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História Vermelho Intenso - Ai Jesus, esse vampiro é ensandecido!


Escrita por: dmbraur

Capítulo 5 - Ai Jesus, esse vampiro é ensandecido!


— A gente não dorme a menos que estejamos exaustos ou precisando de muito sangue — diz Zaph, do outro lado das fileiras de roupas molhadas penduradas nos varais sob a escassa luz solar que resta e entra pelo quintal dos fundos. As batidas suaves de Supalonely espalham-se pelo espaço apertado, preenchido por materiais de limpeza em prateleiras num canto coberto, uma máquina de lavar roupa e um tanque ao lado da porta da cozinha.

— Então, o que fazem de dia se só saem à noite? — Fico na ponta do pé para colocar uma blusa branca úmida num dos fios que vão de uma lateral à outra.
— Coisas.

— Bela explicação. — Me empertigo para pegar outro pregador de madeira na cesta atrás de mim, ao lado do meu celular, em cima da tampa da máquina de lavar. — Tem outra maneira de se transformar além da mordida?

Pela primeira vez, Zaph parece hesitar. Ele está escorado na parede de frente para mim, os braços cruzados atrás da cabeça, com as roupas gotejantes entre nós.

— Nu. Não através de um vampiro.

— Como assim? — Vejo-o gemer em angústia e esfregar a nuca conforme se impulsiona e desencosta da parede.

— É complicado. — Zaph caminha em minha direção enquanto pego outra roupa do cesto e a estico na corda alta, ficando na ponta dos pés.

— Tenta.

O aprendiz de mosquito veio em seu horário usual, ao entardecer, invadindo a minha janela sem nem mesmo pedir licença. Eu perguntei se ele não tinha mais o que fazer além de perturbar as minhas ideias. No entanto, a verdade é que suas visitas são uma das pequenas coisas que tornam minha semana um pouco mais suportável.

Zaph afasta a blusa branca à minha frente como se fosse uma cortina e me encara com os supercílios levemente franzidos.

— Eu vou ganhar alguma coisa com esse interrogatório?

— Estou te dando meu sangue por livre e espontânea vontade, não é o suficiente?

Zaph ata as pestanas, ressalta o lábio inferior e movimenta os ombros. Ele solta a blusa ao passar para o meu lado. Me estico para trás para pegar mais prendedores…

— De acordo. — Mas Zaph pega a cesta e a traz para perto de mim. De forma abrupta, seus olhos se alargam em minha direção. — E se fizéssemos um acordo? Uma chupada por uma pergunta.

Minhas próprias pálpebras se retraem enquanto o olho de soslaio e fico em meia ponta para prender a calça jeans.

— Que tipo de chupada?

— Bem — ele muda o peso da perna e estica as extremidades de sua boca para cima revelando um teor perverso — eu me referia ao seu sangue, mas se quiser me pagar um boquete...

Estreito os olhos, ainda mirando-o de esguelha.

— Não sei se isso é uma boa ideia.

— O que? Chupar o meu pau? É uma ótima...

— Meu sangue, Zaph. Chup... — Inspiro fundo para ignorar meu grito interno. — Sugar o meu sangue.

— Os dois lados saem ganhando.
Recoloco os calcanhares no chão e o fito diretamente. O vampiro inclina a cabeça de forma sutil e arqueia as sobrancelhas. No canto de seus lábios irrompe um diminuto sorriso. Remoo a boca e semicerro os cílios. Por fim, suspiro.

— Tá, tudo bem — digo, pegando outro pregador e voltando à tarefa. — Mas se vocês só podem transformar mordendo as vítimas...

— É só não sugar o sangue, embora seja difícil de controlar. Principalmente com um sangue tão suculento como o seu. Seria um sacrilégio para um vampiro normal não te matar.

— Espera. — Reponho a sola dos pés no chão e hasteio o queixo para observá-lo. — Você pareceu conseguir parar facilmente.

— Não foi tão fácil, mas eu sou o terceiro mais poderoso. — Zaph pega um prendedor da cesta que segura com uma mão e facilmente o encaixa na calça pendurada.

— O terceiro? — Eles têm uma posição?! Vinco as sobrancelhas. — Quem é o segundo?

