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História Wicked Souls - Mesmo que não valha a pena


Escrita por: Chrissy_RDC03

Notas do Autor


oi oi oi

Esse é um dos meus capítulos favoritos até agora, mesmo que eu não saiba por quê eu amei tanto escrever. Ele mostra uma pouco da história do Zayn, mesmo que ainda tenha MUITO para se aprofundar...

Espero que gostem!

Boa leitura :)

Capítulo 11 - Mesmo que não valha a pena


Fanfic / Fanfiction Wicked Souls - Mesmo que não valha a pena

“Como o que arma a funda com pedra preciosa, assim é aquele que concede honra ao tolo.”

(Provérbios 26:8)

*Zayn*

Eu sempre tive problemas com a raiva.

Crescendo em meio a um ambiente em que todos eram claramente muito livres para demonstrar quaisquer emoções que estivessem sentindo, não foi surpresa alguma que eu acabasse sendo exatamente como eles: uma bomba-relógio. Minha mãe costumava dizer que eu era o meu pai cuspido e escarrado, e se for parar para pensar, muitas das minhas ações hoje em dia têm raiz no que ele me ensinou, e eu só posso agradecê-lo pela sua ajuda. Como sempre, a minha mãe estava certa.

Mas como ninguém é perfeito, o meu pai também tinha defeitos. Ele sempre foi um homem muito controlado e aprendeu a manter suas expressões neutras desde cedo. Ele não entregava o que estava sentindo de bandeja aos outros, pois acreditava que isso poderia dar as pessoas poder demais sobre você. Ser líder de um clube inteiro de motociclistas exigiu a maestria dele nesse sentido, e sem escolha, foi o que ele fez. Ele amava demais aquelas pessoas para deixá-las na míngua. Ele sabia que a maioria delas não foi parar ali por escolha, porque foi exatamente isso que aconteceu com ele quando chegou da Inglaterra sem um tostão furado no bolso. Muitos não tinham mais o que comer, nem como alimentar suas famílias, nem tinham um lugar para descansar a cabeça à noite depois de um dia inteiro procurando por um emprego na grande Austin. As coisas no complexo do clube funcionavam de modo mais simples. Nós fizemos a nossa própria pequena cidade, com nossas próprias leis, e cada um era responsável pelo bom funcionamento dela. Todos recebem porque também fornecem em troca. Não fazemos caridade. É serviço em troca de serviço. Sem exceção.

Foram poucas as vezes em que meu pai perdeu o controle por uma razão ou outra, e infelizmente, na pior delas, eu estava presente. Os assuntos e negócios do clube eram sérios, mas o verdadeiro terreno perigoso para ele sempre foi a minha mãe. Ela era claramente a sua maior fraqueza, o seu calcanhar de Aquiles, ao mesmo tempo em que era a sua estabilidade e consequentemente a do clube todo. Não precisava ser muito esperto para enxergar que aquele era o caminho necessário a se recorrer caso precisasse atingi-lo, e é por isso que os traidores souberam o que fazer quando tentaram nos dominar há seis anos. Eles tiraram aquilo que o meu pai tinha de mais precioso: ela.

O maior acesso de ira dele havia sido desencadeado pela mágoa da perda.

E seguindo o mesmo caminho que o dele, comigo não poderia ser diferente. Era a minha mãe e eles a tiraram de mim. Eu e meu pai não éramos nada sem aquela mulher e tivemos que nos restabelecer das cinzas mesmo que todo o nosso futuro e o do clube inteiro tivesse se tornado um borrão em um piscar de olhos.

O problema era que Rooker também era o seu pai cuspido e escarrado: um rato traidor. Olhar para o seu rosto fazia com que eu me perguntasse com uma frequência absurda se não valeria a pena passar alguns bons anos no xadrez se eu ao menos pudesse acabar com a sua raça de merda de uma vez por todas e garantir que eu nunca mais precisasse trombar com ele por aí, como estava acontecendo agora.

