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História Wings - Único;


Escrita por: NEOFICZENS e Kokopoc

Notas do Autor


Confesso que fugi um pouco do tema (nota 0), mas tentei resignificar esse tipo de "mitologia".
Espero que gostem!

Capítulo 1 - Único;


As asas tatuadas nas costas de Dejun surpreenderam seu namorado, retirando-o do momento terno entre os dois.

— Posso tocar? — perguntou, percebendo o outro um pouco surpreso por seu pedido.

— Não precisa perguntar! — Dejun deslizou a camisa pelos ombros, exibindo de vez o desenho.

O outro sorriu, levando as pontas de seus dígitos à pele quente do Xiao, sentindo a tatuagem recente sobre a pele dele.

— Qual a ideia por trás disso? — voltou a perguntar, sem parar as carícias com o dedo.

— Foi depois de uma expedição que mudou minha vida…


•••

 

Era 1995.

Sob os comandos de uma unidade de pesquisa dos ingleses e americanos em Hong Kong, uma equipe nacional foi enviada para um local que nomearam de Ilha de Jade, localizada em um ponto estratégico distante dos radares e satélites anti-mísseis dos chineses. O local era um segredo para o exterior devido a sua existência complexa: semelhante a uma ilha vulcânica, os picos da ilha expeliam uma substância pastosa como lava — sendo esta de coloração dourada. Além disso, os radares e muitos equipamentos tecnológicos sofriam interferências inexplicáveis.

E uma criatura foi descoberta.

Xiao Dejun foi o nome mais cotado para lidar com a interação com o que seria uma criatura considerada racional. O chinês de Hong Kong trabalhava com pesquisas sobre tribos asiáticas e da Oceania, além de ter conhecimento em estudos sobre humanos selvagens.

A chegada a ilha fora feita por um comboio de helicópteros, trazendo vários cientistas e o dobro de soldados. No caminho, receberam as instruções do lugar recluso, sendo obrigados a não se comunicarem com o exterior e até mesmo assinaram um pacto de silêncio para com as três nações participantes daquela operação, provando que o que faziam ali era mais do que sério, era secreto.

Conforme se aproximavam do local, Dejun pode contemplar a ilha, percebendo que o lugar parecia surreal. As montanhas possuíam picos luminosos que refletiam a luz do sol, emitindo seu brilho como um farol há quilômetros de distância. O solo era completamente escuro, sem nenhum sinal de flora ou fauna, com exceção da lava dourada que contrastava com todo o resto, brilhando por todos os lados.

A instalação era subterrânea, como um bunker de metal e concreto imenso, dividida por quadrantes e muitos corredores. Os dormitórios eram mistos, soldados e cientistas podiam dividir o mesmo espaço, ainda que por enquanto houvesse um quarto para cada, sem precisarem compartilhar o espaço que não era suficiente nem para uma pessoa só.

Dejun não quis fazer muita festa, nem fazer-se bem-vindo. Deixou suas roupas na mala e apenas colocou seu cartão de identificação no bolso, pouco se importando com a decoração do quarto ou roupa que vestia.

Graças a uns soldados mais antigos no local, foi instruído para onde ir, desde que procurava pelo local onde iria trabalhar.

Localizado no sul da instalação, O Poço era uma cela de concreto com quase dez metros de profundidade, cujo topo era um teto branco que iluminava o espaço onde era mantida a tal criatura.

Para Dejun, definitivamente não era um selvagem. Nem mesmo um humano! O ser era recluso, foi o que conseguiu perceber pela ausência de movimentação naquele espaço não muito agradável. Por estar próximo aos painéis de controle dos soldados que o monitorava, pode ler sobre rotina de alimentação — porcamente administrada — e o constante comportamento de contemplação, sempre olhando para cima por horas. A linguagem corporal dele era clara; aquele homem ou ser estava afetado e oprimido pelo ambiente em que aqueles homens o puseram.

— Vocês não terão reação dele se ele se sentir recuado! — sentenciou, chamando a atenção dos homens majoritariamente ocidentais.

Tirem o chinês!, eles disseram, além de outras piadas e xingamentos inaceitáveis para um cientista considerado brilhante, agora reduzido a um simples tradutor ou um mero empregado dos caucasianos.