— Um cara chamado Adam.

— E o primeiro seria quem? O Drácula? — Solto um riso de escárnio, enquanto me viro para suspender uma camisola de oncinha da minha mãe, mas Zaph não se altera.

— Cinco e sim, seria, se ele estivesse vivo. — Sua face continua um entalhe de neutralidade conforme pega um prendedor e o coloca na camisola dobrada.

Ai minha Jaci... O Drácula existiu?!

Eu arregalo os olhos.

— Você só pode estar zoando. O Conde Drácula de Bram Stoker... Ele realmente viveu?! — Ênfase no “viveu”, por favor.
Zaph resfolega, fechando os olhos. Logo os abre e me encara.

— Sim, ele não foi uma invenção maluca. Só que ele não era como retrataram.

— Então — guino levemente a cabeça — o Drácula não foi baseado no Vlad: O Empalador como dizem?

— Talvez sim, talvez não. — Zaph dá de ombros. — Nunca saberemos o que realmente se passou na cabeça daquele escritor esquisito.

— Mas então os boatos sobre o Petar... Petar... — arrisco.

Argh! Quem mandou ter um nome difícil? Era algo com “vich”...

— Petar Blagojevich.

— Isso! — Estalo os dedos.

— O que tem ele? — Zaph troca o peso da perna, seu foco concentrado em mim.

— Pelo que pesquisei... — Espera aí... Aproximo os cílios. — Você não me perguntou isso no intuito de me instigar a fazer outra pergunta, né?
Seus lábios se apartem num sorriso ladino, quase predatório.

— Você ia perguntar de qualquer jeito. — Cruzo os braços e o encaro de forma arrogante. Zaph mira meus peitos nada discretamente, mas eu opto por ignorar.

— Eu sinto que você é bem capaz de deduzir qual seria a pergunta.

— Mas aí não vou poder contabilizar.

— Responde, por favor? — Descruzo uma mão para apontar em sua direção com o indicador. — E nem pense em colocar essa na sua conta.

Ainda lembro de quando eu costumava passar horas imersa em livros e artigos acerca de mitologias, das lendas que preenchiam minha mente nos dias em que eu mais queria fugir de mim mesma. Foi nesse período que memorizei quase por inteira o quão intricada é a história mística e heroica do antigo príncipe Vlad da Romênia, que ajudou a libertar seu povo dos invasores. E, por ser tão cruel com seus oponentes, criaram boatos terríveis a seu respeito, tornando-o uma criatura que sugava o sangue de seus inimigos. Mas, sabe como é, uma coisa leva a outra e logo eu estava conhecendo as histórias de Petar Aquilo-que-o-Zaph-disse-Vich, que supostamente teria sido um dos primeiros mortos-vivos a surgir na Europa. Zaph abaixa a cabeça rindo fracamente.

— Certo, certo. O Petar de fato existiu também, e veio antes do Drácula. De acordo com os Palatinus, o otário foi morto umas décadas depois. Naquela época, os vampiros não eram tão resistentes, até chegar o tio Drácula.
Hum, então minhas pesquisas não estão tão erradas assim. Apenas... incompletas.

— Mas, se nenhum dos dois está vivo hoje, quem é o primeiro então? — Torço o corpo e pego outra peça de roupa. É uma calcinha. Bege. Minha.
Minhas bochechas começam a queimar, mas tento desconsiderar.

— Pra dizer a verdade, ninguém o viu — ele responde ao colocar um pregador na calcinha. — Esse troço é seu?

— É confortável! — Trato logo de dar as costas a ele para pegar outra camisa social do meu pai. — Então como sabem que o Adam é o segundo, e não o primeiro?

— Até apelidaram Adam de “Falso Príncipe”, o que, inclusive, acho que subiu à cabeça do filho da puta, mas Drácula, que foi o último Primus que vimos, teve dois filhos.

Hasteio as sobrancelhas pelo fato dele ter conseguido ter filhos, e ainda por cima dois.

— Então... O sangue do Drácula, passou para os filhos?

— Exato. — Zaph coloca os dois prendedores na camisa e abaixa o olhar para mim.

— Então ninguém soube quem foram os filhos?

