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História Vazio - Sementes


Escrita por: ChisanaRumiko

Notas do Autor


(Obs; o cap tava sem os espaçamentos, desculpaa~ acabei de colocar!)

N VOU NEM GASTAR O TEMPO DE VCS
O CAP TA PRONTO
TA LINDO
TA FRESCO
E MSG MELOSA NO FINAL
PQ SIM
PQ EU AMO VCS

BOA LEITURA

Capítulo 65 - Sementes


Eren acordou quase no fim da manhã, esticando-se preguiçosamente debaixo do edredom quentinho. Ficou levemente decepcionado ao sentir o outro lado da cama vazio, mas era de se esperar — já que era o único que estava de férias. E continuaria ali, enrolado em seu ninho aconchegante pelo resto da manhã, se um pequeno detalhe não tivesse chamado sua atenção: uma bandeja em cima da cômoda com um misto quente e um suco de laranja em um copo.

O garoto abriu um sorriso de orelha a orelha, e foi quase pulando pela cama até a cômoda para comer o “presente” — nunca, jamais imaginaria que Levi faria algo do tipo, e só de olhar para o gesto já fazia o coração do mais novo se derreter. Ao aproximar-se, percebeu que havia um bilhete ao lado da bandeja, e foi a primeira coisa que Eren olhou:

 

Bom dia, pirralho

Como esperado, uma noite com você era tudo que eu precisava para relaxar um pouco (obrigado por ter escolhido “sexto andar”)

Gostaria de dizer que pode ficar o tempo que quiser, mas seu celular estava tocando bastante hoje de manhã, e das vezes que eu vi, era sua mãe. Não te acordei porque você parecia estar hibernando, então te dei uma folga. Por sinal, seu celular está sem bateria

Ah, e o café da manhã na cama é meramente ilustrativo. Levante e vá comer na cozinha. Se eu achar uma única migalha no meu quarto, eu juro que te prendo no meu quarto e só te solto quando todo o ambiente estiver higienizado

Obs: não ouse subir no meu sofá sem tomar um banho, seu porco

Obss: se quiser roupas limpas, pode pegar alguma minha, só lembre de devolver dessa vez

Obsss: a cama já está um nojo mesmo, então não faz diferença se quiser ficar aí mais um tempo (só vou perder meu respeito por você)”

 

O grande sorriso bobo sumiu instantaneamente, para logo em seguida dar espaço a uma risada genuína.

— Ah, Levi... — murmurou enquanto balançava a cabeça, sorrindo. — Você é um escroto, mas eu te amo.

Sem pressa alguma, Eren devolveu o bilhete à cômoda e trouxe a bandeja para seu colo. Recostou-se na cômoda com o aconchego dos travesseiros e apreciou o café da manhã ali mesmo, sorrindo como uma criança travessa a cada mordida.  No final, levou a bandeja até a cozinha e aproveitou para lavar a louça, sentindo-se extremamente atrevido porque ainda estava da mesma forma que acordou: completamente nu. Nunca pôde fazer isso em casa porque seria terrivelmente estranho andar nu com os pais compartilhando o mesmo ambiente. E agora que havia experimentado a sensação de liberdade e ousadia, se perguntava por que não havia tentado antes.

Mas, bem, não poderia ficar perambulando pelado o dia inteiro.

Pensou em já ir tomar banho e colocar uma roupa, mas preferiu encontrar motivos para enrolar mais um pouco naquele estado pleno de liberdade. Sendo assim, voltou ao quarto do namorado e retirou com cuidado a roupa de cama para não deixar cair nenhuma possível migalha do misto quente que comeu ali. Com o pano amarrado em forma de trouxa, o garoto foi até os fundos da cozinha, onde tinha uma área para limpeza, e colocou os lençóis para lavar. Depois, rodou a casa procurando pelo armário onde Levi guardava toalhas, roupas de cama e outros utensílios domésticos, para pegar um jogo de cama limpo e arrumar a cama do mais velho.

A procura fez o moreno de olhos esmeraldinos notar dois quartos a mais no corredor que ligava a sala ao quarto principal. Revirando a memória, Eren percebeu que nunca havia entrado em nenhum dos dois quartos extras, nem fazia ideia do que havia ali dentro. Aproveitando que estava sozinho, decidiu explorar um pouco — que mal havia nisso? — e aproximou-se da primeira porta. Embora fosse muito discreto, pôde sentir um cheiro estranhamente familiar vindo do primeiro quarto, e logo pensou que fosse mofo ou qualquer coisa do tipo. Mas não; mofo tinha um cheiro mais... úmido. O que Eren sentia era algo próximo a poeira, mas com um algo a mais que não sabia identificar. Como a ideia de ter um cômodo da casa que não fosse extremamente limpo nos padrões de limpeza Rivaille, a curiosidade do jovem ficou ainda mais aguçada, e quando viu já estava forçando sua entrada para descobrir o que tinha naquele quarto misterioso. Porém — como o esperado de tudo relacionado a Levi —, aquela porta estava trancada. Tentou vasculhar o segundo quarto, mas acabou dando o mesmo resultado.

Não podia negar; estava extremamente frustrado — e extremamente intrigado — com aqueles quartos, e jurou para si mesmo que teria uma séria briga com o namorado caso ele omitisse o que tinha ali dentro, pois não suportava mais segredos por parte do mais velho, ainda mais dentro de casa.

— Meu Deus... — murmurou Eren, passando ambas as mãos pelo rosto ao perceber o caminho de seus pensamentos. — Será que ele acha que eu sou o tipo de namorado irritante que se mete em tudo na vida dele? Eu estou parecendo uma... — Memória dos pais passaram em sua mente como flashes, deixando o moreno bastante desconfortável. Suspirou profundamente e foi para a cozinha. — Não é à toa que ele me chama de “pirralho”.

No entanto, não era apenas aquilo que o incomodava; a sensação daquele odor em suas narinas o transportava para um estado emocional extremamente conflituoso com o qual se encontrava naquele momento. Raiva.

Inconscientemente, cerrou os punhos enquanto mantinha os olhos fixos na porta, mas não era exatamente aquilo em que estava focado. Sentia sua mente sendo carregada para uma parte mais distante de si, um sentimento familiar que já havia vivenciado algumas poucas vezes em sua vida, e sabia bem o que aquilo significava. E justamente por isso, balançou a cabeça com fervor, como se tentasse espantar os fantasmas do passado.

Decidiu que não ganharia nada focando os pensamentos naquilo, então voltou à caçada pela roupa de cama. Acabou descobrindo um discreto armário ainda naquela área destinada a limpeza, onde tinha toalhas, produtos e vários outros utensílios para casa. Sendo assim, pegou um jogo de cama limpo e uma toalha nova também para tomar banho. Voltou ao quarto principal e arrumou a cama de casal com destreza, um trabalho digno de um serviço de quarto. Estava tão orgulhoso que considerou esperar o namorado voltar para casa para ver o seu belo trabalho, porém, sentia-se levemente desconfortável por deixar a mãe sem notícias e por não ter nenhuma muda de roupa, nem mesmo dinheiro — já que gastou tudo que tinha na noitada anterior.

Sendo assim, após um refrescante banho e se apossando propositalmente — e com um sorriso malicioso — das roupas de moletom favoritas do namorado, Eren deixou um bilhete em resposta ao bilhete matinal e saiu com um sorriso largo no rosto — mas com a lembrança dos dois cômodos trancados e a semente de um incômodo em sua paz.

 

 

Mike andava tranquilamente pela agência, em direção ao escritório do Departamento de Relações Humanas para resolver alguns assuntos pendentes. Tinha ido trabalhar de bom-humor naquela manhã; riu bastante com as mensagens de Hanji na noite passada, e esperava uma explicação para que a amiga saísse para beber — claro que presumiu que ela estava bêbada, já que ela considerou marcar um encontro entre ele e um cão farejador.

Esperava que a manhã na agência conseguisse se manter naquele clima agradável, mesmo sabendo que era quase impossível — afinal de contas, não havia como manter a paz num lugar onde se tratava de homicídios. Porém, o problema da vez não tinha nada relacionado a algum novo caso complexo, ou coisa parecida...

O problema cheirava a perfume francês e uma outra fragrância escondida por ele, mas que Mike com certeza não deixaria passar; era uma fragrância única e, de certa forma, nostálgica.

— Nile Dok — disse o loiro com um sorriso no rosto, antes de se virar e se deparar com o homem de pele morena e curtos cabelos negros. — Pensei que nunca mais voltaria para nos encher o saco.

— Queria eu não ter que voltar aqui — reclamou o amigo, mas retribuindo o sorriso enquanto estendia uma mão para ser cumprimentada, e que acabou se tornando num rápido abraço entre os dois. — O autista está na sala dele?

