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História Um clichê ambulante- firstprince - Parte 24- Henry


Escrita por: EvannaLaRue

Capítulo 24 - Parte 24- Henry


Parte 24- Henry

— Vocês… roubaram um quadro? Por que? Alex, qual o seu problema? — June diz, assim que chegamos no apartamento dela e de Alex. 

Bea já estava aqui, assim como Nora e, com Pez, Alex e eu, a trupe está completa. Meu coração ainda está disparado pelo que acabamos de fazer e eu aperto a moldura no quadro em volta dos dedos, como se ele fosse familiar. 

— E quem é esse? — June complementa, encarando Bryan. 

— O namorado do Pez, aparentemente — eu respondo. 

— Namorado? E o cara que a gente te arranjou naquele dia do show? — Nora pergunta, como se falar da vida amorosa fosse muito mais interessante do que um roubo. 

Cacete. Roubamos um quadro! Eu quero falar sobre isso! 

— Ah, ele é ótimo. — Pez comenta. 

— Não sou ciumento. — Bryan responde, enquanto senta no sofá como se estivesse na sua própria casa. — Mas, só pra saber, quão padrão esse cara é? 

June franze a testa, como se Bryan estivesse falando outra língua. 

— Uns 70%, eu diria. — Bea responde, como se falasse essa outra língua fluentemente. 

Bryan meneia com a cabeça. 

— Aceitável. 

— Por que nenhum de vocês negou quando eu disse que estavam namorando? — Eu digo, encarando Pez. 

Pez desvia os olhos, de repente muito interessado nas suas cutículas. 

— Eu gosto dele. 

Bryan abre um sorriso enorme. 

— Jura? Eu também gosto de você. Então estamos namorando? 

— Se você quiser. — Pez responde. 

— Own. Isso é fofo. — Bea diz e eu reviro os olhos. 

— Isso não é fofo. — Discordo. — O Bryan é um pé no saco. 

— O Alex também. — Pez retruca. 

— Você ama o Alex. 

— É. Você ama o Alex. — Alex concorda. 

— Esse não é o ponto. — Pez diz. 

— Eu acho que não mesmo. O ponto é que o Bryan… 

— Ok, vamos nos acalmar. — Alex diz. — Eu acho legal que vocês queiram conversar sobre isso, mas realmente temos um problema maior aqui. Precisamos nos livrar do quadro, lembram disso? 

— Se o Alex tá sendo a voz da razão nós temos um grande problema. — Nora diz. 

Todos concordam. 

— Ei! — Alex diz. 

— Certo. Precisamos de um plano. Vocês têm um? não quero esse quadro aqui — June diz. 

— Sim, eu tenho. Só achei melhor a gente esperar e esconder o carro por algum tempo antes de irmos até lá — Eu digo. 

— Esconder o carro? Meu deus, qual o problema de vocês? — June diz, inconformada. 

— Você não precisa vir junto  — Alex diz. 

— É claro que eu vou junto! 

— Ok, então pare de reclamar. 

— Eu não estou reclamando, eu to só… 

— Chega. — Eu digo, colocando a mão nos olhos para poder respirar um pouco. Os arranhões que fiz na minha cintura estão ardendo e estou me sentindo patético ao pensar na conversa que vou precisar ter com Alex depois disso. Mas, no momento, preciso empurrar esses sentimentos para algum lugar bem fundo em mim e me concentrar nessa merda de quadro. — Só vamos logo com isso, tudo bem? Se precisarem ir no banheiro vão agora. Serão 2 horas de estrada. 

— Estrada? — Bea pergunta. — Pra onde a gente vai? 

— Pra casa da mamãe. — Eu respondo. 

 

***

 

O lago está completamente escuro quando chegamos. Eu consigo encontrar a direção apenas por conta da lanterna do celular e pela lembrança do caminho, porque conheço esse lugar basicamente desde que nasci. Dou as coordenadas para Pez estacionar o carro — que está completamente lotado — perto da entrada principal, mas não perto o suficiente para que acorde minha mãe. 

Nós andamos por cinco minutos, em completo silêncio. Em algum momento da caminhada Alex fica ao meu lado e entrelaça nossos dedos. Só nesse momento percebo que estou tremendo. 

— Tudo bem? — Alex pergunta, sussurrando. A nossa volta o silêncio é tanto que todos escutam nossos sussurros. 

— Vou dizer quando essa merda estiver no fundo do lago. — Eu digo. 