— Nu, perdemos o rastro depois de uma parte da terceira geração. A família ficou muito subdividida.

— Como sabem, então, que, sei lá — movo os ombros — todos já não se foram?

O vampiro romeno solta uma risada nasalada atrás de mim quando me empeno para içar mais uma calça jeans encharcada.

— A família era extensa, é impossível que todos os descendentes tenham acabado.

— Sei não, pode ter acontecido uma tragédia, um incêndio. — Arremesso a roupa por cima do varal.

— Alguns dos descendentes já foram descobertos. Bem, descobertos e mortos, porque quem os achou não perdeu a oportunidade.

— Cruzes. E como vocês os reconhecem? — Ponho os pés no chão, erguendo o rosto para fitar o vampiro ao meu lado.

— Na maioria dos casos, pelo cheiro do sangue. Quando sangram, o aroma é único. — Zaph coloca mais dois prendedores e traz de volta sua atenção para mim.

— Mas, provavelmente, um dos descendentes teve filhos com uma humana, não é? Para gerar tantos tatara-tatara-tatara-e-assim-vai-netos. Já que é difícil pros vampiros engravidarem entre si... A linhagem meio que não se tornou impura e, por isso, mais fraca?

— Ótima 14ª pergunta. Os genes do Drácula estão adormecidos, desativados na corrente sanguínea e no DNA do herdeiro. Assim como um vinho que só melhora com o tempo, a parte do sangue de vampiro vai se “alimentando” e se fortalecendo através da outra parte sanguínea do próprio indivíduo.

— Nossa. — Coço o coque malfeito, mirando o chão empoçado e tendo os supercílios levemente comprimidos. — Melhor trocar de assunto antes que minha cabeça fique mais embolada e... apavorada com a ideia de um sangue devorando o outro. — Iço a cabeça outra vez, olhando Zaph palitar os dentes pontudos com o dedo mindinho. — E como funciona essa tal de hierarquia entre vocês? Por acaso vocês têm um quadro de anotações?

— É, e o penduramos no varal da Torre Eiffel.

— Ha-ha. Tô rolando de rir. — Altero o peso da perna enquanto assisto a um sorriso quase imperceptível surgir em sua boca.

— Existe um livro. — Ele fecha os olhos e estica os braços para cima, alongando os músculos num espreguiçar. Tento não encarar demais. Só tento. — O Livro das Maldições — diz, debochando.

— Por quê? — Me torno outra vez para o cesto de roupas molhadas. Glória a Jeová, está acabando.

— Primeiro, porque é preciso registrar todas essas descobertas. — Zaph relaxa mais uma vez, voltando a me observar de forma modorrenta, ao passo em que me estico para pendurar outra blusa. — Segundo, porque uma das leis que o Drácula estabeleceu foi a de que tínhamos de conhecer nosso próprio passado para não esquecermos quem somos. Achei um pouco estranha, mas cui îi pasă? — Ele balança os ombros.

— É tipo uma bíblia dos vampiros, então.

— Eca. Nu. — Ele obstringe a fronte ao depositar mais um pregador. — Nosso livro é muito melhor e mais útil.

— Tem magia nele, por acaso? — Faço uma expressão cínica e o olho de canto.

— Não.

— Então não é tão útil.

— Você é bruxa? — Zaph verga-se para frente e denota um pesar fingido. — Ah é, não.  Com essa são dezenove.

— Vai ficar me lembrando disso o tempo todo? — Repouso as mãos na cintura.

— Vinte. E, sim, para depois você não dizer que eu tirei mais ou menos.
Faço um bico de insatisfação e mostro o dedo do meio para ele, o que o faz arrastar um dos lados de seus lábios num sorriso presunçoso. Retorno para fren… Espera aí. Algo desencadeia em minha mente. “Bruxa”? Devagar, volto meu rosto para Zaph quando a compreensão me atinge. O vampiro provoca uma ruga suave entre os supercílios e entorta o próprio rosto.

— O quê? Por que essa cara de boneca possuída?

— Você disse “bruxa”.

Em contraste com o meu sorriso suprimido, Zaph desfaz o vinco na testa e sua boca se transforma numa linha reta.

