Raquel se sente uma adolescente surpreendida. Aliás, sempre que Sérgio está por perto se sente exatamente assim — jovem, apaixonada, e cheia de borboletas no estômago.
Dessa vez, não há euforia. Por mais louco e improvável que fosse o reencontro, Raquel sente-se anestesiada, como se estivesse sonhando.
Então, olha para sua mãe. Ela parece entender tudo em um segundo. Aperta-lhe a mão, dando dois tapinhas em suas costas em um gesto que diz ‘vai, vai lá!’
E ela obedece. Com muita calma, solta a mão de Mariví e rapidamente olha para o seu outro lado, onde Paula sorri, levada. Raquel devolve o sorriso e acaricia sua cabeça de leve. Finalmente, olha para frente e encontra a imagem de Sérgio descendo as escadas. Ele tira os óculos escuros e encaixa-os entre a camisa de botão, um sorriso enorme se abrindo em seu rosto.
Começa a andar em sua direção. Não corre — não sente a menor necessidade de fazê-lo. Apenas andam até se encontrarem no meio do caminho, os dois sorrindo feito crianças, como se fosse a coisa mais normal do mundo se encontrarem ali, no meio do nada.
Param quando se alcançam. Sérgio coça a nuca, sorriso largo, olhando-a por debaixo dos cílios. Raquel enxerga a timidez em seu rosto e não consegue não sorrir de volta.
“Você é completamente inacreditável,” ela solta as palavras como quem solta o ar, de uma só vez. “Não— não dá pra acreditar.”
Ele sorri. Uma das mãos sobe até o rosto dela, acariciando-lhe as maçãs do rosto. Não diz nada — apenas a encara com olhos cheio de amor, como se estivesse relembrando de cada detalhe de seu rosto enquanto o fazia.
“Não é perigoso?” Ela pergunta.
“Um pouco,” responde, finalmente quebrando seu silêncio. O sorriso não sai de seu rosto e Raquel sente-se estremecer ao ouvir sua voz de perto de novo. “Mas você está aqui, não está?”
Com isso, ela finalmente se entrega. Sente os joelhos cederem e joga o corpo para frente, envolvendo-o em um abraço forte, intenso, e cheio de saudades. Afunda o rosto na curva de seu pescoço e respira fundo, aliviada.
“O que está acontecendo? Denver — porque você pediu a ajuda dele?”
Sérgio respira fundo. Deixa um beijo contra seu rosto antes de afastar-se. Apoia as duas mãos em seus ombros. “Prometo te explicar tudo. Mas agora precisamos ir — todos nós.”
*
O piloto do jatinho é russo. Claro que é. Cumprimenta-os com um leve aceno da cabeça quando passam por ele, logo voltando a se concentrar no enorme painel a sua frente.
Paula pula sobre os calcanhares e olha para Raquel cheia de animação. Ela sorri e acompanha a cena enquanto Sérgio abaixa até a altura da menina, perguntando: “quer ver uma coisa muito legal?”
Ela faz que sim com a cabeça, animada. Sérgio, então, segura sua mão e a leva até o fundo do jatinho, onde revela um mini playground — algumas casinhas de boneca e barbies arrumadas em uma pequena prateleira, mas também alguns carrinhos, videogames e materiais para desenho e pintura. Nada muito extravagante, mas o suficiente para fazer Paula gargalhar e, rapidamente, se sentar na frente de uma mesinha, logo tratando de pegar uma folha em branco e um giz de cera.
Raquel morde o lábio para esconder o sorriso, surpresa mais uma vez. Encara o homem a sua frente quando ele se levanta, deixando claro em seu rosto o quanto ela aprecia o gesto.
“Obrigada,” ela balbucia, inclinando-se para deixar um beijo em seu rosto.
“Não há de quê.” Raquel vê seu rosto corar.
Vira-se para falar com sua mãe, que assiste toda a cena com um sorriso largo no rosto. “Mamãe, pode ficar um pouquinho com ela?”
“Claro, meu amor. Acredito que vocês tenham muito o que conversar.”
*
Sentam-se com Denver em um dos bancos, de frente um para o outro. O Professor cruza as pernas e junta os dedos por cima dos joelhos. Respira fundo, olhando-a nos olhos, e começa.
“Parece que Alberto está solto e desconfiado de que você esteja envolvida com um dos assaltantes até hoje.”
