A beira mar, a poesia fica por conta das ondas e seu bater intermitente que desgasta as rochas com palmadinhas de amor. O sol, banhando as águas é um presunçoso poeta que a natureza elegera. Deus é de fato um arquiteto ou um mago para dar contornos tão sublimes a um quadro que, por vezes, por pressa, ou pura insensibilidade, deixamos de admirar. Quantas vezes estive diante de tal obra prima, mas tão bobo estava, que não a pude ou não quis contemplar como deveria. Agora, já velho e com vistas cansadas, recordo-me de outros tempos em que o cenário era quase sempre a praia, a praia de Copacabana e suas cores e amores banais. A praia que tantas vezes cantei em minhas canções e que agora me traz, dorida, imagens que meu subconsciente se recusou a esquecer.
Era lá por meados de 1970...
Eu podia ter vinte e quatro anos ou menos. Estava eufórico, suado, agitado, com o coração na boca e correndo feito maluco pelas areias amareladas e geladas de uma tarde de sexta feira. Atrás de mim, um Pedro ofegante.
-Pera aí, Chico. – Gritava as minhas costas e eu ignorava de doido que estava. – Porra, Chico, pera aí.
-Minha música, Pedrão!!
-Eu ouvi, eu ouvi. – Pedro parou com as mãos nos joelhos. E eu, cai sentado de alegria. Me deitei as gargalhadas olhando para o céu azulado.
-Ela gravou minha música...
-Eu só não entendo o que ela tem que as outras não tem. – O meu primo gorducho deitou ao meu lado. Pedro era um cara que não tinha sensibilidade para compreender o quanto era significativo para um poeta que sua musa emprestasse a voz para uma canção que, provavelmente, ele escrevera em uma madrugada de febre pensando nela. Pedro era menino demais ou pragmático demais para compreender o quanto eu estava feliz por ouvir aquela voz dando tons mágicos a minha canção.
-Ela é especial...
-Ela é apenas uma cantora dessas que vai fazer um sucesso meteórico e pronto. Essas modinhas de hoje em dia...
-Cala a boca, cara! – Dei uma cotovelada em sua barriga rechonchuda com a raiva de uma fã de orgulho ferido.- Você não manja nada dessas coisas.
-Você é bobão demais, Chico. Isso tudo é só porque ela é bonitinha...- O bonitinha atingiu meu ego e quase soquei a cara daquele invejoso repugnante. Mas lembrei-me que, apesar dos pesares, ele tinha certa razão. O que ela tinha, afinal, que outras não tinham? A fama era igual a de tantas que gravaram minhas canções e fizeram sucesso de alguns dias ou meses. Ela era uma aposta da gravadora, apenas uma carta a mais no baralho, nada demais. Porém, ela era belíssima e quando a vi pela primeira vez na TV, num daqueles programas de tarde de domingo, cantando ainda meio tímida e constrangida com o pequeno sucesso que já alcançara, me apaixonei de pronto. Peguei meu violão e fiz a música que agora ela gravara e que ouvi inebriado no rádio. Pedro jamais entenderia....
Aquela doce imagem veio dançar na minha memória e uma lágrima banhou minha face enrugada. Saudades do meu primo e dela, principalmente dela. Que tempos bons aqueles em que podíamos nos dar ao luxo de fazer das areias de Copacabana refúgio de alegrias e dores, amores e transas ao luar. Quantas loucuras fizemos mesmo sob um regime duro e repressivo, cego e com mania de subversão. Éramos felizes, ainda que a alegria estivesse encarcerada ou vigiada. Vendo o ir e vir das ondas, lembrei-me de Caimmy. Será mesmo doce morrer no mar? Nos braços das espumas ao gosto do vento? Quase descobri isso...
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