— Pare de chamar Erwin assim, ele fica bem puto — reprimiu Mike, mas tendo que conter um sorriso zombeteiro.

— A culpa não é minha se ele vive completamente desligado num mundo paralelo dentro da cabeça dele — disse enquanto revirava os olhos. — Às vezes, eu me pergunto como ele conseguiu um cargo tão alto...

— Conseguindo tirar ideias boas dos “mundos paralelos” na cabeça dele — respondeu, com um sorriso afiado estampado no rosto.

— Isso é questionável. Lembra do nosso primeiro resgate, que ele disse que entrar pela chaminé seria um excelente “elemento surpresa”?

— Caramba, você ainda não superou isso? — disse Mike, pondo uma mão na testa enquanto ria da memória vívida de Nile entalado na chaminé enquanto os sequestradores cutucavam sua bunda com um rifle.

— Como você espera que eu supere? Foi o dia mais vergonhoso da minha vida.

— Ah, mas valeu a pena cada segundo — respondeu o loiro, gradativamente transformando o sorriso leve em um mais tristonho. — Foi muito bom trabalhar em equipe com você, Nile. Nós três éramos um bom time.

— Detesto ter que admitir, mas... — o moreno hesitou por alguns segundos, desviando o olhar para baixo e diminuindo o tom de voz. — Às vezes, eu sinto um pouco de saudade da época da Academia, quando estudávamos juntos.

Mike, ao ouvir aquela declaração, sorriu brevemente no canto dos lábios e deu dois tapas reconfortantes nos ombros do amigo, que permaneceu pensativo.

— Eu me preocupo com Erwin mais do que devia — desabafou o moreno, fazendo o outro franzir o cenho.

— Como assim?

Nile finalmente levantou a vista, e quando encarou o amigo nos olhos, mostrou que estava muito seguro de suas palavras.

— Você sabe por que eu estou aqui, não sabe? — foi tudo que o menor precisou dizer para fazer o loiro adotar uma postura mais rígida, e até mesmo mais distante.

— Zackley voltou a pegar no pé de Levi? — arriscou um palpite.

— É para o bem da Agência. E, para ser bem sincero, para o bem de Erwin também. — Acrescentou em tom mais baixo: — Por que não percebem que Levi é uma ameaça que...

— Erwin está na sala dele — anunciou Mike, cortando-o no meio da frase com um tom de voz firme e frio, já retomando seu caminho para o Escritório de Relações Humanas. — Boa sorte com a sua tentativa de incriminar o agente mais respeitado da Agência de Investigação de Shiganshina.

 

 

Mais uma vez, a corrente elétrica percorreu o corpo cansado de tantas injúrias, que mal se contorcia após o golpe aplicado. Gustav, apoiado sobre os joelhos e pendendo nos braços atados em uma parede, juntou o resto de força que lhe restava para erguer a cabeça e encarar furiosamente o sorriso cínico do velho que trazia em suas mãos uma garrafa de um bom conhaque. Ainda tinha muita coisa que queria cuspir na cara daquele homem, mas Gustav sabia que seu corpo já estava no limite — e, aparentemente, os dois homens que estavam tomando conta das agressões estavam só esperando para receber outro comando e se divertirem mais.

— Quer repetir? Ou já aprendeu a lição? — questionou Pixis, após tragar da bebida. — Parece que alguns de vocês andam muito rebeldes, então achei que, desta forma, o aprendizado de vocês seria mais... efetivo — disse ao levantar-se da cadeira onde estava sentado para virar-se para a plateia que assistia com desgosto a cena de tortura de um companheiro. — Eu não tolero desobediência, independente de qual posição na hierarquia seja. Ninguém está impune... E quanto a você, Gustav — aproximou-se mais para dizer-lhe as próximas palavras sem que a “plateia” tomasse conhecimento. Daquela distância, podia ouvi-lo ranger os dentes, o que o fez franzir o cenho. — Estou verdadeiramente decepcionado. Esperava mais de você.

— Eu é quem... digo... — rosnou o moreno, com dificuldade, mas sem deixar de expressar sua raiva e ironia em cada palavra. — Belo exemplo... de líder.... que você é...!

— Meu caro, assim eu fico lisonjeado — respondeu acidamente. — Mas eu gostaria de escutar isso de alguém que entendesse o que é liderança, e não de um inútil como você.

Inútil como eu... — repetiu Gus, cuspindo as palavras. — Sou seu melhor homem, Pixis. Essa foi... a maior merda que você poderia fazer.

— Não fique tão cheio de si, Gustav — alertou o mais velho, dando dois tapas leves, mas nada amigáveis, no rosto do moreno. — É realmente uma pena te perder como meu braço direito, mas nada que me faça perder o sono também. Você é bom, mas só porque eu te treinei desde criança. Acha que é o único nessa condição? — Olhando fixamente nos olhos de Gustav, Pixis viu o que tanto esperava: a tão demorada submissão de seu subordinado, mostrando que finalmente havia entendido que, para o líder, a sua vida não significava muita coisa. Era só mais um. Com um sorriso felino, o mais velho acrescentou: — Você já está em uma condição complicada agora, Gustav, espero que finamente tenha entendido o recado desta vez.

Depois de ofegar com dificuldade por alguns segundos, o moreno conseguiu segurar o enjoo que sentia em sua barriga e falar com a voz trêmula:

— Não fornecer informações sobre a Operação Soro para Rivaille.

Ao escutar o esperado, o chefe da máfia deu as costas e tragou mais um gole de sua bebida.

— Podem deixá-lo aí — informou Pixis aos dois carcereiros, enquanto se dirigia à saída. — O adestramento está completo.

Os homens encapuzados se entreolharam e então seguiram o chefe, deixando para trás o homem debilitado que logo foi acudido pelos companheiros, que o soltaram e tentaram colocar-lhe de pé, mas só o fizeram com dois homens de apoio em cada lado, pois as pernas fraquejavam muito. Havia nove homens na cela da masmorra, mas graças ao eco do local, eles mais pareciam noventa. Por isso, assim que começaram a se mexer e a falar, principalmente a fazer perguntas, Gustav não conseguiu evitar sentir uma forte dor de cabeça, que apenas acentuou o seu enjoo. No meio do caminho, seu estômago forçou o resto de força que havia nos músculos de seu abdômen para que vomitasse o que quer que tivesse na barriga. A cena deixou uns bastante enojados, mas com certeza, deixou a maioria preocupada.

— Ei, Gus, você tá legal? — perguntou o primeiro, dando leves tapinhas no rosto do amigo suspeitando que ele tivesse desmaiado.

— Claro que ele não está, a gente precisa levar ele pro Velho Boja — respondeu um dos que serviam de apoio.

— O Boja? Mas vocês acham que ele vai nos atender...? — questionou um terceiro.

— Dane-se, é o que temos pra agora — confirmou mais um. — Médico de hospital chamaria a polícia assim que visse os traços de tortura, e a clínica do Velho Boja é a mais próxima.

Com todos de acordo — ou quase isso —, conseguiram arrastar Gustav para fora da masmorra e jogá-lo dentro de uma van, que por sorte um dos membros havia pego mais cedo para fazer umas entregas e, por isso, ainda estava com as chaves. O caminho até o consultório médico improvisado foi feito em total silêncio, como se os homens estivessem de luto pelo resto de respeito por Dott Pixis. Indignação era uma palavra muito branda para descrever o que aqueles homens sentiam em seus peitos — traição seria algo mais adequado.

Não demorou muito até avistarem a pequena casa antiga no estilo japonês, uma clínica clandestina para os membros da Yakuza que não podiam ir para um hospital — por motivos óbvios. Com cuidado, os companheiros ajudaram o moreno debilitado — que permanecia desnorteado — a sair da van e o levaram o quanto antes para dentro da clínica, passando sem problemas pelo vigia, já que todos eram rostos conhecidos.

— Em que posso ajudá-los? — disse uma jovem atrás de um balcão, com uma nefasta cicatriz que lhe cortava o rosto desde a sobrancelha esquerda até o canto da boca.

— Traz o Velho Boja — pediu um dos companheiros, com urgência.

A mulher, só de olhar para Gustav apoiado nos ombros dos companheiros, já entendia qual a emergência. Porém, não estava nem um pouco abalada; ocorrências como aquelas eram mais do que comuns, não existia ninguém que simplesmente pulava os procedimentos padrões só porque parecia estar nas últimas. Aquele estabelecimento não era um hospital, no final das contas; era apenas uma clínica clandestina nos subúrbios da Yakuza.

— Preciso que vocês respondam a um questionário de segurança antes — disse a moça com tranquilidade, sem tirar os olhos do computador à sua frente. — Ele tem DST, AIDS ou qualquer doença transmissível por fluidos corporais?

