História Uma outra Alice - Another Wonderland

- Essa não é aquela garota da feira? A que confundiu aspargos com peixe? – O ruivo pergunta, mas eu não respondo. Minha atenção estava toda na garotinha atrás dele. Seus olhos estavam assustados, e ela realmente me fez lembrar da pequena Alice que eu conheci no primeiro dia do sanatório. E ela parecia muito com a personagem do livro. 

Ela vem até mim, e eu pude notar um coelho nos seus braços. O bichinho respirava rapidamente, como se ele estivesse assustado. Um pequeno sorriso aparece nos lábios finos dela, e eu não consigo evitar de abrir um também. 
A loirinha encostou sua cabeça na minha barriga, sussurrando um “obrigada”. Olho confusa para Castiel, mas o mesmo revira os olhos. 

- Ela está agradecendo por você ter a ajudado a me encontrar no dia da feira. Minha prima é muito desligada, se perdeu de mim. Nos domingos esse lugar vira um inferno, todos da cidade aparecem. – Eu arregalo os olhos. Prima? Então é por isso que na minha imaginação ele estava sempre a defendendo. 

Ah, gênio...! 

Reviro os olhos e aperto o corpo dela contra o meu. Eu sempre quis ter uma irmã, mas tenho apenas Brian, que provavelmente me odeia por eu ter imaginado sua morte e o ignorado por todos esses anos. 
Lysandre vem até mim, repousando delicadamente suas mãos em meus ombros desnudos. Ele observa Alice com um sorriso, e depois começa a me encarar. Não sei se ele começou a imaginar uma vida ao meu lado, mas essa hipótese também me fez sorrir. 

- Eu creio que você vai se salvar, senhorita. – Ela sussurra para mim. – O que me contou sobre o sanatório...é verdade? Você foi para lá? – Eu balanço negativamente a cabeça e para a minha surpresa, a garotinha me abraça ainda mais forte. Aqui eu teria as pessoas que amo, tenho certeza disso. 

°°° 

Mais tarde naquele dia, eu convidei os três para passar a noite na minha casa. Brian iria viajar por dois dias, então tinha espaço para todo mundo. Eu ainda não tinha visto o meu pai, mas não me preocupei. Sei que ele viaja muito. 
Minha mãe ficou toda feliz com a visita, disse para mim que eu estava começando a agir normalmente e que estava muito orgulhosa. Ela fez uma janta muito saborosa, e eu agradeci imensamente por isso. Estava morrendo de vontade de comer carne. 
E agora estávamos no meu quarto jogando baralho. Castiel já estava com três vitórias. 

- Isso não é justo, primo! – Alice grita rindo. O ruivo deu um empurrão nela, fazendo-a cair de lado no chão. A loirinha se levantou e pulou em cima do Castiel para lhe fazer cócegas. Eu e Lysandre observamos aquela cena com felicidade no olhar. Parece que eles são realmente muito próximos. 

Depois do ataque de cócegas da pequena Alice, nós nos ajeitamos para dormir. Decidimos ficar todos no mesmo quarto para conversar, mas os primos apagaram em minutos. Solto um riso abafado quando Castiel começa a roncar. 

- Você parece feliz, senhorita. – Lysandre diz olhando para mim. Estávamos deitados um do lado do outro no chão. 

- E estou. Sabe, é legal ter amigos que não são imaginários. 

Ah, cale a boca, Chapeleiro. Nós somos os únicos que ficarão com você até o final. 

- Imagino. Creio que não se lembra, mas você passou o dia com o nosso grupo na feira. Você parecia tristinha, então minha cunhada lhe chamou para conversar. Você teve um desentendimento com o prefeito da cidade e sua esposa cabeçuda. Não se lembra disso? 

- Eu...não me lembro de quase nada da minha vida. Por três semanas eu fantasiei com um mundo completamente louco e insano, e você estava lá. Castiel estava lá, Alice, a cabeçuda e várias outras pessoas. O meu cérebro está apodrecendo de dentro para fora. – Eu desembucho. Queria desabafar com alguém, e Lysandre era o único que podia me ouvir no momento. 
Ele me encara um pouco confuso, mas depois passa a mão pelo meu rosto. Seus dedos enrolam uma mecha do meu cabelo enquanto seus olhos analisam cada centímetro de mim. 