— Isso quer dizer que bruxos existem, né? Tipo Harry Potter?! — Aperto a camiseta em minhas mãos, retendo a empolgação, o que provoca uma chuva de água no chão próximo aos meus pés.

— Se você comparar os bruxos aos de Harry Potter na frente deles — responde Zaph, diferente de antes, mais conspícuo — eles vão te pôr numa fogueira. Ironicamente.

— Meu Deus. — Me empertigo. — Por quê?

— Digamos que eles não são muito simpáticos.

— Mesmo?

— Alguns são muito radicais, outros são mais flexíveis, assim como qualquer fanático por religião ou time de futebol. Mas uma característica que todos, sem exceção, compartilham é a crueldade. Um vampiro insano ainda sente alguma emoção ao te matar, um bruxo, não.
Enrugo a testa.

— Não é possível que não tenha um que seja bonzinho.

— Não existem bruxos bonzinhos. Misericordiosos, talvez. — Zaph dá de ombros, olhando para a cestinha de prendedores em sua mão, ainda sisudo demais para o meu gosto.

— Pode pedir para fazer um feitiço para mim, então?

Zaph tranca o maxilar e me olha por baixo dos cílios espessos.

— Não.

Por que ele fica tão tenso com esse assunto?

— Por favor, não inclua essa pergunta na sua contagem, mas, por que você está assim? — pergunto, pacífica e cautelosa. Zaph demora um pouco a responder.

— Eu não gosto de bruxos.

— Por quê?

O vampiro inspira fundo e solta o ar pelo nariz.

— É uma longa história.

A rigidez é evidente em sua mandíbula, nos ombros hirtos e, principalmente, nos olhos. Pode ser minha impressão, mas há raiva e pesar misturados nos seus tons cinéreos. Não quero forçar, porém vê-lo desse jeito me comove.

— Eu adoro histórias longas. — Bato os cílios e estico um sorrisinho. Zaph me encara por alguns segundos, indecifrável, então une as pestanas e exala o ar pelo nariz.

— Uma das razões — ele começa, afastando as pálpebras — é porque foram esses desgraçados que criaram os vampiros.

MEU ALÁ. Meus olhos saltam de imediato.

— Os bruxos são os seres mais antigos entre nós. — Zaph retorna seu foco para o alto, circunspecto, como se visualizasse todo o desenrolar no céu tangerino de contrastes arroxeados. As sombras começam a se acentuar ao nosso redor, como espíritos fofoqueiros à espreita. — Começou com um cadáver. Um bruxo introduziu magia pura nele. O cara voltou à vida, mas fora de controle. Não durou muito. Depois, pegaram outro cadáver, puseram magia nele de uma forma mais diluída, então ele conseguiu voltar à vida, mas somente poderia sair de madrugada e morria por qualquer coisa. Vendo que seus... experimentos não davam certo, eles descobriram que faltava consciência. Eis que finalmente desenvolveram um ser pensante e humanoide. Esse foi Jure Grando. Mas ainda faltava alguma coisa para atingir a perfeição. Não sei quem foi o gênio que determinou que cada discípulo de bruxo, para “se provar verdadeiramente digno de usar magia”, deveria criar uma vida.

— Isso não é coisa de alquimista? — Ou será que meus breves conhecimentos de Full Metal Alchemist estão equivocados? Abaixo a blusa, ficando frente a frente com ele.

— Alquimistas buscam criar um ser de carne e osso a partir do zero, um homúnculo. Já os bruxos pensaram em algo maior. Quiseram dar uma de deuses e criar a vida propriamente dita. Aquele sopro, a fagulha etérea, que mistura psique e espírito.

— Por isso vocês precisam do sangue. Sangue é vida. — Zaph abaixa o rosto para mim e meneia a cabeça. — Então... vocês têm magia correndo dentro de vocês?

Era para ser uma afirmação, mas saiu como uma pergunta.

