Emma Hall.
— Max Schneider está se apresentando no West End esta tarde — Elena diz. — O que acha, Emma? Acho que precisamos ouvir uma música bem interpretada para relaxarmos.
— Não tenho nada que fazer hoje, e meu trabalho sobre você está um pouco sem andamento por enquanto.
— Então, pegue sua bolsa e vamos até lá. Tenho que passar pela City e podemos almoçar no caminho.
Vamos de metrô até Aldersgate e um breve passeio nos leva à Saxe-Coburg Square, ao lugar onde ocorreu os fatos da singular história que ouvimos de manhã. É um lugar nem um pouco agradável e bonito; há casas enfileiradas de frente para um terreno vazio, onde vários arbustos se esforçam para viver numa atmosfera carregada de fumaça e poluição. Uma placa de madeira com "Jabez Wilson" escrito em letras brancas numa casa de esquina indica que é ali que nosso cliente tem o seu negócio.
Elena para em frente à casa, olhando, virando a cabeça de lado uma vez ou outra e os olhos brilhando. Sobe a rua devagar e depois desce a mesma até a outra esquina, examinando as casas. Finalmente, volta à pequena loja de discos e, depois de bater o pé três vezes na calçada com força, vai até a porta e bate. A porta é imediatamente aberta por um rapaz bem-barbeado, que convida Elena a entrar.
— Obrigada, cavalheiro — Elena diz —, eu só queria lhe perguntar como chegar no Strand.
— Vire na terceira esquina à direita, e depois na quarta à esquerda — responde prontamente o empregado, fechando a porta.
— A meu ver, esse cara é uma das pessoas mais ousadas e espertas de Londres. — Elena observa. — Já sei alguma coisa sobre ele.
— Com certeza ele é o ajudante do sr. Wilson, e tem um papel importante nesse mistério do Clube dos Ruivos. E é claro que você pediu a informação apenas para que pudesse averiguar o homem.
— Não a ele.
— Então o quê?
— Os joelhos das calças dele.
— E o que foi que você viu?
— O que esperava ver.
— Por que bateu os pés na calçada?
— Emma, minha curiosa amiga, agora é hora de observarmos. Somos espiãs na terra do inimigo. — Elena me manda uma piscadela. — Já conhecemos a Saxe-Coburg Square, vamos dar uma olhadinha nas ruas atrás dela.
A rua em que entramos depois que viramos a esquina da praça faz um perfeito contraste com a outra, parece que estamos vendo frente de um quadro em relação ao verso. É uma das principais ruas da cidade, e o trânsito pode confirmar isso.
— Vamos ver — Elena diz, parando na esquina e olhando a fila de prédios e estabelecimentos —, preciso gravar a ordem dessas casas e lojas. Um pouco distante fica a loja de tabaco, depois a lojinha de jornais, o restaurante vegetariano, um ferro velho. E então a Mappin & Webb, a joalheria. Agora que já acabamos nosso trabalho aqui, vamos nos divertir um pouco, Emma. Vamos comer um sanduíche bem caprichado, e depois a uma loja de pianos, onde não há clientes de cabeça vermelha para nos incomodar.
Minha amiga, sem sombra de dúvidas, é uma musicista incrível, e não só sabe tocar instrumentos como também é uma compositora acima do comum. Ficou toda a tarde sentada, alegre, agitando os dedos conforme a música, enquanto o rosto sorridente e os olhos brilhantes e sonolentos não pareciam ser os mesmos da Elena caçadora e esperta agente criminal.
Enquanto a assisto em seu modo descontraído, tão entretida com a música, sinto que aqueles que ela resolver caçar correm perigo.
— Eu sei que você quer ir para casa, certo, amiga? — ela me pergunta ao sairmos do West End.
— Por favor!
— E eu tenho um assunto que tomará algumas horas da minha tarde. Este caso da Saxe-Coburg Square é coisa séria.
— Por que séria?
— É um crime bem chatinho que está sendo planejado. Tenho alguns motivos para acreditar que estamos a tempo de o impedir. Como hoje é sábado, isto complica um pouco os movimentos. Esta noite precisarei de uma ajudinha.
— À que horas?
— Às 22 horas seria perfeito.
— Estarei pronta a essa hora, então.
— Está bem. E Em! Pode ser que seja um pouco perigoso, então vamos precisar nos proteger. — Me lança um beijinho no ar, roda nos calcanhares e desaparece no meio da multidão.
Espero ser pelo menos um pouco mais inteligente que os demais homens. Mesmo assim, fico intrigada com o acontecimento de hoje. Ouvi e vi o mesmo que Elena, e pelas suas palavras é evidente que ela sabe não só o que aconteceu, mas até o que vai acontecer, ao passo que para mim tudo é apenas confusão.
