Part.2: Fae.
Eu olhei para Yuu san que me olhava com uma sobrancelha levantada, mas não disse nada. Eu franzi o cenho enxugando meus cabelos depois de voltar da floresta com Vio. A única pessoa que parecia saber o que tinha acontecido lá era Yuu san.
Ficamos cerca de quatro horas fora. E ninguém perguntou nada. Todos apenas perguntaram onde tínhamos ido e contamos que era na cachoeira que tinha naquela floresta.
Na minha cabeça fazia todo sentido entrar na água uma vez que em Fae não tínhamos esse luxo.
— Desembucha logo.
— Você e Flowerview san não deviam ficar fazendo sexo no meio da floresta. — Yuu san disse sem rodeios e eu quase me engasguei com o ar.
— O que?
— Eu sei que ninguém suspeitaria de nada, mas quando a floresta me impede de andar em meu próprio território é obvio que era uma magia da Flowerview san. Não é como se meu avô se importasse se vocês fizessem essas coisas aqui dentro de casa. — Yuu san deu de ombros.
— Yuu san, você está bem?
— Olha, enquanto eu odeio que você me provoque sobre isso, eu não acho que o que vocês fizeram foi seguro. De qualquer forma, isso não tem nada a ver comigo. — Yuu san deu de ombros parando de escrever. — Eu terminei esse relatório. O que acha?
Eu peguei o papel em que Yuu san estava escrevendo com afinco.
Por onde começar isso? Ele não era escrito na horizontal. Eram um monte de desenhos na vertical, e isso era confuso.
— Que eu não sei ler uma palavra do que está escrito?
Enquanto havia uma magia no ar para que entendêssemos as palavras ditas em outro plano, não havia uma que nos deixasse entender o que estava escrito.
— Tudo bem, vou mandar desse jeito mesmo. — Yuu san se deu por vencida. — Vamos, eu quero comprar algumas coisas na máquina da esquina.
— Aquela que você coloca uma moeda e te dá algo para beber? Vio disse que o suco de pêssego não tem gosto de pêssego.
— Não é como se algo que marcasse pêssego tivesse gosto de pêssego. — Yuu san disse em seu humor ranzinza. — Eu te deixo com um ramune de melão.
— O que é ramune?
— Uma bebida gaseificada. Você provavelmente vai odiar, mas eu ainda quero te ver experimentar. Vai ser no mínimo engraçado. — Yuu san me deu um sorrio torto antes de sair do quarto.
— Claro que sim.
Eu escondi minhas asas e caminhei atrás da Yuu san até a tal máquina de vendas. Yuu san enfiou algumas moedas e tirou duas bebidas de lá. Eu ainda iria entender como uma coisa assim funcionava. Realmente, a Terra tinha sua tecnologia independente da magia, o que era fantástico.
Em Fae tudo era dependente da magia, mesmo os trolls e os gigantes usavam magia.
— Isso realmente é outra coisa.
— Você não viu as maquinas de venda de calcinhas. — Yuu san deu um sorriso torto. — Tem até umas maquinas que vendem calcinhas usadas, não que eu já tenha usado alguma.
— Eu não acho que eu vou me dar bem se formos ficar aqui.
— Jii sama me contou que Flowerview san pediu para ficar aqui. Eu entendo que vocês tenham gostado desse lugar, mas seria o suficiente para quererem ficar?
Na verdade, eu tinha essa mesma dúvida.
Eu tenho a minha vida lá em Fae. Não é tão dedicada e boa quanto a da Vio. Servir ao exército me trouxe dinheiro e algum status e eu morava no castelo. Além disso, eu não queria deixar Gardenia sozinha. Não depois de tudo que aconteceu naquela guerra.
— Eu não quero sair de Fae, mas aqui é o único lugar que eu posso ficar com a Vio sem problemas.
— Se você pensa assim. Eu acho que vocês deveriam conversar melhor sobre isso. Qualquer coisa me avise. Eu vou ajudar com toda a burocracia. Faz parte do meu trabalho além de prender mágicos fora de controle. — Yuu san começou a andar de volta para a casa.
