se ver só novamente, Watson apenas soltou o ar de seus pulmões num longo suspiro. Ele fitou a porta por onde o companheiro havia acabado de sair, e então, voltou a sentar sobre a cama.

Enquanto isso, o detetive descia a escadaria do hotel a passos apressados, na tentativa quase exasperada de se livrar da sensação sufocante que estava tomando o seu peito.

Nesse momento, havia uma dúvida inquietante na mente de Sherlock. Uma dúvida esmagadora e impertinente. Bem, para falar a verdade, havia bem mais de uma.

Pra começar, por que Sherlock havia sugerido esse disfarce, mesmo sabendo das possíveis problemáticas e dificuldades que isso traria para si? E depois, por que diabos ele se sentia tão desnorteado, tão fora de si e tão vulnerável na presença de John? Por que estava ficando tão difícil para Sherlock continuar fingindo que aquele disfarce não era nada demais?

Porém, bem lá no fundo, talvez nada disso devesse ser chamado de "dúvida". E de fato, não poderia. Não quando Sherlock tinha absolutamente todas as respostas. Então, para ser mais preciso, talvez isso devesse ser chamado apenas de "questão existencial". Afinal a única coisa que Sherlock não sabia era como lidar com isso, e aparentemente, também não sabia dos sentimentos intrínsecos que habitavam o coração de John Watson. Porque Sherlock estava tão enclausurado em sua própria bolha, e estava tão atordoado pelos próprios sentimentos, que acabava deixando passar os claros sinais de tudo o que o médico realmente sentia por ele. E isso fazia de Sherlock simplesmente incapaz de enxergar além daquilo que seus olhos captavam em John — que era um certo desconforto, uma grande perturbação e um nervosismo latente, nada que ele não tivesse previsto antes —, lhe nublando, então, da verdade pura e simples: John estava intensamente, profundamente e perdidamente apaixonado, de modo secreto e reservado, era verdade, mas ainda assim, apaixonado.

Era uma pena que Sherlock não conseguisse enxergar isso, mas era como seu próprio irmão costumava dizer: Sherlock era gênio para certas coisas, e completamente tapado para outras.

O detetive jamais revelaria, mas um dos principais motivos pelos quais havia impedido John de vir consigo essa noite era porque estava ficando cada vez mais difícil continuar na presença do médico sem deixar transparecer o que sentia por ele — fato esse que era quase inacreditável para os seus padrões, porque Sherlock sempre soube se conter muito bem. 

Mas era fato: Sherlock amava John Watson, e não apenas de um jeito amigável, inocente ou fraternal. Não, não era apenas assim. Porque amigos não deveriam sentir o mesmo que Sherlock sentia por John. Amigos não deveriam ver um ao outro da mesma forma que Sherlock o via. Amigos não deveriam ter uma vontade quase insana de provar os lábios do outro. Amigos não deveriam ter seus desejos sexuais despertados em função de uma amizade, não um desejo tão apaixonante e tão veemente quanto aquele.

Holmes não sabia exatamente em que momento havia chegado a esse patamar, mas era preocupante. Agora, ele sequer mensurava as consequências e o peso de suas ações antes de fazê-las, deixando-se levar por aquilo como se não houvesse válvula de escape. O simples gesto de colocar aquela maldita flor atrás da orelha de John, a exemplo disso, foi uma ação tomada por mais puro impulso. Pelo menos Sherlock tinha o disfarce como uma desculpa plausível para tal.

Mas céus, céus, como era difícil ter John tão perto de si e tão distante ao mesmo tempo. Era enlouquecedor dividir a cama com ele mas não poder tocá-lo da forma que queria. Era frustrante andar de mãos dadas com ele quando estavam em público, mas ter que soltá-lo quando estavam a sós. Era desolador poder tratá-lo como seu par em certos momentos e saber que no fundo era uma completa mentira, por que em outros momentos do dia tudo isso simplesmente se esvaia como fumaça ao vento.

A tarde lhana que passou ao seu lado foi uma pequena tentativa de satisfazer a vontade que John tinha em aproveitar um pouco a viagem, sim, mas também foi uma tentativa de tê-lo para si por um pouco mais de tempo do que deveria. Uma tentativa de atender aquela vontade cálida e quase lasciva que, apesar de tudo, Sherlock precisava suprir. Ele não sabia porquê se torturava tanto. 

Holmes havia falhado miseravelmente em não sentir, e agora, parecia tarde demais para tentar conter ou evitar. O sentimento já havia lhe tomado, e queimava um pouco mais a cada dia que se passava, tal como fogo num papel encharcado em gasolina. Porém, ele precisava de foco. Precisava se concentrar no caso que havia sido posto em suas mãos, precisava estar com a cabeça no lugar para realizar a invasão que estava prestes a fazer, e seria exatamente isso o que ele faria: ter foco. Ou pelo menos, pelas próximas horas.

Enquanto isso, no quarto do hotel, John já havia trocado de roupa para dormir. Ao deitar a cabeça no travesseiro e se cobrir com os lençóis, ele olhou para a imensidão daquela cama acolchoada e se martirizou internamente ao perceber que havia gostado de dormir com Sherlock na noite anterior, e que agora se sentia um tanto solitário por não tê-lo ali consigo.

John olhou para os lírios que havia deixado num vaso sobre a cômoda, e lembrou-se de que ainda não havia tirado o pequeno lírio amarelo que o detetive havia posto em seus cabelos. Será que ele ainda estaria ali? Ao passar a mão atrás de sua orelha, com um meio sorriso, John constatou que sim.

Ele segurou a flor entre os dedos, aproximou-a da própria face e observou seus detalhes com atenção. Enquanto olhava para ela, seu semblante suavizou-se, e seu sorriso até alargou-se um pouco mais. Então, Watson esticou o braço para colocar a pequena flor junto das demais e voltou a encolher-se sob o edredom, a espera que o sono viesse. 

Flores são especiais em diversas culturas ao redor do mundo. Presentear alguém com algo do gênero, sobretudo, pode ser um ato bastante sugestivo. O lírio amarelo por exemplo pode ter diversos significados, e o principal deles, não por acaso, é representar uma amizade que pode se tornar um romance. Mas é claro que John Watson não sabia disso.


Notas Finais


* Cwtch: "dar um abraço aconchegante".


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