Apesar de tudo o que Serkan e Ahmet, o seu pai, fizeram no passado, a ideia de torcer o seu pescoço com as minhas próprias mãos nunca pareceu tão tentadora como no momento em que ele citou Evangeline, eu admito. Fechei as mãos com força como uma forma de controle e senti o sangue borbulhando dentro das minhas veias. Ergui o meu queixo em desafio, como se dissesse “tem certeza mesmo que quer seguir por esse caminho, arrombado do caralho?!”. Isso pareceu chamar a sua atenção, já que ele sorriu ainda mais e deu dois passos para a frente. Eu fiz o mesmo e ele parou imediatamente, não muito longe de mim. Ele ainda sorria, mas os seus malditos olhos doentes eram sérios.

Eu não era burro. Eu sabia que a menos que eu escondesse Evangeline debaixo de uma pedra, ela chamaria a atenção dele e de qualquer outra pessoa que tivesse olhos. Não era como se ela pudesse evitar. Aquela garota era como a droga de um ímã de olhares, principalmente daqueles que não valiam a porra de um centavo. Mas isso não queria dizer que eu deixaria ele ficar a menos de dez metros de distância dela. Não mesmo.

— Dê o fora daqui, Rooker.

— Ora, já? Logo agora que a diversão estava prestes a começar! — Ele se aproximou ainda mais; os olhos sempre voltando à Evangeline. — Eu certamente não sabia que você estava recrutando mais pessoas para o clube.

— Eu não estou.

— Não se faça de sonso, Malik! Acredite, eu teria lembrado daquele rosto se tivesse o visto antes. Definitivamente não é algo que se vê todo dia aqui no Texas. Onde foi que você a encontrou?

— É melhor que você cale a porra da boca. — Eu grunhi, elevando o meu tom de voz, e me tirar do sério parecia ser exatamente o que ele queria que eu fizesse.

— Não precisa ficar nervoso, eu não vou fazer nada. Eu só fiquei curioso. — Ele ergueu as mãos perto do rosto, ainda sorrindo, antes de voltar a olhar ao redor, suspirando pesadamente e pousando as mãos na cintura. — Não, eu preciso dizer, eu realmente estava morrendo de saudades dos meus velhos colegas de clube. Acredita que às vezes eu até me esqueço do porquê de nós termos seguido por caminhos diferentes?!

Eu sequer pensei antes de agir. Em um milésimo de segundo eu estava partindo para cima dele, como se de repente um elemento químico explosivo me fizesse entrar em combustão espontânea.

— Filho da puta! — Eu grunhi, possesso de raiva, apenas para que Harry me segurasse por trás, me impedindo de dar mais um único passo adiante. Eu tentei me soltar, o que forçou Liam a se juntar a Styles enquanto tudo que eu conseguia pensar era em tentar acertar Serkan de alguma forma, que parecia aproveitar o que via silenciosamente ao lado da sua trupe de Judas. — Dê o fora daqui, porra!

— Não, Zayn. Nós acabamos de chegar. São vocês que devem sair. Agora. — Seus olhos escureceram, como se de repente ele tivesse tomado a decisão de levar as coisas a sério pela primeira vez na vida.

— Você nunca verá o dia em que o meu clube se retirará de um lugar para deixá-lo livre para você.

— Então nós temos um problema. — Ele chegou perto, como se não tivesse medo que eu me soltasse daquelas mãos e acabasse com aquilo que ele chamava de rosto em segundos. A expressão de nojo em ambos os rostos era clara a todos, mas nem eu e nem ele recuamos um centímetro que fosse. Sem hesitação. Sem cortar o olhar. Sem palavras. — Porque eu não estou acostumado a dividir as coisas que eu quero com ninguém. E eu estou dizendo agora mesmo que eu quero o parque.

— Você quer decidir isso como homens fariam?!

— Zayn, não vale a pena. Esqueça. — Harry disse baixo, como a voz da razão de um vice-presidente. Ainda assim, em meio ao tipo mais ofuscante de ódio, é difícil enxergar algo que não seja um enorme sinal com luzes fluorescentes com a palavra VINGANÇA escrita em letras garrafais e tinta neon.

— Ficamos a manhã e a tarde toda aqui, Malik. Já estávamos de saída, você não se lembra? — Liam também tentou me trazer de solta à superfície, tocando o meu ombro. Eu olhei para baixo, um pouco ofegante enquanto tentava colocar os meus pensamentos de volta em seus devidos lugares.