— Obrigada, Yuu san.
— Disponha. — Ela piscou com um dos olhos.
O ramune realmente parecia algo que eu iria cuspir. Eu não sei qual é dos humanos para tomar algo que dói desse jeito. Yuu san disse que é porque tem gás, mas ainda assim. Eu preferia ficar longe dessas bebidas gaseificadas. Obrigada.
XxXxXxX
Eu sei que eles queriam que viéssemos com outra pessoa para Fae, mas eu juro que se eu ouvir mais um “Aaaw” dessas duas eu me mato. Atualmente eu tive que trazer duas pirralhas comigo a pedido de Leah san. A irmã de Emerald, Saphira e a prima de Yuu san, Miyuki.
Ambas tinham quinze e dezesseis anos respectivamente. E enquanto eu sei que esse lugar é incrível e muito diferente da Terra, elas não precisam me lembrar o tempo todo.
Eu lancei um olhar para Vio que nem parecia estar se incomodando com o escândalo das adolescentes. Bem, Vio sempre foi mais paciente que eu quando se trata de turistas no nosso mundo. Eu não preciso dizer que ela é muito mais sociável que eu também.
— Lily san esse lugar é tão incrível! — Miyuki disse encantada.
— É tudo tão enorme! Eu me sinto uma formiguinha! — Saphira disse igualmente encantada.
— Sim, sim. Esse lugar é incrível e muito bonito.
Fae era exatamente como eu havia dito a Lucy e Yuu san em Cosmos. Nós fadas parecemos ser pequenas porque tudo aqui é gigantesco. Mesmo as folhas tem quase o nosso tamanho. Eu não sei fazer uma comparação de escala de tamanho, mas eu diria que uma pessoa de um metro e meio na Terra seriam como quinze a vinte centímetros em Fae. Talvez um pouco menos. Então basta imaginar que nós temos trinta centímetros e todo o resto de mundo tem o mesmo tamanho que na Terra.
— Mas esse lugar tem arvores tão grandes! Eu aposto que tem o dobro do tamanho das arvores mais altas da Terra. — Miyuki disse batendo palma.
— Vocês sabem que é uma missão sorrateira né? Não podemos ser pegas pelas pessoas de Fae.
A expressão no rosto delas dizia que elas haviam esquecido completamente disso. Por Faery, como Yuu san podia aguentar essas duas? Tanto quanto eu adoro a Yuu san, sua prima conseguia ser insuportável com todo esse barulho. Junto da irmã de Emerald...
Vio apenas riu olhando por cima do ombro. Eu neguei com a cabeça seguindo minha namorada. Apesar de eu ser a única que sabia o caminho, Vio era quem estava guiando o grupo usando sua magia para detectar qualquer ameaça.
Finalmente elas ficaram quietas e prosseguimos com a nossa viagem a entrada escondida do castelo. No caminho elas viram todo tipo de coisa gigante, mas se controlaram. Talvez eu estivesse errada a respeito delas. Elas podiam se controlar se tentassem.
— Esperem. — Vio ergueu a mão e paramos na base de uma das raízes das arvores.
O exército passou a nossa frente sendo guiados pela antiga noiva de Vio. Carolina Greenhouse. Eu prendi a respiração e Saphira se espremeu mais contra a raiz. Miyuki por sua vez continuou escondida, mas não parecia estar com medo.
Estranho...
Por vezes Miyuki parecia tentar imitar o que Yuu san faria. E eu confesso que ela estava se saindo bem nisso. Apesar dessa alegria irradiante não ser mostrada pela Yuu san muitas vezes. E também faltava um pouco da confiança e da animosidade que Yuu san emanava contra tudo e todos por aí.
Ela deveria gostar muito da Yuu san se ela se dava o trabalho de imitar a Yuu san.
— Podemos prosseguir. — Vio disse depois de um tempo.
Usando as folhas caídas como esconderijo e algumas gramas que cresciam nós chegamos a pequena entrada de uma caverna que levava para a passagem secreta. Vio foi a primeira a entrar enquanto eu observava para qualquer sinal de perigo.