Em seu quarto, frente a seus diários, preocupou-se mais em pré-determinar sua rotina para com seu objeto de estudo do que relatar sua peregrinação à ilha fantástica. Sequer conseguiu limitar onde passou do cansaço e fadiga para o sono profundo…

… Onde tudo era trevas.

Relâmpagos brancos chicoteavam o solo negro da ilha, levantando faíscas que iluminavam os passos de Dejun no litoral. Seus pés afundavam na terra fofa e úmida, limitando a sua velocidade de fuga de... não sabia exatamente o quê.

— O que há de escuro em mim, ilumine! — dizia para si conforme uma luz parecia sucumbi-lo de vez.
Toda a instalação tremeu, seguido de um estrondo que fez as paredes vibrarem antes de toda a energia cessar.

O cientista saltou da cama precária, correndo direto para o corredor dos dormitórios, certificando-se do que teria de fazer, mas reconheceu que todos estavam um tanto quanto exaltados para explicar o que estava acontecendo. O único lugar que conhecia era a contenção e não demorou para ir até lá, descobrindo assim a origem do problema.

A criatura havia reagido.

Como esperava, ninguém soube relatar exatamente o que aconteceu além de que o indivíduo agira violentamente contra o confinamento. Dejun não quis implorar por detalhes, sua posição não o fazia ser levado a sério, quem dirá no meio de um conflito que talvez ele fosse capaz de resolver.

Uma das câmeras captava de perto o rosto do que reconhecia ser de um homem comum, com exceção dos cabelos brancos, os olhos com as íris cinza, quase cristalinas, e cortes profundos nas costas.

— Encontramos esse filho da puta assim! — um dos soldados se dispôs a desculpar-se, ainda que estivesse óbvia a sua mentira.

— Vocês tem um homem machucado e não dão o mínimo de assistência? — indagou, mantendo um tom neutro. Viu alguns olharem-se surpresos, como se Dejun fosse um ser de outro mundo.

— Aqui não é hotel, comuna. Ninguém quer entrar lá; mas se quiser ir e voltar com câncer, AIDS ou qualquer porra do tipo, você que se vire!

Não era como se o chinês fosse entrar lá do nada e fazer um milagre, provando que poucos eram os que sabiam sobre sua carreira e pesquisas no meio científico. Se soubessem que Dejun estudou aborígenes australianos e o comportamento de crianças que viveram nas florestas como selvagens, poderiam associá-lo ao que estava acontecendo ali. Eles estavam pouco se fodendo para a história ou os métodos a serem aplicados.

Era a criatura. Ela era diferente de tudo o que Dejun já havia visto, não sendo bestial e nem civilizado.

No dia seguinte ao colapso, o Xiao quis colocar seus planos predeterminados em ação. Carregou consigo uma maleta de primeiros socorros e nada mais, ignorando o pedido dos soldados para escoltarem-no dentro da contenção ou até mesmo levar uma arma para sua própria defesa.

A pesada porta metálica moveu-se, separando-se em duas. Dejun deu um passo à frente, esperando os olhos se acostumarem com a branquitude cegante do local antes de finalmente entrar, seguindo em direção ao homem.

— Olá, sou Xiao Dejun. — começou dando passos lentos.

Precisou piscar algumas vezes para ter certeza de que o ambiente não lhe provocara ilusões de ótica, pois até abaixado aquele homem parecia diferente.

O outro ergueu a cabeça, fixando seus olhos de cristal na maleta branca que Dejun carregava, até olhar nos olhos do cientista pela primeira vez.

— Vim para ajudar! — Dejun largou a maleta quando notou a desconfiança e levantou as mãos. — Preciso cuidar de seus ferimentos! — gesticulou, apontando para as costas.

Não houve resposta, pelo menos imediata. A criatura ficou encarando-lhe por alguns minutos em silêncio, levantando-se do chão do nada para diminuir a distância entre eles e revelar-se como um corpo com uma estrutura óssea muito maior que a de um ser humano comum — ainda que Dejun fosse muito baixo.

Ele tinha pelo menos dois metros e meio.

O cientista estava parado ao centro da contenção enquanto o desconhecido dava voltas e voltas, até parar frente ele, de costas, provando que ele o ouviu ou somente o entendeu da forma mais simples.