— Já temos problemas demais por enquanto. Não precisamos de mais um. — Harry sussurrou, dando um tapinha em meu ombro e me soltando assim que eu concordei de leve com a cabeça, e logo Liam fez o mesmo. Styles bateu palmas duas vezes, decidido, voltando-se para os membros do clube atrás de nós. — Estamos saindo, bando de arrombados. Arrumem as coisas e subam nas motos. Direto para casa. Agora.

Eu podia ouvir as movimentações atrás de mim, mas não me virei em momento algum, concentrado demais em me manter parado o suficiente para que movimentos súbitos não acordassem a vontade avassaladora que eu tinha de sumir com o sorriso convencido no rosto de Rooker agora mesmo. Não demorou muito para que todos os Wolves começassem a passar lado a lado dos Renegades, em direção às motocicletas estacionadas por perto. É claro que a grande maioria, se não todos, encararam-se nos olhos, causando alguns encontros de ombros e a pronúncia de palavrões baixos. Eu logo os acompanhei, sendo o último a embarcar na grande onda de motociclistas andantes ao lado de Harry. Vi que Rooker procurava algo com os olhos, e fiquei atento ao ouvi-lo assobiar e acenar para alguém. Quando vi que o seu alvo era Evangeline novamente, a vontade de fazê-lo sentar no colo do capeta voltou em força total.

— Ei, gatinha! Se você mudar de ideia sobre os lobos um dia desses, não hesite em me procurar. — Ele piscou para ela, passando a língua pelo lábio inferior. Evangeline se encolheu ainda mais perto de Jayden, e a esse ponto eu até estava agradecido por ela ter alguém que pudesse a proteger. Em dei um passo em sua direção de qualquer maneira. Harry me impediu de ir em frente com a minha ideia mal pensada no mesmo instante, agarrando o meu braço e me olhando com os olhos verdes arregalados e a mandíbula cerrada.

Não. Vale. A. Pena. — Ele resmungou pausadamente, me olhando com repreensão. Eu grunhi e bufei, odiando admitir que ele estava certo.

Apesar de Rooker estar sorrindo tranquilamente com as mãos nos bolsos enquanto saíamos, quando eu olhei para trás e nos encaramos no rosto por uma última vez, a mensagem estava mais que clara para ambos: aquilo não acabou ali.

 

[...]

 

Como o passeio acabou mais cedo do que esperávamos em McKinney Falls, todos os membros do clube acharam que nada seria mais justo do que retomar de onde haviam parado na Boca Del Diablo. Eu só sabia que precisava de álcool urgentemente assim que Run to the Hills surgiu nas caixas de som, e tudo que eu mais queria era poder me camuflar no balcão do bar sem que ninguém soubesse quem eu era ou se atrevessem a puxar qualquer tipo de assunto comigo. Eles devem ter percebido que eu estava longe de querer uma conversa, já que não fui perturbado. Para falar a verdade, eu acabei caindo no sono com a cabeça apoiada em meu braço, ainda sentado no banco do bar. Talvez tenha sido por mais tempo do que eu esperava, já que fui acordado quando Abigail tocou o meu ombro suavemente, sussurrando o meu nome. As minhas pálpebras pesadas lutaram contra o sono e os meus olhos arderam, apesar da iluminação já estar baixa e do salão estar surpreendentemente silencioso. Seus olhos azuis eram cautelosos e preocupados ao olhar para mim, como os de uma mãe zelosa. Eu me remexi, gemendo ao sentir dor em minhas costas pela posição nada adequada.

— Por que você não vai dormir na sua cama, hum? Já é tarde.

— Acabei perdendo a noção da hora. — Eu suspirei, tentando me manter em pé depois que chutei as minhas pernas para o lado. Quando quase perdi o equilíbrio, Abby me ajudou, agarrando a minha cintura. — Parece que a porra do planeta está girando.

— Você bebeu demais.

— Se estou acordado agora é porque não bebi o suficiente. — Ela riu baixinho, negando com a cabeça em incredulidade. Ela me deixou apoiado em uma parede e logo me soltou.

— Só preciso cuidar de mais algumas coisas e já volto. Fica parado aí, garoto.