— Isso é uma emergência! — frisou um dos homens, exaltando a voz. — Não vê que não é hora pra isso?!

— Senhor, esse é o procedimento padrão — respondeu calmamente.

Foda-se o procedimento padrão! — rosnou outro, batendo no balcão, mas nem assim fazendo a moça se surpreender. Pelo visto, ela estava realmente acostumada com aquele trabalho.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou uma voz rouca, vinda do corredor principal da clínica. Os olhos dos presentes se dirigiram até uma figura esquia e levemente corcunda, mas de aparência séria e até mesmo um pouco tenebrosa para alguém que se considera praticante da Medicina.

— Velho Boja...! — suspirou aliviado um dos companheiros, reconhecendo o doutor. — É o Gus, Gustav Howisk, se lembra dele? Precisamos de ajuda com...

— Como não lembrar do cachorrinho de estimação de Dott? — falou com algum desprezo. Os amigos se entreolharam, sentindo o clima não muito agradável, e imediatamente se lembrarem do porquê do Velho Boja ir parar numa clínica clandestina: Dott Pixis.

— E-escute... — pediu um terceiro, com a voz mansa. — Ele realmente...

— Aah, poupe-me disso — resmungou o senhor, provavelmente por volta de seus 60 anos. Cruzou os braços atrás das costas curvadas e tornou a andar decididamente pelo corredor onde veio. O grupo de amigos estava seriamente considerando pesquisar no Google “como realizar tratamento de primeiros socorros” quando, das entranhas daquela sinistra casa tradicional japonesa usada como clínica, a voz rouca do Velho Boja soou em alto e bom som: — Vão trazer esse capacho semi-abatido ou não?

Ainda que receosos, o grupo avançou corredor adentro, seguindo o doutor que abria caminho. Não deram dois passos até que a recepcionista, ainda com um claro desagrado estampado no rosto deformado, pigarreou para chamar-lhes a atenção.

— Por acaso serão todos atendidos de uma vez? — falou a moça, em tom baixo. — Os outros podem esperar aqui. Ou lá fora, se preferirem... não temos tanto espaço assim.

O grupo se entreolhou rapidamente, trocando suspiros pesados e semblantes preocupados. Ainda estavam tensos pelo show de tortura providenciado pelo líder, e os instintos à flor da pele lhes diziam para permanecerem juntos. Mas, bem, salvar a vida de Gus vinha em primeiro lugar.

— Esperamos lá fora — resmungou o mais alto, fazendo questão de devolver a descortesia que a atendente os oferecia, deixando claro que percebiam o quanto não eram bem-vindos, e o quanto não se importavam com esse detalhe. Isto é, se o estado de Gus melhorasse.

— Agradecemos a compreensão — respondeu a mulher, com uma falsa compostura.

Sendo assim, seis permaneceram na entrada da clínica, seja sentado na sarjeta ou andando em círculos pela ansiedade de sair dali — sair de longe na teia de Pixis. Enquanto isso, Gus foi levado a um pequeno consultório no final do corredor, carregado pelos ombros por Jeff e Lee, dois amigos que o acompanharam devido ao seu estado debilitado.

— Podem deixá-lo no futon — informou Boja enquanto lavava as mãos em um lavabo e preparava os materiais para o atendimento. Os companheiros assim o fizeram, dentando o mais cuidadosamente possível o corpo danificado do amigo no fino colchão bem no centro da sala. “Muito bem higienizada para uma clínica clandestina”, Lee observou. — Então, vejo que vocês estão com alguns problemas — comentou o doutor, aproximando-se do paciente semi-desacordado para aplicar uma agulha intravenosa na articulação do braço esquerdo de Gus. — Entendo quando são apenas peões descartáveis, mas me surpreendi ao ver o braço direito do atual Oya vindo parar nas minhas mãos. Pensei que esse fosse um problema do médico da Yakuza, e não de um clandestino.

Os dois homens permaneceram calados, apenas observando fixamente o tratamento médico ser realizado. Boja era ágil e habilidoso para alguém de sua idade, mas o que mais se orgulhava era dos olhos de águia, afiados e aguçados, que não deixavam nada passar em branco, muito menos o visível desconforto dos dois ali presentes quando o chefe da Yakuza era citado.

A menos que o cachorrinho tenha saído da casinha — sussurrou Boja, com um discreto sorriso escondido atrás do volumoso bigode branco.

 

 

— Como assim, você não vem trabalhar? — indagou Erwin, recostando-se na cadeira de seu escritório.

Eu vou no período da tarde — explicou-se Levi, do outro lado da linha telefônica, com o tom de voz cansado.

— Posso saber o motivo do atraso? — quis saber o chefe, massageando uma têmpora.

O que mais? — resmungou, soltando um suspiro logo em seguida. — Yakuza.

— Mas assim, em cima da hora? Geralmente eles te avisam um pouco antes.

Eles estão testando meus limites, Erwin — explicou calmamente. — Mas não se preocupe, não é nada extremamente arriscado. Como eu recebi essa “tarefa” hoje de manhã pouco antes de sair de casa, logicamente é algo que não demanda muito preparo.

— Hmm... quero escutar notícias suas quando tiver acabado — pediu, por força do hábito. Porém, só quando se estabeleceu um breve silêncio desconfortável foi que o loiro se lembrou que, agora, Levi tomaria extra cuidado com o que contava sobre o grupo criminoso. Talvez, fosse melhor evitar pedir mais informação do que aquilo. — Bem... seu porte de armas ainda está suspenso. Onde está conseguindo armamento?

Eu nunca usei as armas do trabalho para essas missões, elas não são... apropriadas — explicou. — Tenho no meu apartamento um quarto dedicado só para armazenar qualquer utensílio necessário para essas missões extras. — O menor deu uma risada contida e nasalada. — Fazia tanto tempo que eu não usava elas que nem balas tinham dentro. Tive que arrumá-las de última hora, agora aquele lugar está com um agradável aroma de pólvora.

— Isso foi terrível, Levi — lamentou, com um sorriso triste. — Espero que possa se livrar desse quarto algum dia.

Aham, claro... algum dia. — Algo na forma vaga que Levi disse aquelas palavras fez Erwin se irritar, mas fez questão de não demonstrar isso. — Bem, eu tenho que ir. Te vejo daqui a pouco, Sobrancelhudo.

— Gostaria que você e Hanji relembrassem um pouco da formalidade necessária nesta agência — relembrou o chefe, escutando uma breve risada contida como resposta. E então, a chamada foi finalizada.

Erwin seguiu seu trabalho revendo os documentos dos casos cumpridos naquele mês, revisando os detalhes e os requerimentos para concluir o trabalho. Mas sentia a consciência pesada demais para realmente focar no trabalho. Ao invés disso, pensava de novo em Levi, e no que poderia fazer para tirá-lo da situação complicada na qual se encontrava. Afinal de contas, não havia mesmo nada que pudesse ser feito?

Antes que voltasse a imergir em pensamentos, escutou uma sequência de batidas na porta que fez um breve sorriso surgir involuntariamente no canto de sua boca.

— Pode entrar, Nile — chamou.

O amigo entrou calmamente, e diferente do que Erwin esperava, ele não estava com uma postura muito descontraída. Muito pelo contrário; parecia estar realmente preocupado com algo. Nada que o loiro não conseguisse prever o porquê — não havia muitos motivos para que Nile estivesse ali.

— Como anda Marie? — perguntou o Diretor, enquanto o amigo se aproximava de sua mesa.

— Não traga a minha mulher para essa conversa — pediu Nile, com o tom de voz firme.

— Só queria ter notícias dela. Somos amigos, afinal de contas.

— Amigos que, no passado, foram noivos — lembrou o moreno, desconfortável com aquele tópico. — Temos coisas mais importantes para conversar agora do que isso. Sabe muito bem por que estou aqui.

— Então, finalmente vamos reabrir o caso Rivaille... — murmurou o Diretor, adotando a postura séria e profissional. Não recebeu uma resposta imediata, apenas um olhar distante do moreno parado à sua frente. — Sente-se, acredito que não acabaremos essa conversa tão cedo.

Nile suspirou e puxou a cadeira disponível.

— E então? O que traz de novo? — provocou Erwin.

— Depende do que você chama de novo — respondeu o moreno, com um olhar analítico sobre o amigo. — Levi conseguiu o porte de armas dele de volta, e com isso pode voltar às atividades em campo. — Suspirou. — E também, ganhou mais um membro na equipe dele.

— Como assim, mais um membro?

— A partir de hoje, por ordens de Darius Zackley, eu trabalharei em conjunto com a Equipe de Casos Especiais, para supervisionar as ações do Agente-líder Levi Rivaille até que o caso dele seja concluído.