— Um pouco. Sendo assim, ano após ano, cada maldito aluno — sua mandíbula trava por um segundo — criou um maldito tipo de ser que vive à base do maldito sangue a partir da maldita matéria anímica que eles elaboraram. — Ele solta um suspiro cansado e aborrecido. Sei que Zaph detesta interrogatórios, mas algo me diz que sua raiva vai além disso. — Eles usaram corpos “tecnicamente mortos”, ou seja, o coração havia parado, mas o cérebro não, e assim chegaram à sua grande obra prima. Uma criatura viva, feita através “do sopro divino”, resistente e consciente.

— Drácula — concluo.

— Não. — Zaph me olha de forma dura. — Elizabeth Bathory.

Junto com o Petar Bla-bla-vich, eu também li um pouco sobre o tal de Jure Grando, entretanto, preciso admitir que foi a história de Elizabeth Bathory da Hungria, a infame Condessa Sangrenta, que me fascinou.

— Tá brincando — exclamo.

— Queria eu estar.

— Então, qual era o papel do Drácula na sociedade de vocês?

O vampiro solta um resfôlego, mas não me parece muito amofinado quando me observa.

— Dumnezeule, as perguntas não acabam.

Na verdade, sua feição voltou a ser muito mais leve, e isso me alegra.
— Eu sou filha de um investigador, querido. — Me faço de convencida e movimento o ombro para cima.

— Bine. — Ele guina para frente, quase me forçando a retroceder. — Eu vou coletar meu pagamento por todas essas perguntas mesmo. E vou aproveitar cada chupada.

Zaph passa a língua pelos lábios e ostenta um exíguo sorriso, mas com uma maldade bem nítida em sua curvatura. Em compensação, eu o olho neutra.

— Nunca mais use essa palavra para se referir ao meu sangue. Nunca.

— E se eu me recusar a fazer isso?

— Então serei obrigada a te estapear.
Ele libera uma risada em meio a um suspiro e ajeita a postura.

— O quê? — Movo o pé e apoio os punhos nas ancas. — Acha que não sou capaz de te descer o cacete?

Pode não ter efeito algum, mas seria muito satisfatório.

— Eu? — Zaph coloca uma mão no peito. — Jamais.

— Acho bom. — Empino o nariz e finjo não reparar no sorriso que ameaça romper seus lábios.

— Voltando à sua pergunta antes das minhas chupadas por direito, o Drácula era o Primus e também um Boiardo da Valáquia, ou seja, tinha deveres para com os vampiros e os residentes humanos de suas terras. Ele era um militar, ajudou na luta contra os otomanos, porém também cabia a ele as decisões dos Palatinus. Seu nome era Viorel II. Quando mataram sua esposa, sua ira o fez dizimar a vila inteira. A palavra dracul em romeno pode ser traduzida como demônio ou dragão. Não é muito difícil de imaginar por que o apelidaram de Drácula.

— Acho que é por isso que alguns filmes têm a representação de vampiros como demônios — concluo, lançando a blusa no cabo.

Ouço a risada nasal de Zaph.

— Obviamente isso é culpa da Igreja. — A mão de Zaph invade minha visão ao colocar os pregadores na camiseta. — Como quase tudo hoje em dia, pra ser honesto. Ainda há muita influência doutrinária religiosa na sociedade. Era muito comum na época também. Mas essa obsessão por demônios acontecia porque, além da maior parte de nossa raça ser impiedosa, quando o sangue não é o suficiente, mantemos nossos corpos quentes com sexo. — Eu não preciso encará-lo para saber que ele assume um sorriso parvo. — Bastante sexo.

— Vocês não têm um clube de orgia, têm? — alfineto com um sorrisinho, sem mirá-lo e pronta para pegar outra peça de roupa. A última, aleluia!

— Por quê? Gostaria de participar?

Jogo a camiseta branca molhada em seu rosto para esconder meu constrangimento, mas acabo rindo no processo. Zaph tira a peça do rosto empapado, as pontas da franja úmida, e seu olhar afiado me atinge como um raio.

Ô-ou.

Segundos depois, me vejo desviando das roupas penduradas nas fileiras do varal para escapar de um vampiro vingativo, dentro de um espaço com menos de doze metros quadrados. Rio de nervoso quando sinto o tecido molhado e gélido da camiseta que eu arremessara nele enlaçar minha cintura como um gancho e me trazer para trás. Com o movimento abrupto, meu cabelo acaba desatando o nó e cai em meu rosto.