Eu não ousei contesta-la. Abby era a única ali que poderia me chamar de garoto sem que eu a xingasse. Dito isso, ela sumiu pela porta atrás do balcão do bar onde sempre ficava. Eu bufei, cansado, apoiando a minha cabeça na parede e cruzando os meus braços, quase caindo no sono novamente. Foi quando, de repente, uma nota musical reverberou pelo salão, me fazendo abrir os olhos instantaneamente. Ao longe, vi Evangeline parada em cima do pequeno palco em que mantínhamos alguns instrumentos musicais, já que costumávamos encorajar os membros do clube com a música, e tínhamos realmente bons músicos antigamente. Mas isso foi há seis anos atrás. Quando a música ainda fazia sentido.

No entanto, com aquela única nota no teclado, Evangeline capturou toda a minha atenção. Havia uma pequena lâmpada de luz amarela e fraca em cima de sua cabeça. Ela estava em pé, com a cabeça abaixada enquanto encarava os próprios dedos ao tocar timidamente nas teclas, sem emitir som algum por alguns segundos. Notei que ela tinha um espanador de pó em uma das mãos, por qualquer que fosse a razão de estar carregando um naquele momento. Fiquei observando-a em silêncio, de longe, como fiz desde o momento em que ela chegou aqui. Observei-a quando ela colocou o espanador de lado e se sentou sobre o pequeno banco de couro gasto em frente ao teclado. Por um momento, eu só achei que ela só estivesse curiosa sobre o som que havia ouvido, que não sabia do que aquilo se tratava como não sabia sobre motociclistas ou cerveja. E então, eu fui pego de surpresa quando ouvi uma melodia perfeitamente coerente. Eu nunca havia ouvido nada igual, mas sabia reconhecer que ela sabia o que estava fazendo. Oh, ela sabia muito bem.

Sem dúvida alguma, era algo triste. Cabisbaixa e com a luz fraca sobre ela, a cena parecia melancólica demais, apesar de bonita. Quase como se ela estivesse sem forças para fazer algo mais vívido que aquilo. Talvez ela nem conhecesse algo mais vivaz, usando tons mais graves e mórbidos. E então, depois de uma breve pausa em que o as últimas notas morreram em meio ao silêncio e eu percebi como ela suspirou pesadamente, com os ombros caídos, a melodia ressurgiu. Diferente, renovada, mais consistente, mais confiante. Notas agudas, enérgicas e rápidas. Até mesmo a postura de Evangeline mudou, já que ela ficou mais ereta no assento, aumentando a força de seu toque nas teclas, quase como se estivesse com raiva. Ela indubitavelmente tinha um talento sem igual. A agilidade que tinha na ponta dos dedos era inédita para mim. O salão pareceu se encher com a beleza pura da melodia e eu suspirei, satisfeito, fechando os olhos por alguns segundos. Era prazeroso ouvir alguém que sabia o que estava fazendo com um instrumento musical.

— Isso é lindo! — Eu abri os meus olhos quando percebi que Abby havia voltado com a sua bolsa de couro preto agarrada ao peito, com a boca entreaberta e os olhos surpresos ao olhar na mesma direção que eu olhava antes, para Evangeline. — A garota tem muito talento!

— Tem. — Eu admiti com um grunhido, me dando por vencido. Pela visão periférica, percebi quando a mulher loira olhou para mim, parecendo um pouco pensativa, tocando o lábio inferior como sempre fazia quando queria tirar uma dúvida. — Diga, Abby.

— Você falou com ela hoje?

— Algumas vezes.

— Não, Zayn, eu quero saber se você realmente falou com ela. Não apenas algumas frases soltas. — Eu passei uma das minhas mãos pelo meu cabelo, frustrado, o que fez ela se virar totalmente para mim. — Ela é uma garota incrível, eu posso ver isso em seus olhos. A sua personalidade só está...perdida em algum lugar dentro dela mesma. Assombrada por Deus-sabe-lá-o-que possam ter feito a ela. Ela até me ajudou a organizar o bar todo. Ninguém nunca fez isso por mim, Zayn. Ela sequer perguntou. Simplesmente começou a me ajudar sem pedir nada em troca. — Foi a vez de Abby suspirar, jogando o cabelo loiro e ondulado para trás, parecendo desistir de tentar arrancar alguma palavra de mim. — Bem, eu vou indo nessa. Só quero que saiba que ela é como ouro. — Ela apontou a cabeça em direção a Evangeline, já a caminho da porta. — Difícil de achar e extremamente precioso.