— Então, pelo visto, eu te verei com muito mais frequência a partir de agora.

— Infelizmente, sim, mas espero que não seja por muito tempo — resmungou, passando uma mão pelos cabelos escuros, já apresentando alguns fios grisalhos. Ao ver que o olhar calmo e equilibrado permanecia estampado no rosto do amigo, Nile estalou a língua audivelmente. — Não sei por que você e Mike gostam de fingir que o “problema Rivaille” foi solucionado, e que trago algo diferente — admitiu, por fim. Erwin suspirou com pesar, finalmente tirando rua máscara profissional, e apertou a ponte do nariz com o indicador e o polegar. — Erwin, aceite. Esse homem é um claro problema. Por que acha que os superiores mandariam a mim, um agente Federal, para supervisionar as atividades dele, um agente Estadual?

— Porque você deve ter insistido nessa ideia — reclamou, com o tom de voz frio e distante, estranhamente contido. — Eu não entendo a sua obsessão com Levi. Desde a primeira vez que ele pisou fora da Academia, você fez de tudo para tentar destruir a carreira dele, não importa o quê.

— O que me surpreende é que você decidiu apoiar aquele rato imundo, e não a mim, que sou seu amigo de adolescência — frisou, com o cenho franzido.

— Estamos trazendo problemas pessoais para o trabalho? — atirou, ainda com a frieza sarcástica, sem se abalar com a acusação de Nile. — Pensei que sentimentalismo era contra a sua política.

— Erwin, leve a sério o que eu te digo pelo menos uma vez — insistiu o moreno, já começando a elevar a voz. — Você sabe que eu nunca mentiria ou insistiria em uma causa se eu não tivesse cem por cento de certeza do que estou falando.

— E como você pode ter certeza sobre Levi ser uma má pessoa se, em todos esses anos, você nunca conseguiu provar nada?

— Porque a minha prova não é suficiente, mas apenas por enquanto.

— Do que está falando, Nile?

— Eu vi com meus próprios olhos alguns anos atrás. — O olhar profundo do Agente Federal foi sustentado pelo loiro, intensificando o contato visual entre os dois. — Nunca quis falar sobre isso com você antes porque sei que você é cabeça dura e nunca escutaria o que eu dissesse sem provas. Até tentei, na verdade, mas foi como eu disse: você não me escutou. Espero que dessa vez você me escute... — Suspirou mais uma vez, com pesar. — Eu vi ele falando com aqueles outros dois capangas que vieram com ele da favela...

— Está falando dos falecidos irmãos dele? — interrompeu o Diretor, arqueando a sobrancelha.

— Não importa o que eram — resmungou o moreno. — O que importa é o que eu escutei.

— Sim, estou esperando — apressou, ao ver que o amigo hesitava em prosseguir com a narração.

Depois de um longo suspiro, Nile continuou a falar.

— Eles estavam planejando entre si. Parecia ser algo grande, e eu não entendi exatamente do que se tratava. Até porque eles falavam bastante sobre a Invasão às Favelas, que seria a operação na qual toda a agência participaria na época. Mas, aparentemente, não era bem isso... — Fez outra pausa, dessa vez para checar se Erwin estava realmente atento ao que dizia. — Estavam bolando uma estratégia para usar o caos na Invasão e conseguir... te tirar da jogada. — Ao finalmente contar aquilo que guardava há tanto tempo, um segredo que na teoria mudaria por completo a forma como Erwin via Levi, esperava pelo menos uma expressão surpresa ou chocada do amigo. Porém, o que recebeu foi o completo oposto; Erwin continuou com a expressão fria e distante, como se conversassem sobre um tema completamente desinteressante. Aquilo tirou Nile do sério. — Você por acaso não entendeu o que eu disse? Eles queriam te tirar da jogada. Caso não tenha entendido, eu quis dizer que eles queriam te matar. E adivinha só? Levi foi o que disse, com todas as palavras, “vocês distraem os outros e abrem uma oportunidade pra mim, quem vai matar aquele bastardo sou eu”.

— E...? — murmurou, quase em desdém. — Eu ainda estou vivo, não estou?

Nile não pôde fazer mais nada, além de encarar com o semblante completamente derrotado para o homem à sua frente. Frustração era um nome gentil para o que o moreno sentia naquele momento; após revelar o segredo de anos, era aquilo que recebia...?

— Você só pode estar de sacanagem pra cima de mim...! — atirou Nile, erguendo ambas as mãos. — Por que você tem tanto descrédito pelo que eu digo?! Estou tentando te ajudar, mas assim fica difícil! — Ao ver que o tom de voz exaltado não estava o levando a lugar algum, decidiu voltar para o tema principal da conversa. — Levi planejava a sua morte e você fica tranquilo com isso? Ele era um delinquente, e eu tenho quase certeza de que ele não vem de uma gangue pequena...! ele podia muito bem ser filiado à Yakuza e você... Você nem liga!

Erwin soltou um discreto grunhido de decepção e massageou as laterais da testa por alguns segundos, pensando no que faria com Nile agora. Eles podiam ter se distanciado bastante com os anos — principalmente depois que o moreno tomou a mão da mulher que mais amou em casamento —, mas uma coisa não havia mudado: eles eram bons amigos. Erwin conhecia melhor do que ninguém o caráter de Nile, que nem sempre agia da forma mais equilibrada possível, mas tudo porque ele era o tipo de pessoa que agia sempre de acordo com suas crenças de certo e errado, e defendia isso fervorosamente. Por isso, sabia que ele não era uma pessoa ruim, só precisava fazer com que ele concordasse com seu ponto de vista, e então teria um bom aliado ao seu lado.

E, bem... Essa era a parte mais difícil.

— Levi é um Yakuza — disse o loiro, por fim, cruzando as mãos por cima da mesa. — Na verdade, neste exato momento, ele deve estar cumprindo alguma obrigação com eles que eu não faço ideia do que seja.

Nile, que parecia prestes a surtar, imediatamente congelou na cadeira. Esperava que Erwin dissesse de tudo, menos aquilo. O choque foi tanto que não conseguiu proferir nem metade do que lhe passava à mente naquele instante.

— O quê...? — foi tudo que o moreno conseguiu murmurar.

— Eu estou abrindo o jogo com você — admitiu Erwin, ainda com a postura estritamente profissional e fria, como se eles estivessem tratando de um caso à parte, completamente distante da vida pessoal deles. Nile estava cada vez mais perturbado com o tamanho controle emocional do amigo. — Percebi que já não é mais benéfico esconder o caso Rivaille, até porque você parece bem disposto a acabar com tudo que eu construí nesses últimos seis anos. Sendo assim, tentarei te convencer que Rivaille é necessário nessa agência através de fatos que até você será incapaz de contestar.

Mais uma vez, o Agente Federal não viu outra opção a não ser calar-se e esperar que o Diretor contasse a verdade que ele tanto buscou ao longo dos anos.

— Você já deve ter ouvido falar do sobrenome “Rivaille”, certo? — perguntou o loiro enquanto buscava um arquivo em uma gaveta falsa em sua mesa. — “Rivaille” tem origem francesa. Aparentemente, alguns descendentes vieram para cá por volta da II Guerra Mundial, e o ramo da família se espalhou bastante.

— Erwin, do que está falando...? — Antes mesmo que terminasse a frase, o Diretor abriu uma pasta de cabeça para baixo, para que assim todos os arquivos dela ficassem virados na direção de Nile.

— Ao que tudo indica — prosseguiu o loiro —, um dos Rivaille acabou se afiliando à Yakuza há uns 75 anos atrás, e se tornou peculiarmente famoso. — Fez uma pausa para mostrar fotos bem antigas de um homem robusto, bem encorpado, e com uma barba densa. Neste momento, o loiro conseguiu captar a atenção do amigo, que começou a associar melhor aquela conversa a Levi. — Ele foi realmente um assassino inigualável. A lenda das 600 mortes, no entanto, é comprovadamente falsa. Ele matou, sim, muitas pessoas, mas este número é um exagero. Mas, bem, quem se importa? O fato é que o apelido “Rivaille” se tornou referência ao assassino mais habilidoso da Yakuza.

— Mas... espera. Quando você diz que se tornou referência ao assassino mais habilidoso, isso realmente independe se a pessoa pertence à família Rivaille original?

— Exatamente — respondeu, com uma sombra de sorriso. — Sendo assim, eu dei uma pesquisada nos antepassados de Levi, e essa foi a parte mais difícil.

— Você é realmente desocupado.