Penso no assunto enquanto vou de carro para nossa casa, na história esquisita do copiador da Enciclopédia e nas palavras estranhas que Elena se despediu de mim. Que missão noturna seria essa, e por que eu teria que me proteger? Aonde vamos e o que vamos ter de fazer? Julgo, pela atitude de Elena, que o ajudante do sr. Wilson é um indivíduo temível e capaz de tudo.
São 21:15 quando saio do meu quarto e desço para a sala. Há dois homens no sofá, e ao entrar no cômodo, vejo Elena numa animada conversa com eles, um deles está uniformizado pela polícia e o outro é um homem de rosto comprido e magro que usa roupas caras.
— Agora sim nosso grupo está completo — Elena diz, colocando sua jaqueta e pegando uma corda que estava enrolada em cima do banco. — Emma, este é Peter Jones, inspetor da Scotland Yard — Cumprimento-o com a cabeça. — E esse é o sr. Martin Swift, que vai nos acompanhar nas aventuras desta noite.
— Espero que nossa aventura não seja em vão — o sr. Swift observa tristemente.
— Pode confiar inteiramente na srta. Gilbert — o policial diz arrogantemente. — Ela tem os seus próprios metodozinhos, os quais para mim são um pouco teóricos e fantásticos demais, mas tem jeito para detetive.
— Espero ter o prazer de apresentar o criminoso ao senhor esta noite. — Diz Elena, ignorando o comentário machista e ignorante de Jones. — Já se passaram duas horas e devíamos estar a caminho. Vocês dois seguem no primeiro carro, e Emma e eu seguimos no outro.
Elena se mantém quieta durante todo o percurso e se encosta para trás, cantarolando baixo as músicas que havia escutado à tarde.
— Agora estamos pertinho — minha amiga diz. — Aquele sujeito chamado Martin é o dono de uma joalharia e o caso com certeza lhe interessa. Achei melhor trazer Jones conosco, não é um cara ruim, embora absolutamente imbecil em sua profissão. Tem uma qualidade: é tão corajoso como um buldogue. Aqui estamos, e lá estão eles à nossa espera.
Chegado às mesmas ruas onde estivemos de manhã. Deixamos os carros distante do local e, seguindo os passos do sr. Swift, passamos por um estreito corredor e por uma porta lateral, que ele abre. Martin para para acender a lanterna e então nos conduz através de uma passagem escura e úmida. Entramos num porão onde estão empilhadas caixas trancadas a cadeados.
Elena, de joelhos e com a lanterna na mão e uma lente de aumento, começa a examinar cuidadosamente as frestas entre as lajes. Poucos segundos depois, fica satisfeita, porque se põe de pé novamente e coloca a lente no bolso.
— Temos pelo menos uma hora de espera — ela diz. — Não podem trabalhar enquanto o sr. Wilson estiver na cama. Depois não perderão um instante, porque, quanto mais rápido fizerem o trabalho, mais tempo terão para fugir antes de serem descobertos. — Prendo minha respiração ao percebemos o que está acontecendo. — Nós, como talvez tenha adivinhado, Emma, estamos no porão da maior joalheria de Londres, em que o sr. Swift é um dos donos e mestre artesão, e explicará as razões por que os ousados criminosos devem ter atualmente grande interesse por este porão.
— É por causa da nossa nova joia... — cochicha o artesão. — Fomos avisados diversas vezes de que iam tentar um assalto.
— Nova joia?
— Sim. Estamos trabalhando há meses num novo modelo de conjunto de pedras. Esse material é muito difícil de achar, mas temos recursos o suficiente para investir nessa produção. O que leva a ser uma pedra muito valiosa.
— E agora devemos executar nossos planos. Penso que dentro de uma hora as coisas chegarão ao auge.
— E o que temos que fazer?
— Quando eu focar a luz neles, os cerquem depressa, e se eles tentarem atirar, Jones, não tenha receio de fazer o mesmo. Eles só têm uma saída através da casa da Saxe-Coburg Square. Espero que faça o que pedi, Jones.
— Tenho um inspetor e dois policiais à espera na porta da frente. — Confirma o policial e Elena concorda.
Estamos esperando há apenas uma hora e quinze minutos, mas parece que a noite já acabou e o dia está prestes a raiar. Minhas pernas já estão cansadas porque receei mudar de posição, e estou com os nervos na mais alta tensão e o ouvido tão atento que posso ouvir a respiração de todos ali.
Da minha posição, consigo olhar de cima do caixote e percebo luzes de lanterna.
