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História A Little Bit In Love With You (Ryujin - ITZY) - Yeji's Little Help


Escrita por: Michs_

Capítulo 5 - Yeji's Little Help


Fanfic / Fanfiction A Little Bit In Love With You (Ryujin - ITZY) - Yeji's Little Help



 

  Ryujin se calou e engoliu em seco. Uma cortina gelada e densa escorreu pelo corpo e a fez estremecer.

  Havia escutado direito ou...?

 Vendo em seu interior as várias indagações surgindo, seus lábios se entreabriram algumas vezes, mas não soube encontrar palavras para responder, muito menos como juntá-las para formar uma sentença que fizesse sentido.  

 E, bom, nem que tivesse palavras e se lembrasse de como as conectava numa frase coesa, não adiantaria de nada. 

Depois de ter dito o que disse, Alex não deu tempo nem mesmo ao próprio tempo, e antes de ceder o direito da resposta à garota, a deu as costas e seguiu para a porta em passos decididos e pouco preocupados. Deixou no recinto um sentimento terrivel de algo inacabado, e quando desapareceu dali como se quisesse ser esquecida, deixou também ali uma Ryujin que olhou ao redor um pouco confusa, não entendendo o que diabos havia acontecido ali, por mais que o sentimento de mágoa tivesse ficado claro.

 E assim, uma vez sozinha, seu interior ganhou autonomia para pelo menos dialogar consigo internamente, e num tom assustado o seu coração conversou com a sua mente, que por sua vez tinha um forte tom de aversão. 

Seu peito questionou, inocente, se o que Alex queria não era um agradecimento ou coisa do tipo, já que que só conseguia enxergar aquela opção. E sua mente, maliciosa e ofendida, não entrou naquele tipo de mérito; tudo o que declarou foi a sensação indignada de ter sido destratada num momento onde havia deixado sua guarda baixa. E ali, inflexível, a mente tomou conta de todo o resto e domou todos os seus pensamentos para, ao menos por hora, demonizarem Alex pelo que fez. Afinal, como Ryujin deveria se sentir depois de uma grosseria como aquela? 

 

 Contudo, ainda que fosse uma voz mais baixa e muito menos relevante, existiu um respingo de remorso no seu peito que se recusou a obedecer todos os comandos de auto defesa, e ali ele insistiu em dizer que, por mais que tivesse sido tratada de forma rude, Ryujin sabia que estava sujeita a isso e que talvez merecesse esse tratamento. E, sim, talvez ou com certeza ela merecesse mesmo, sem dúvidas; mas estava longe de se conformar e aceitar tão facilmente.

  Num primeiro momento ela não soube dizer com exatidão o que era aquilo que ela não iria aceitar tão fácil; se era a tentativa de paz ou a rejeição desrespeitosa, mas se tinha uma convicção era de que não deixaria Alex continuar daquela maneira, fosse por bem ou fosse por mal. E se tivesse que usar tudo o que tinha, usaria. 

Portanto, mais determinada do que antes, nem mesmo o remorso foi poupado, e após terríveis segundos olhando para o nada, Ryujin também se dirigiu para fora dali e seguiu seu caminho. Seu peito pegava fogo, seus pés pisoteavam o chão, seus dedos sufocavam a alça da mochila e seus passos eram tão rápidos que poderia alcançar Alex caso quisesse.

  Ela só não queria mesmo.      

  Ao menos por enquanto.

 


 

  [...]



 

                  •Ryujin ON:• 



 

  23:30 



 

  Me joguei na cama com Dallie em meu colo e encarei o teto. Enquanto perdia meus dedos em meio aos seus pêlos, comecei a martelar em minha mente o que aconteceu horas atrás na sala de ensaios. 

  Suspirei.

  Alex tinha mesmo de dificultar as coisas assim? Ela já havia feito seu drama durante o dia, e conseguiu chamar minha atenção o bastante para que eu me dispusesse a ir falar com ela para consertar as coisas. Estava mais que suficiente;  O que mais estava querendo de mim, então? 

  Digo, ela fez tudo aquilo por livre e espontânea vontade, por que diabos estávamos agindo como se eu fosse a vilã da vez? E além disso, ela me tratou daquela... forma. Como teve coragem de ter usado minhas palavras contra mim?! E aquele tom... Ela jamais tinha falado comigo daquele jeito! Sua voz e a maneira que me olhou fez parecer que me desprezava ou coisa pior, muito diferente do que costumava ser. Não era possível que ela estivesse levando aquilo tão a sério... era?

 

  —Ryujinnie! - Adentrando o quarto com os braços erguidos enquanto se espreguiçava, Yeji parou no meio entre as camas para me encarar. -  Já comeu? 

  —Ainda não. 

  Curta e com pouca emoção, respondi tão baixo que ela mal conseguiria escutar se tivesse algum som além do silêncio.

  —Então acho melhor ir logo, Lia vai acabar comendo tudo. - Soltou uma risadinha e também se deitou em sua cama. 

  —Não sei se estou com fome… 

  —Ryujin… - Ela soltou num tom de repreensão. - Você não está mais de dieta. 

  —Eu sei. - Sorri de lado. - Eu realmente não estou com muita fome, dividi um sanduíche com a Chae assim que chegamos da empresa. 

  —Não é o suficiente. Quero que você coma.

  —Okay, mamãe. - Revirei os olhos e apertei Dallie contra meu corpo. 

  —Ah, e por falar nisso… - Yeji bocejou e se ajeitou melhor na cama. - Yuna me contou que você não conseguiu nem falar com a Alex. 

  —O que ela não te conta, não é mesmo? - Ironizei e tentei manter meu bom humor. 

  —É verdade? - Levantou uma sobrancelha e sorriu de lado. 

  —Sim… e ela foi uma grossa, se quer saber! Não pense que ela é tão simpática quanto parece. - Franzi as sobrancelhas e fechei os lábios num bico.

  —Você fez por merecer, Ryujin, vamos combinar. 

  —Escuta, você está do lado de quem? - A olhei ofendida. 

  —Eu não tenho um lado. - Estreitou os olhos para mim e começou a brincar com o próprio cabelo.  

  —Isso é ainda pior! 

  —Não é não. 

  —Você que pensa! - Voltei a encarar o teto. - Que piada... não tenho uma amiga sequer para me apoiar. Como se não bastasse a Yuna colocando a Miss Simpatia num pedestal, agora você.

  —Céus, como você é exagerada! - Soltou algumas risadinhas e depois de algum tempo voltou a falar. - Quando é que você vai tentar de novo com ela? 

  —O que, conversar? 

  —É. 

  —Nunca mais! - Respondi de imediato com determinação, aumentando sem perceber o tom de voz. - Depois do que aconteceu hoje, você não vai mais me ver tentando qualquer tipo de interação com a paspalhona, guarde minhas palavras.

  —E com isso você vai deixar que tudo continue do jeito que está? 

  —Não preciso, tenho plena certeza que daqui uns dias, se não mesmo amanhã, ela vai voltar a agir como se nada tivesse acontecido.

  —Por que acha isso?

  —Ela não vai aguentar a tentação de me importunar, além de que ela é obcecada demais por mim para continuar ignorando minha presença. - Simplória, dei de ombros e tentei me convencer de tudo o que estava dizendo.

  Por isso, Yeji soltou uma única risada, cheia de ar e de dúvida.

  —Em que mundo você vive?! 

  —No real, diferente de você. Mas se por um acaso eu estiver errada, dane-se, eu não me importo e muito menos faço questão...

  Yeji sorriu sarcasticamente e soltou mais uma daquela risada, portanto virei o rosto novamente para o teto e fingi não ter reparado no quão tola ela estava me achando.

  —Se você diz… 

  —E digo mais: - Insatisfeita, levantei um dedo no ar e dei uma boa pausa para deixar meu coração ferido se pronunciar em um de seus delírios. - Aposto cem mil wons que ela virá me pedir desculpas pelo que disse hoje!

  —Okay, Ryujin, vai nessa. - Soltou mais algumas risadas e balançou a cabeça. - Posso saber o que foi essa tal coisa que ela disse que te feriu tanto? 

  —Quem disse que me feriu? 

  —Se não tivesse ferido você não estaria tentando se justificar tanto... - Deu de ombros e eu simplesmente não reagi, muito menos respondi; e por isso ela insistiu. - Anda, diz!

  —Yuna não te contou? 

  —Não, ela disse que você não quis dizer. 

  —Pois é, talvez porque isso não é da conta de nenhuma das duas! 

  Encerrando a conversa de vez, tentei ser o mais grossa possível para sanar as chances dela voltar a falar, e depois de virar as costas e abraçar Dallie como se fosse meu travesseiro noturno, suspirei pela última risada que Yeji deu e me coloquei para pensar ainda mais a respeito de tudo aquilo. 

 

  Por que meu peito estava batendo tanto naquela tecla...? 

  E por que ele doía sempre que a voz dela dizendo aquilo ecoava repetida na minha mente?


 

[...]

 

 

 —A música já está alta assim? 


 

  Com a pergunta de Lia ecoando por entre os sons de batidas e graves do longo corredor do terceiro andar, continuamos a andar sem precisar responder, afinal, não era dúvida que a sala de ensaios já estava sendo utilizada por alguém, e esse alguém com certeza era a Alex. Por isso nós cinco seguimos em silêncio, nos curando da ressaca de sono por conta do pouco tempo que tivemos para descansar; esse que na noite anterior foi ainda menor para mim. 

  Admito que não tive lá a melhor noite de sono, se é que posso chamar de sono - quem sabe cochilo fosse mais apropriado. 