As palavras de Abby ainda ressoavam ao meu redor assim como a música de Evangeline. Bem...eu não tinha nada a perder além de sono. Com um último suspiro, eu me desvencilhei da parede e caminhei a passos inconsistentes até o palco. A garota parecia tão compenetrada no que fazia que não pareceu me ouvir, o que consequentemente a assustou assim que eu me sentei ao lado dela, no mesmo assento. A melodia parou subitamente quando ela exclamou um “ah” baixinho, afastando as mãos do teclado com os olhos arregalados e um pouco marejados. Os lábios estavam formados em um biquinho e ela estava ofegante, como se tivesse sido acordada de um sonho ou um pesadelo.

— Desculpe, eu não...

— Continue tocando.

— O que?

— Continue o que estava fazendo, Evangeline. — Ela me olhou com desconfiança, insegura ao engolir em seco, como se me perguntasse se eu tinha certeza. Eu assenti com a cabeça e ela suspirou, retesando e esticando os dedos de ambas as mãos simultaneamente enquanto encarava o teclado de novo.

E ela o fez. O som parecia ainda mais bonito agora que eu estava mais perto, e a única razão pela qual os meus olhos não se fecharam para contemplar a melodia foi porque eles preferiram muito mais a cena que estava diante deles. Concentrada, Evangeline pressionava os lábios um contra o outro em determinação, e eu achei aquilo adorável, o que me fez sorrir pequeno. Meus ouvidos logo se acostumaram com ritmo da canção, e erguendo a mão esquerda, eu tentei algo que poderia se encaixar com o que ela fazia. Simples e básico, já que eu havia percebido que ela claramente sabia muito mais sobre teclado do que eu. Ela olhou para a minha mão sem parar o que estava fazendo, agora com os lábios entreabertos, antes de erguer os olhos até os meus, e eu não saberia dizer o que ela estava sentindo por trás daquelas orbes do tom mais claro de azul possível. Sem que eu percebesse direito, ela aumentou a velocidade de seus movimentos e eu precisei me concentrar para alcançá-la, ficando surpreso pra cacete quando distingui que ela me encarava com algo que eu nunca havia visto em sua expressão antes.

Desafio.

Evangeline estava me desafiando.

Eu tentei, eu juro que tentei manter o ritmo por trinta segundos, mas quando ela arqueou uma das sobrancelhas e ergueu o canto dos lábios em uma sugestão de sorriso provocativo, praticamente ordenando que toda a minha atenção fosse investida em seus lábios, eu perdi toda a concentração possível e os meus dedos acabaram se embolando por completo.

— Porra! — Eu grunhi, ofegante, mas comecei a sorrir abertamente sem perceber, um pouco envergonhado, devo dizer, olhando para a direção oposto a dela. E então, uma gargalhada.

Ah, droga, ela estava rindo por minha causa.

Em volume alto, sem timidez.

Eu voltei a olhar para ela, admirado, bebendo daquela cena como alguém que estava morrendo de sede e sequer sabia disso. Evangeline ria com a cabeça jogada para trás, mostrando um sorriso tão grande que consequentemente fez com que ela fechasse os seus olhos. O som era paradisíaco, quase se igualando ao som melódico de suas canções. Eu me perdi. Afundei até as profundezas do que eu sequer sabia do que se tratava, mas eu sabia que o que quer que fosse, era uma descida e eu estava caindo.

— Me desculpe. — Ela negou com a cabeça diversas vezes, cobrindo o rosto com a mão enquanto tentava parar de rir. Acho que os seus olhos chegaram até a lacrimejar, e quando eu menos percebi, eu também estava rindo, só que da reação dela. — É só que a expressão que você fez...ah, Zayn...

— O que foi isso?

— Isso o que?

— A música. Eu não sabia que você tocava. Muito menos ouvi algo assim antes.

— Oh. — Ela pigarreou, se recompondo, tocando o pescoço por baixo dos cabelos castanhos e encarando o teclado com um pequeno sorriso. — Não teria como você saber. Eu fiz sozinha.

Sozinha? Evangeline, você é muito boa!