Os ferimentos nas costas não pareciam cicatrizados, como se estivessem num estágio inicial de uma infecção. Dejun tomou todos os cuidados para começar a limpeza, notando o corpo do homem enrijecer-se cada vez que tocava a gaze ensopada de álcool no ferimento aberto. Fazia a limpeza num ritmo lento, percorrendo a pele dele com seu olhar e descobrindo que ela reluzia num tom dourado, como a lava líquida da ilha.

Conseguiu fechar o ferimento com uns pontos e cobriu-os com bandagens e afastou-se dele da mesma forma que entrou, sem deixar de sorrir. Era uma forma de parecer amigável para ele, mesmo que não houvesse nenhuma resposta do outro, além de seus olhos cristalinos e tristes ao ver Dejun sair do confinamento.

— Essa aberração não serve pra nada e tem até enfermeira? — ouviu atrás de si, seguido de risadas. Pelo tom da conversa, achavam que Dejun era burro, ou que não entendia inglês, mesmo que tivesse vindo de Hong Kong. — Preciso de muito para ter uma gueixa?


•••

 

Dejun corria.

O céu estava mais escuro que o comum, mas não sabia se era noite. Ao fundo ouvia as pancadas das ondas contra as pedras na costa da ilha, o que fazia seus passos perderem a força devido aos constantes sustos.

Seus pés começaram a queimar do nada, e nem a terra úmida conseguia aliviar a sensação de que o inferno estava se aproximando. Nem mesmo o som das ondas ocultavam o barulho das montanhas, que expeliam aquela lava amarela que brilhava sob o solo negro da Ilha de Jade. Também surgia do chão, estourando rumo ao céu como um chafariz de ouro líquido, iluminado por um pequeno feixe de luz solar que transpassava a escuridão do céu.

Olhando para uma pedra próxima à costa, Dejun reconheceu a silhueta de alguém, porém, tanta luz dificultava a visão. O outro olhava para ele e, através da luz, criava sombras com um par de asas tão douradas quanto o mais limpo ouro. Elas se moviam sob a luz do sol, lançando feixes contra o chão e pedras no caminho do Xiao, que acabou caindo após um tropeço.

— Levante-se! — a voz projetou-se dentro de sua cabeça, solene como um sussurro, mas firme como uma ordem. — Estarás fadado a permanecer caído se nunca levantar!

Dejun espalmou a terra quente, agarrando um punhado de areia junto de sua mão e obedeceu a voz, abrindo os olhos para encontrar-se no meio de um dos corredores da base da ilha.

Fora um sonho lúcido. Lúcido até demais!

O corredor era parte das interseções que não faziam parte de seu trabalho, mas isso não foi empecilho para manter seus passos firmes na direção da maior das portas que viu.

O cartão de identificação que tinha permitiu-lhe adentrar aquela zona: um laboratório mais contido, onde ficavam todos os cientistas que vieram consigo. Os homens que ali trabalhavam pareciam distraídos demais para notar o indecente infiltrado, o que fez com que o pesquisador pudesse caminhar entre eles, ainda que com cautela, para matar a sua curiosidade.

Eles estudavam uma cápsula dourada de forma oval, posicionada ao centro do laboratório e envolta de equipamentos eletrônicos soltando bipes e faíscas. Pelo que Dejun sabia, seria o tal objeto encontrado ao sul da ilha que havia sido reportado em documentos previamente entregues a ele.

— O calor dilatou o metal. Não sabemos se foi pela temperatura ou uma reação do contato entre a lava de componentes desconhecidos com o metal igualmente desconhecido! — reportou o cientista que parecia ser o líder da operação. Era um homem velho, com um sotaque arrastado de europeu. — Oficialmente podemos cogitar que descobrimos um elemento que não está em nossa tabela periódica. E se é de outro mundo? Não sabemos. Qualquer progresso nisso aqui será um avanço! Um homem saiu disso, com asas!

Dejun parou de caminhar, atentando-se ao que o cientista dizia:

— Talvez seja uma mutação nunca vista, ou um experimento soviético... nunca saberemos. Vamos dissecar a criatura e mandar o que for útil para os Estados Unidos...

Uma dor repentina tomou o peito de Dejun, tamanha angústia e desprezo o fez sair do local às pressas. O corpo todo tremia, enquanto aquelas informações repetiam em sua mente como num loop.