  De tanto que pensei, mal tive a oportunidade de resetar minha mente e repousar minhas frustrações no travesseiro, e por isso meu humor estava ainda pior que imaginei que estaria, afinal, de qualquer maneira eu já iria estar mal, considerando que eu teria de passar as próximas horas ao lado de quem havia me destratado noite passada.

  Naquele momento, nada mais passava na minha mente a não ser o tratamento que recebi; não me frustrei com minha dieta, não me frustrei com as práticas e muito menos cheguei a pensar no que aquele diretor havia dito sobre mim. Tudo o que me angustiou nos últimos dias foi apagado da minha mente, porque ali eu só tinha espaço para a Alex, que pareceu ter me deixado pior que todos os outros juntos.

  Mesmo que eu tenha pensado muito a respeito disso durante a madrugada, minha mente apenas não conseguia encontrar motivo bom o bastante para justificar ela e sua enorme grosseria, e quanto mais eu ponderava, mais raiva eu sentia. Mas eu não soube dizer se a raiva era dela… Em teoria era para ser, mas não me pareceu tão certo assim. 

  Por um momento senti que a raiva mesmo era de mim.

  Mas essa raiva doía… ela incomodava meu peito de maneira que me fazia duvidar qual era o porquê; era porque eu havia recebido de Alex um ataque quando me deixei vulnerável? Era porque deixei que ela falasse daquele jeito comigo e não me defendi no mesmo momento? Era porque alimentei a expectativa de que tudo ficaria bem assim que ela me escutasse dizer a primeira palavra? 

  Eu simplesmente não sabia, e no fundo senti que era até melhor assim. Algo me dizia que eu não teria as ferramentas necessárias para lidar com a suposta razão de forma racional, e mais gatilhos para a minha ansiedade era o que eu menos precisava no momento. 

  Talvez tenha sido por isso que comecei a induzir meu coração a rejeitar Alex enquanto nos aproximávamos. Pouco a pouco fui mastigando e relembrando do que ela havia me dito na esperança de transferir toda a raiva que eu tinha para ela, afinal, imaginei que seria mais fácil se fosse assim. Quem sabe, machucando um pouco mais os meus sentimentos ao lembrar de seu tom insensível, eu poderia conviver melhor com a ideia de que eu e ela não voltaríamos a ter a mesma relação novamente. Ao menos não se dependesse de mim.

  Quem sabe, dessa maneira, a raiva se sobressairia ao iminente sentimento de mágoa e desespero que senti em segundo plano, crescendo timidamente a cada passo que eu dava sem ter uma desculpa que tivesse valor para mim.  

  Quem sabe… 

 

  Me deixei por último na fila para entrar, e com as batidas graves do som me atingindo mais forte por terem enfim aberto a porta, travei a mandíbula e apertei meus dedos por dentro do bolso do moletom, olhando para dentro mesmo que não enxergasse muita coisa com todas elas se mexendo na minha frente. 

  Contudo elas logo se dispersaram para guardar seus pertences, e então eu finalmente enxerguei que era mesmo Alex no canto oposto da sala, entre as grandes janelas e o espelho, repousando as mãos na extensa barra de alongamento e observando pelo reflexo a nossa chegada, sorrindo fraco como forma de cumprimento. Ela estava de preto da cabeça aos pés, com exceção da blusa branca que deixava a gola se perpassar por cima do zíper de seu moletom. Seu cabelo estava solto, não exatamente bagunçado, mas era perceptível que ela estava fazendo algum exercício anteriormente pelas mechas estarem um pouco mais revoltas. 

  Me perguntei se ela esteve sozinha o tempo todo desde que havia chegado…

  

  Não durou muito em minha mente; essa indagação logo se esvaiu quando vi que aqueles pedaços de sorriso na boca dela se findaram quando fui alvo do seu olhar, e talvez, por eu estar a olhando antes que ela sequer me notasse, me pareceu muito incômoda a mudança em sua expressão. Senti um gosto amargo no pé da minha garganta quando vi seu sorriso morrer ao nossas íris se encontrarem, e foi ainda pior quando ela logo desviou a atenção e tornou a olhar unicamente para seu reflexo, despreocupada da tarefa de ter o mínimo de educação.

  Portanto, já com o coração contaminado de rancor, segui até a sala anexa tirando meu moletom no caminho, fazendo tudo em passos pesados e em movimentos indelicados, assim atraindo os olhares receosos das garotas que por sua vez ainda digitavam tranquilas em seus celulares, considerando que tínhamos chegado razoavelmente cedo e tínhamos algum tempo para enrolar. 

  Eu decidi não fazer como elas; além de que eu estaria sujeita a de repente atirar meu celular contra a parede, negociei comigo mesma que iria fazer tudo do jeito certo enquanto estivesse praticando na mesma sala que Alex, para que ela não tivesse sequer o que dizer sobre mim. Afinal, com ela me desprezando daquela forma, não me surpreenderia caso reclamasse para Minji ou Dongsun sobre o meu rendimento, considerando que eu costumava desobedecer algumas de suas ordens quando tudo ainda estava normal.

  

  Decidida, guardei todos os meus pertences com rapidez e descartei meu moletom em cima da mesa, deixando as meninas sozinhas ali para seguir com a minha ideia. 

  

  Alex teria que me engolir, fosse fazendo cara feia ou não.

  

  A música ainda estava alta, as batidas daquele r&b já estavam começando a entrar na minha mente, e, sem pestanejar, me dirigi até onde ela estava, olhando diretamente para seu perfil enquanto ela parecia hipnotizada com a própria imagem, séria como nunca havia sido antes. E então, me colocando ao lado dela - mas longe - também encarei o espelho e segurei firme na barra, tentando extravasar ali algum tipo de energia que me aliviasse.

  Não aliviou.

  Para dizer a verdade, eu mal tive tempo para me esforçar naquilo, porque pouco depois de eu ter chego, vi pelo reflexo do espelho que Alex girou o pescoço devagar e olhou minuciosa para o espaço entre nós, como se a distância a incomodasse; no caso, sua feição fez parecer que eu estava perto demais, e isso fez mais um tremor gelado me atingir a barriga.

  Admito que, embora tenha me sentido bem em vê-la desconfortável, uma certa parte de mim se sentiu ofendida, quem sabe até confusa, e no fim acabei sentindo que fiquei com saldo negativo novamente. 

  Revirando os olhos e me forçando a parar de dá-la atenção, subi meu pé esquerdo até a barra e tentei deixar minha perna o mais esticada possível, deixando que a dor ardida me consumisse. Mas ainda sim, de novo, não durou. 

  Fazendo o total oposto do que eu planejei e me ordenei, meus olhos foram ágeis em seguir os movimentos de Alex ao meu lado, e vendo pela visão periférica que ela havia me lançado mais um olhar desgostoso, passei a acompanhá-la pelo reflexo, já que ela não notaria tão fácil. E desse modo, contragosto mas sem pensar muito a respeito, a assisti baixar o rosto, respirar fundo e soltar o ar pela boca com muito peso, dessa vez segurando tão firme na barra quanto eu, apertando os dedos como se também existisse frustração dentro de si. 

  Franzi o cenho.

  Pouco depois ela aliviou toda a postura que tinha e sem mais nem menos levou a mão até o moletom que usava, aumentando a pressão de seus respiros conforme descia o zíper, dessa vez com tanta força e pressa que, na mais clara visão, parecia desesperada para se livrar da peça. Estranhei muito, tenho que dizer, pois acabou sendo tudo muito repentino, e isso acabou me fazendo perder até mesmo um pouco da posição; aquela maluca estava sufocando ou o que?

  Entortei a sobrancelha e engoli o ar enquanto tentava assimilar a forma como ela deixou o moletom descer pelos braços, e procurando disfarçar voltei a me alongar, levando minha mão da barra para a coxa, apertando meu músculo no falho esforço de diminuir a dor. Todavia, enquanto eu ajustava a posição do meu pé no chão, vi minha atenção ser novamente sequestrada por ela, que depois de ter dispensado sua blusa de qualquer modo no chão começou a pentear o cabelo nos dedos para amarrá-los num rabo, fugindo totalmente de sua costumeira calma e delicadeza. 

  O que estava acontecendo com ela, afinal? Por que estava tão inquieta?

  Sem perceber, fui lentamente transicionando meu olhar do espelho para a olhar diretamente, me sentindo livre para tal provavelmente porque ela estava quase que de costas para mim, focada demais em sua própria insatisfação para reparar no olhar pouco discreto que a dei, de cima para baixo analisando todos seus traços.

  E foi justamente por isso que entendi o porquê de sua aflição. De minúcia, em uma das minhas passagens de olhar pelo seu corpo vi que sua nuca brilhava quando a luz que vinha da janela reverberava em sua pele, e conforme ela continuava a se mexer e a levar para cima as últimas mechas de cabelo, também passaram a brilhar seus ombros e seu colo. 

  Ela estava suando.

  Molhei os lábios e entortei as sobrancelhas enquanto me perguntava que tipo de exercício ela fez para ter ficado tão quente, mas as frases perderam força na minha mente quando voltei a olhar para o espelho, pois acidentalmente minhas íris pararam para olhar a frente do corpo dela no reflexo, e ali me deparei com uma visão completamente diferente dela.

 

  Eu não sei porque eu olhei, não mesmo. E também não sei porque continuei olhando. 

  

  O que sei é que desci e subi meus olhos algumas vezes, contornando as linhas de sua cintura até os limites de sua blusa. Alex estava usando uma blusa mais curta, e uma calça mais baixa também, deixando sua barriga exposta de forma que eu não consegui não olhar; aquela era a primeira vez que eu a via assim, e talvez seja essa a única justificativa para a maneira com que continuei presa naquela visão, esquecendo até mesmo da dor sofrível em minha perna. 