— Obrigada. Eu praticava muito, você sabe...na Ordem. Honestamente, era a única coisa que eu gostava de fazer lá. — Ela sempre parecia muito desconfortável ao falar sobre aquele lugar, já que sequer olhava para mim, mordendo o lábio inferior, um pouco aflita. De repente, ela suspirou, piscando diversas vezes enquanto apoiava as mãos nas coxas, parecendo ter algo a me dizer, impaciente.

— Pode falar.

— Zayn, eu...eu quero trabalhar.

— Como?

— Savannah me explicou como as coisas funcionam por aqui. Cada um tem uma função, certo? Abby sempre está cozinhando. Karen me disse que era ela que pintava de colorido todos os cabelos das mulheres aqui. Sei que a própria Savannah cuida de doenças e ferimentos, e sei que Tank é um ótimo mocânico.

— Mecânico. — Eu a corrigi, o que fez com que ela se transformasse em um tomate ambulante na minha frente. Eu não me segurei e ri ainda mais quando Evangeline revirou os olhos, desviando o olhar.

— Eu nem sei o que isso significa! E você entendeu de qualquer maneira!

— Sim, eu entendi. — Eu suspirei pesadamente, pensando sobre as suas palavras. — Com o que você trabalharia aqui, Evangeline?

— Bem, eu não sei, mas eu prometo que sei fazer qualquer coisa! Ou, se não souber, estou disposta aprender, eu juro. — Ela arregalou os olhos, empolgada, unindo as mãos em súplica. — Eu não quero me apoiar nas costas de ninguém. Sei que vocês trabalham com moedas de troca. Eu posso me adaptar a isso.

Eu ainda tinha as minhas dúvidas quanto a isso. Era uma das razões pela qual eu estava tão relutante em deixar Evangeline permanecer aqui. Eu achava que ela nunca poderia se encaixar em um lugar como esse, já que haviam inúmeras coisas que ela ainda não entendia, apenas aceitava com aquele tipo horror camuflado nos olhos.

Eu passei uma das minhas mãos pelos meus cabelos, sabendo que nunca resistia àquele olhar em sua expressão, como se estivesse disposta a fazer qualquer coisa. Era algo terrivelmente perigoso a se dizer por aqui, ainda mais a mim, por mais que eu odeie admitir.

— Evangeline?

— Sim?

— Trabalhar aqui automaticamente implica que você já faz parte do clube.

Ela hesitou, derrubando as mãos unidas no colo e piscando diversas vezes antes de desviar o olhar mais uma vez, abaixando a cabeça. Parecia que eu tinha acabado de assassinar toda a sua autoconfiança e eu odiei aquilo.

— Eu...tudo bem. Eu só entendi que...bem, entendi errado.

Eu suspirei, derrotado, me aproximando dela e tocando o seu queixo, fazendo ela voltar a me olhar com os olhos, agora, tristes e os lábios formados em um pequeno biquinho. Aquilo quase me desconcertou, mas eu lutei contra a vontade monstruosa de acariciar a pele macia da sua bochecha e chegar ainda mais perto para sentir o seu cheiro. Ela entreabriu os lábios, arfando, e quando olhou diretamente para a minha boca, eu realmente achei que fosse perder o juízo.

Nunca abaixe a cabeça. Mostre que está determinada, que não vai mudar de ideia. Se você quiser algo e tiver confiança, acredite em mim, com esse rosto, eles darão a você. — Observei-a engolindo em seco antes de assentir, erguendo mais o rosto como eu havia dito. Ela passou a língua pelos lábios e eu me amaldiçoei por ter olhado naquele mesmo segundo. Sabendo muito bem que o meu autocontrole não tinha resistência alguma quando se tratava de questões sobre Evangeline, eu me afastei como se estivesse nadando contra a corrente ou lutando contra a força magnética de um ímã. De pé ao lado dela, eu desviei o olhar para a parede mais próxima, ainda sentindo uma onda elétrica quente pelo meu corpo inteiro por saber que ela me encarava, ainda sentada no banco, parecendo um pouco atordoada. — Vou pensar em algo que você possa fazer.

Ela assentiu, apesar de tudo. Eu lhe dei as costas, sabendo que precisava dar o fora dali o mais rápido possível, mas logo ouvi a sua movimentação.

