Torradas
"O cheiro das deliciosas torradas da mamãe invadiram minhas narinas e minhas papilas gustativas começaram a trabalhar, fazendo-me engolir o excesso de saliva que em segundos foi produzido em minha boca."
A senhora se remexeu na cadeira de balanço, para não ficar dormente, e ajeitou o óculos que caia sobre o nariz.
"Eu sai da janela embaçada por causa da chuva, e corri em direção a mesa que era exatamente da altura dos meus olhos."
Ela sorriu vendo a expressão da garotinha à sua frente; seus olhos estavam maiores e ela tinha prendido o cabelo para conseguir ouvir melhor a história.
– A senhora era mesmo pequena, hein, vó? – A pequena gargalhou ficando vermelha.
A senhora usando uma mão falou que, na época, tinha apenas cinco anos e que as mesas não eram tão baixas como as de hoje.
"Olhei para minha mãe que usava um avental com desenhos de girassol, e ela me olhou de volta com o seu olhar amoroso e acolhedor..."
A idosa suspirou passando a mão sobre o braço da cadeira, sentindo sua textura.
– Onde ela está, vovó? – A menina perguntou-lhe encarando os olhos marejados da avó.
A avó se surpreendeu com a pergunta e sorriu ao apontar para o peito.
– Para onde as pessoas vão quando morrem, vovó? – Ela balançou a cabeça querendo que a avó entendesse sua pergunta.
A senhora ajeitou mais uma vez o óculos no rosto e ficou por uns segundos em silêncio tentando pensar nas palavras que deveria usar.
– As pessoas são enterradas e ficam lá porque, após morto, um corpo não serve mais pra nada.
– Elas vão para o céu ou para o inferno? – A garota sussurrou a última palavra como se fosse pecado pronunciá-la.
A avó se surpreendeu ao ver a neta tão pequena saber sobre coisas como aquela. Mas ela logo lembrou do quão forte era a crença dos pais da menina, que eram cristãos, e suspirou por lembrar que, por não crer num ser superior, foi proibida de vistar a casa da filha e teve que brigar pelo contato com a neta que queriam lhe negar.
– Foi isso o que teus pais te disseram? – A avó sussurrou se inclinando em direção à pequena.
A jovem balançou a cabeça em afirmativa.
– Então eu acho que, por enquanto, você deveria acreditar neles. – A avó sorriu estirando a mão para pegar na bochecha gordinha da neta.
– Por que 'por enquanto'? – A garota perguntou pensativa. Ela era muito esperta para sua idade.
– Porque depois, quando ficar maiorsinha, você poderá tentar buscar as respostas que tanto deseja. – A senhora sorriu tentando convencê-la.
– Mas, vó, meus pais dizem que você vai pro inferno por não acreditar em Deus. – A menina engoliu saliva preocupada.
– Olhe pra mim, Sarah – A senhora pegou a mão da neta que começava a tremer os lábios com o choro na garganta –, não se preocupe com isso, minha linda.
A mulher sorriu colocando a menina sobre o colo.
– Você é tão boa para ir para o inferno, vovó... – Sarah soluçou se aconchegando no seio farto da avó.
A avó sorriu acariciando os cachinhos da menina.
– Não pense nessas coisas agora, meu girassolzinho.
A pequena pegou a mão da avó e a beijou com muito carinho.
– Obrigada por existir, vovó. – Sarah olhou para a avó com os olhos cheios de lágrimas.
– Quão doce você é, minha Sarinha. – A senhora sorriu ao se balançar na cadeira de balanço com a menina no colo.
– Quando for mais velha, você encontrará sua religião, peço que não se preocupe com isso agora. A única coisa que peço é que nunca trate mal uma pessoa que possua uma crença diferente da sua. Que, independente do que acreditar, sempre creia no amor. E quem ama não trata o próximo com indiferença.
– Uhum, vovó. – Sarah abraçou a avó e adormeceu com o balançar do seu colo.
Logo começou a chover, os vidros da janela começaram a se embaçar e Dona Livi fechou os olhos sentindo a massa da neta.
Ela rezava para que seus pais não a corrompesse; para que seus pais colocassem o amor a cima da cultura.
"Porque quando sua cultura não respeita a humanização, sua cultura não é legal."
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.