Iriam matar ele.

Eles querem matar o...

— Xuxi. — sussurrou. Precisou de alguns segundos para processar o que acabara de dizer, tocando os lábios com certo estranhamento. — Xuxi, eu preciso…

O ato de correr para sair dali foi a única ideia possível a ser colocada em prática, mas Dejun não esperava que um soldado estivesse em seu encalço, envolvendo seu pulso com suas mãos grandes e rudes, impedindo-o de prosseguir.

— Recebi um alerta de que alguém entrou no laboratório com o código errado. Posso saber o que estava fazendo lá? — perguntou.

Reconheceu a voz, sendo ela do homem da piada sobre enfermeira e gueixas, e pela despreocupação de falar seu inglês puxado do sul dos Estados Unidos, sabia bem que Xiao Dejun iria entendê-lo.

— Perdão, eu acabei me perdendo... — o chinês disse, olhando para seu braço ainda sendo apertado pelo soldado, que não cessou.

O olhar do homem rendeu um outro significado quando ele sorriu e passou a encarar Dejun dos pés a cabeça, demorando um tempo nos joelhos arranhados que o chinês sequer havia reparado.

— Perdido, hm? — firmou o aperto no braço dele. — Venha, vou te levar ao lugar certo!

Não era como se tivesse escolha, já que o soldado praticamente o apertava e arrastava. — E não se preocupe, não vou contar nada aos seus superiores se cooperar comigo… — acrescentou, olhando por cima do ombro.
 

•••

 

Os olhos cristalinos de Xuxi reluziram quando ele reagiu surpreso no exato momento em que Dejun entrou no confinamento. Era ele de novo, segurando a mesma maleta de primeiros socorros, mas sem aproximação e com um olhar perdido. As mãos do cientista tremiam a ponto de fazer a maleta metálica ecoar seu som pelo cubículo branco onde mantinham a criatura.

Como esperado, a criatura reagiu ao notar o conhecido: levantou-se e caminhou até o humano, que deixou a maleta cair num baque, pouco antes de recuar dois ou três passos, batendo as costas na parede.
Era sufocante a ponto do Xiao ofegar. Não quis fechar os olhos, sabendo que o trauma de lembrar seria maior, mas ainda assim estava assustado.

Xuxi — ou pelo menos como queria chamá-lo — recolheu cada item espalhado no chão, com uma delicadeza incompatível com suas mãos enormes. Ele reconheceu os objetos usados por Dejun, arrastando-os até os pés do chinês como um pedido e, ao ajoelhar-se de costas, confirmou ao pesquisador que realmente pedia por ajuda.

E que confiava nele.

Dejun ajoelhou-se pouco atrás do corpo de Xuxi, removendo as bandagens para uma descoberta chocante: as feridas em suas costas haviam cicatrizado; até mesmo com os pontos sumiram. Observou bem o local dos ferimentos, associando-o às tais asas mencionadas pelo cientista, e ao ser de seu sonho.

Não pôde fazer muito senão recolher as bandagens e seus pertences, saindo do local sem seu sorriso quase terapêutico. Entregou a amostra de sangue aos superiores sem dar uma palavra sequer. Ouvia tudo como um eco distante, além de sua vista ser uma mancha turva que o impedia de encarar as pessoas, de ver ele.

Aquele desgraçado. Ele ria, falava alto, fazia questão de provar sua existência ali aos demais.

Dejun conseguia sentir o olhar dele ainda a queimar sua pele, e a destruí-lo ainda mais.

Seus passos automáticos levaram-lhe aos corredores cinzentos, ocupados somente pelo choque de suas botas contra o chão metálico. As lágrimas rolavam em sua face, mas chorava em silêncio, conforme ficava cada vez mais difícil respirar.

Sequer se importou em cair no chão de seu dormitório, após certificar-se de que estava trancado — de que ninguém pudesse entrar ali —, e adormecer. Diferente do que esperava, não houve sonho.

O acordar torturante no dia seguinte pareceu bom o suficiente para deixar seu corpo massacrado. Dejun demorou alguns segundos parado no meio do quartinho para recuperar sua visão e seus sentidos, deparando-se com seu reflexo no espelho. Percebeu as marcas de unhas em seus ombros e tronco — e que suas próprias mãos foram as armas do crime —, reconhecendo que, mesmo que não lembrasse, havia tido pesadelos, e que por sorte sua mente os suprimiu.

