História Wyrda - Os olhos Dela.

- Ele não está morto, apenas recusava-se a me passar informações sobre você, para quê tanto drama? – O sorriso era visível nos lábios vermelhos da mulher alta e elegante, trajando uma armadura completa em um metal escuro e fosco, os cabelos róseos caiam sob seus ombros como cascatas, os olhos eram duas grandes orbitas negras, e então notou que a mulher era um espectro, nem mesmo a coroa de flores metalizadas que usava no topo da cabeça conseguiam amenizar o horror das feições doentias dela, o físico forte amedrontou a cavaleira, e mesmo que não demonstrasse, sabia que a mulher sabia. – Cavaleira de dragão – a mulher cuspiu as palavras com uma grande onda de nojo – Não sabe quanto trabalho vem me dando, tinha a proteção de uma elfa muito poderosa, mas nem ela pôde escondê-la de meu senhor.

Os punhos de Milena estavam cerrados, o ódio a consumiu, não apenas da mulher a sua frente, mas  de si mesma por colocar o elfo em perigo.

O espectro abriu os lábios rachados e vermelhos, só então notou que foram pintados com sangue. – O sangue dele é tão doce – E com a mesma velocidade que sorriu, Milena desembainhou Wyrda, a espada cintilou em fogo verde e uma aura clara em verde preencheu o local, iluminando-o, o espectro recuou, mas não abriu a guarda, então Milena recusou-se a avançar por um segundo.

- Você vai pagar! – “Marfhir, se apresse, invada o local e tire daqui Knabben, RÁPIDO!”

O espectro desembainhou então do meio das dobras do vestido escuro que usava duas adagas longas, e bem afiadas, o brilho cruel dos olhos da mulher eram refletidos nas lâminas aparentemente recém polidas. Ela atacou, com ferocidade e grande velocidade o flanco direito da cavaleira que facilmente desviou-se com grande graça passando Wyrda sutilmente pelo rosto da jovem, a qual sorriu ao sentir o liquido escuro escorrer de sua face.
- Luta como sua mãe, mas não precisa ser como ela. – O espectro sorriu girando os calcanhares e habilidosamente passou a girar as adagas entre os dedos finos e sujos de terra e sangue – mas deixe-me contar, meu mestre sabia tudo sobre ela.
O espectro novamente a atacou, desta vez pelo flanco esquerdo, e Milena defendeu-se abrindo a guarda a direita, onde o espectro atacou com a outra lâmina, e a cavaleira sentiu a faca cravar-se em si, não conseguia dizer onde já que tudo nela doía, a armadura parecia intacta, mas seu corpo...
- É envenenada e encantada, ela consegue te fazer sentir muita dor com um pequeno corte e perfura os encantamentos da armadura de sua mãe, então ela deixa de ser um atributo e passa a atrapalhar-te.
- Foi um pequeno golpe de sorte. – Retrucou a cavaleira investindo com um salto, o espectro precisou defender-se com as duas adagas, o som do metal contra o metal abafou um sussurrou baixo, o qual nenhuma das duas pode ouvir, durante a pequena musica que o duelo entre facas e espada produzia, Milena investia furiosamente enquanto o espectro parecia ter uma sutil dificuldade em defender-se, Milena sabia que o espectro se cansaria em algum momento e quando esse momento chegasse poderia se aproveitar, porque ela não se cansaria, o ódio era seu combustível até então.
- Mi-le...na. – Aquela voz... Aquela voz a distraiu e o espectro aproveitou o momento e atingiu o flanco esquerdo da cavaleira, logo gritos preencheram o ambiente e uma explosão de pedras, Marfhir havia chegado rapidamente e George encarregou-se de arrastar Knabben para o mesmo, mas o espectro não o deixaria completar sua missão, correndo furiosamente em direção ao elfo que agora lutava para abrir os olhos. Milena não conseguira até então mover-se, a dor passara de agonizante para insuportável.
“Concentre-se.”, pediu para si mesma e então moveu a perna direta, depois a esquerda e então urrou de dor, mas prosseguiu apressando-se.
- Milena... -  Dessa vez, a jovem cavaleira pode perceber os movimentos dos lábios do elfo.
“Você não pode deixá-lo morrer!” A cavaleira então posicionou Wyrda sob seu ombro direito.
- WYRDA! – A mesma gritou e no mesmo instante a sala iluminou-se com a mesma antiga aura verde, porém ainda mais forte, e então Milena a arremessou, mirando o peito do espectro, mas o desespero a fez errar. O liquido escuro escorreu do rosto da mulher e suas feições de fúria se intensificaram, tornando aquela criatura horrível em horripilante, Milena sentiu calafrios pelo corpo inteiro. Em poucos segundos a mulher havia transformado-se em fumaça negra. Mas era tarde, o espectro havia cravado sob o peito do elfo uma das adagas, os olhos da cavaleira encheram-se de lágrimas.