Continuo rindo e cuspindo os fios em agonia, quando de repente sou girada e o corpanzil de Zaph cobre o meu, mesmo sem me tocar. Ele me embarreira com a camiseta torcida, cingindo minha lombar.

— Aaah! — guincho ao me encolher de olhos fechados, os braços protegendo meu rosto quando Zaph sacode a cabeça, lançando respingos de água para todo lado. — Seu idiota! — praguejo, entre risos.

— Devidamente justiçado — Zaph diz, mas sua voz próxima ao meu rosto envia uma energia que me percorre por dentro. Escolho abafá-la.

Reconheço Lights Down Low do MAX soando ao longe, infiltrando-se por entre as peças de roupa pendentes ao nosso redor e ricocheteando pelas paredes cada vez mais laranjas e toldadas devido ao pôr do sol lá fora.

— Eu sei dançar bolero, sabia? — Zaph substitui a blusa molhada em minha cintura pela sua mão, me puxando para si. Meus dedos automaticamente se apoiam em seu peitoral, e não resta um mísero espaço entre nós. Meu pobre ar fica preso nos pulmões.

— Isso não é bolero. — Tento esconder um sorriso.

— Não, não é — sussurra o vampiro, tão perto e tão longe.

Zaph, então, me guia devagar para um lado, depois para o outro. Suas mãos encostam de forma suave em minha lombar, embora pareçam pesadas e mornas contra minha pele sensível mesmo por cima do tecido fino da blusa. Não quero pensar na sensação que elas evocam em meu ventre, mas é quase impossível. Decido fechar os olhos e mitigar, deixando as cordas do violão me embalarem junto às nossas passadas lentas. Repouso a lateral da cabeça em seu peito, conforme o vampiro me leva num vagaroso giro. Seu perfume amadeirado se mistura ao aroma de amaciante e o rufar regular de seu coração ao arranjo da música. Queria ficar assim para sempr... EITA!

— Você pisou no meu pé — constata Zaph, e eu prendo uma risada sem abrir os olhos. — Como você conseguiu pisar no meu pé nessa velocidade? — Sinto o reverberar de sua pergunta.

— Desculpa. Eu estou acostumada a dançar sozinha.

— O jeito vai ser te inscrever em umas aulas com o melhor professor que há: eu.

Isso me faz gargalhar com deboche. Era só o que me faltava, um vampiro me dando aula de dança de salão.
De repente, o nariz de Zaph está encostado na envergadura do meu pescoço e tento não pular de susto. Suas mãos espalmadas no meu quadril deambulam pelas minhas costas, aventurando-se pelas curvas da minha angelical lordose e da minha cintura.

— Te tocar me deixa louco — Zaph confidencia ao pé do meu ouvido.
Aos poucos, um ruído de motor familiar se estabiliza do outro lado da casa. Limpo a garganta de forma discreta.

— Meus pais chegaram. — Cometo o erro fatal de olhar para seus orbes logo acima.

— E? — O rosto de Zaph se abaixa até sombrear o meu. Meus olhos não são capazes de focar em mais nada além de suas íris cálidas. Meu coração é um bumbo.

— E que minha mãe vai surtar se te encontrar aqui.

— Ah. Aposto que sim. — Zaph usa e abusa de seu tom baixo, arrepiando os pelos atrás da minha orelha, mesmo sua boca estando longe. No entanto, ela está perigosamente próxima da minha.

— Você precisa ir. — Nossos hálitos se combinam entre nossos lábios e narizes. Meu coração martela no peito desejando que isso aconteça, mas ao mesmo tempo querendo expulsá-lo.

— Alice? — A voz da minha mãe ao entrar em casa me desperta e afasto Zaph, empurrando-o. Ele permanece sólido e resistente como uma rocha, mas cede, suas mãos deslizando da minha cintura devagar. Um frio inesperado ocupa onde suas palmas estavam e não me agrada nada. Ngao Chen, eu fiquei maluca?! Um passo de cada vez, Alice. Uma porra de passo de cada vez.