— Não diria isso se soubesse o que eu encontrei — respondeu, com o tom de voz macabro, mantendo os olhos fixos no documento em suas mãos que logo entregou ao amigo. Este que olhou para o loiro com suspeita, sentindo um calafrio percorrer a coluna, mas depois entendeu perfeitamente a fissuração dele tanto pelo papel, tanto pelo agente de um metro e sessenta que só atraía problemas.

Puta merda — murmurou Nile, incrédulo no que seus olhos viam: mesmo que antiga e bastante danificada, era uma foto de um garoto sujo e magricela, tão diferente do adulto que conhecia que levou um tempo até que Nile o reconhecesse como sendo Levi quando criança. Mas o que o surpreendeu não foi isso, e sim o homem que estava em pé logo ao lado de Levi na fotografia. — Isso... Isso não é possível...

— Não só é possível como é verdade — afirmou Erwin, sorrindo presunçosamente. — Ao que tudo indica, ele é um órfão abandonado que foi criado por Kennedy Ackerman, o Retalhador. Por mais que o paradeiro dele seja desconhecido hoje em dia, sabemos que ele é extremamente perigoso não apenas pelo seu talento natural em cometer assassinatos a sangue frio, mas sim devido a sua posição dentro da Yakuza. E ainda tem o sobrenome que ele carrega... Ackerman.

— Acha que Levi saberia onde ele está? — perguntou Nile, mas ainda com os olhos estupefatos presos no retrato.

— Mais do que isso... acho que ele herdou a posição do Retalhador dentro da Yakuza. — Ao externalizar seu palpite, Erwin não se surpreendeu ao ver o semblante chocado do amigo mais uma vez, mas agora com um misto de descrença. — Não é uma teoria impossível. Sabemos das habilidades monstruosas de Levi, algo que seria facilmente explicado se ele tiver sido treinado por alguém de igual calibre. Ou mais... ele pode ser o próprio filho de Kennedy Ackerman. Não dá para ignorar que os dois partilham traços semelhantes, principalmente no olhar...

— Erwin, isso está indo longe demais — disse o moreno, com a voz trêmula. — Até agora, você só me mostrou motivos para prender esse bastardo o quanto antes. Não entendo porque ainda não fez isso, pra falar a verdade.

— E perder uma chance de ouro como essa? — Balançou a cabeça com um fraco sorriso, que não durou muito. — Nile, ouça... Levi não é um mero peão lá dentro. Eu entendo o seu medo, mas é um risco que eu estou disposto a correr. Ele é uma faca de dois gumes, um agente brilhante e também um assassino impecável. Mas é justamente por ele ter uma posição tão respeitada dentro da Yakuza que eu acredito que ele seja a chave para desestabilizar esses desgraçados de uma vez por todas. Quando a hora chegar, sei que ele fará o que é certo. Confio em Levi assim como confio em você ou Mike.

Nile passou alguns segundos apenas encarando o semblante sério do loiro à sua frente, completamente confuso e levemente descrente do que tinha acabado de ouvir.

— Você perdeu a cabeça de vez, não foi? — lamentou o Agente Federal, passando uma mão pelo rosto. — A única coisa que eu quero saber agora é... Isso tudo, é por Levi ou é por você?

— Por mim? — perguntou enquanto franzia o cenho. — Acha que eu chegaria tão longe apenas por reconhecimento pessoal ou para conseguir uma promoção?

— Não, estou falando do seu sonho estúpido de vingar a morte de seu pai acabando com Dott Pixis. Na verdade, com toda a Família Pixis.

Erwin cerrou os punhos momentaneamente, mas manteve a compostura.

— Isso é pelo meu pai, por mim, por Levi e por todos que vivem nesta cidade — respondeu em tom firme. — A Yakuza é uma organização criminosa que precisa ser controlada, para o bem estar público. E é meu dever, como Diretor desta Agência, supervisionar cada passo deles e prevenir qualquer possível ataque. Consegue entender que estou apenas cumprindo com o meu dever? — Silêncio se fez presente entre os dois, que trocaram apenas olhares frios um para o outro. — E não se engane, a Família Pixis não seria capaz de arquitetar uma revolução sozinha. Meu verdadeiro alvo são os Reiss.

 

 

Aquele era uma sala pequena, parecendo ainda menor com os corpos estendidos no chão. O cheiro de sangue preenchia o ar, um perfume fúnebre que trazia ainda mais náusea para o responsável pelos assassinatos. Este que estendia no centro do ambiente, assistindo sem pressa as poças de sangue de cada cadáver se juntarem aos poucos; seu Mar Vermelho particular. Não havia uma única gota carmesim em sua roupa, mas ainda assim, Levi sentia como se o líquido que escorria no chão subisse pelas suas pernas, sujando-o por inteiro. Sentia-se corrompido por aquela visão, ainda que fosse tão familiar quanto o pôr do sol — que também tingia tudo ao redor daquela detestável cor rubra.

Sua repulsa e desprazer o fazia mexer o corpo no automático, para que concluísse o trabalho o quanto antes e enfim pudesse sair logo daquele cubículo pútrido. Com cuidado, caminhou por entre os defuntos e retirou apenas o que lhe interessava: o polegar direito com as digitais. Com sua habilidade de anos no serviço, conseguiu retirar todos o de todas as vítimas sem sujar-se — mas, na sua cabeça, era diferente.

Tinha que admitir: quanto mais repetia aquele trabalho, mais tinha noção do quanto odiava assassinar pessoas. Era como matar uma parte de si a cada cadáver. E o pior: cada passo que dava naquele ambiente fechado, abafado e claustrofóbico, levava-o a pensar na liberdade de ser preso pelos braços de Eren, em mais um sorriso luminoso e mais um gesto que provava o quanto era amado. E o que estava fazendo para merecer aquilo? Nada. Muito pelo contrário...

Estava matando pessoas.

Como as coisas foram acabar daquela forma? Não fazia muito tempo, havia acordado de uma excelente noite ao lado do namorado, que dormia como um anjo em sua cama. Mas a verdade era que a sensação de ter acordado mesmo só lhe veio quando o estalo de seu gatilho se fez presente, ecoando em meio ao caos de vozes que gritavam ameaças desesperadas e promessas vazias de vingança.

Levi não queria estar ali. Nunca gostou de ser um assassino, mas daquela vez era diferente de tudo que já tinha sentido antes. Era uma repulsa que nunca antes sentiu na vida. Precisava sair dali.

Precisava sair daquela vida.

Pelo seu próprio bem.

Pelo bem de Eren.

Porque o amava, e queria poder se ver livre de qualquer peso na consciência para poder dizer que o amava abertamente.

Porque sabia que o amava, mesmo não podendo.

Porque sabia o que estava matando dentro de si ao admitir que o amava.

“Perdoe-me, Eren”, era o mantra que repetia inúmeras vezes em sua cabeça.

 

 

— Vejo que Dott pegou pesado no adestramento dessa vez — comentou o Velho Boja, terminando de tratar uma última ferida no peito de Gustav.

— Como sabe que foi um adestramento...?! — Jeff perguntou abismado, recebendo um beliscão do amigo junto com um “shh!” para que mantivesse silêncio acerca da situação delicada deles com o chefe.

— Ora, meus jovens — desdenhou o médico, abanando a cabeça. — Vocês realmente não sabem quem eu sou, não é?

Os dois amigos se entreolharam com o cenho franzido. Ele não era apenas um médico clandestino que vivia nos arredores do território da Yakuza? Bem, pelo menos, era isso que sempre ouviram acerca dele. Boja deu um sorriso torto e levantou-se com alguma dificuldade, indo até a escrivaninha no canto da sala para buscar mais pomada e ataduras.

— O senhor era... bem próximo de Pixis — murmurou Gustav, com a voz rouca e fragilizada.

— Gus! — comemoraram os amigos em uníssono, aproximando-se do futon onde o moreno estava.

— Por favor... não falem tão alto — pediu o paciente, franzindo o cenho enquanto dava um sorriso sofrido. — Dor de cabeça.

— Ah... desculpe.

— Não tem problema.

— Então, Dott ainda se lembra da minha existência? — quis saber Boja, voltando com os materiais que faltavam. — É realmente uma surpresa saber que aquele verme ainda fala de mim.

— Não é com muita frequência, devo admitir... — disse Gus, logo prendendo a respiração ao sentir os finos dedos cobertos de pomada tocarem as suas feridas.

— O quê, vai me dizer que eram amigos de infância? — desdenhou Jeff mais uma vez, cruzando os braços.

— Não... — respondeu Gus, fechando os olhos para fingir que não sentia a dor. — Ele era...

— Médico da Yakuza — Boja concluiu a frase, vendo o esforço que o paciente fazia para proferir as palavras. — Depois que a Família Pixis deu o golpe, minha licença foi cassada e eu fui forçado a virar um médico clandestino.

— Ah é, teve uma história dessas... — murmurou, coçando a barbicha.