 

  Por um momento Alex pareceu até que… menos chata. 

 

  Com a garganta de repente seca, engoli o ar com dificuldade e o prendi dentro dos pulmões, assistindo a forma como os seios dela subiam e desciam pela respiração pesada, assim como seu abdômen ganhava e perdia definição conforme a sombra mudava de ângulo a cada movimento daqueles mesmos suspiros. Ela tinha até mesmo algumas pintinhas na barriga… 

  Inconsciente, subi a mão de minha perna e a trouxe para meus lábios, brincando com o inferior em movimentos de pinça enquanto decorava aqueles pontinhos em sua pele. Me senti ficar até mesmo séria, dedicada naquela tarefa como se fosse de fato importante, como se aquilo despertasse algo em mim. Talvez curiosidade fosse o termo correto ali… 

 

  Suspirei pesado, lamentando. 

  Não entendi porque fiz aquilo com tanto fervor, mas no fim acabei saindo um pouco do meu introspecto e foquei um pouco mais no que meu corpo estava me dizendo. 

 

  De repente senti como se… estivesse mesmo calor ali dentro.

 

  Sem anunciar nada, uma onda quase que febril de calor surgiu no meio da minha barriga e se espalhou por entre minhas veias, bombeando um sentimento esquisito por todo canto do meu corpo que me fez tremer como se estivesse mesmo com febre. E quando digo que foi uma onda, é porque essa sensação veio, se alastrou, pareceu se acalmar, mas foi aos poucos voltando, oscilando entre me afastar e me puxar como se fosse uma maré de temperatura. E ela me puxava principalmente na região do meu ventre. 

 

  Que diabos era aquilo?

  

  Afoita, procurei apressada o ar condicionado acima de nossas cabeças, mas me decepcionei ao ver que ele já estava ligado. Portanto arfei profundamente e tentei entender se aquilo era algum sinal do meu corpo de que estava prestes a infartar ou se eu só estava ficando louca mesmo. Eu mal havia começado a me alongar, mal tinha caminhado, e se o ar estava ligado e controlando a temperatura como todos os dias, aquela reação do meu corpo só poderia estar prevendo um mau súbito ou coisa do tipo… certo?

  Por automático, fui aos poucos tornando meus olhos para onde eles estavam antes, mas na descida tive uma desagradável surpresa ao encontrar meus olhos com os de Alex, que também pareceu ter um desses olhares involuntários, já que nós duas, ao mesmo tempo, nos repelimos e viramos o rosto para o lado oposto, eu para a direita e ela para a esquerda. 

 

  Talvez pelo susto, senti no pé da garganta uma batida forte e dolorida do meu coração, e tudo o que eu me perguntei enquanto mantinha minha atenção fixa na parede vermelha era se a Alex tinha notado que eu estava a olhando antes. Aquela possibilidade me atormentou no fundo da alma, e por isso xinguei a mim mesma por não ter sido capaz de me controlar, porque no fim, isso com certeza a faria refletir.

  —Que merda… 

  Murmurei baixo e fechei completamente a expressão, olhando para mim mesma no espelho em tom de repreensão, tentando controlar meu coração que agora batia tão forte quanto os graves da música, não parecendo ter previsão de calmaria. 

  Nesse meio tempo escutei e vi pelo espelho as meninas enfim se dispersarem pela sala para se aquecerem, mas ao contrário do que imaginei, o clima não melhorou em nada. Embora em volta das meninas a aura estivesse parecendo leve e descontraída, ali, naquele pedaço de metro que eu dividia com a Miss Simpatia, o ar ficava cada vez mais condensado, como se a troca de energia fosse a mais tensa possível. E, mesmo assim, eu não soube dizer se era uma energia ruim… só era diferente. Um tipo de diferente de tensão… um que eu só sentia em ocasiões específicas. 

  Passando a palma da mão pela minha testa e secando o pouco suor que pareceu ter me contagiado também, fiz o que encontrei à minha disposição e decidi trocar as posições, dessa vez descendo a perna esquerda e levando a direita para cima da barra, apoiando meu calcanhar na madeira e assim me forçando a ficar quase que de costas para a Alex. 

  Contando os segundos com os olhos fechados, tentei acompanhar a letra da música na mente e fui pouco a pouco remediando a alta de pressão em meu corpo, aproveitando a brecha em meus devaneios para voltar ao meu normal. O calor ainda parecia estar ali, pulsando cada vez mais forte como se fosse uma esfera crescendo dentro de mim, mas ainda sim não parecia o fim do mundo; contanto que eu me mantivesse com os olhos fechados, minha pouca serenidade estaria garantida. 

  O único problema era esse. 

  Manter meus olhos fechados se tornou uma tarefa complicada considerando que uma maldita voz no canto da minha mente prosseguia alimentando minha curiosidade, me fazendo lembrar que Alex estava ali, ao meu lado, ainda com o corpo suado e exposto, se mostrando como se não fosse um verdadeiro atentado ao pudor e aos bons costumes. E para piorar, por mais que eu já não estivesse mais olhando, aquela imagem continuou muito clara em meu consciente, e passou a me perturbar tanto que senti que as coisas estavam melhores quando eu ainda estava de olhos abertos. E por isso eu quis me atirar da janela mais perto, ali mesmo do terceiro andar, quem sabe… Bater a cabeça provavelmente me faria esquecer de muita coisa… 

  “Essazinha…”

  Resmungando internamente, me dei por vencida e por fim voltei a encarar a realidade ao meu redor. Olhando para a minha perna pegando fogo - não sei se de calor ou pela imensa dor de ter sido esticada ao máximo -, travei a mandíbula e fui aos poucos me apoiando na barra para descer. 

  No meio, pequei ao inocentemente virar o rosto para conferir se o diabo ainda estava ao meu lado, porque ela estava. Alex já não estava mais na mesma pose; estava de costas para o espelho, com os cotovelos apoiados na barra e o corpo um pouco repousado para trás, tão relaxada que me fez sentir ainda mais raiva. E ela estava olhando para mim. 

  Com o rosto totalmente virado em minha direção, ela parecia estar mais que confortável enquanto me observava já há alguns momentos, mas seus olhos eram tão sérios que me deixaram cismada. De início consegui ver que ela estava olhando para as minhas pernas, e quando ela viu meus olhos, não se importou em trocar de foco e travar aquela conexão. 

  Ali, seu corpo estava agora completamente iluminado pelo sol, junto a seu rosto, que tinha poucas fagulhas cobertas pela franja que caía pelos lados. Com a luz, seus verdes brilharam ainda mais e me queimaram mais que todo o calor que eu estava sentindo, o que me fez fugir de vez dos trilhos. 

  Não me pergunte porque aconteceu, pois pela terceira vez eu não soube explicar nem para mim mesma. De repente, eu simplesmente titubeei em meu próprio espaço ao tentar adivinhar o que ela tinha em mente para que me olhasse assim, e pensar em qualquer caminho possível me fez ganhar mais alguns tremores no ventre. Dali, pelo susto e estranhamento daquela sensação que, apesar de não ser nova era muito mal vinda, meu pé de apoio perdeu a força num súbito de fraqueza, e por consequência me dei um próprio tranco, espasmando num susto que quase me fez perder o equilíbrio.

  Por pouco não caí.

  Diante disso forcei minha perna a descer e só me tranquilizei quando estava com os dois pés muito bem colados ao chão, estáticos e pregados com cola. Minhas mãos seguraram na barra como se eu estivesse prestes a cair, e leves tremores voltaram a me assolar a partir daquele segundo. 

  Que droga havia acabado de acontecer…? 

  Por que a simples indagação sobre o que ela pensava sobre mim me afetou tanto? Por que pareceu que eu me importava, sendo que estava longe disso?

 

  Atônita, olhei para o meu próprio corpo e o perguntei a razão pela qual já não me obedecia mais, e não ganhei resposta alguma. 

  

  Na realidade, a única resposta que obtive foi de Alex, que do contrário que com certeza faria caso estivéssemos nos falando, não tentou me ajudar e muito menos perguntou se estava tudo bem. Vi claramente de canto de olho o modo como ela prosseguiu apática à situação, sem nenhum pingo de emoção, e depois de me lançar um profundo olhar em completo silêncio, se desencostou da barra e não pestanejou antes de sair do meu campo de visão, indo em direção à Chaeryeong como se estivesse, de fato, me rejeitando.

  

  Desacreditada e até mesmo um pouco mais ofendida que antes, mordi a língua e a xinguei dos mais obscenos nomes que tinha na memória. Qual era a droga do problema dela, afinal de contas? O que ela queria com aquilo?

  Aquela… 

 

  —Idiota! 

 

  Xinguei para mim mesma num tom que só eu conseguiria escutar. 

 

  Levantando a cabeça e assistindo pelo espelho aquela dissimulada interação entre ela e Chaeryeong, amaldiçoei aquele horroroso sorriso que ela havia exposto antes delas duas trocarem risadinhas entre si. 

  Meu coração voltou a bater terrivelmente forte; Um dois, três… eu pude até mesmo escutar o som dele contra minha superfície. Doses de veneno foram contaminando minhas veias conforme eu assistia Alex dar assistência à Chaeryeong para alongar os braços, de tão bom humor que mal parecia a mesma pessoa que esteve ao meu lado. 

  Por que ela estava agindo tão diferente comigo…? 

  Eu é que deveria estar agindo assim com ela, inferno! Por que era eu que estava me sentindo tão mal, então?! Por que meu peito tinha sido tomado por aquela sensação de injustiça?!

 

  Ali, cravando minhas unhas na madeira da barra e deixando marcas permanentes no verniz que a dava cor, cheguei a uma terrível conclusão. 