Zaph solta um suspiro um tanto insatisfeito e olha para o alto, estudando a abertura. Ele recua uns bons passos, embrenhando-se às roupas esticadas. Segundos depois ressurge, toma impulso indo de uma parede a outra até segurar-se na borda e puxar o peso para cima com facilidade. Ele senta no muro, com as pernas voltadas para mim e sorri.

Meneio a cabeça em negação, mesmo com um dos lados dos lábios levemente enroscados para cima. Exibido.

— Alice? — A voz de minha mãe soa mais próxima.

Zaph sinaliza com dois dedos na testa e lança o corpo para trás, desaparecendo.

Por fim, chegou a sexta-feira da tão sonhada choppada da qual Julia não parava de falar. Eu não estou preocupada com isso, nem um pouco... Ok, eu estou pirando. Faz tempo que não saio assim. Meu interno se divide em:

SIMBORA, PORRA! PARTIU FESTA! e Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...

Depois de alguns minutos ao som de Imagine Dragons, cantando bem baixinho, enquanto eu estava deitada na cama com o notebook sobre a barriga, escuto um ruído de geladeira se abrindo. Meu pai? Um ladrão? Meu coração dá um salto. Zaph?

Desço as escadas, não querendo criar expectativas, mas...

— E aí? — Igor morde uma maçã, parado próximo à geladeira, ainda com uma mão mantendo a porta aberta. Ai, a energia sendo gasta à toa.

Memorizo cada traço seu, reconhecendo cada detalhe, até meu cérebro assimilar a realidade. Os cabelos castanho escuros cortados quase rente à cabeça, o queixo quadrado exibindo uma mancha de barba, o bigode ralo ao redor da boca fina, os olhos como os de nossa mãe contornados por olheiras sutis – provavelmente das noites diante do computador –, a estatura alta de silhueta esguia e a palidez.

Por um momento, eu poderia pensar que era um sonho ou uma alucinação, mas meus sentidos estão muito bem despertos.

Sem querer, libero uma risada fraca ao abrir um sorriso. Perco o ar ao sentir meu coração se retorcer de saudade e corro em direção ao meu irmão. O baque do abraço o desequilibra, mas não o solto. Continuo agarrada à blusa grossa dele, sentindo seu suor molhar a parte de trás da roupa – eca – e meu rosto grudar em sua barriga magra, a fragrância típica misturada à transpiração.

A sensação é de que uma parte de mim voltou. Ela nunca tinha ido embora, apenas sido perdida entre tantas outras bagunçadas e opressoras.

Igor retribui o abraço apertado e me sinto acolhida. Lágrimas molham meus cílios, mas antes que elas possam crescer, me afasto, fungando.

— Fala, criança, papai e mamãe estão trabalhando? — Igor segura a maçã com a boca para fechar a porta da geladeira, em seguida pega a mochila jeans surrada jogada perto dos pés.

— Nossa mãe está dormindo. — Inclino a cabeça e cruzo os braços, trocando o peso da perna. — Sabe, existe um aparelho tecnológico chamado celular que serve para se comunicar com outras pessoas. Você podia ter avisado que viria.

— Queria fazer surpresa. — Igor encolhe os ombros a princípio, depois ajeita a alça da mochila enquanto mastiga. Ele sai da cozinha e anda em direção ao sofá comigo em seu encalço.

— A surpresa pra eles vai ser saber que você está vivo. — Sigo meu irmão até observá-lo jogar seu peso na almofada, enquanto permaneço de pé, em sua diagonal. — Poxa, Igor, você tem família além da namorada, podia aparecer mais, mandar notícias de vez em quando, pelo menos. — Havia tanto que eu queria falar para ele. Tantas perguntas do gênero “por que você me abandonou?”. Mas não posso verbalizá-las. Não por não ser capaz, eu simplesmente não quero. Porque sei que seriam apenas perguntas de alguém medíocre. Minha irritação diminui um pouco e relaxo a musculatura. — Depois que você se mudou, as coisas aqui também mudaram, Igor.

Meu irmão mais velho não desvia o olhar do meu rosto enquanto mastiga, e bate no assento do sofá ao lado dele assim que engole.

— Eu sei. — A quietude fica pesada por algum tempo, as lembranças penosas soterrando nós dois. Imagens alegres da nossa infância se misturam às mais coercivas e recentes. — Vem cá, não faz esse biquinho.