Cambaleando, a cavaleira dirigiu-se para Knabben, tomou-o em seus braços e ajudou George a colocá-lo sob Marfhir, subiu em seguida, acomodando o garoto entre os seios, em seguida George subiu, agarrando-se a cintura da irmã e Marfhir deu um grande impulso erguendo vôo.
“Para onde iremos?”, perguntou Marfhir irradiando o mesmo desespero que sua cavaleira.
- George, por favor, me diga que conhece algum curandeiro, qualquer coisa! – Gritou Milena.
- Eu conheço uma bruxa que vive nas proximidades, deixe-me guiar Marfhir! – Pediu George, mas o mesmo sabia que para o elfo não havia cura, era um ponto vital, os olhos do homem lacrimejaram. – Vá para oeste!
- Mi...le... – Knabben parecia fraco e distante, seus olhos estavam perdendo o brilho. Era uma corrida contra o tempo.
- Shiii, não fale. – Pediu Milena acarinhando o rosto do mesmo, os cabelos negros cobrindo os olhos, ela sorriu.

Knabben P.O.V.

- Eu... pre...ciso – gaguejou o elfo, a dor em seu peito apenas crescia, sabia que aquele era um ferimento fatal, mas desde que sentiu os lábios doces da cavaleira sob os seus na cela, onde por meses fora torturado, soube a verdade, soube que precisava dizer a ela. Ele a amava, e quando ouviu da boca da mesma que ela também o amava sentiu um pingo de esperança e felicidade no meio de tantas trevas.
- Calma, logo chegamos e você... Você vai ficar bem! – Ela parecia tão desesperada, ele via olhos molhados dela, ainda que com a visão falha, ele a achava linda, com os cabelos curtos açoitando-lhe o rosto, as pequenas alergias que preenchiam o rosto pálido e suas olheiras pela falta de sono.
- Eu... eu... – Por um segundo achou que teria forças para continuar a frase, mas parecia tarde, ele sentiu a dor preenchendo todo o seu ser, ele soube que havia suspirado – amo... – precisava completar, ela precisava saber! – vo... cê.

Knabben soube que era o certo, ele enfim entregou-se totalmente, e arrependia-se por não tê-lo feito mais cedo, sabia que havia perdido inúmeros sorrisos e conquistas, ele desperdiçou sua energia muitas vezes apenas para vê-la dormir sob o velho carvalho pelo reflexo da água, viu também em seu aniversário a pequena homenagem que ela lhe fizera, não a havia contado a data, mas ainda assim, ela esforçou-se para descobrir e comemorar, muitas vezes a viu correr sozinha ou fazer suas pequenas loucuras. Ele gostaria de ter voltado antes para ela, não queria abandoná-la, jamais pensou nisso, ainda mais depois de beijá-la, porque depois dela, nada que ele tentava parecia fazê-lo mudar o que sentia, nem o passado, nem o presente, e agora, nem mesmo o futuro.
- Eu também amo você – Ela sussurrou tocando os lábios do elfo com suavidade, e então, a dor desapareceu, o universo inteiro pareceu se resumir a pó e a última coisa que viu antes de deixar-se ir, foram os olhos dela.

Os olhos Dela.