 

  Era uma faca de dois gumes. 

 

  Assim como a Alex, pelo jeito eu também ia ter que a engolir. 

 

 

  Três dias depois




 

   Dez da noite, escorei as costas no banco corino e rangi os dentes na mesma frequência do motor do carro. 

  Com as garotas conversando animadas como sempre, me deixei isolar e continuei carrancuda como nunca. Em meu peito a frustração transbordava como jamais me ocorreu na vida, e por não saber como lidar com aquele sentimento acabei me fechando mais do que eu mesma gostaria. 

 Meu dia tinha sido terrível, assim como ontem, que foi igual à anteontem, que foi ainda pior que o anterior.

 Tudo por culpa dela.

 

  —Ei, e esse bico?

 Se acomodando melhor ao meu lado, Yeji copiou minha feição de modo zombeteiro enquanto ajustava o cinto de segurança. 

  —Não tem bico. - Travei a mandíbula e olhei para fora, desejando que o movimento de carros na rua fosse tranquilo o bastante para que chegássemos logo em casa.

  —É verdade, sua feição é sempre mimada e manhosa assim. - Ironizou e eu somente revirei os olhos como resposta, o que a incentivou a continuar a falar. - Não me diga que isso é porque a Alex ainda não falou com você... 

 

  Sentindo uma pontada desconfortável no peito como se aquele assunto tivesse se tornado um gatilho, cruzei meus braços como uma criança mimada e encarei a rua de novo.

  De fato, Alex não trocou uma palavra sequer comigo. Na realidade, ela não se satisfez com apenas me atingir com seu silêncio, e fez ainda pior ao ignorar completamente a minha existência; ela não falou, não me tocou, não me escutou e muito menos me notou. Tudo de propósito. Bom foi o dia em que quase caí na frente dela enquanto me alongava na barra; ali, apesar de não dito nada, ela havia pelo menos me enxergado. Depois disso, daquele acontecimento, ela realmente fez parecer que eu era invisível.

Grande erro o meu, pensar que ela seria a racional da história. 

  Para ter uma ideia do que eu estava falando, tenha ciência de que nos dois últimos dias Alex acabou agindo da mesma forma como agiu no dia que voltou ao trabalho, isso ainda sendo muito otimista se quer saber. Sem olhares, sem conversas e sem um pingo de consideração ou atenção, foi assim que ela me tratou; tão fria e dura quanto um cubo de gelo. Ela realmente estava disposta a esquecer da minha presença, e eu nunca me senti tão rejeitada na minha vida por causa disso. Afinal, era possível mesmo ignorar a existência de alguém como eu? Um pouco difícil, mas ela estava conseguindo, não faço ideia de como… 

  Okay, eu admito que não fiz muita coisa para ajudar o meu lado. Na verdade, eu não fiz coisa alguma. Embora me sentisse insatisfeita com aquele tratamento, persisti em não a dirigir a palavra também, já que me recusei a receber uma resposta igual à que ela me deu naquela primeira noite.

Portanto, tudo o que me restou a fazer quanto a ela foi a observar incansavelmente, me enlouquecendo cada vez mais por não conseguir me livrar daquela atração quase que automática. Não que eu já não fizesse isso antes, porque fazia sim, mas como eu tinha um pouco mais de tempo ocioso, aproveitei para a analisar sempre que podia, porque bom, eu já pensava nela o dia todo mesmo, então ao menos assim eu conseguia visualizar a razão do meu estresse. Seja enquanto ela estava nos ensinando as novas coreografias, seja quando estava se divertindo com as meninas ou até mesmo quando se mantinha quieta quando distraída com seus infinitos papéis; fiz moradia para meus olhos nela em todos os ângulos e formas possíveis, e no fim de cada um desses olhares, tudo o que eu concluía era que ela continuava sendo extremamente linda. Como ela conseguia fazer aquilo...?

  Mas, bem, uma vez que eu me dediquei tanto a observá-la, acabei percebendo outros detalhes quando eu não estava cem por cento enfeitiçada pela pamonha de olhos verdes; aquele tratamento de silêncio ridículo era mesmo uma exclusividade minha, e só minha. Em outras palavras, Alex continuava a tratar as garotas como se conhecessem há anos, já eu, era como se nunca tivesse chegado a me ver em algum momento de sua vida. Como ela conseguia não demonstrar nem um pouco de afetamento por não estar bem comigo? Como conseguia fingir tão bem que não tinha mais interesse em mim? Céus, que coração duro ela tinha… Por um momento cheguei até mesmo a cogitar a possibilidade de ela realmente não ter se afetado.  Mas não… Não poderia ser…  Poderia? 

  Esperei mesmo que não...

  Por último, mas não menos importante, é válido comentar sobre aquela coisa esquisita que nasceu dentro de mim conforme aqueles dias se  passavam; parecia um pouco a sensação que senti quando vi Alex conversando com Namoo noutro dia, mas felizmente não era tão forte, mesmo que fosse perdidamente incômodo. Quando eu a via dançando com Chaeryeong, conversando tão animadamente com Lia e Yeji, ou até mesmo entrando na onda e rindo das gracinhas de Yuna, passei a me sentir um pouco… estranha, e com estranha eu quero dizer que estava meio que... sentindo um pouco a falta de interagir com ela também. Não que eu me orgulhasse disso, pois era totalmente o contrário, mas com certeza foi algo que eu não quis ter demonstrado para mais ninguém; não estar cem por cento a vontade nos horários de intervalo, almoço e descontração foi tão terrível quanto ter que escutar algo do John Mayer, e infelizmente eu deixei que essa frustração ficasse clara na minha feição.

Eu estava longe de ficar feliz. Ela estava me forçando a ficar longe dela.  

  Certo, isso acabou soando muito exagerado, até porque minha relação com ela estava longe de ser tão evoluída como a que ela tinha com as outras; era mais centrado em nossas picuinhas internas e provocações aleatórias, mas mesmo assim eu ainda estava sentindo falta disso, e conforme as horas se passavam e ela não dava sinais de que voltaria ao normal, passei a ficar cada vez mais para baixo e sem expectativas.

  Por um momento, desejei que ela voltasse a me olhar com desprezo como fez naquela manhã, ou que me dirigisse uma correção ácida ou uma provocação clara. mesmo que todas essas opções fossem ruins, ainda eram melhor que ser totalmente ignorada. Pelo menos, quando me rejeitou, Alex olhou nos meus olhos....

  

  —Quer parar com isso? - Desviei de seu toque e voltei meu olhar para as ruas. 

  —Eu te disse, não disse? Que não ia funcionar… - Soltou uma risadinha parecendo estar se divertindo muito com a situação.

  —Não disse não. 

  —Bom, eu dei a entender. - Se aproximou um pouco mais de mim no banco. - O que vai fazer agora? 

  —Nada, oras… 

  —Vai deixar a situação do jeito que está, então? 

  —Eu não tenho muitas opções, tenho? 

  —Você tem várias… - Deu de ombros. - E é uma pena, porque a Alex vai ficar chateada… 

  Sem conseguir me conter ou pelo menos parecer menos interessada, virei meu rosto inteiramente e encarei Yeji de frente.

  —Por que ela ficaria chateada? 

  —Porque, sabe… - Adotou uma expressão infantil e provocativa. - Talvez ela tenha me dito que sente falta de conversar com você…

   Puxei o oxigênio com força para dentro depois de ter sentido ele todo ter escapado junto ao solavanco forte em meu peito.

  —Mesmo? - Arqueei uma sobrancelha, procurando manter minhas expectativas baixas e encarando Yeji de cima abaixo à procura de provas de que estava mentindo. 

  —Sim. - Pegou seu celular e começou a checar suas redes sociais, não adicionando nada mais depois e me fazendo frustrar pela expectativa.

  —Quando foi que ela te disse isso? - Girei mais o meu corpo, balançando um pouco conforme o carro corria pela avenida.

  —Ontem, acho... 

  —E como?

  —Como ela me disse isso?

  —È.

  —Com a boca, oras... - Rindo para o próprio celular depois de eu tê-la assassinado com o olhar, Yeji desligou a tela do aparelho e me encarou em meio a pouca iluminação que tínhamos ali. - A gente estava no sofá, conversando, te assistimos praticar por um tempo e eu achei uma brecha para perguntar sobre o que ela achava dessa situação. 

  —E...?

  —Ela não foi muito honesta no começo, mas depois que eu disse que você estava irritada ela se abriu e...

  —Você me entregou?! - A interrompi num tom mais alto.

  —Ryujin isso está mais do que claro, não é segredo nenhum, por favor. 

  —Mas... 

  —Eu posso continuar a falar?

  Nos encaramos por longos segundos, então mordi a lingua e a dei o braço a torcer.

  —Pode... 

  —Ela disse que não poderia agir como se a mágoa dela não estivesse ali, mas disse que estava sendo bem difícil. 

  —Difícil? - Soltei uma risada irônica. - Ela mal me olha!           

  —É, mas você sabe mais do que ninguém que nem sempre agimos de acordo com o que sentimos, não sabe? - Me olhou de cima abaixo com um tom de acusação. 

  Cerrei os olhos e fiquei por alguns momentos atuando como se estivesse prestes a respondê-la a altura, mas no fim não fiz nada disso. Infelizmente Yeji estava certa.

 

  —Hm. - Contrariada, endireitei as costas e retornei meu olhar para a rua de modo um pouco esnobe, tentando manter minha postura enquanto ponderava se deveria me sentir bem ou não com aquela informação. - O que ela espera que eu faça com isso, afinal? Só está conseguindo me deixar com ainda mais raiva... 