Desviou-se de sua visão, mas algo que não lhe passou despercebido o fez olhar mais uma vez: seus olhos, cristalinos e brilhantes como diamante, iguais aos do...

Ouviu batidas contra a porta e agilizou para vestir-se, agarrando-se a uma fina vareta de metal, que podia matar se bem enfiada no pescoço e escondeu o objeto atrás de si para abrir a porta.

— Preciso que me siga. Urgente! — era um soldado. 

Outro soldado.

Dejun assentiu, pouco antes das luzes falharem após um estrondo.

— Dejun. — ouviu, atentando-se ao soldado e percebendo que não foi ele quem o chamou. — Dejun. — atrás de si, ecoando por outro corredor.

Repetia para si mesmo que não era uma boa ideia, que não deveria desviar de seu caminho — de novo — e que, se não seguisse as ordens, tudo poderia dar errado — de novo. Fechou os olhos involuntariamente, sentindo-os queimarem só pela sensação de pânico, enquanto a voz continuava.

Dejun, Dejun.

Era conhecida. A mesma que disse que ele deveria se levantar.

Abriu os olhos, frente ao corredor que ouviu seu nome. O soldado já havia sumido em algumas curvas, talvez sem ter notado a sua ausência, o que lhe deu tempo para correr em curvas aleatórias, desviando de vozes e passos que vinham de um lado ou de outro, até chegar numa sala de observação de uma contenção — idêntica a que colocaram Xuxi.

Era uma sala de pesquisa, com três cientistas ao redor de uma mesa, onde imensas e douradas asas debatiam-se, batendo forte contra a mesa em que tentavam contê-las.

Como seu sonho, Dejun pensava.

Entrou no local sem se importar com os olhares curiosos, colocando a mão sob o vidro blindado que o separava da sala e vendo que suas mãos estavam manchadas de alguma substância dourada e reluzente.

Não houve tempo para questionar-se, pois a base inteira tremeu, como se um forte peso tivesse sido jogado dos céus diretamente contra a ilha. O teto de concreto rachou ao mesmo tempo em que colunas inteiras se partiram sob o som e luzes dos alarmes de perigo e evacuação.

Tudo ruiu e desmoronava, enquanto o mundo girava.

A ilha tornou-se o epicentro de eventos sísmicos considerados impossíveis para a zona marítima onde ela se localizava. Além do mais, bússolas e rádios tornaram-se inúteis por falhas no campo eletromagnético, que fez a ilha sumir dos radares e tudo ao redor tornar-se escuro. O dia pareceu tornar-se noite em questão de segundos.

Ninguém pôde ver, pois eram enterrados vivos pela própria ilha.

Dejun corria por sua vida pelos corredores, indo contra os soldados que faziam o trabalho de resgate aos seus superiores.

E em uma das muitas curvas que pegava aleatoriamente, deparou-se com ele.

Com o uniforme manchado de sangue, o soldado agonizava pelo ferimento causado por uma barra de ferro presa em seu ombro. A estrutura do teto desabou frente ao corredor de acesso aos dormitórios, provavelmente de onde ele vinha.

O corpo de Dejun tremia, ensopado pela água que caía do vazamento acima deles. Nem mesmo a água tirou o estranho brilho de suas mãos, que ocuparam-se com uma pedra pesada, mas que tinha a leveza de uma pena. Não sabia se era a adrenalina ou de fato era seu corpo exercendo mais forças que tinha, só não queria chorar, nem lembrar-se mais.

Precisava levantar, ou ficaria caído para sempre.

Então, com a mesma leveza que tinha em sua mão, a pedra voou em direção ao seu maior pesadelo.

Voltou a correr sem olhar para trás, sem tempo de pensar no que fazer para sobreviver, vendo tudo ao seu redor desmoronando até se ver sem saída... ou era apenas o exato lugar onde deveria estar?

A porta da ala de contenção estava aberta e o interior vazio. A sala de controle estava um caos de chamas e alguns corpos dos azarados que não conseguiram sair a tempo de se safarem da explosão dos computadores.

— Não... — Dejun sentiu as pernas fraquejarem e caiu ajoelhado no chão, encontrando a contenção de Xuxi completamente escura. — Xuxi! — sussurrou, enterrando o rosto nas palmas. — Droga, droga!