— Vão, logo.
Miyuki pulou e então Saphira. Eu dei uma última olhada ao redor pegando o exército vindo novamente antes de entrar o mais rápido e discretamente possível na passagem. Apenas para eu ver algo terrível nos esperando.
— Lily, a quanto tempo esse lugar ficou vazio? — Vio perguntou espremida contra uma parede.
Obviamente tempo o suficiente para uma aranha fazer um ninho ali. E ainda uma aranha que nos livros da Terra eles chamavam de Tarântula ou Caranguejeira.
Eu respirei fundo preparando minha magia para o que quer que fosse acontecer. A aranha mexia suas pernas e cada batida era um pequeno terremoto. Saphira logo estava ao meu lado com Miyuki.
A aranha levantou suas patas dianteiras e eu me preparei para desviar. Ela ficou sobre as quatro pernas traseiras em um sinal claro que ela iria nos atacar. Eu estreitei meus olhos.
Eu não gostava de lutar contra essas coisas gigantes. Ainda mais contra aranhas.
— Hera, não. Fique calma, menina. — A voz do primeiro ministro me assustou e a aranha se acalmou. — Lily, que bom que você voltou. Eu sabia que você viria mais cedo ou mais tarde para salvar a nossa princesa.
— Eu li sua carta, Jacinto. Eu trouxe pessoas para ajudar a resgatar a princesa Gardenia de seu sono.
— Quem são essas pessoas? Violet eu reconheço, mas as outras não. — Ele parecia preocupado.
— Elas são amigas. Sakawa Miyuki e Saphira Mira. Uma Lycan e uma sereia do plano da Terra.
O primeiro ministro olhou para a dupla antes de assentir. Ele murmurou algo e bateu na cabeça da aranha que recuou para um buraco perto da entrada.
— Vamos para o castelo. Aqui é perigoso demais para conversarmos. — Jacinto então começou a andar pelo túnel.
Sem dizer nada nós o seguimos querendo ficar o mais longe possível daquele aracnídeo. Eu ouvi algo na Terra sobre muitas pessoas terem medo de aranha. Na verdade, havia até um nome para isso, mas eu me esqueci. Eu fico imaginando como elas reagiriam ao ver Hera, como Jacinto a havia chamado a aranha do túnel.
O túnel era iluminado por algumas luzes magicas que se apagavam ou acendiam com a presença de certas pessoas. Reconhecendo a aura delas e iluminando para que não caíssem em armadilhas e até mesmo indicando onde estavam as armadilhas. Pessoas não autorizadas ficavam perdidas no breu. E consequentemente morreriam. A prova eram os restos mortais espalhados pelo chão.
— Esse lugar é assustador. — Miyuki comentou olhando para todos os lados. — Quantas pessoas morreram aqui dentro?
— É um túnel de evacuação. Se alguém tentar entrar do outro lado vai ativar muitos mecanismos de defesa. A maioria dos que morreram aqui são globins ou duendes. — Jacinto explicou calmamente.
— Tem cheiro de mofo. — Saphira completou fazendo Jacinto rir.
— O ar não circula aqui dentro com facilidade, minha jovem. — O primeiro ministro respondeu bem humorado. — Ainda assim é um sistema muito importante. Fora esse temos mais três túneis.
As duas mais uma vez pareciam perdidas no cenário. Eu só podia imaginar o quão novo era tudo isso para elas. Eu sorri levemente. Talvez eu também tivesse sido assim quando cheguei na Terra
— Vamos, meninas. Não fiquem para trás. — Vio disse empurrando a dupla para seguir em frente.
O fim do túnel era uma sala escondida na biblioteca do castelo. A grande biblioteca de Sunflower. Com estantes tão altas quanto uma arvore da Terra, lotadas de livros sobre todos os assuntos. Eu me lembro de ter passado muitos dias aqui com Gardenia estudando e brincando.