  —Não sei se é ela que está esperando algo... Mas o seu comportamento atual não tem trazido muitos resultados, não? 

  —Ele tem, sim!

  —Só não são os que você quer, não é? - Zombou. 

  —Eu não quero nada, e também não espero nada. Não dela. - Me deixei formar mais um bico e continuei a encarar a rua, reconhecendo o caminho que antecipava a rua do dormitório.

  —Bom, a decisão é sua. Se quer continuar assim, continue. - Pela visão periférica a assisti escorrer as costas pelo banco e cruzar os braços como quem está prestes a tirar um cochilo. - Mas você só vai ter um resultado diferente quando começar a agir diferente.

 

 

  Sei muito bem o que Yeji queria ao soltar aquela frase de maneira tão despretensiosa. E funcionou exatamente como ela esperava. 

  



 

[...]

  

 

  No dia seguinte:


 

  09:10 

 

  

  —Onde está a Alex? 

  Ouvi Minji perguntar para Suk ao ensaiar ir embora. 

  —Acho que foi buscar algo na sala do Dongsun.

  —Oh… - Balançou a cabeça um pouco e segurou firme na maçaneta. - Mais tarde venho para trazer o almoço de vocês, meninas. - Avisou num tom mais alto e saiu dali após todas termos concordado e agradecido.  

  —Ei, você não trouxe uma calça na mochila? - Lia perguntou logo depois enquanto nos alongavamos, reparando que eu continuava usando shorts.  

  —Esqueci. - Fingi estar decepcionada comigo mesma e balancei minha cabeça em negativo. 

  —Tome cuidado para não se machucar, então. - Deu leves batidinhas com a mão em meu ombro e se afastou para pegar sua água. 

  —Okay. - Respondi baixinho e continuei a me aquecer.  

  Momentos depois, Alex voltou para a sala e eu baixei o rosto, escondendo o sorriso cúmplice que dei a mim mesma conforme terminava minha tarefa. 

  —Bom dia, bom dia... - Ela comunicou com a voz um pouco mais séria que o de costume.

  Por isso esperei que ela passasse por mim e discretamente a observei. Parecia ligeiramente mal humorada com os lábios num bico mimado e as sobrancelhas arqueadas. Será que alguém havia feito algo pra ela...?

  Pensativa, voltei a me concentrar em meu alongamento e aos poucos fui tornando a sorrir quase que sem nem perceber. Estava animada com uma ideia que sequer tinha dado continuidade ainda. 

   Mas eu já tinha começado, claro. Naquela manhã, meu único intuito era fazer com que Alex não tivesse outra escolha a não ser voltar a agir como a miss simpatia que sempre fez questão de se mostrar ser, até porque era o que ela mais queria, não é? Então eu a daria a oportunidade para se mostrar para todas as pessoas daquela sala e de quebra ainda conseguiria a atenção que eu tanto estava desejando. 

  Portanto, minha primeira ação começou por 'acidentalmente' não trazer uma troca de roupas, e por consequência só ter à disposição o shorts em meu corpo para praticar. Com isso, era só esperar que as coisas acontecessem por si só. Uma hora ou outra Alex iria ceder à sua natureza, mesmo que isso significasse ir contra toda aquela greve de silêncio. Talvez eu só precisasse ter um pouco de paciência, quem sabe...

 

Dito e feito, até ali tudo ocorreu como eu planejei: Alex adiou duas, três vezes o início do exercício com a desculpa de que ainda não estávamos prontas, certamente porque eu ainda não estava vestida de acordo com o que ela queria, mas eu fui a única a fingir normalidade ali. Me mantive a disposição todo o momento, brincando com meu próprio reflexo no espelho conforme relembrava os detalhes da coreografia em meio a dancinhas infantis, ignorando completamente o clima esquisito que começou a pairar por ali. Se ela não me questionasse diretamente sobre aquilo, continuaríamos assim.

   Portanto continuamos. Reconheço o empenho de Alex em ter persistido a não me dirigir a palavra, mas delicioso foi perceber que em um daqueles momentos ela me lançou um olhar intenso enquanto trocava meias palavras com Lia ao fundo da sala. Certamente imaginou que eu não estava a observando já há bastante tempo pelo espelho, e por isso me direcionou uma atenção que se focou em sua maioria em minhas pernas, onde percebi que era disso que as duas estavam falando, pois Lia também olhou. 

  E uma vez que ela me agradou com aquela percepção, me senti ainda mais disposta a deixá-la sem escolhas, onde ela demorou mais um pouco, mas se rendeu aos nossos prazos apertados e enfim deu início à prática de 24HRS. Em seguida, após mais ou menos uma hora de energia gasta na bside, ela nos permitiu focar no detalhamento de Wannabe e o break dance começou a nos prender em intermináveis repetições para que alcançássemos o nível necessário de sincronização. 

  Naquele espaço de tempo ela não me olhou mais, ao menos não que eu tenha notado, e eu me esforcei bastante para tentar notar algum relance de importância que ela pudesse me dar, mas não. Ela continuava relutante, ignorando meus erros propositais ao sempre desviar o olhar, não respondendo às minhas eventuais reclamações ao vento, não demonstrando afetamento mesmo que eu já nem estivesse mais ligando para disfarçar os mais intensos encares a ela sempre que podia.

  Ela era uma ótima atriz, com certeza.

  Todavia eu era mais, muito mais.

  —Cinco minutos, meninas. - Respirando fundo enquanto encarava o chão, Alex levou as mãos à cintura e recostou o quadril em sua mesa, se mostrando pensativa conforme as garotas agradeciam pela pausa para descanso.

  Assim sendo, recuperei meu fôlego e me sentei ali no chão mesmo, esticando as pernas e forçando um pouco a respiração para parecer mais cansada do que de fato estava. Murchando os ombros, suspirei como uma criança manhosa, baixei minha cabeça e esbocei um pouco de dor em minha feição, não demorando muito para começar a massagear meu joelho com a palma da mão. Disfarçadamente olhei para Alex; até agora nada...

  Comprimi os lábios, dobrei o joelho e continuei fazendo carinho em mim mesma. Então a olhei de novo; nada. Murmurei baixinho uma palavra de dor, bufei, arqueei as sobrancelhas... De novo, zero reação. Alex agora estava com o rosto levantado, mas observava fixamente Yeji beber água e se exercitar ao mesmo tempo; sua mão direita subiu de sua cintura e passeou pelas mechas de cabelo, em seguida desceu para a nuca, traçou arranhões pelo seu colo e tornou a subir nos mesmos movimentos repetidamente, me fazendo até mesmo perder um pouco a rédea do que estava tentando fazer. O que ela estava pensando enquanto fazia aquele tipo de carinho em si mesma, ainda mais olhando para a Yeji...?

  O que ela tinha que eu não tinha?

  —Oh, está doendo?!

  Surgindo quase que de lugar nenhum, Chaeryeong se abaixou tão rápido ao meu lado que espasmei e arregalei os olhos por um momento, levando a mão ao coração enquanto ela sorria, parecendo achar graça da cena.

  —Sim, está! - Murmurei entredentes, massageando o peito e aos poucos voltando ao meu normal.

  Pela visão periférica, vi Alex voltar a se movimentar, dessa vez se aproximando de Yuna para ensiná-la algo em frente ao espelho, novamente não se importando comigo.

  —Vamos, me deixa ver… - Chaeryeong afastou um pouco minha mão para olhar a região onde eu supostamente deveria estar sentindo dor, e com a ponta dos dedos me fez um carinho preocupado. - Está bem vermelho.

  —Aw… - Fingi uma careta e balancei a cabeça em negativo. 

  Pobre Chae... me senti ligeiramente culpada por fazê-la se preocupar com o mais puro suco do meu fingimento, mas na realidade eu só conseguia me sentir bem, sabendo que ela não apenas havia comprado minha ideia, mas que também estava me ajudando a parecer mais crível por tabela. Eu amava ela... 

  —Francamente, você tinha mesmo que esquecer sua calça?! - Me deu um tapinha no braço. - Vou começar a trazer duas na minha bolsa a partir de hoje, apenas para garantir.

  Por ela ter elevado um pouco seu tom de voz, Yuna acabou escutando e se virou para nós com rapidez (já que felizmente ela era uma grande curiosa), por consequência fazendo com que Alex também nos olhasse numa pura influência de todo o drama. E, bom, mesmo que fosse apenas através do espelho, eu já havia conseguido em partes o que queria, pois aquelas íris esverdeadas subiram e desceram por mim com pouca emoção, mas com uma demora que demonstrou que pelo menos ela havia notado minha suposta condição, e isso por enquanto bastava.

  Eu queria saber qual seria sua atitude a partir daquilo.

  —Não foi por querer, Chae… - Tratei de melhorar ainda mais minha feição de dolência, retribuindo o olhar de Alex por uma fração de segundo apenas para que ela me visse assim e de quebra se arrependesse por estar tratando tão friamente uma garota muito debilitada pelo esforço nas práticas. - Mas está mesmo doendo.

  Mordi o lábio inferior e olhei de novo para Alex, me surpreendendo por ver que ela ainda estava fixa em mim; seus olhos estavam baixos, observavam com atenção a vermelhidão em meu joelho, mas ela logo me percebeu e voltou a subir as íris, estabelecendo entre nós uma conexão contragosto e muito tensa. Através do olhar a perguntei até quando ela iria me negligenciar assim, e friamente ela me respondeu que eu teria que me contentar com o socorro de Chaeryeong. Sem mais nem menos, me deixou suspensa naquela conversa e tornou a ignorar a situação, chamando a atenção de Yuna de volta para a memorização.