Um novo tremor atingiu a ilha, desta vez, um som horripilante como um grito gutural misturado com um trovão pareceu vir da ilha, de baixo para cima, fazendo tudo vibrar.

A audição de Dejun já era, tal qual sua visão assim que entrou onde prendiam o ser que chamavam de criatura. Não existiam razões para que tivesse feito esse caminho e ignorado todas as oportunidades que teve para ter tentado escapar dali, mas lá estava, indo atrás de algo que pouco sabia sobre a existência e que, de alguma forma, também mexia com a sua própria.

E sabia que ele era alguém.

— Xuxi!

Sabia que ele tinha um nome.

— Xuxi!

E Xuxi sabia de tudo.

Os olhos de Dejun foram atingidos por uma luz incandescente e quente, vinda do simples abrir das asas do outro, que encarava-o com seus olhos de cristal e estendia sua mão.

Era como seu sonho. Era real.

O calor da luz atingia Dejun de uma forma diferente. A pele queimava, mas sentia que estava sendo limpo, tal como seus olhos pareciam estarem cegando, mas pela grandiosidade na qual um mero ser como ele era incapaz de compreender.

E quando tocou a mão de Xuxi, por tão pouco tempo, descobriu o que ele realmente era. Seus olhos, brilhando da mesma forma que os dele, encaravam-se, como se nada mais existisse ao redor deles.

— Obrigado! — Xuxi projetou sua voz na mente do Xiao, como sempre fez. Não moveu seus lábios carnudos e nenhum músculo de sua face, tocada pelo humano maravilhado.

— Você é...

— Sua mente decide. Você é o criador de seu próprio entendimento! — as mãos do maior deslizaram pelas costas do humano, chamuscando o tecido da camisa sem que queimasse a pele alheia. — Foste criado para ser livre e permanecerás livre!

Xuxi recuou, cessando a luz forte de si, para que ela envolvesse Dejun.

O corpo do humano flutuava, seguindo o ritmo das batidas das asas em suas costas que o levava para cima, para cima, para cima...

Sentiu o impulso de seu corpo, depois o choque contra algo e por fim, estava no topo de uma montanha, com os pés descalços mergulhados na lava quente, que não lhe provocava dor. Seus olhos eram agraciados pela visão dos ventos provocando ondas gigantes e furações, engolindo as embarcações que buscavam pela ilha que se perdia diante dos olhos deles.

Dejun experimentou voar, sentindo o vento em seu rosto e finalmente pôde fechar os olhos. Não havia nada além de prazer e da sensação de que podia tudo, ou ao menos o suficiente naquele momento.

Raios saiam de seus dedos e derrubavam os caças aéreos, que não eram páreo para o trovejar que saia de suas asas quando pensava em voar mais e mais rápido. E quando viu que a ilha fora engolida pelo mar, ele voou mais alto, mais alto, mais alto... até ver o sol.

Alcançara o ponto mais alto que pôde, vislumbrando a sua conquista, antes de tombar de volta para a terra, com as asas se desfazendo como poeira.

O som das ondas...

As gaivotas...

Falatório...

Sirenes…

Despertou numa praia no litoral de Hong Kong, junto a destroços do que pareciam ter sido de um dos muitos navios que nunca mais voltaram desde aquele dia.

Xiao Dejun era um sobrevivente de uma enorme equipe de cientistas enviados a uma unidade de testes bélicos no oceano que, segundo aliados, foram bombardeados por forças inimigas.

Dejun aceitou, por mais que não lembrasse de nada além de sua ida.
 

•••

 

O recomeço parecia difícil e, mesmo que demorado, ele conseguiu voltar ao ritmo de antes. Decidiu ignorar as memórias quebradas de eventos que nunca presenciou.

Seu foco era o ramo da ciência, ainda preocupado em estudar os diferentes povos nos ambientes mais selvagens que existiam. Para muitos não era nada promissor, mas ele estava decidido a pegar qualquer oportunidade que viesse à sua frente, como uma nova filosofia de vida.

Nada parecia abalar Xiao Dejun, nem mesmo um dia inteiro de tempestade.