Eu não sei porque Gardenia permitiu que alguém como eu ficasse no castelo. Eu não sei porque Jacinto me deixou me aproximar da princesa em primeiro lugar. Nem porque o rei e a rainha gostavam de mim. Ainda assim eles me tratavam com muito carinho e respeito.
Eu nunca entendi porque eu era tão bem-vinda nesse castelo. Mesmo depois dos boatos maldosos que muitas vezes eram verdadeiros. Mesmo depois de passara fumar ou fazer esses piercings que não eram bem vistos.
Foi por causa desse carinho e respeito que eles me deram que eu entrei para o exército. Que eu lutei pelo reino com tudo que eu tinha. Que eu matei outras espécies desse reino e até encarei um gigante para proteger a princesa.
Eu voltei para casa com o corpo do rei em minhas costas. Sua armadura ensanguentada. A rainha e Gardenia choraram tanto. Eu estava presente em seu velório. Mais tarde no velório de Rose, Melody e Glória. Até que os inimigos se renderam.
Sunflower estava sem um rei, e Gardenia sem suas melhores amigas. E eu deixei logo em seguida para recuperar a Vio. O reino estava em desespero com tantas mortes, mesmo que tivéssemos conseguido a vitória.
Tudo era muito recente, e no fundo do meu coração eu sabia que a princesa Gardenia realmente quis adormecer. Ela não suportou perder tantas coisas assim de uma única vez. Eu a conhecia melhor que qualquer outra pessoa. Ela sempre contou tudo para mim. Então ela faria algo assim se pudesse.
Gardenia devia ter sofrido muito em minha ausência.
Mas eu ia consertar todas as coisas. Eu ia regatá-la.
— A rainha deve estar em seu quarto agora. Desde que a princesa Gardenia dormiu ela tem se trancafiado. Por isso a rebelião não foi parada ainda. Pelo contrário do tem ficado pior a cada dia. — Jacinto soltou um suspiro cansado. — Por favor, Lily, traga nossa princesa de volta.
— É para isso que eu estou aqui. Só preciso fazer a poção.
— Vamos para sala de poções antes. Eu vou avisar a majestade que vocês estão aqui. Enquanto isso se apresse para fazer a poção. — Jacinto me pediu e eu assenti.
— Vá ver a rainha. Eu sei meu caminho aqui dentro.
Jacinto fez uma reverencia educada antes de sair. A sala de poções era na segunda torre do leste. E eu nem precisa me preocupar com os ingredientes, havia tudo que eu precisava naquela sala. O castelo sempre foi muito bem equipado nesse quesito.
Miyuki e Saphira estavam quietas agora. Observando tudo sem nem comentar. Talvez agora que tudo estava no tamanho “normal” tenha perdido a graça. Eu não sei, mas eu espero que elas continuem assim por um bom tempo.
Eu não precisava delas gritando e me fazendo perder a concentração.
A sala de poções tinha esse enorme caldeirão que ninguém usava e vários caldeirões pequenos. Havia tantas ervas e outros ingredientes necessários. Eu percorri a estante de livros que ficava ali. Procurando o livro que eu usei da primeira vez. Eu sempre devolvi tudo no lugar, então não foi difícil de localizar no meio de tantos outros.
— Achei. Agora onde está a receita da poção?
Eu peguei nada páginas desgastadas do livro. Ele só não estava despedaçando por causa da magia que o mantinha inteiro. Mas era um livro muito antigo.
A receita em si não era muito complicada e com a ajuda de Vio eu rapidamente achei todos os ingredientes necessários. O único que faltava era o cabelo de Gardênia que deveria ser acrescentado na hora de beber.
Eu misturei todos os ingredientes no caldeirão. Com cuidado para colocar todos na ordem enquanto ficava de olho em Miyuki e Saphira para não quebrarem nada. Vio estava me ajudando para não cometer nenhum erro.
— Lily! — Eu olhei para porta onde a rainha estava.
Sua coroa de flores estava murcha e seu cabelo desleixado. Era mais que claro o cansaço em seu rosto. Eu deixei Vio cuidando da poção e me aproximei. Me ajoelhando perante a minha rainha.