  –Você é impossível, Ryujin. - Chaeryeong se levantou ainda parecendo indignada com meu esquecimento, mas então simplesmente andou em direção de Yeji e Lia para se adicionar à conversação como se nada tivesse acontecido, sendo mais uma a me deixar sozinha ali, com uma grande interrogação na testa. 

  Qual é, ninguém mais ia demonstrar preocupação comigo?

  Insatisfeita, acompanhei os passos dela com atenção, pois afinal, ela deveria ter ficado um pouco mais para me ajudar naquela situação. Quanto companheirismo...

Imersa na indignação, coloquei meu cabelo atrás da orelha e suspirei ainda mais forte na espera de que um certo alguém viesse ao meu socorro assim como havia feito semanas atrás. Mas pelo jeito não ia mesmo acontecer.

  O que eu precisava fazer para que ela tivesse uma atitude de verdade? Deveria torcer o joelho, quebrar um osso, me cortar?

  Céus...

  —Aqui, Ryujin, toma.

  Assim como Chaeryeong, uma silhueta se materializou do meu lado direito e quase me matou de susto pela segunda vez no dia. Dessa vez era uma voz masculina, e ao subir meu rosto para conferir me deparei com Suk, sorrindo tímido e me oferecendo o que parecia ser um... pedaço de pano, talvez?

  —Oh... o que é? - Estranhando a situação, aceitei com um pouco de receio e girei o tecido elástico para o analisar.

  As vezes eu me esquecia que Suk estava a todo tempo ali na sala com a gente. Não que eu fizesse por mal, mas ele sempre ficava tão quieto e isolado que era inevitável levá-lo como personagem relevante. Eu só reparava nele quando Alex ou uma das garotas interagiam com ele.... era errado da minha parte? Não sei...

  O que sei é que ele com certeza estava me observando anteriormente para vir oferecer aquilo, e isso sozinho já era mais que esquisito. Então, não, eu não deveria me sentir mal por ter aquele tipo de ideia sobre ele.

 

  —É uma joelheira. - Ele apontou e levantou as sobrancelhas. 

  —Oh… - Comprimi os lábios, tentando ao máximo não parecer desgostosa ou coisa do gênero.

  —Para você usar no joelho, sabe...

  —Eu jamais teria chegado nessa conclusão sozinha, ainda bem que você explicou para que serve, Suk. - Ironizei com um humor declaradamente ácido.

  —É, e essa é feita apenas de pano, acho que não vai te atrapalhar na dança… - Sem perceber o sarcasmo, ele continuou a falar animado. - Uso ela sempre que venho trabalhar de bicicleta, funciona mesmo! Mas ela é um pouco difícil de ajustar, então precisa de um pouco de habilidade. 

  Soltei o ar pesadamente pela boca e olhei para a joelheira com grande desânimo. Não era exatamente o que eu estava precisando… 

  —Obrigada, Suk. - Sorri falsamente. - Muito gentil da sua parte. 

  —Se quiser posso te ajudar a colocar, sou bom com isso.

  Não leve a mal, Suk sugeriu num tom solícito e eu não acho que ele tinha outras intenções por trás da frase, mas foi inevitável para mim não fitá-lo como se estivesse a um passo de chamar as autoridades. Quanta ousadia...

  Depois que arqueei a sobrancelha e chamei meu olhar feio de uma resposta por si só, Suk pareceu ter entendido bem o recado e não tardou a se curvar numa espécie de despedida e voltou às pressas para o canto onde sempre ficava. Ele com certeza tinha medo de mim, e para o bem dele deveria ter mesmo... 

  Soberba, levantei o queixo por pura satisfação de ter saído por cima e descartei a joelheira no meio de minhas pernas, apoiando as mãos no chão para inclinar meu corpo um pouco para trás. Eu não queria ter que usar aquilo, porque certamente iria sim me atrapalhar e eu nem ao menos estava precisando para começo de conversa… seria muito mal educado da minha parte me livrar daquilo sem que ninguém percebesse?

  Entediada, comecei a balançar meus pés enquanto me colocava a pensar, tentando imaginar o que mais eu poderia fazer ali, ou qual deveria ser o meu plano B agora que Suk havia aparecido com a solução que eu definitivamente não pedi...

  Enchi as bochechas de ar e continuei movimentando meus olhos, intercalando entre Alex, meu joelho, meus pés, a joelheira... Assim os segundos foram se passando, e com o silêncio quase que forçado a mim procurei por uma alternativa cabível. E, acredite ou não, vasculhando minha memória recente eu consegui encontrar. 

  Depois que olhei para Alex pela milésima vez na manhã e me concentrei em a assistir ensinar Yuna, notei que em alguns segundos ela me olhou de volta por pura coincidência, mas que também olhou para a joelheira entre as minhas pernas, e isso me deu uma grande ideia. Quando me olhou como quem parecia se perguntar se eu ia fazer algo com aquilo ou não, percebi que, sim, algo seria feito. Mas era ela quem ia fazer. 

  Como eu disse antes, ou seria por bem, ou seria por mal.

  Nos minutos seguintes, me foquei em esperar em silêncio para o momento ideal, ora ou outra me entretendo com as piadinhas de Yuna ou com a paisagem de prédios vinda da janela para manter meu comportamento normalizado, e então, quando Alex parou de conversar com as garotas e se sentou sozinha em sua mesa, vi ali a minha chance de agir.

  Demorei apenas mais alguns momentos a partir dali, olhando para ela de costas e esperando que relaxasse por completo, para que assim eu a pegasse um pouco mais fácil. Portanto, com calma me levantei e, tendo a joelheira em mãos, me dirigi também até a mesa com muita calma, fazendo o possível para parecer natural quando me coloquei ao lado dela. 

  Alex estava respondendo mensagens em seu celular quando me aproximei com meus passos insinuantes e lentos, e apesar de eu sido terminantemente intensa na maneira como a fitei, ela não parou de fazer isso mesmo quando cocei a garganta para simbolizar minha presença ali. Antes, por muito menos ela já teria abandonado toda e qualquer tarefa para me dar atenção, e agora, que pela primeira vez em dias eu estava a comunicando diretamente que era com ela que eu queria falar, ela se fazia de difícil. Que grande piada, Alexia...

Revirando os olhos, bufei um pouco impaciente pelo desagrado e virei de costas para a mesa, ficando quase que frente a frente com ela se suas pernas não estivessem esticadas por debaixo dela. Mas sem me abalar deixei a relutância de lado um pouco mais, e segurando nas bordas da mesa, me apoiei e num pulinho habilidoso me sentei ali em cima, logo começando a balançar as pernas para ensaiar normalidade. Parecendo incomodada mas não o bastante para me dar o crédito, vi Alex discretamente olhar para apenas as minhas coxas acima de sua preciosa mesa, onde não demorou mais que dois segundos para voltar à digitação no celular. Agora, livremente a olhando sem ter um traço sequer de ressalvas, inclinei a cabeça um pouco para o lado e tentei espiar a sua conversa, me perguntando quem era a pessoa que estava fazendo ela esquecer até mesmo de que os cinco minutos de pausa já haviam passado, mas infelizmente leitura de ponta cabeça não era lá um grande forte meu, portanto tive que me contentar com a amargura da curiosidade.

  —Ham… - Sem nem saber o que queria dizer, me forcei a improvisar algo apenas para tentar uma mera interação que fosse. -  Alguém importante?

  Alex juntou as sobrancelhas em estranhamento, mas não tirou os olhos da tela para me responder. 

  —Não.

Aquilo foi tudo o que ela disse, e embora tenha sido mansa em seu tom, ainda me incomodou demais pela simplicidade. Ela nem ao menos queria saber o porquê de eu ter perguntado isso? Mesmo? 

  Prendi o lábio entre os dentes e viajei com meus olhos pelo corpo dela para me distrair. Em relação à gosto para roupas, Alex tinha uma dualidade muito visível; em certos dias ela se vestia de modo mais elegante, enquanto em outros ela simplesmente chutava o balde e se vestia como uma adolescente rebelde. Eu gostava de acompanhar essas mudanças conforme os dias se passavam, e eu sempre chegava à conclusão de que, de qualquer forma, ela continuava mais do que atraente. Era até um pouco frustrante, tenho que reconhecer, porque passei a torcer todas as manhãs para que ao menos uma vez ela aparecesse feia ou desleixada, mas nunca aconteceu… qual era a dela, hein? Ou melhor, qual era a minha? Por que diabos eu perdia tanto tempo pensando nisso? 

  —Você… - Deixando aquela questão para depois, molhei os lábios e levantei um pouco meu queixo para não parecer tão passiva, mais uma vez não me dando por vencida. Eu já sabia muito bem o que queria. - Pode me ajudar…? - Continuei segurando na borda da mesa com a mão esquerda e estendi a joelheira com a direita depois de completar a pergunta com meu tom cheio de manha e chantagem. Alex não me olhou de imediato, mas um pouco depois, assim que seus olhos subiram de encontro aos meus, fiz questão de adotar um olhar pidão e fingi que ainda estava sentindo dores em meu joelho. - Por favor.

  Séria como nunca, Alex se fixou a mim como se tivesse o direito de fazer meu estômago voar, e cética quanto a minha dor prosseguiu discutindo através das faíscas do seus verdes com os meus castanhos. Mas eu tinha usado as palavras mágicas no meu mais chantagista tom de voz, e nem mesmo ela seria capaz de me desvalorizar por isso; até porque ela me mostrou que sabia que eu poderia ter pedido ajuda para qualquer um ali, mas a escolhi como minha primeira opção não à toa. Por isso eu concluí a conversação com um ligeiro levantar de sobrancelhas e um molhar de lábios que jogava nela toda a responsabilidade; ali, além de ser uma Ryujin pedindo algo à Alex, era uma idol pedindo assistência à sua coreógrafa no periodo de trabalho, e ela não poderia ignorar.