— Mas por que cassariam a sua licença? — interferiu Lee, o outro amigo presente, curioso com o assunto. — Não é como se o médico da Yakuza participasse dos planos, ele só fica à disposição dos “cabeças” 24 horas por dia.

— Deveriam saber melhor que eu que esse novo médico da Yakuza faz tanto parte dos planos quanto qualquer outro estrategista — contou Boja, com um quê sombrio em sua voz.

— Na verdade, eles não sabem. Faz parte da política de Pixis ser o mais sigiloso possível, e fragmentar as informações o quanto puder. Eu mesmo, ainda que fosse o braço direito, não sabia nem de metade dos planos dele. — confessou Gus, num tom lamentoso. — E já faz um bom tempo que o nosso médico sumiu do mapa, então não sabíamos que ele tinha tanta importância assim. Quero dizer, eu até fazia uma ideia, mas...

— Um homem engenhoso, isso eu devo admitir — murmurou o doutor, concluindo a sutura e passando a enfaixar o local. — Tanto o médico quanto Dott. Este, eu conheço desde muito novo. Sempre soube que ele seria um gênio, e que não usaria esse talento da mesma forma que Valerian.

— Valerian? — indagou Lee.

— Nunca ouviram falar dele? — perguntou Boja, arqueando uma sobrancelha. — Sinceramente, o que há com vocês, jovens...

— Se fosse mesmo importante, teríamos ouvido falar dele — desdenhou Jeff.

— Oh, espero que o posto de líder da Yakuza seja importante o suficiente para você, então — respondeu com sarcasmo.

— Ah, mas deve ter milênios que ele estava no poder! Não temos aula de “história da Yakuza” no orfanato, caso não saiba — retrucou o mais novo.

— Pois deveriam saber quem era, ele foi o melhor líder que já tivemos — vangloriou-se o médico, com um tímido sorriso. — E o líder a quem eu servi.

— O que ele fez de tão importante? — quis saber Lee.

— Pensou em nós. Pensou na comunidade, na origem dessa organização e no porquê de existirmos. Ele não era um criminoso que roubava por luxúria.

— Ele era um Hobin Hood?

— Por assim dizer.

— Devia ser um cara legal — disse Jeff, sorrindo. — Ele que veio antes de Dott Pixis?

— Não, claro que não. Valerian era o líder por direito, da Família Original.  Quem tomou o poder dele foi o pai de Dott, Rusher Pixis.

— Não sabia que tinha uma Família Original para liderar a Yakuza — admitiu Lee.

— Tudo dentro da Yakuza é hereditário. Não chamávamos de Família Original antes, mas depois do golpe, foi necessário distinguir qual que veio antes e qual que veio depois.

— E qual foi a que veio antes? — perguntou Lee, claramente interessado naquele assunto. — Digo, qual a família de Valerian?

— Ackerman — disse o doutor, com orgulho. — Valerian Ackerman.

— Ackerman... — repetiu Gus, pensativo.  — Faz sentido. Então é por isso que todos eles foram caçados depois que os Pixis tomaram o poder?

— N-não exatamente — murmurou o médico. Claramente desconfortável com aquele assunto. — Não sei se devo falar desse assunto com vocês. Ele é um tabu para qualquer Yakuza, e digamos que eu já não esteja numa posição de privilégio.

— Por favor, conte-nos mais — pediu Lee, curvando levemente o corpo. — Também não estamos nos melhores termos em relação a Pixis, e precisamos estar preparados. Queremos entender mais.

Os três jovens olharam esperançosos para o mais velho, que suspirou e praguejou mentalmente pelo coração mole que tinha.

— Bem, pelo visto, não tem jeito... — suspirou em lamento, em contrapartida à comemoração silenciosa dos mais jovens. — Mas vão ter que jurar pela alma de vocês que manterão essa história em segredo, me ouviram?

— Sim, senhor! — respondeu Jeff, de prontidão, gerando um sorriso tímido nos rostos dos outros dois amigos.

— Então... — começou o doutor, após um pigarro. — Ok, eu menti. A perseguição aos Ackerman começou após a tomada de poder dos Pixis, sob o comando de Rusher. No início, ele havia tirado apenas os privilégios da Família Original dentro da organização, mas as coisas começaram a complicar uns meses mais tarde...

— O que... quer dizer? — perguntou Gustav, dando sinais de esforço excessivo para falar, o que significava que os remédios para dor estavam fazendo efeito.

O doutor sorriu gentilmente e prosseguiu.

— Não tinha como negar que a política interna adotada por Rusher era bem diferente da de Valeriam, e todos nós sentimos isso em pouco tempo. — Boja fechou os olhos e deu um longo suspiro, como se estivesse colocando para fora o peso de suas memórias. — Rusher era um homem ambicioso, até mais do que deveria. Ele e seus seguidores achavam ridícula a política interna de gastar nossos fundos para ajudar a comunidade. Ele queria lucrar, crescer, expandir... e realmente conseguiu. Foi a época em que fomos mais temidos, tanto aqui no Japão quanto no exterior.

— E isso não foi bom? — questionou Jeff.

— De uma certa maneira, sim — concordou o médico. — Éramos temidos, respeitados. Mas tínhamos muitos conflitos internos... Muitos se sentiam abandonados e desamparados, tanto pelo Governo quanto por nós, a organização que nasceu da promessa de proteger aqueles que mais precisam. E então, várias revoltas estouraram, clamando pela volta dos Ackerman...

— E foi aí que todos foram assassinados — concluiu Lee.

— Eles não eram tão fracos — resmungou Boja. — Até pegarem Valerian, levou muito tempo. Mas não teve jeito... uma hora, ele caiu. — O silêncio imperou por alguns segundos, estes que pareciam séculos para o mais velho, preso em suas memórias. — Porém, sobraram seus três filhos: Kennedy, Kuchel e Jonathan. Kennedy era o mais velho, e o mais clamado para tomar o lugar do pai e liderar a revolta, mas... bem, ele tinha outras prioridades.

— Como assim? — indignou-se Jeff. — O que poderia ser mais importante do que toda uma comunidade?!

— No momento em que Rusher percebeu que os filhos de Valerian ainda poderiam substituí-lo, ele tomou uma decisão: todos os Ackerman deveriam ser eliminados, e não apenas o seu líder. Ele queria eliminar a ameaça pela raiz. — Neste momento, os mais jovens quase prenderam o ar, tamanha a tensão do momento. — Kennedy, por mais que quisesse ajudar, sabia que era intelectualmente limitado. Ele não era um líder como o pai, mas era um soldado como nenhum outro. Um assassino digno de ser chamado de...

Rivaille — disseram os três em uníssono, sentindo um calafrio percorrer a espinha.

— Não, pior. Demônio. — Boja se interrompeu mais uma vez, preso em pensamentos. — Mas, ainda que fosse um assassino excelente, ele tinha um bom coração. Sabia que não podia ser o próximo líder da Yakuza, mas pelo menos podia salvar as pessoas a quem tinha mais apreço... os irmãos.

 

 

Eren já havia chegado em casa fazia mais de quarenta minutos, mas a sensação de inquietação não saía de seu peito. Estava deitado na cama olhando para o teto, tentando entender de onde vinha aquele desconforto, mas nada lhe vinha à mente. Nem vídeos no YouTube ou outras redes sociais conseguiam distraí-lo quando se encontrava naquele estado. Apanhou o celular mais uma vez, no intuito de falar com um de seus amigos — com sorte, Armin estaria livre e de bom-humor —, mas, aparentemente eles se encontravam fazendo qualquer outra atividade mais interessante. Impaciente, jogou o celular ao seu lado e levantou-se da cama, começando a andar de um lado a outro como se dessa forma conseguisse pensar mais rapidamente em alguma atividade que o pudesse distrair naquele momento. Talvez não quisesse ou só não estivesse com cabeça para aquilo naquele momento, mas nada lhe ocorria.

Eren desceu as escadas com a intenção de jogar um bom e velho video-game — de preferência um de tiro, onde pudesse descarregar tudo que sentia nos botões desgastados.  Passou o indicador pela capa de cada jogo até fitar o último: Mortal Kombat. Instantaneamente, sua mente viajou para a noite em que todos os seus amigos estavam lá se divertindo e fazendo competições bobas, até lembrar da pintura facial ridícula que haviam feito em Mikasa, das brincadeiras horríveis de Jean, até mesmo do clima estranho quando Armin mencionou que talvez nem sempre Levi precisava ser o ativo… E então, sua mente foi tomada pelo namorado. Normalmente, isso não seria nenhum problema, principalmente depois de uma noite tão gostosa. Porém…

Ainda havia aquele quarto trancado, e aquele leve cheiro que o atormentava profundamente. Perdeu o interesse pelo jogo no mesmo instante e se dirigiu para a cozinha com a intenção de beber alguma coisa — talvez uma água gelada lhe acalmasse os ânimos.