— Não, se levante. — A rainha me pediu.
— É um prazer estar na frente de vossa graça, majestade.
— Sem formalidades, Lily. Agora se levante. — Ela me puxou pelo braço para que eu me levantasse e me abraçou em seguida. — Eu fico feliz em ver que está sã e salva. Jacinto me contou o que aconteceu quando você acordou.
— Eu fui obrigada a correr. Saí de Fae e fui para a Terra. — Eu murmurei com um sorriso tenso. — Eu encontrei pessoas que me ajudaram lá. E deixe me apresentar essas duas. — Eu apontei para as adolescentes.
— Prazer, majestade. Eu sou Sakawa Miyuki. — Miyuki ergueu a mão em um cumprimento. Saphira bateu no topo da cabeça da outra.
— Não é assim que se cumprimenta alguém da realeza. — Saphira disse rapidamente antes de se ajoelhar. — É um prazer conhecê-la Majestade de Sunflower. Eu me chamo Saphira Mira, e essa é Sakawa Miyuki do plano da Terra.
— Eu sou Victoria Sunflower, rainha do reino Sunflower em Fae. — A rainha respondeu com um sorriso. — Eu presumo que vocês estão aqui para ajudar a Gardenia.
— Yuu nee chan me pediu para ajudar a Lily, e aqui estou eu. — Miyuki respondeu e eu suspirei com seu jeito mal-educado.
Bem, a Terra não tinha monarcas, mas Yuu san parecia saber respeitar seus superiores. Por que a prima dela era tão má educada assim? Yuu san, a próxima vez eu não irei aceitar sua sugestão para nada. Nunca mais.
— Yuu nee chan? Lily, o que essa jovem está dizendo? — A rainha perguntou confusa e eu suspirei.
— Hagikaze Yuuka, ela é uma pessoa que eu conheci dentro do sonho que Vio estava presa. Ela foi quem me acolheu quando eu fugi de Fae. É uma boa pessoa.
A rainha assentiu com um leve sorriso. Aparentemente ela parecia gostar da minha resposta e de quem quer que Yuu san fosse. Jacinto que estava junto da majestade sorriu e assentiu com satisfação.
— Se um dia eu ver essa tal de Hagikaze Yuuka eu adoraria agradecer. — Seu olhar caiu sobre Vio. — Eu aposto que ela te ajudou com a senhorita Violet, não foi? Me diga, você conheceu mais alguém nesse sonho? Parece ser um pouco mais complexo do que eu imaginei.
— Há Lucy Ciel, uma unicórnio do plano Cosmos.
Eu então passei a contar para a rainha Victoria toda a minha aventura no sonho de Kameshima Yuya. Enquanto isso Vio continuou trabalhando na poção que nos levaria para dentro do sonho de Gardenia. A rainha parecia muito interessada na minha história.
— Lily, eu terminei aqui. — Vio disse e os olhos da rainha brilharam em expectativa.
— Vamos entrar então.
Junto da rainha e Jacinto seguimos para o quarto onde Gardenia estava. Alguns dos empregados nos olharam. Outros cumprimentavam. Bem, eu tinha uma fama ruim, então a grande maioria dos empregados não gostava muito da minha amizade com a família real. Afinal, para muitos eu não passava de uma vira-latas de sorte.
Gardenia estava deitada na cama com seus longos cabelos loiros espalhados pela cama ao seu redor. Sua coroa estava posta ao lado de seu travesseiro. Suas mãos estavam juntas sobre o peito. E ao lado da cabeceira um frasco de algum tipo de poção.
— Gardenia...
Eu me inclinei sobre ela e beijei sua testa. Ela não se mexeu e eu delicadamente tirei quatro fios de cabelos. O último ingrediente da poção. Eu entreguei para Vio que estava com o caldeirão. Ela colocou os quatro fios e misturou com cuidado até a poção mudar de cor.
— Acho que é isso. — Vio disse com um leve sorriso.