  Então, finalmente, ela se deu por vencida. 

  Desligando a tela do celular e despejando o aparelho na mesa, ela lentamente se levantou, afastou a cadeira para termos mais espaço e estendeu a mão com a mandíbula completamente travada. 

  —Me dê. - Pediu com a voz estável e paciente, mas seu tom foi tão imperativo que eu fui incapaz de pensar para entregar a joelheira, eu apenas fui e entreguei de bandeja, tão passiva que jurei ter perdido a cabeça.

 

  —Aqui... - Proferi baixinho, decaindo meus olhos para as suas mãos tateando o elástico, desprendendo os velcros como quem tem raiva.

  E depois, com muita presença ela se colocou de frente para mim, de queixo erguido e olhos baixos como se quisesse mostrar que nem assim iria me olhar devidamente. Seus olhos estavam em minhas pernas, mas não parecia ser por falta de opção... 

  —Me dê sua perna agora. - De novo, incapaz de pensar com minha própria cabeça, obedeci sem pestanejar e ergui em sua direção minha perna direita, olhando para seu rosto sem sequer piscar para tentar descobrir qualquer traço de reação dela. Mas Alex não fez absolutamente nada; nem ao menos mexeu as mãos. - A outra perna, Ryujin. - Seu tom se tornou um pouco mais ríspido dessa vez, e assim seus olhos subiram cortantes até os meus.

  —Oh…

 Soltei um murmúrio abobalhado sem nem mesmo perceber, dividindo minha atenção entre aquele olhar tão intimidador e meu julgamento interno, pois afinal, eu havia me esquecido que a perna machucada na verdade era a esquerda. Por isso, soltei uma risadinha constrangida e timidamente troquei as pernas, estendendo a esquerda conforme rezava para que não tivesse estragado tudo. E bom, apesar de desconfiada, Alex apenas bufou discretamente e se aproximou um pouco mais. Sinal de que, até ali, estava tudo bem. 

  Mas, realmente, foi só até ali. Quando ela se aproximou de mim, quase que indiretamente afastei minha perna direita para a dar um pouco mais de espaço, e assim que senti a sua mão tocar minha coxa tornei a segurar com as minhas duas na borda da mesa, procurando algum tipo de apoio devido o terrível arrepio que me atingiu logo de cara. 

 A mão dela estava quente, e segurando no verso da minha coxa apertou forte a minha pele, me ajudando a me manter na mesma posição pelo tempo que fosse precisar. Como um precipício meus olhos caíram para conferir seus movimentos, e num sopro soltei todo o meu fôlego contra ela para buscar algum tipo de calma. Quanto mais seus dedos continuavam a me apertar, ora subindo, ora descendo para ajustar a joelheira, mais eu fechava meu punho em volta da madeira, sentindo algo parecido com um redemoinho crescer no pé da minha barriga que definitivamente não era ruim, mas era de se alarmar.

E então, enquanto eu praticamente me via mais atingida que nunca por um simples contato, me surpreendi ao assisti-la me presentear com um carinho no joelho. Foi simples e também não demorou muito, mas a forma como ela passeou com as costas dos dedos ali e depois finalizou deslizando o polegar pela região vermelha, me transmitiu um traço de doçura que me afetou tanto quanto o seu toque mais firme. O mais curioso era que, certamente, se eu não estivesse olhando nem ao menos teria reparado, mas eu reparei e senti muito bem a reação que meu corpo teve, e embora eu odiasse admitir, acabei achando muito fofo de sua parte.  

  Tanto que, no fim, parando bem para pensar, não foi lá uma surpresa de verdade; aquele tipo de afeto era exatamente o que eu poderia esperar dela, e me senti ligeiramente bem por saber que ela não me privou daquilo.

  Para ela não parecia ser grande coisa, tanto que continuou sua tarefa sem muitos desvios ou enrolações, mas comigo foi diferente. Além de ainda estar presa no carinho adorável que me fez no joelho, comecei a pensar que seus dedos eram tão delicados e sutis que me causaram uma série de pequenas sensações, e eu nem ao menos soube distinguir quais eram. E tão na cara quanto dizer que um mais um é dois, passei a maior parte daquele tempo a observando, assistindo sua tarefa de me vestir como quem está hipnotizada. Eu subia, descia, admirava, ponderava... 

  Primeiramente, Alex segurou a região de meu tornozelo com a outra mão para a ajudar no processo, mas logo que começou a regular os velcros, seus dedos deslizaram por mim e escorregaram perigosamente até que estivesse próxima da região interna da minha perna, e isso me enlouqueceu por dentro. A sensação de ter sido tocada ali me pegou tão de surpresa que senti minha garganta fechar e prender todo o ar dentro de mim, em contra partida também me dando a impressão de que eu tinha perdido o fôlego, o que me fez rir por dentro, completamente incrédula pela ironia.

Foi uma sensação de "quase" na mais pura forma, e aquilo era deliciosamente ruim, tanto que tremi de jeito vergonhoso. E como mera consequência daquilo que eu não pude controlar, Alex acabou me apertando ainda mais com a mão, e de novo, me fez tremer como se estivesse tendo uma seção febril de calafrios. Com certeza, se ela continuasse a me apertar, eu continuaria a vibrar, e nisso poderíamos perder o dia inteiro naquele ciclo sem fim. Ela tinha que entender que eu não conseguiria me manter parada naquela pose enquanto ela também não parasse, e infelizmente isso acabou se transbordando em mim, onde todo aquele agrado foi explicitado com apenas um ato meu.  

  Tentando de alguma forma me atingir menos com aquilo, decidi subir os olhos para que a visão não potencializasse o efeito, mas me arrependi profundamente ao me deparar com aquela feição tão dedicada. Ccom aqueles olhos tão lindos se voltando unicamente para a minha pele exposta, me senti tremer ainda mais internamente, de repente me tornando insegura por me lembrar que ela estava mirando e tocando uma das minhas maiores vulnerabilidades.

  Eu nunca quis tanto poder ler mentes quanto quis naquele momento; me senti morrer pela curiosidade de saber o que ela estava pensando, se perguntando e concluindo sozinha, agora que a pauta muito provavelmente era eu. O que ela estava sentindo me tocando? Tinha percebido a minha reação em cadeia contra sua pele também? E se sim, viu como algo bom ou ruim? 

  Será que ela queria fazer de novo tanto quanto eu quis que ela fizesse?

  Arfei fraquinho, me esforçando muito para pelo menos nisso não ser tão explicitamente idiota e afetada. Depois de uma pequena voz dentro de mim ter desejado que ela subisse um pouco mais a mão, comecei a imaginar muitas coisas mais que, com ela me tocando, fazia tudo parecer muito mais real e palpável. E quando ela de fato subiu mais a mão para ter mais apoio para regular a última faixa, terminei me arrepiando da cabeça aos pés e sendo seguida por um suspiro tão sonoro e cheio de vontade que, certamente, até as garotas teriam escutado se não estivessem mais ocupadas fofocando em outro canto. 

 Era um tipo de tensão diferente do que eu estava acostumada, e o pior era que a Alex obviamente viu e ouviu muito bem tudo aquilo sair de mim. Engoli em seco quando ela, ainda manuseando a joelheira, subiu seus olhos até os meus parecendo estar pensando sobre isso. Seu olhar não era desdenhoso, mas estava longe de ser meigo ou caloroso; Só o que senti foi sua intensidade, e sem tirar nem por, naquele mesmo segundo presenciei um tipo específico de calor me atingir na parte mais baixa da barriga.  É claro que ela iria pensar sobre isso... não havia mais ninguém além de nós, mais nada ao nosso redor, nenhuma outra coisa que me faria ter tido aquela reação que não fosse sua mão pegando fogo.

  Morrendo de medo e de coragem continuei me recusando a ser aquela que quebraria a conexão de olhares, e quase que no meu instintivo anseio movi a mão direita até que estivesse próxima da dela, e então delicadamente toquei na ponta de seus dedos, a mostrando que tinha uma pequena dobra atrapalhando o aperto do velcro. Após, ainda que ela tivesse entendido e consertado o problema, não tirei minha mão da posição; naquela altura do campeonato eu já nem estava mais a tocando, estava apenas fazendo presença, a guardando como se estivesse a intimidando a não sair dali sob nenhuma circunstância, e eu estava totalmente de bem com a ideia. E por fim, quando ousei trocar o foco por um mero segundo, desci minhas íris e fitei seus lábios.

 Eles estavam fechados, pareciam bravos comigo, mas não falharam em me atingir como um soco no estômago. Olhando para eles, senti aquilo que estava culminando no meu ventre entrar em ebulição, e sem sequer querer saber o porque daquilo persisti vidrada, imaginando se ela tinha passado algo neles para que parecessem mais avermelhados que o de costume...

  Por pura influência daquele fervor no meu ponto mais baixo, inconsciente e discreta molhei meus lábios com a língua e finalizei prendendo o inferior entre os dentes, não me dando o trabalho de procurar um motivo pelo que fiz; eu só... fiz. Mas... sendo muito honesta, acho que no fundo eu sabia o porque de ter feito; eu apenas não estava preparada para ser suspensa naquela conclusão, pois com certeza a resposta não seria a solução, e sim mais um problema. Ali, eu já tinha problemas demais para me preocupar.

 Pigarreando fraquinho, aos poucos voltei aos seus verdes já sabendo que eles haviam me assistido fazer tudo aquilo, mas diferente do que imaginei, eles não pareciam ter gostado. Agora, assim como sua boca, seus olhos também pareciam bravos comigo. 