Me deixo cair onde ele bateu.

— Não tô fazendo biquinho.

— Tá sim, bicuda.

— Para. — Parto para um soco, mesmo que fraco. No entanto, Igor pega meu pulso e me imobiliza, me mantendo envolta em um abraço.

— Desculpa, mana. — Ele beija o topo da minha cabeça. — Prometo voltar mais vezes. Vamos a eventos de anime como antigamente, até planejar alguns cosplays e assistir alguns filmes bizarros da SyFy. O que acha?

— Acho bom.

Percebo então que o milagre verdadeiro não é Igor estar aqui, e sim ele estar aqui sem a namorada. Transtornada com isso, eu ergo o tronco saindo do abraço e o encaro.

— Aconteceu algo com a Fernanda?

— ...Não, por quê?

Franzo o cenho.

— Você hesitou.

— Não hesitei.

— Hesitou, sim.

Depois de resfolegar, meu irmão levanta o rosto.

— Quer saber, como eu sei que você não vai sossegar até arrancar alguma coisa de mim, eu não ia vir pra cá, por isso não avisei, porque não estava nos planos. Assim como ela engravidar também não. Aí eu quis escapar, sei lá, sair de perto, tomar um ar, e esse foi o primeiro lugar que me veio à cabeça.
Ele solta um longo, longo suspiro.

Meu. Santo. Mashima.

— A Fernanda está... grávida? — pergunto, assimilando a ideia.
Fernanda e ele passaram a morar juntos logo que ele se mudou. Nunca foram o casal mais ortodoxo, mas quem liga? Me lembro de quando ela veio nos visitar pela primeira vez, sua pele parda era repleta de tatuagens desconexas e os cabelos loiros lisos tinham mechas coloridas. Minha mãe ficou horrorizada, eu fiquei admirada.

— Está — Igor responde, estável. — Eu... queria um tempo longe pra pensar.

— O filho é seu?

Igor se vira raivoso para mim.

— É claro que é meu, porra.

— Desculpa, desculpa. — Levanto as mãos em defesa. — Não custa nada perguntar, hoje em dia, né... Você fez um teste de DNA?

— Alice!

— Tá, ok, desculpa. — Peso minhas palavras com o maior cuidado possível, ao tempo em que abaixo minhas mãos. — Ela não avisou que não estava tomando anticoncepcional? Ou...

— Ela avisou, fui eu quem não quis usar camisinha. Qual foi, estamos juntos há... há quanto tempo? Quatro anos? Só que não achei que iria acontecer assim, tão... — ele arfa.

— Eu sei. — Ninguém nunca espera que vá acontecer com eles. Eu já acho que qualquer coisa pode acontecer com qualquer um. Obrigada, querida distorção cognitiva.

Igor ergue o olhar para mim, fazendo um sorriso tímido surgir.

Santo Damiani! Vou ser tia! Eu vou ter uma sobrinha! Sim, estou torcendo para ser menina.

— O que vocês farão agora? — Pisco, revelando uma faísca de animação.
Igor passa a mão pelo rosto.

— Não sei, não conversamos sobre isso, mas eu já tenho uma ideia do que fazer.
Comprimo a testa.

— Opa, pera aí. Você fugiu antes que pudessem conversar?

— Eu não fugi. Eu só me afastei, tirei licença maternidade. — Meu irmão empina o nariz e apresento uma expressão cética

— Você avisou que ia sair?

— Não.

— Então fugiu.

— Nada a ver. — Ele abana a mão. — Muitas fugas são avisadas.

— Então tá, vou reformular a pergunta. — Entrelaço os dedos. — Vós deixastes a senhora vossa amada previamente avisada sobre tua abrupta partida?

Ele estanca por uns instantes.

— Não.

— Então fugistes.

Igor bufa.

— Vou pedi-la em casamento.

— Você vai fazer que nem nas novelas e esconder a gravidez dos nossos pais até o último momento, surpreendendo o público com a revelação? — pergunto com um sorriso, enquanto Igor apenas me fita, neutro.

— Você precisa parar de ver tantos filmes.



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