— Quando entrarmos podemos estar separadas. Então não entrem em pânico. Vamos nos encontrar logo. — Eu disse para Miyuki e Saphira. — Majestade, Lucy e Yuu san podem aparecer aqui a qualquer momento. Eu agradeceria se ficassem de olho no túnel já que eu deixei as informações com a Yuu san.
— Tudo bem. Eu ficarei de olho. — Jacinto se prontificou.
Eu dividi a poção em quatro e dei um copo para cada integrante do meu grupo. Miyuki respirou fundo. Eu me sentei me encostando na cama antes de virar o copo e engolir aquele liquido mágico amargo e viscoso.
Eu fechei meus olhos e esperei a poção começar a surtir efeito. Eu esperava que todas seguissem o meu exemplo. Eu realmente esperava que elas seguissem o meu exemplo.
Quando eu abri os olhos novamente eu estava em uma cama. Bandagens espalhadas por meus braços e pernas. Eu olhei para os lados vendo Gardenia sentada em uma cadeira me olhando. Ela ergueu uma sobrancelha e eu dei um leve sorriso para ela.
— Hey.
— Lily! Você finalmente acordou! — Gardenia disse com um grande sorriso. — Já fazem dias desde que te acharam no campo de batalha.
Campo de batalha?
— Que campo de batalha?
— Contra os globins. Será que você bateu com a cabeça muito forte? Lily, você se esqueceu que estava no exército lutando ao lado do meu pai contra os goblins do norte? Vocês marcharam até o oceano doce e lutaram lá. — Gardenia franziu o cenho.
— O rei! Ele está bem?
— Meu pai está bem, a última batalha foi dura. Ele disse que você recebeu um golpe muito duro tentando protegê-lo. — Gardenia explicou calmamente. — Obrigada por ter salvado a vida dele, Lily.
Gardenia...
Você realmente está sonhando com tudo isso.
— Onde está Violet?
— Flowerview? Ela está na mansão dela. Lily, você esqueceu que terminou com ela e que ela vai se casar com a família Greenhouse? — Gardenia me olhou em confusão.
— Que coisa a minha... Eu me esqueci completamente.
— Ouvi dizer que ela tem novos pupilos, no entanto. Eu nunca as vi antes, mas eu sei que essa mulher sabe o que faz. Mesmo que eu ache um erro ela ter escolhido aquela garota da Greenhouse. Você é muito melhor. — Gardenia fez um bico e eu estiquei minhas mãos para segurar suas bochechas. Ela piscou seus olhos azuis.
— Não deixe isso te incomodar tanto. Tenho certeza que Vio ainda me ama apesar de tudo.
— Você que foi idiota em deixar ela desse jeito. — Gardenia apontou o dedo acusadoramente. — Eu disse que não precisava fazer isso. Você é facilmente a pessoa mais idiota que eu conheço, Lily.
— O que?! Por que?
— Deixar a senhorita Flowerview escapar enquanto ainda a ama. Você deveria valorizar mais o amor que vocês sentem invés de jogar pela janela desse jeito. Se eu... — Gardenia se calou.
— Gardenia... Vamos, eu quero invadir a casa Flowerview e pedir para Violet desistir desse casamento.
— Você o que?! Rose vai te matar se ouvir algo assim! Nem quero imaginar no que Gloria vai dizer. E eu tenho certeza que Melody vai te apoiar nisso. — Gardenia disse rodando os olhos.
— Vamos! Vai ser divertido.
— Antes disso eu vou chamar um médico para te examinar e ver se você já está pronta para uma nova loucura. — A princesa riu se levantando. Seu vestido amarelo claro parecia um pouco amassado, mas ela não se importava.
Gardenia...
Você inventou esse sonho não foi?
Na luta no Oceano Doce o rei de Sunflower morreu. Morreu me protegendo do inimigo, quando era para eu protegê-lo. Essa luta marcava uma derrota para nós. E se Rose está aqui ainda...