Não estou pensando direito. E, honestamente, não quero pensar. Quero ter o poder de empurrar todos os sentimentos e acontecimentos ruins da minha vida para algum ponto bem fundo em mim. E, de uma forma completamente bizarra e irracional, eu realmente acredito que ver essa porra de quadro no fundo do lago vai fazer tudo se solucionar magicamente. 

Aperto mais a mão de Alex nas minhas e consigo sentir a respiração dele nervosa. Penso em algo útil para dizer, mas sinto que qualquer coisa que sair da minha boca agora não vai ser realmente acalentadora. Parece que se eu abrir a boca tudo que vai sair é um berro horrível de desespero. Então. Engulo tudo isso e sigo em frente. Um pé na frente do outro, seguindo essa trilha familiar. 

Finalmente, chegamos ao lago. Há algumas luzes noturnas que minha mãe colocou ali na época em que costumávamos acampar, quando meu pai ainda era vivo. Tento não pensar nisso e respiro fundo. Sinto o exato momento em que a crise se aproxima, um formigar no começo da cabeça seguido de um estalo forte. Me sinto zonzo e tento me controlar. 

Eu não vou ceder. Não agora. Não mais. Nunca mais. Qualquer que seja a maldição que eu carrego comigo, acaba agora. Nessa porra de lago que guarda tantas memórias boas de quando minha família não era quebrada. Ele vai guardar as coisas boas, todas as ausências e, agora, esse símbolo do meu desespero. 

Foi por causa desse quadro que tudo começou com Alex. Aquele dia na biblioteca, Alex dando em cima de mim como mais um dos moleques do campus. Penso no quarto ele mudou desde então. E no quanto eu mudei. 

E não foi só porque me apaixonei e porque agora tenho mais um motivo para tentar. Mas foi porque Alex me tirou dos trilhos. Ele simplesmente me mostrou um mundo em que vale a pena estar vivo e não apenas estar sobrevivendo. Um mundo em que eu quero participar, em que eu quero me doar 100%, o tempo todo. 

Alex vem até mim e para ao meu lado, sem me tocar. 

— Baby? — Ele diz e eu respiro fundo, tentando sair do transe. 

É estranho como me impedir de surtar me cansa muito mais do que qualquer exercício físico. 

— Estou péssimo. — Eu digo, baixinho. — Me desculpa. Estou péssimo, mas eu juro que… 

— Não. — Alex me interrompe, colocando a mão na minha nuca. Sua mão está gelada e isso é como um choque de realidade em mim. É bom. Muito bom. — Eu não quero que você me prometa nada. Henry, eu não quero nada de você. Só quero que você fique bem, ok? E depois vamos resolver o resto. 

— Eu não te mereço. 

Alex sorri. 

— Concordo. Mas até aí acho que ninguém merece. Você foi o que chegou mais perto. 

Eu solto uma risada que parece mais um bufar. 

— Eu só quero ver aquele quadro afundando. 

— Então vamos ver aquele caralho afundando. Bota pra foder, vato! 

— Essa é a deixa pra gente destruir essa merda? — Bryan diz, nos interrompendo. A ideia de ele estar ali é tão absurda que sinto vontade de rir de novo. 

— Sim. Vamos destruir essa merda. — Eu digo. 

Ficamos em silêncio enquanto andamos pelo píer que chega quase ao local mais fundo do lago. A extensão da água é tanta que não dá para ver o outro lado com a pouca luz que temos. Isso é bom, gosto de imaginar essa água consumindo-o aos poucos. O quadro passa de mão em mão até chegar até mim. Eu encaro ele nas mãos de Alex antes de pegá-lo. 

Apoio ele no chão, na nossa frente, e todo mundo está ao meu redor, encarando essa obra patética. 

— Isso é muito feio. — Eu digo. 

— Arte não é pra ser bonita. — Bryan aponta. 

— Cala a boca. — Alex responde. 

Estou surtando. Quero rir, mas estou surtando. 

— Ethan era trans. — Eu digo, meio que do nada. — O primeiro garoto que eu fiquei. Ele era trans. E… eu lembro que ele odiava o jeito como todo mundo exaltava a vagina como o símbolo máximo da feminilidade. 

— Que bosta. — Bryan diz. 

