Carolina Kopelioff
Com os olhos fechados eu puxo a corda da flecha para trás. Sinto a mesma tocar minha bochecha. Minha mente começa a trabalhar, imagino que estou na floresta, imagino que esmago as folhas cinzentas no chão enquanto as verdes balançam sobre a minha cabeça.
Controlo minha respiração e deixo meus lábios semi-abertos, com um deslize delicado, eu solto a corda no mesmo instante em que eu abro meus olhos. Vejo a flecha girar cortando o ar e então se cravar bem nos olhos de um coelho de mentira.
Sorrio satisfeita, estou realmente muito boa com o arco. Odeio admitir mas Shade realmente tem razão.
-Sei que nunca vai admitir, - Tomo um susto com a voz atrás de mim. - mas eu tinha razão.
Me viro e encaro meu irmão mais velho.
Ele está com os braços cruzados, um sorriso no rosto e os cabelos loiros estão levemente bagunçados.
Se parece mais com meu irmão do que eu gostaria de admitir. Reviro os olhos e resmungo enquanto ele dá risada.
-Qual é o problema? - Ele anda em minha direção. - Já cansou de ficar aqui, não é?
-O que você acha? - Nós dois caminhamos até os armários da arena de treinamento.
-Aqui é realmente um saco. - Guardo o arco e flecha enquanto ele pega algumas cordas.
Me viro para ele e o fuzilo com o olhar.
-Se você não tivesse ido embora talvez nenhum de nós dois estaria aqui agora.
-Ei! - Ele levanta as mãos como se estivesse se rendendo. - Deixe de ser tão raivosa, Carolina. - Ele enrola as cordas nas mãos. - Um dia você vai entender. - Ele tira uma maçã do bolso e começa a caminhar de volta para o centro da arena.
-Por que as pessoas simplesmente não me dizem o que está acontecendo? Estou cansada de esperar!
-Você não pode mudar o destino, Carolina.
-Destino? - Eu grito enquanto ele se afasta, jogando a maçã de uma mão para a outra em um ato descontraído. - Shade! - Ele me ignora. - Shade! Pare agora! Shade!
Com o sangue correndo quente pelas veias, eu me viro e em um ato extremamente rápido eu pego o arco e a flecha e me posiciono. Em menos de dez segundos eu agarrei o arco e atirei.
A flecha cortou o ar e passou raspando pela orelha do meu irmão, ela se crava na maçã bem quando ela estava no ar, a maçã e a flecha caem no chão, junto com meu arco.
Como fiz isso?
Shade parece paralisado. Ele se vira lentamente para mim e me surpreendo ao vê-lo sorrir.
-O rei é realmente muito burro achando que você não é uma ameaça. - Ele pega a flecha no chão e observa a maçã na qual ela se cravou. - Acho que você já pode ir para a fase dois do treinamento.
[...]
Passo pela porta do meu quarto torcendo para que o rei não tenha me deixado mais nenhuma surpresa, e, por sorte, o ar não estava com o doce e pesado perfume pertencente a ele.
Não posso evitar ficar nervosa quando penso nele e no que está tramando. Posso não me dar muito bem com meu pai mas eu o amo, e não quero que ele sofra. Não quero que nenhuma das pessoas que eu amo sofram.
Eu solto meus cabelos os deixando cair pelos meus ombros, tiro as botas quentes e vou em direção ao banheiro.
Eu retiro minhas roupas e entro debaixo do chuveiro, aperto um dos centenas de botões presentes no painel do chuveiro e a água quente começa a cair pelo meu corpo.
Tomo meu banho enquanto meus pensamentos me rodeiam, assim como a fumaça húmida que me envolve.
Depois de alguns minutos eu desligo o chuveiro e me seco, colocando um dos vestidos leves que Lia fez para mim. Eu seco e penteio meus cabelos, desfazendo os nós com as pontas dos dedos, assim como Sara fazia quando eu deixava ela pentear meus longos fios castanhos.
Eu termino de arrumar meu cabelo e decido deixá-lo solto, quando eu saio do banheiro, tomo um susto ao ver Agustín sentado em minha penteadeira. Fico parada na porta do banheiro, ele percebe minha presença e seus olhos de unem com os meus.
Ele parece nervoso e suas bochechas ficam levemente rosadas quando ele vê a roupa na qual eu me encontro.
Ele se ajeita na cadeira e eu sorrio para ele. O ato sai sem pensar, e eu mesma me sinto surpresa ao perceber isso.
-Me perdoe, eu não quis...
-Tudo bem. - Eu o interrompo. - Não tem problema. - Eu ando em sua direção e me sento na cama, bem de frente para ele.
Estamos sentados da mesma forma na qual eu e o rei estávamos sentados dias atrás, mas, agora, a presença do Bernasconi na minha frente não me assusta.
Alguma coisa em Agustín me faz querer confiar nele.
-Bem, - Ele brinca com a linha na barra de sua camiseta, evitando meu olhar. - perdão por não ter vindo te ver antes.
-Fique tranquilo, você deve estar muito ocupado com o baile. - Minha voz sai tranquila. Ele levanta os olhos me encarando profundamente.
-Como você sabe do baile?
-Fui convidada. - Dessa vez sou eu quem desvia o olhar.
O quarto fica em silêncio por alguns minutos. Agustín parece ter medo de querer saber mais sobre mim, ele parece pensar vinte vezes antes de falar.
-Me desculpe por isso. - Ele diz se referindo ao baile. - Eu sei que você não é um troféu. Nunca faria isso com você. Perdão, eu...
-Não peça perdão, a culpa não é sua. - Vejo tristeza em seus olhos quando volto a encará-los. Seus olhos me dão a certeza de que ele me deixaria ir se pudesse. - Imagino que estejamos no mesmo barco.
Ele dá um leve sorriso.
Não é mentira, realmente estamos no mesmo barco. Somos dois adolescentes, dois herdeiros do trono, duas pessoas que parecem peças do jogo de Tiberias.
-Somos peças no jogo dele, não somos? - Ele lê meus pensamentos.
-Somos. - Eu sussurro.
-Eu queria não ser.
A breve fala de Agustín me deixa pensativa. Talvez um dia eu seja resgatada, talvez um dia eu seja salva desse castelo e de Tiberias, talvez um dia eu fuja ou simplesmente seja morta por ele. Mas Agustín não, ele está preso pelo pai pelo resto da vida.
-O que acha que ele vai fazer?
-Eu não sei. - Ele dá de ombros. - Ele pode fazer tudo o que quiser, os reinos mais desenvolvidos são amigos dele e os menos desenvolvidos tem medo dele. - Concordo com a cabeça. - Menos seu pai, claro. - Ele sorri de leve.
Observo o garoto na minha frente, os cabelos bem penteados, as medalhas grudadas no peito, as bochechas coradas, o sorriso. Agustín não merece ser mais uma peça no jogo do pai.
-Não se permita ser uma peça no jogo dele, Agus. - Eu sorrio para ele. - Você merece ser mais do que isso.
Ele sorri abertamente e parece se perder em seus pensamentos. Gosto da presença dele, gosto de como ele me faz sentir, sinto como se ele fosse a faísca que eu precisava para continuar aguentando e suportando minha prisão de vidro.
Vou me permitir ficar mais perto de Agustín.
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