Raquel sente o coração parar. Como é possível seu ex-marido ter sido solto e ela não ter sido sequer informada?
Sérgio continua: “Ele saiu da polícia, mas ainda tem amigos lá. E já estava preparado para colocá-los atrás de você, para... Para abrir mais uma investigação.”
“Meu Deus,” ela solta o ar, sentindo o peito apertar e o ar faltar. “Eu poderia ter perdido a guarda de Paula! Poderia ter sido presa, eu—”
“Ei, ei, ei,” Raquel escuta a voz de Denver, e se concentra em puxar o ar para os pulmões e olhar para o rapaz agora agachado em sua frente, segurando suas mãos com força. “É por isso que estamos aqui, ok? Você é uma de nós agora, e isso quer dizer que nada de ruim vai acontecer com você ou com a sua família. O Professor não vai deixar.” Ele sorri para ela, os enormes olhos verdes brilhando em sua direção. Raquel sente a respiração voltar ao normal, pouco a pouco. “Merda, eu não vou deixar. O Professor esteve lá por nós quando mais precisamos, em todos os momentos — e eu prometo que farei o mesmo por vocês.”
Ela sente uma lágrima escorrer. Continua olhando para o rapaz em sua frente e sussurra, “de todas as características que eu imaginava em um assaltante, doce não era nem de perto uma delas.”
Ouve Sérgio rir mais à frente, e os dois voltam a atenção à ele. “Não se engane com esse papo dele. É ótimo assim quando quer, mas também sabe ser duro.”
“Puxei isso do meu pai,” Denver ri, se levantando e voltando a sentar no banco.
“Raquel—” Sérgio volta a falar sério. “Eu estou levando vocês pra um lugar seguro. Podemos procurar um lugar fixo pra morar... Juntos?” Ele soa inseguro, quase com medo. “Mas a princípio ficaríamos temporariamente em outro lugar. Claro, se você ainda...”
“Sérgio.” Ela o interrompe. “Mesmo se houvesse outra opção, eu já estava decidida.”
Ele sorri, soltando um suspiro aliviado. “De verdade?”
“De verdade.”
*
“Groelândia?!” Raquel praticamente grita quando, finalmente, depois de 12 horas de voo, pousam. “Vocês nos trouxeram pra Groenlândia?!”
“Você...” Sérgio coça a pele debaixo da orelha, nervoso. “Não gosta?”
“Está falando sério?” Raquel olha para o mar de montanhas a sua frente, ainda da escada do jatinho. “Isso é incrível!”
Sérgio ri, aliviado. Seu sorriso aumenta quando ele ouve o grito de surpresa de Mariví, que leva as mãos ao coração e exclama, “meu Deus do céu!”
Paula segue a avó, animada para finalmente descer do avião e ir brincar ao ar livre. Denver as acompanha pela escada, e quando os três já estão fora de seus campos de visão, Raquel faz o que ainda não havia feito desde o reencontro com Sérgio.
Leva as duas mãos até seu pescoço, trazendo-o para perto e, finalmente, calmamente, junta os lábios no dele. Beija-o com paixão, mas também gratidão e muito, muito amor.
“Obrigada por proteger a mim e a minha família,” sussurra contra seus lábios, a testa colada na dele. “Eu te amo.”
“Sempre,” ele murmura de volta antes de envolvê-la em mais um beijo.
*
Um carro os espera na mesma pista onde o pequeno avião havia pousado.
Dirigem por duas horas. Sérgio no volante, Denver no banco do carona e as três no banco de trás.
Paula adormece mais uma vez. Mariví também cai no sono. Raquel, por sua vez, agradece à todas as forças divinas pela tranquilidade com que as duas estão lidando com a situação.
Quando finalmente chegam, Sérgio estaciona em frente à casa mais adorável que Raquel já viu na vida. Toda pintada de vermelho, uma casinha de cachorro da mesma cor no quintal, e uma linda vista para as montanhas e para o mar. Suspira fundo, sentindo a paz do lugar lhe invadir.
Uma moça sai pela pequena porta de madeira. Raquel repara no bebê adormecido em seus braços, os cachinhos loiros idênticos ao da mãe, e não consegue conter o sorriso.
Olha-os com mais atenção. E pela terceira vez no mesmo dia, sente o coração acelerar com mais uma surpresa.
Era a refém — aquela que estava grávida do outro refém! — Mónica. Mónica Gaztambide.
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