— Eu lembrei nele da primeira vez que vi o quadro. O Cair do Vinho. — Eu digo. — Pesquisei sobre isso. Vinho é um símbolo para o sangue de cristo. Queda é uma metáfora para o inferno. O pintor queria dar um recado. 

— A queda pelo sangue. O sagrado e o profano. — Bryan diz. Todos olham para ele. — O que? Eu curso artes. 

— Tão sexy. — Pez sussurra. 

— Não é só isso. — Eu digo. — Não é só a queda pelo sangue. Quer dizer, pode ser uma das interpretações. Mas tem um livro no fundo da biblioteca. Escrito por Sir Stevan de Lyon. Ele era o melhor amigo de Conrad, o cara que pintou. Ele dizia que Conrad tinha fixação por falos. A maioria dos seus quadros tinha formas fálicas escondidos. Ele pintava pênis em tudo que podia, como um maldito adolescente cheio de hormônios. O Cair do Vinho não é a queda pelo sangue. 

— É a queda do sangue. — Bryan diz, seguindo minha linha de raciocínio. 

— Ele considerava impuro tudo que era tocado por uma mulher. Uma mulher com vagina e útero, no caso. Ele tinha uma seita, onde pregava que o único ser realmente iluminado era aquele que não passava pelo sistema reprodutor feminino. 

— Mas todo mundo… — Bea começa. 

— Fertilização em laboratório. — Bryan responde. 

— Naquela época? — Alex pergunta. 

— Eram só teorias. Mas Conrad não era contra imigrantes ou homossexuais. 

— Ele era contra a mulher cisgênera. — Pez diz. 

Concordo com a cabeça. 

— Seu único quadro que retrata a feminilidade é, na verdade, um discurso de ódio. Ele era contra qualquer copo que tocasse em um útero. Foi por isso que ele se matou. Ele acreditava que iria renascer como o homem perfeito, em algum momento do futuro. 

— Ele devia ter sérios problemas com a mãe. — Nora comenta. 

— Deus salve a rainha. — Bea diz, para ninguém em particular. 

— Por que você está contando isso? — Alex pergunta. 

Eu mordo os lábios, pensando. Honestamente, acho que estou enrolando. 

— Não faço ideia. Mas já pararam para pensar em como todo mundo odeia esse quadro mesmo que não saibam o que há por trás dele? 

— Porque é horrendo — Pez diz. 

— Não. Não é só por isso. É porque foi feito com ódio, em cada pincelada. — Bryan diz. 

— E sangue. — Eu completo. — Sangue de pelo menos 50 mulheres. Página 28. Capítulo 2. 

— Puta merda. — June diz. 

— Puta merda. — Nora concorda. 

— A gente devia queimar essa merda. — Alex diz. 

— O fogo é rápido demais. E a água é o ventre da terra. — Eu respondo. 

— Poético. — Bryan diz. 

— Me sinto presa em um ritual satânico. Isso é um ritual satânico? — Bea pergunta. 

— Não. Acho que não. Alguém aqui é virgem? Podemos sacrificar um de vocês. — Eu digo. É uma piada, mas todos ficam em silêncio. 

— Ele ta brincando né? — Bryan diz. 

— Sobre cogitar que um de nós seja virgem? Espero que sim. — Pez responde. 

— É uma piada. — Eu digo. 

Todo mundo continua em silêncio. 

— Podemos jogar isso na água logo? — Alex pergunta. — Se você contar mais uma piada, acho que todo mundo vai começar a correr assustado. 

— Há. — Eu digo. — Enfim. Vamos juntos? 

Aos poucos, todo mundo coloca a mão no quadro. 

— Em homenagem a todos os impuros da face da terra. — Bryan diz, parecendo solene. 

— Em homenagem a todos os impuros da face da terra. — Repetimos, por algum motivo. 

Minhas mãos estão tremendo. Levantamos o quadro e jogamos no rio, que cai com um baque alto. Ele afunda aos poucos, quase como se estivesse aproveitando esse momento. 

— Acabou. — Eu digo, enquanto sento na beira do píer e não vejo sinal do quadro na superfície. 

Todos se sentam também, com as pernas balançando próximas à água. 

— Não. Começou. — Alex diz, enquanto entrelaça os dedos nos meus. 

Eu respiro fundo. Não vou surtar. Não vou surtar. 

Imagino toda minha maldição afundando na água junto com o quadro. 

Meu direito de nascença é a felicidade e não estou nem perto de parar de lutar. Aperto a mão de Alex mais forte na minha. 



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