A batalha nas campinas ainda não ocorreu, ou ocorreu e Gardenia mudou os fatos. Eu não estava em um sonho do homem mascarado. Não. Essa foi uma poção do sono e Gardenia estava escrevendo a história como ela queria que acontecesse.
Como não podia acontecer...
E isso me doía de uma forma inimaginável.
Gardenia e eu crescemos juntas. Nós éramos amigas desde criança. Ela estava lá quando me contaram que meu pai foi devorado por um troll. Quando minha mãe morreu em um deslizamento de terra e eu fiquei sozinha no mundo.
Eu não gosto de vê-la sofrer assim. E eu sei que ela percebeu que esse sonho não vai trazer felicidade. Muito pelo contrário. Ela só vai sofrer mais e mais por causa disso.
E ainda assim, aqui estava ela insistindo nesse conto de fadas.
— lily! Você realmente acordou! — A porta se abriu em um estrondo quando uma fada de cabelos cor de rosa na altura dos ombros entrou escandalosamente. Ela foi seguida por uma tímida fada de cabelos azuis tão longos que chegavam em seus joelhos. E uma fada de postura séria, ruiva com cabelos enrolados e fofos.
— Olá.
— Olá
— Olá
— Parem de ser idiotas! — Rose ralhou antes de se sentar na cama. — Você levou uma surra e tanto no campo de batalha. Uma novata como guarda do rei...
— Me desculpe.
— Por que está se desculpando. Você fez muito bem lá. Protegeu o rei corretamente. — Rose disse com um grande sorriso.
Você está errada Gardenia.
Rose não me elogiaria assim. Rose me odiava por te amar. Ela tinha um ciúmes que a queimava por dentro e a fazia me odiar com todas as suas forças. Rose já havia me dito isso. Ela me disse que eu não merecia estar perto da realeza. Que eu era apenas uma hiena me aproveitando dos restos que os leões deixavam para trás.
— Chega disso Rose. Me diz Lily, como você se sente? — Melody me perguntou em um tom cantante.
— Pronta para invadir a casa da Violet e sequestrá-la.
— Você o que?! — Rose e Gloria gritaram surpresas.
— O que ouviram.
— Isso vai ser tão legal! Você simplesmente vai entrar e trazer Violet a força! Ela vai gritar e espernear. E então você vai calar ela com um beijo! Boa ideia Lily! Eu aprovo. — Melody disse como uma metralhadora.
— Ela não vai gritar e espernear.
— Ela certamente vai. — Rose apontou. — Você a deixou depois de sabe se lá quanto anos namorando. Se eu fosse ela estaria no mínimo ofendida se você fizesse isso.
— Ela está bem com isso. Eu sei que está.
— E se você for fazer isso. — Gloria começou timidamente. — Como você pretende driblar a segurança da família dela?
— Da mesma forma que eu driblei durante todo o nosso relacionamento.
— Eles adicionaram seguranças da família Greenhouse. Você não vai se safar facilmente. E além disso , ela tem duas pupilas novas que ficam na casa dela dia e noite. Miyuki e Saphira pelo que me lembro. — Rose informou.
— Então aquelas duas estão com a Vio.
— Você as conhece? — Gloria perguntou piscando confusa.
— Longa história.
Eu mal podia acreditar na sorte de Violet ter encontrado Miyuki e Saphira tão rápido. Eu sabia que minha namorada era fantástica em mais de um sentido, mas não podia evitar o orgulho enchendo meu peito.
— De qualquer forma eu estarei aqui com a Violet, vocês serão meu álibi.
— Tanto faz, a guerra acabou mesmo. Não tenho muito o que fazer. — Rose deu de ombros e eu pisquei confusa.
— O rei destruiu o rei globin depois que você caiu. Eles acharam que você estava morta, mas então alguém disse que você estava viva. Bem, nós ganhamos de qualquer jeito. — Melody deu de ombros. — Foi muito corajoso da sua parte, Lily.
— Claro.
Eu forcei um sorriso e felizmente elas compraram.
Gardenia, você até mesmo terminou a guerra antes do previsto?