Mesmo que indo contra pedido dos colegas da universidade, ele quis seguir seu caminho para casa sozinho. Desceu do ônibus e viu que o bairro inteiro estava escuro demais — já que era fim de tarde — e ao certificar seu relógio, percebeu que o mesmo havia parado.

Seguiu seu caminho por atalhos que conhecia, ainda que não fossem os melhores lugares para se andar à noite, e principalmente chovendo e sem energia, quando não se tinha uma alma sequer na rua.

Era estranho, mas ele tinha algum tipo de reflexo para o perigo. Mesmo que a chuva fizesse um barulho forte em sua jaqueta e seus sapatos encharcados ajudassem a tornar a experiência quase que uma tortura de sons chatos, ele também ouvia passos atrás de si. Sua visão periférica o alertava da presença forte de alguém muito maior e muito mais forte, que não cedia os passos e não demonstrava que… Quase tropeçou entre a calçada e a rua, onde um carro passou e lhe deu um banho.

— Filho de uma puta! — gritou, permitindo-se olhar para trás quando ouviu uma risada. Era seu, até então, perseguidor.

— Olhe pelo lado bom, ao menos você não foi atropelado!

Dejun quis fazer chacota daquele homem que, apesar da altura, não parecia ser muito velho. Ele fumava um cigarro ensopado, que ainda chamuscava na ponta.

— Isso é o que dá quando alguém anda bem atrás de você como um psicopata fodido! — o menor rebateu, sem um pingo de remorso.

— Não acho que todos os psicopatas perseguem suas vítimas, mas desculpe. Minha intenção não era te assustar!

— E você tinha intenção em me perseguir? — Dejun perguntou, sentindo o coração acelerar. Não era medo, mas era estranho.

— Sempre vejo você fazendo esse mesmo trajeto todo dia. Eu moro aqui perto e você desce no ponto sempre quando eu tô passeando com meus cachorros! — manteve seus olhos negros nos de Xiao, além de um sorriso modesto. — Acho que sabe que todo mundo recomenda que você dê a volta no quarteirão se não quer ser roubado ou tomar uma facada de graça, certo?

— Por que... — não conseguia terminar a pergunta.

Era alguma coisa. Era mais que ansiedade... tinha alguma coisa.

— Você está bem? — o mais alto deu um passo, mas Dejun recuou.

— Por que está aqui?

O rapaz ficou numa posição ereta, não escondendo o estranhamento da pergunta. Tinha um sorriso bonito o suficiente para deixar Dejun distraído, ainda que não fosse somente o sorriso dele que faziam seus olhos ficarem preso ali, naqueles lábios carnudos, naqueles olhos grandes e escuros...

— Na verdade, eu não sei... — ele riu, passando a mão na cabeça e tirando seu gorro no processo, bagunçando seus fios escuros.

Dejun riu, como uma forma de aliviar a tensão. O outro também riu junto.

— Seu caminho é muito longo? — o mais alto desistiu do cigarro ensopado, juntando-se ao lado de Xiao para atravessarem a rua.

— Um pouco! — sorriu.

— Ótimo, ao menos temos o que conversar! — encarou o mais baixo. — Wong Yukhei.

Dejun olhou para o mais alto.

— Xiao Dejun.

Yukhei brilhava á sua maneira.

Seu sorriso, seus olhos sempre tão sinceros e sua alma pura, sempre colocando a proteção de Dejun em primeiro lugar por causa de seu instinto de ser um guardião de seu namorado.

Gostava de dizer que era uma síndrome de cão de guarda, quando na verdade não sabia exatamente o que Yukhei era ou o que iria ser, muito menos o que Xuxi foi.

Mas ele salvou sua vida e, de agora em diante, faz parte dela.

— Asas combinam com você! — Yukhei disse, com os lábios rente as costas de Dejun, tocando a pele sensível com o desenho da tatuagem. Dejun sorriu.

— Por isso que sempre as mantenho comigo, meu amor!


Notas Finais


Primeiramente, exaltando nosso projeto maravilhoso @neoficzens por nos motivar a escrever e sair de nossa zona de conforto. @jeonxie quem fez essa obra de arte em forma de capa, que uau... linda né? E na betagem, o anjinho @yoloirl me ajudando horrores 💕

Também créditos a Paradise Lost (a obra literária) de onde me inspirei em uns quotes!
Obrigado!


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