— Zayn?

— Sim? — Eu parei na beirada do palco, me virando apenas parcialmente em sua direção. Evangeline estava de pé agora, abraçando o próprio corpo com os braços.

Por que você foi embora?

Eu sabia exatamente do que ela estava falando, mas fui pego de surpresa por ela ter tocado no assunto de repente. Semicerrei os meus olhos, tentando parecer confuso.

— Como?

— Você fez questão de sair daqui no dia seguinte ao que eu cheguei. Como se não pudesse ser rápido o suficiente para dar o fora. — Ela engoliu em seco e olhou para o lado, piscando os cílios compridos. — Eu posso não entender algumas coisas, mas sei reconhecer perfeitamente quando sou indesejada em algum lugar.

Ah, cacete.

Ela queria mesmo que eu respondesse aquilo?!

Eu fui embora porque não conseguia suportar ficar no mesmo cômodo que você por muito tempo sem enlouquecer.

Ela com certeza interpretaria uma resposta assim de forma errada, por mais que fosse a verdade.

Se fosse Lori me fazendo aquela pergunta; como algo que a faria entender que temos algum tipo de relação ou qualquer merda assim, exigindo explicações e satisfações sobre a minha vida, eu a cortaria na hora. Acho que ela até já estava acostumada. Eu não poderia deixar que com Evangeline fosse diferente. Não poderia deixar que ela tivesse qualquer tipo de poder ou influência sobre mim. Aquilo não aconteceria. Eu já conhecia bem de perto as consequências que deixar alguém se aproximar demais causavam a alguém. Era exatamente por esse motivo que o meu pai não consegue se levantar do buraco em que ele caiu há seis anos, deixando que a bebida arrastasse o que sobrou dele após a morte da minha mãe para o fundo do inferno depois de quase levar o clube junto com ele.

Eu me lembrei do que disse a Harry há duas semanas atrás.

Evangeline não era mais valiosa do que o meu juízo.

— Eu fui embora porque não valia a pena.

— O que? O que não valia a pena, Zayn? — Ela começou a caminhar em minha direção com os braços agora soltos ao lado do corpo, mas então parou subitamente, como se tivesse levado um susto ao se dar conta de algo, com a boca entreaberta. — Eu. Eu não valho a pena. — Ela engoliu em seco, olhando para as próprias mãos antes de balançar a cabeça, e, em seguida, para a minha surpresa, erguê-la de novo como eu havia a ensinado. Apesar da mais nova postura adotada, os seus olhos esbanjavam dor e entregavam que ela estava machucada, tendo um brilho melancólico. — Eu entendi agora. Muito obrigada por explicar tudo de uma vez por todas. 

Ela teve que passar por mim para descer do palco, e eu tive que fechar ambas as mãos em punho com força para deter a vontade de segura-la pelos ombros e chacoalha-la até que ela entendesse que ela não podia olhar para mim daquela forma, com tanta esperança, como se ainda esperasse algo bom de mim. Às vezes, eu podia jurar que Evangeline ainda me olhava como se eu fosse aquele mesmo garoto de quinze anos, atrás daquela maldita cerca, mas ele se fora há um bom tempo e ela era a única que parecia não entender isso.

Eu quase a chamei antes que ela passasse pela porta do salão, mas o que eu poderia ter dito?

Eu sinto muito. Machucar você é a última coisa que eu quero. Eu só não sei como evitar.

Você pode chutar a minha bunda se quiser, eu sei que mereço.

Fique, mesmo que não valha a pena.

E em meio a tanto a se dizer, como um tolo, eu optei pelo silêncio.


Notas Finais


A música que eu imaginei a Eva tocando foi "The Piano Duet", da noiva cadáver, que é muito muito muito linda e triste também kkk

Não teve fogo no parquinho ainda, mas eu juro que vai acontecer quando vocês menos esperarem, então fiquem de olho

Espero mesmo que tenham gostado do capítulo! Eu lembro que coloquei muito sentimento nele, e a partir daqui o negócio vai ficar mais intenso....

Com tudo um pouco mais claro, declaro aberta a temporada de criação de teorias a partir de agora :) comentem!!!

Muito obrigada por todos os comentários, vocês são incríveis ❤

Até o próximo capítulo!


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