Sem aviso nem ruído, um vão se abre na parede por onde uma mão surge no centro da área iluminada. Há um som de quebrar e partir. Uma das largas lajes brancas cai para o lado e deixa um buraco quadrado que brilha a luz de uma lanterna. Por ele surge o rosto liso de um rapaz, que olha ansiosamente ao redor e depois, com uma mão em cada lado da abertura, entra no mesmo cômodo em que estamos escondidos. Ele começa a ajudar o companheiro a subir, um homem ligeiro e pequeno como ele, de rosto pálido e cabelo vermelho.
— Está ok — murmura ele. — Trouxe os sacos? Merda! Suba logo, Archibald!
Elena dá um pulo e pega o intruso pela gola. O outro ergue-se pela abertura, e ouço o rasgar de roupa quando Jones o agarra. A luz brilha no revólver que tenta usar, mas a corda de Elena cai sobre o pulso do homem, fazendo a pistola cair.
— Não adianta, John Clay — Elena diz suavemente. — Não vai dar para fugir.
— Estou vendo — ele diz com a maior calma —, pelo menos meu companheiro conseguiu escapar.
— Há três homens à espera dele na porta — Elena garante.
— Você parece ter preparado tudo muito bem. Devo dar-lhe os parabéns Gilbert.
— E eu a você — responde Elena, fingindo animação. — Sua ideia do cabelo vermelho foi cômica e criativa!
— Verá seu companheiro em outra ocasião — diz Jones. — Estenda as mãos enquanto lhe ponho as algemas.
— Realmente, srta. Gilbert — Martin diz quando vê os presos fora do porão —, não sei como minha joalheria poderá agradecer ou recompensá-la. Não há dúvida de que descobriu e derrotou um dos mais audaciosos e bem-arquitetados roubos de que até agora se ouviu falar.
— Imagina! Nada que um conjunto de joias não resolva — Elena brinca, me cutucando com o cotovelo.
Chegando em casa, vamos tomar um café com bolinhos de chocolate feitos por Elena.
— Acho que agora fica evidente que desde o princípio o único objetivo desse negócio de copiar a enciclopédia era afastar o sr. Wilson durante algumas horas todos os dias. Com certeza foi produto da mentalidade de Clay, imagino que pela cor do cabelo do seu companheiro. As quatro libras por semana eram a isca para o atrair. — Ela balança a cabeça e ri. — Resumindo: publicam o anúncio, o outro malandro incita o homem a ir candidatar-se a vaga, e juntos conseguem que ele se ausente durante algumas horas todas as manhãs. Desde que Jabez disse que o ajudante trabalhava por metade do salário, convenci-me de que tinha forte motivo para manter aquele emprego.
— Mas como conseguiu descobrir qual era o motivo?
— A loja de discos era pequena, não havia nada demais que o tal Diaz poderia estar aprendendo. Então me lembrei da "grande paixão" que o rapaz tinha por fotografias e do seu hábito de se meter no porão. Era ali que estava todo o problema deste caso. Fiz algumas perguntas a respeito do ajudante e descobri que lidava com um dos criminosos mais frios e audaciosos de Londres. Ele precisava fazer coisas naquele porão, coisas que levava horas durante dias. O que podia ser? — Elena deu de ombros casualmente. — Pensei então que ele estaria abrindo um túnel até o estabelecimento da rua de trás. Tinha chegado a esta conclusão quando fomos visitar o local. Te deixei curiosa quando bati forte os pés na calçada, não foi? — ela dá uma risadinha e estreito os olhos para ela. — Estava tentando saber se o porão ficava na frente ou fundos da casa. Toquei a campainha e, como esperava, foi o ajudante que veio abrir a porta. Queria ver os joelhos dele, e até você deve ter reparado como as calças estavam gastas e sujas justamente nos joelhos. Aquilo mostrava as horas que passou cavando o chão. Só restava descobrir o motivo por que cavava. Virei a esquina e percebi que a joalheria Mappin & Webb se ligava à casa do nosso cliente. Achei que estava ali a solução do meu problema. Quando você foi para casa depois do concerto, procurei a Scotland Yard e o dono do estabelecimento, obtendo o resultado que já conhece.
— E como adivinhou que iam tentar o assalto hoje? — pergunto.
— Essa foi fácil. Quando fecharam o escritório do clube, era sinal de que já não se incomodavam com a presença do sr. Jabez Wilson. Em outras palavras, tinham completado o túnel, mas era essencial que o utilizassem logo, porque podia ser descoberto ou as joias serem transferidas de lugar. Sábado seria melhor que qualquer outro dia, porque proporcionava dois dias para a fuga. Foi por todas essas razões que os esperei hoje.
— Não sei nem porque ainda me surpreendo. Essa cabeça funciona em uma dimensão que pra mim ainda não existe.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.