Se eu dissesse que gosto dessa versão inventada pela sua mente, você acreditaria? Onde todos estão vivos e você não perdeu ninguém que ama.
Eu daria tudo que tenho para voltar no tempo e impedir que todas essas pessoas que você ama morram na guerra contra os globins. Ainda assim, eu não posso permitir que você fique presa nessa ilusão que você mesma criou.
Gardenia...
Me desculpe mais eu vou ter que acordá-la para que você enfrente sua dor na vida real. Eu não posso deixar que você se perca aqui nessa farsa.
Eu iria agir de noite...
Só espero que Violet não esteja muito brava comigo.
— Vocês também ouviram falar que a família Greenhouse contratou um novo guarda? Uma que tem asas multicoloridas. Eles dizem que ela é bem forte. — Melody ponderou.
— Foi o que eu ouvi falar também. Dizem que ela rastreia até uma agulha que cai no chão. — Gloria disse me olhando preocupada.
— Não se preocupem pessoal. Eu vou conseguir invadir sem problema algum.
Quem seria esse novo guarda? Não me lembro de ninguém que tenha asas multicoloridas em Fae. Não existiam fadas com asas coloridas assim. Apenas fadas com no máximo três cores em suas asas.
Rose, Melody, Gloria e Gardenia ficaram no meu quarto até a hora de eu sair para sequestrar o amor de minha vida. Eu saí de fininho para que nenhum dos guardas do palácio me vissem. Desviando de um e de outro me escondendo entre os pilares.
Sair do castelo foi fácil, agora vinha a parte legal. Me esgueirar pelos campos de rosas da família Flowerview.
Pular o muro foi a coisa mais fácil do mundo depois de longos anos de treinamento. Passar pelos cães de guarda que viraram meus amigos com o passar dos anos também. Subir na varanda do quarto de Violet mais fácil ainda. Tudo isso sem um único guarda me ver.
Eu tirei uma chave do bolso. Destrancando a porta da varanda antes de silenciosamente abrir a porta de vidro. Violet estava dormindo. Miyuki e Saphira estavam dormindo em um colchão no chão perto de sua cama.
Com cuidado eu fechei a porta e suspirei em alivio por mais um dever cumprido.
— Pare de ser sorrateira, Lily. — Eu pulei no lugar e olhei para trás.
— Lucy?
Lucy tinha asas de fadas em um padrão arco-íris e vestia uma roupa de guarda.
— O que você está fazendo aqui? Você não ia estudar magia e então ficar em Cosmos por um longo tempo?
Eu estava confusa. Lucy não deveria estar aqui. E não tinha como Gardenia estar sonhando com Lucy quando elas nem se conheciam. Nem sequer se viram na vida.
— Como assim, Lily? Já faz quase três semanas que vocês estão aqui nesse sonho. — Lucy me disse com o cenho franzido e eu pisquei confusa.
Três semanas?
Será que quando eu apareci aqui eu tinha acabado de sofrer aquele dano? Será que eu passei três semanas dormindo e só acordei agora?
Isso fazia todo sentido.
Ainda assim não fazia sentido algum.
Eu passei a mão no meu rosto antes de caminhar até a cama de Vio e me sentar ali. O movimento brusco acordou todos no quarto. Miyuki se sentou alarmada enquanto Vio me socou nas costas.
— Vio sou eu!
— Lily! — Vio p iscou confusa. — O que você está fazendo aqui? Quero dizer. Por que você não apareceu antes? Eu tive que procurar por Miyuki e Saphira sozinha. Além de contratar a senhorita Ciel como minha guarda costas.
— Eu acordei hoje.
— Como assim? Lily, eu te vi ser carregada quase morta para o castelo. O que está acontecendo aqui afinal? — Vio perguntou preocupada.
— Eu sinceramente não sei o que está acontecendo... Lucy, a Yuu san veio com você?
— Sobre isso... Você provavelmente vai odiar isso, mas Yuu san ficou. O castelo estava quase sendo invadido ela me mandou aqui e ficou para ajudar. — Lucy disse sem graça.
O que?
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