Pegou um copo e abriu a porta da geladeira, indo quase que automaticamente na direção da jarra de água. Depois de se servir, Eren se recostou na bancada do outro lado da cozinha e deu um gole que refrescou todo seu interior. Olhou de relance para a bancada, deu mais um gole na água e acariciou o mármore com a palma de sua mão. Apoiou o copo suado com a água gelada sobre a pia e segurou com ambas as mãos a beira da bancada, fazendo com que seus olhos a percorressem de uma extremidade à outra. Mais uma vez, sua mente foi tomada por lembranças, de quando estivera com Levi naquela cozinha. Levi. Lembrar do namorado mais uma vez fez seus dedos tensionarem — na verdade, lembrar do quarto secreto… não, daquele aroma familiar e levemente perturbador o fazia ficar daquela forma: agitado. Antes que pudesse raciocinar, com a mão em punho golpeou a mesa, emitindo um barulho abafado que passou despercebido ao ouvir o ruído da tranca da porta se abrindo.

— Eren, filho, está em casa? — A mulher adentrava a sala com algumas sacolas do mercado.

O moreno terminou de beber a água e em seguida colocou o copo vazio dentro da pia, tentando afastar mais uma vez os pensamentos incômodos. E, não podia negar, ter a mãe ali era uma excelente forma de distraí-lo rapidamente.

— Eu tô aqui na cozinha — disse com tom indiferente, mas sem esconder o discreto alívio que sentia por vê-la.

— Ótimo, pode me ajudar com essas sacolas? — Carla mal conseguia segurar as compras, mas mesmo assim apresentava um ar contente. O de olhos verdes se apressou para ajudá-la, apanhando a sacola mais pesada e caminhando com a mãe até a cozinha novamente.

— Que sorriso é esse? — perguntou levemente curioso, colocando a sacola sobre a bancada.

— Tenho novidades. — A mulher tentava conter a empolgação, mas falhando. Seu sorriso radiante refletia no rosto do filho.

— O quê? — Apesar de desconfiado, Eren era cativado pela energia da mãe.

— Consegui um novo emprego! — Carla não sentia necessidade de conter a felicidade que transbordava através de suas palavras, saltitando e dando palminhas.

— Sério? Que bom! Estou tão feliz por você — disse, com um sorriso morno nos lábios. Eren conseguiu esquecer momentaneamente as questões que passavam por sua mente naquele momento, aquela era a distração perfeita, fora que um pouco de felicidade nunca fez mal a ninguém.

— Eu mal consigo acreditar, secretária! Finalmente vou me ver livre daqueles pratos gordurosos e aqueles clientes ingratos — resmungou. — E tudo graças a ajuda de Haruko… Ah, como eu tenho uma amiga maravilhosa! — Carla investiu em um abraço apertado, gesto que Eren tranquilamente retribuiu. — Sabe o que isso significa, não é?

— O quê? — disse rindo.

— Que você vai precisar procurar um emprego também — respondeu, alisando brevemente os fios castanhos do garoto. — Mas claro, um de meio-período.

— Eu? — Se afastou do abraço com uma expressão confusa — Mas você não acabou de dizer que conseguiu um emprego novo?

— Sim, eu disse, mas você vai precisar ajudar nas despesas se quisermos nos mudar — Ajeitou o cabelo atrás da orelha.

— E por quê iríamos querer nos mudar? — Eren sentia que seu tom de voz estava começando a oscilar, e normalmente isso não significava coisa boa.

— Essa casa é grande demais para apenas nós dois — segurou de leve o braço do filho. — Não seria melhor renovar os ares? Ir para um lugar novo, vida nova! Além de que, quando você for para a faculdade, eu vou ficar sozinha aqui.

— Não, não seria — disse de imediato, surpreendendo tanto a si mesmo quanto a mãe. Ambos passaram alguns bons segundos se encarando, segundos estes que mais pareciam horas para os dois presos em um diálogo mudo e extremamente conturbado. — Eu preciso sair.

Sem esperar por uma resposta, o garoto deu as costas e se dirigiu até a porta o mais rápido que podia, sem nunca olhar para trás.

Depois de avançar bastante na rua, a ponto de chegar numa avenida movimentada,  Eren finalmente conseguiu clarear um pouco mais a mente. Não era como se não estivesse feliz pelo emprego da mãe, ou como se achasse a mudança uma péssima escolha. Não, sabia que ambas as decisões eram perfeitamente razoáveis dada a situação na qual ambos se encontravam. Porém, ainda era um adolescente de quase 17 anos com um turbilhão de coisas na cabeça, e a procura por um trabalho de meio-período só o fez se lembrar de mais uma difícil decisão que estava tentando adiar até o último segundo: a faculdade. Não sabia ao certo qual curso faria, assim como não tinha a certeza se queria tentar apenas a universidade de sua cidade, ou se teria coragem de se desprender de seu ninho e voar para mais longe.

Era tanta coisa para se pensar, tanta coisa para absorver de uma vez, que Eren simplesmente desejava que o mundo parasse um pouco para que pudesse acompanhar o ritmo. Até mesmo as pessoas à sua volta, que andavam tranquilamente, pareciam meros borrões para os agitados olhos esmeraldinos. Cada passo era agora dado de forma hesitante.

Eren sempre foi o tipo de pessoa que gostava de adrenalina e de experienciar novas situações. Estaria sempre disposto a cair de cabeça nas aventuras mais loucas propostas pelos amigos, nas brigas mais perigosas que encontrasse, nos lugares mais distantes que conseguisse alcançar. Porém, algo mudava quando o assunto era algo que servisse de sustento emocional, como a própria casa, ou a mãe. Recentemente, até a escolha do curso na faculdade tem sido um assunto tabu, já que estava mais inclinado a se juntar ao pai no jaleco branco e cursar Medicina. Agora, já não sabia mais, e isso o assustava.

Não, aquilo tudo era demais. Era surpresa demais, era fugir demais do planejado. A sua dose ideal de adrenalina e novas experiências se concentravam em apenas um lugar — ou melhor, uma pessoa...

— Levi... — murmurou o moreno, inconscientemente chamando pelo conforto do mais velho, enquanto lentamente diminuía os passos.

Aos poucos, desprendia-se de sua consciência e sentia a mente ficar em branco. Conhecia aquele estado, conhecia muito bem aquele estado, mas desta vez, não se importaria nem um pouco em deixar seu lado mais descontrolado vir à tona.

O pai e seu sumiço…

A mãe e a mudança…

A faculdade e seu futuro…

Levi e seus segredos…

A porta trancada e o cheiro de pólvora…

...tudo isso o irritava.

E para completar, ainda tinha aquele jovem fotógrafo correndo pela rua desesperado, sem perceber que em seu caminho havia um belo adolescente prestes a explodir em raiva.

 

 

— Mas como Kennedy poderia salvar os irmãos numa situação apertada como aquela? — perguntou Lee, impaciente para saber o resto da história. — Ao que eu estou vendo, esse Rusher não faz bem o tipo misericordioso.

— Não, mas ele era ambicioso, e Kennedy sabia disso. Sendo assim, ele fez uma troca justa: a vida dos irmãos por uma arma letal... — O Velho Boja fez uma pausa dramática apenas para provocar os mais novos, pois sabia que eles estavam ansiosos para ouvirem o resto. — Ele mesmo.

— É o quê?! — Jeff indagou.

— Ele se entregou? Mas isso não faz nem sentido! — intrometeu-se Lee. — Ele só foi morrer bem mais tarde, quando...

— Ele não se entregou para morrer, ele se entregou para ser usado como uma arma por Rusher — explicou o mais velho, revirando os olhos. — Veja, Rusher era um homem louco por poder. Ter um demônio como Kennedy em uma coleira era tudo que ele mais queria.

— Então foi só isso? A Família Ackerman foi poupada e fim? — quis saber Jeff.

— Não, não foi tão fácil assim — prosseguiu o doutor. — Graças a Kennedy, a vida de Kuchel e Jonathan foi poupada, mas com uma condição: eles não poderiam ter filhos. Não poderiam deixar um legado, fazer a família crescer. Desta forma, estaria matando os Ackerman de uma forma pacífica, então Kennedy concordou com os termos.

— E... final feliz?

— Longe disso. Como o primogênito de Valerian havia se juntado com os Pixis, o crédito e a confiança dos Ackerman caíram para a comunidade. Ninguém mais via eles como um símbolo de esperança e salvação, mas sim de covardia e egoísmo. Por causa disso, Kuchel e Jonathan sofreram muito com uma série de ameaças e agressões, a ponto de fazer com que os dois caíssem na miséria.