- Eu estava no seu mundo? E o que eu fazia lá? – Sua voz sai rouca. Por incrível que pareça, em suas palavras não tinha nenhum deboche. 

- Você era...sobrinho da diretora do sanatório. Também era o meu...namorado. – Eu me encolho enquanto coro violentamente. Ele morde o lábio inferior e começa a rir baixinho. 

- Meu desejo se realizou. – Seus lábios vão até a ponta do meu nariz e depositam um selinho. Descem pela minha bochecha e chegam até meus lábios. 

A sensação era exatamente a mesma. 

Enrolei minhas mãos em seus cabelos enquanto as dele apertaram com força a minha cintura fina. Aliás, tudo em mim era fino. 
Ele vira de lado e intensifica o beijo. Jogo minha perna em cima do seu quadril e o puxo para mais perto de mim. E quando o ar falta, nós nos separamos. Eu só podia enxergar seus olhos brilhantes e de cores diferentes naquela escuridão. 

- Me perdoe por isto. Eu sei que a senhorita é uma mulher conservadora, mas eu estou com esse desejo já faz três semanas. Quando te vi, senti que nos conhecíamos há anos. Foi uma sensação estranha e que nunca havia me afetado antes. 

- Não se preocupe com isso, eu senti a mesma coisa. 

°°° 

Se passaram um mês desde aquele dia maravilhoso. Eu tive o privilégio de conhecer os amigos de Lysandre. Rosa, seu irmão Leigh, os gêmeos e Calliope. Segundo todos eles, nós tínhamos nos conhecido naquele dia na feira. Lysandre disse que está cada vez mais apaixonado por mim, e que deseja se casar comigo algum dia. Acreditem se quiser, estamos noivos. 
Eu e minha mãe começamos a organizar as coisas para o dia tão especial. Meu pai estava mesmo viajando, e se surpreendeu quando chegou e soube da notícia. Aqui na Polônia as garotas podiam casar a partir dos treze anos, e eu tinha dezesseis. 

- Querida, precisamos costurar o seu vestido. – Minha mãe diz enquanto bufa carregando toras pequenas de madeira. 

- Podemos ver isso depois de estocar a lenha. Papai precisa ir caçar a comida para a festa. – Nós nos sentamos exaustas no chão. Ela me olha com orgulho, e então pega nas minhas mãos para dizer algo. Atrás dela, um coelho vestindo roupas vitorianas e um relógio de bolso balançando na pata da frente me fez franzir o cenho. Ele sussurrou um “Está atrasada, Chapeleiro” e saiu correndo. Eu me levanto bruscamente e saio correndo atrás dele. De uma vez por todas eu acabaria com esta imaginação ridícula. Eu só precisava matar aquele coelho desgraçado. 

Ouço minha mãe gritar o meu nome, mas eu nem sequer olho para trás. Eu coloco os braços na frente do rosto, tentando impedir que o vento entrasse muito nos meus olhos. 

O coelho passa por uma árvore gigante e desaparece. Eu corro até a árvore, mas despenco em um buraco que estava coberto por folhas e galhos. Tento agarrar alguma coisa, mas qualquer galho se desprendia quando eu agarrava. Eu começo a ver imagens da minha vida despencando para longe de mim. 

Minhas costas atinge algo gelado, e quando eu me levanto, estou em cima de um relógio gigante. O ponteiros giravam rápido, e eu precisei me enfiar dentro dele para não ser atingida. E então começo a cair de novo, dessa vez sem parar em nada. 
Eu abro os meus olhos e sinto minha respiração ofegante. Observo uma cama em cima de mim, e o pequeno espelho na parede. Vejo minha mala com chapéus quase caindo para fora, e vejo também aquela terrível janela redonda. 
Eu estava de volta em River Side. 

- Caramba, garota! Você é completamente insana, hein? Olha, você ficou perambulando pelo sanatório todinho e eu até cheguei a me assustar no começo. Sou sua nova parceira de quarto, Chloe Price. - A garota de cabelos azuis e touca na cabeça disse me estendendo a mão e soltando a fumaça do cigarro. 

O que está acontecendo?!

- O que está acontecendo?!