— Mas Kenny ajudou eles, né? — murmurou Gus, com algum esforço. —Ele não parece fazer o tipo que abandonaria os irmãos a esse ponto...

— Kenny? — estranhou Lee, olhando confuso para o companheiro. — Desde quando você tem tanta... intimidade com o velho Ackerman?

— A-ah, eu... — Pigarreou, sem graça. — Eu ouvi muito umas certas crianças o chamarem muito por esse apelido... É costume.

— Tá, tá, isso não importa —interrompeu Jeff, impaciente. — Quero saber do resto. O que Kennedy fez? Ele ajudou os irmãos?

— Bem... infelizmente, não — respondeu Boja, em tom lamentoso. — Rusher era extremamente cuidadoso com as informações que circulavam pela organização, algo que seu filho parece ter aprendido direitinho.

— Então, podemos presumir que Rusher cortou o contato de Kennedy com os irmãos, não foi? — deduziu Gustav, tendo um rápido flashback de quando Levi foi mandado para fora dos esconderijos da Yakuza, e que quebrasse contato com todos para que não levantasse suspeita no seu “novo trabalho na polícia”.

— Exatamente. Quando ele foi descobrir, já foi tarde demais...

— O que quer dizer?

— Ambos os irmãos quebraram a política de não ter filhos estabelecida por Rusher. Sendo assim, ambos pagaram... bem, da forma como deveria ser. Com a vida.

— Mas por que esses dois idiotas decidiram ter filhos justamente em uma época tão complicada?! — Jeff indignou-se mais uma vez. Talvez fosse a quinta vez só naquela consulta.

— Não foi planejado. Pelo menos, é o que os boatos dizem — prosseguiu o doutor. — Jonathan, o mais novo, acabou se apaixonando por uma integrante de uma organização inimiga, que jurou proteção caso ficassem juntos, mas Jonathan queria se precaver e não ter filhos, apenas para que nada se complicasse. A mulher, insatisfeita com o casamento, acabou se desprotegendo propositalmente para que acabasse grávida, e a notícia não demorou muito para correr até a Yakuza. No final, Rusher se mostrou superior, aniquilando praticamente todos os membros... acredita-se que Jonathan se foi junto a esposa nessa carnificina. Já Kuchel... Bem, essa daí tem uma história complicada, mais misteriosa que o sorriso da Mona Lisa.

— Deixe de drama e conte o que aconteceu — apressou Jeff. — A história está ficando boa. O senhor sabe como colocar um suspense, não é, Velho Boja?

O idoso apenas o olhou friamente, repreendendo a atitude demasiadamente íntima para dois desconhecidos. Lee o seguiu na repressão, dando um discreto beliscão em seu braço.

— Então... — disse o doutor, após pigarrear. — Existem duas versões sobre o que aconteceu com Kuchel. A única certeza que temos é que ela virou uma dançarina de cabaré, e logo depois cedeu à prostituição, quando o dinheiro não era suficiente. A primeira versão da história é a que diz que ela engravidou acidentalmente de um dos clientes, e depois não teve coragem de abortar. O que não é impossível, já que ela era tão boa que chegava a ser uma tola. — Balançou a cabeça, em lamento. — Mas a segunda versão é a que mais me intriga...

— Pare de fazer susp...! — Jeff ia apressá-lo, mas teve sua boca tapada pela mão de Lee, que revirou os olhos e aguardou pela continuação, a qual veio sem demora.

— Dizem por aí que o filho de Kuchel não era de um cliente qualquer, mas sim de um amante, e de posição consideravelmente alta na hierarquia da Yakuza. Os boatos contam que ele a enganou dizendo que daria um jeito de acabar com aquela maldição jogada por Rusher, e que ela poderia carregar sem problemas o seu bebê, mas acabou que ele fugiu e a abandonou. No fim, ela acabou como o irmão: assassinada, junto ao feto.

— Que horror... — concluiu o mais novo, lamentando por clamar o final com tanta avidez.

— Isso explica o porquê de Kennedy ser sempre tão surtado com todo mundo — comentou Lee, relembrando as vezes em que viu o Ackerman fazer atrocidades com vidas humanas, mas sempre mantendo um sorriso no rosto. — Sempre achei que ele era só um psicopata tosco.

— Um psicopata tosco não cuidaria de uma criança — contra-argumentou Gus.

— Cuidar de uma criança? E desde quando ele fez isso? — quis saber Jeff. — Pelo que eu entendi, nem mesmo ele poderia ter filhos.

— Foi ele quem achou Rivaille quando era criança, seu besta — resmungou Lee, dando um leve tapinha na nuca do amigo. — Mas mesmo assim... Não foi ele exatamente que criou Rivaille. Ele cresceu no cabaré, com Carmen, não com aquele monstro.

Gustav preferiu não seguir com aquela conversa. Sabia como o passado de Levi o incomodava, e que não queria que muitas pessoas ficassem se metendo em sua vida. Não que não confiassem em Jeff ou Lee, muito pelo contrário; apenas estava respeitando a privacidade do irmão. Além do mais, ficou com uma pulga atrás da orelha depois de escutar a história da Família Ackerman, e não se sentia muito bem em compartilhar informações — estava no momento de absorvê-las.

— Então, vocês conhecem o jovem Levi... Rivaille, sim? — perguntou o doutor, aparentando estar apenas tentando render assunto, mas sempre mantendo seus afiados olhos de raposa atentos nos três jovens. — Ouvi dizer que ele estava em maus lençóis... Talvez não dure por muito tempo. — Com aquele comentário, o clima, que já não era dos mais leves, se tornou ainda mais carregado. — Uma pena. Ele era a nossa maior esperança...

— O que quer dizer com isso? — indagou Lee de imediato, dando a oportunidade para que Gus pudesse fazer menos esforço e apenas escutar o que queria.

— Quis dizer o que acabei de dizer — explicou o senhor de idade, levantando-se com alguma dificuldade do tatame para dirigir-se até o lavabo novamente. — Ele é um jovem forte, com certeza seria útil.

Útil para quê? — rosnou Gus, sentindo uma pontada forte em seu abdômen por isso, mas ignorou por completo. No momento, não havia espaço no caos de sua cabeça para a dor. — Estou cansado de escutar as pessoas falarem do meu irmão como se ele fosse apenas um objeto, uma coisa a ser usada. Estou cansado dessas histórias e segredos que todos guardam debaixo de sete chaves, como se nunca houvesse fim... Estou cansado dessa porcaria toda. — Mesmo após o fim da explosão do moreno, os outros presentes na sala permaneceram em silêncio, sem saber como reagir em seguida. Com um longo suspiro trêmulo, Gustav olhou diretamente para os olhos do doutor e disse: — Eu não sei como sabe de tudo isso, provavelmente tem seus contatos... Mas tem uma coisa que eu ainda não entendi. Por que contou tudo isso para nós?

Boja deu um sorriso rasgado, espremendo os olhos enrugados pelo tempo e acentuando as marcas de expressão que deveriam simbolizar um semblante sorridente, mas que naquele momento, havia um quê mais sombrio por detrás.

— Porque eu nunca desperdiçaria uma chance de plantar a semente da discórdia para um desgraçado da Família Pixis.

 


Notas Finais


Gente, eu voltei com uma vontade de sair quebrando essa zorra toda. Cansei de segredinhos, agr eu vou começar a lavar a roupa suja com vcs kkkkkkkk
Mas a msg melosa n era essa n.
Mds velho... Quando eu parei de postar, eu tinha o q... uns 700 favoritos? De onde surgiram mais 400 pra ter 1.100? tipo... o que esta acontecendo aqui? kkkkk
Eu ja fiz vários escândalos aqui pra comemorar algo grande como isso, mas dessa vez eu realmente não tenho nem ideia do que dizer ou fazer... vocês me surpreendem a cada dia, sério msm kkkkkkk
Eu só tenho a agradecer. Mto obg por essa oportunidade de crescer como uma autora amadora, e como pessoa tb. Essa fic já me ensinou mtas coisas, e saber que ela tb agrega algo de bom pra vcs é maravilhoso. Mds, MTO MTO MTO OBRIGADA!!!
Vou continuar dando o meu máximo, e tentar não dar mais nenhuma ““““““pausa“““““ rsrsrsrs....
E mais uma coisa. Se vcs gostaram desse cap, desse plot, saibam q ele só conseguiu nascer pq meu senpai plantou a “sementinha“ da criatividade dele em mim (risuuussss). Cara, vc e eu, eu e vc, apenas <3
Enfim... ja falei besteira demais, ne? kkkkk
Bjos de luz, meus gatissimos, e ate semana que vem ;)


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