  Estranhando, aos poucos também fui transformando minha feição e demonstrei não estar mais captando a situação. Eu tinha feito algo de errado...?

  Sem eu sequer ter tido a oportunidade de elaborar, de repente tudo virou de cabeça para baixo. 

  O silêncio que até então parecia reconfortante o bastante para que não incomodasse, se tornou denso e muito passivo de pensamentos confusos e conflitantes, e sem ter tempo de assimilar toda a mudança de perspectiva, a assisti tomar uma sucessão de atitudes sem ter poder fazer algo a respeito, pois afinal, mal estava entendendo o que aconteceu para que ela parecesse tão brava.

Aliviando a pressão das duas mãos na minha coxa, com pressa Alex prendeu muito bem o último fecho e travou a mandíbula, me lançando uma última faísca pelo olhar antes de voltar a baixá-los sem me avisar.

  Abri e fechei a boca algumas vezes, tentando dizer algo que procurasse entender sua atitude ou que a fizesse parar de tentar terminar tudo tão rapidamente, mas fui impedida pelos meus próprios sentimentos, que confusos entraram no consenso de proteger minha dignidade já suficientemente ferida. Desse modo, lentamente voltei minha mão para a borda da mesa e continuei analisando sua feição, que como nunca demonstrava estar odiando cada segundo daquilo.

  Ali, senti que já não queria tanto saber o que pensava.

  —Está bom assim? - Seca e mecanizada, Alex perguntou olhando distante apenas para o canto da mesa, parecendo estar me segurando agora completamente contragosto.

  Engolindo em seco e começando a sentir os sintomas de um eventual arrependimento, também cedi ao impasse e deixei meus olhos caírem para observar a joelheira. Em seguida concordei devagar com a cabeça, levantando a perna sozinha para comunicar que ela poderia me soltar se quisesse, pois já não me deixaria sem apoio. 

  —Está, sim. - Dito e feito, assim que respondi baixo ela me soltou como se me repelisse.

  Depois, ela apenas levantou as sobrancelhas como resposta e olhou ao redor como se estivesse procurando outra coisa ou alguém para se entreter, aos poucos afastando seu corpo do meu como quem já havia superado. E eu, que não pude evitar sentir pela milionésima vez sua rejeição, pulei da mesa com pouca delicadeza e transmiti a ela uma falsa raiva através do olhar, desejando poder devolver um pouco daquele sentimento ruim que agora se misturava com aquele calor que continuava a reverberar pelo meu corpo todo, pois afinal ele não tinha ido embora e não fazia sequer menção de ir.

 

  Por que ela tinha que continuar agindo assim comigo? Pensei com meus botões conforme a assistia chamar as garotas de volta para o ensaio, atuando como se tudo estivesse mais do que normal e sorrindo por algo que Lia havia dito enquanto eu continuava ali, com o coração palpitando e a vontade esquisita de fazer algo com a tensão quente em meu ventre. 

 

  Que porra tinha acabado de acontecer?!

 


 

.


 

  13:00


 

  

  Yeji se sentou preguiçosamente ao meu lado no sofá com sua comida em mãos. 

  —Eai?

  —Eai… - Respondi um pouco desanimada, olhando de canto para Alex que continuava sentada em sua mesa como uma estátua; agora ela não estava respondendo mensagens, pelo que entendi estava preenchendo alguns papéis. Ela realmente preferiu folhas à mim... 

  —O que foi? - Sorriu de canto enquanto mastigava. 

  —Nada… - Dei de ombros e baixei meu olhar para meu joelho. Aquela maldita joelheira… nem sabia porque ainda estava usando. 

  —Alex ainda não voltou ao normal, é? - Soltou uma risadinha em deboche. 

  —É. - Respondi de mau grado. 

  —Tentou fazer algo? 

  —Sim, mas ela nem ao menos faz questão de esconder que não quer minha companhia. 

  —Hm… tente de outra forma então. 

  —Tipo…? - A olhei fingindo desinteresse, mas na realidade eu estava muito disposta a receber ajuda. 

  —Tente mostrar que o que ela fez não foi em vão, e que você se sente agradecida… - Me olhou com as sobrancelhas levantadas e um olhar convencido. 

  —E como eu faço isso? 

  —É meio óbvio, não acha? - Me mostrou sua comida e sorriu em seguida. 

  —Hm. - Inclinei o canto dos lábios e a agradeci mentalmente. Isso tinha o potencial para funcionar…  

  Renovada na motivação, peguei minha comida que estava intocada ao lado e, em passos lentos e cheios de pretensão andei em direção à Alex. Estando perto o suficiente, deixei minha comida acima da mesa e a olhei de canto; ela fingiu não me notar de novo, mas eu já imaginava que isso ia acontecer, portanto fingi não ter muito propósito ali e com normalidade arrastei a outra cadeira para perto, fazendo questão de fazer grande barulho e nos colocar bem perto uma da outra, e depois, ainda a olhando, me sentei e tossi para tentar chamar sua atenção, o que mais uma vez não deu certo.  Mas, bem, como essa não era minha cartada principal, me virei para meu ramyeon e continuei atuando, onde separei meus hashis num movimento brusco e comecei a assoprar o macarrão como se ele estivesse quente como lava. 

  —Hummm! - Soltei um murmúrio caricato e nada genuíno assim que coloquei um pouco na boca, esperando que ela esboçasse qualquer tipo de reação, até mesmo a de estranheza. 

  Mas ela não olhou, continuava focada na sua escrita como se fosse a pessoa mais ocupada do mundo. O que diabos ela tanto fazia ali, afinal? Ainda mastigando, larguei meus hashis com impaciência e me inclinei na direção dela, perto o bastante para que meu rosto quase encostasse em seu braço. Primeiro, passei com meus olhos vagamente pelos papéis, perdendo total interesse ao ver que ela estava fazendo o relatório dos trainees, depois me distraí com a caneta escrevendo e consequentemente fui subindo por suas mãos, cada vez indo mais devagar, demorando até chegar em seu ombro. 

  Nesse meio tempo Alex continuou intocável em sua bolha de silêncio como se eu fosse invisível, mas tirei proveito disso para continuar a estender meu olhar por ela, aos poucos virando meu rosto para que pudesse a observar propriamente. Passei por sua clavícula, seu pescoço e por seu queixo; até aí, digamos que correu tudo bem, mas quando mirei em seus lábios a questão começou a ficar meio… complicada, por assim dizer. Alex tinha lábios bonitos, e acho que isso não era novidade para ninguém, mas ali, tão de perto, eles pareceram tão preenchidos e rosados que me fez perguntar se eram de verdade mesmo. Pareciam… macios. Por um momento me imaginei sentindo aquela textura de várias formas… tantas e tão diferentes que cheguei a me assustar com a criatividade da minha mente. 

  E eu, ainda com esse tipo de absurdo rodeando minha consciência, desviei para seus olhos, onde suas íris castanho-esverdeado estavam concentradas demais nos papéis para me retribuir. Não soube dizer se ela havia tido uma boa noite de sono, pois ela não tinha olheiras, mas seus olhos estavam um pouco inchados, e estar com os olhos assim por falta de sono deixaria qualquer pessoa ridiculamente feia, mas não ela, e isso me irritou profundamente, por que desse modo em específico, a Alex estava muito… fofa. Ela parecia querer dormir, e por um segundo eu senti uma insana vontade de a ajudar, de dizer para que descansasse e que parasse de preencher uma pilha de papéis no lugar do preguiçoso do Namoo, mas eu não fiz nada, apenas prossegui a admirando.

  E então, depois que a encarei como se fosse uma grande psicopata, voltei a descer meus olhos e me arrependi logo de cara pela ingenuidade do meu ser. Não sei exatamente como ou quando tive a brilhante ideia de mirar em seu corpo, mas aconteceu, e eu tive um misto de sensações tão intenso que por um momento acabei esquecendo até mesmo do meu próprio nome; não foi minha intenção descer meu olhar para aquela... região do corpo dela, mas algo muito estranho aconteceu dentro de mim logo depois disso, e sentir aquele certo calor no meu ventre voltar com tudo não foi lá a melhor coisa a se experimentar enquanto estivesse naquela sala com todas aquelas pessoas, e quando eu percebi do que de fato se tratava esse tal calor, me assustei muito. 

 Eu não era uma tarada nem coisa do gênero, muito longe disso, eu somente me distraí e essas coisas acontecem sem nem percebermos, mas ali eu me senti a maior cara de pau sem tirar nem pôr adendos, era isso e ponto. E bom, foi exatamente por isso que - depois de inalar com vontade o perfume dela e enlouquecer ainda mais - desviei meus olhos de volta para a mesa e engoli minha comida em seco; para disfarçar, peguei um pequeno caderno ao lado da mão dela e retornei para a minha cadeira fingindo que esse era meu objetivo desde o início. Certamente aquela tentativa de mascarar a realidade não pareceu convincente, mas me mantive firme na auto enganação e no fim pareceu ter dado um pouco certo.

Ainda com o caderno na mão esquerda, levei mais uma grande quantidade de macarrão à boca e comecei a conversar na mente, já que na vida real não parecia estar perto de acontecer; "está vendo, Alex? Estou comendo, olha… satisfeita agora?!" pensei enquanto a olhava, soltando mais alguns dos meus murmúrios de falsa satisfação. E, felizmente, funcionou dessa vez. Com muita calma, Alex deixou de escrever para me olhar. De imediato desejei não ter colocado tanto macarrão na boca, pois pensei que ela também não me daria bola dessa vez, então não liguei para toda aquela quantidade, mas acabou acontecendo, e eu tive certeza que estava parecendo uma completa idiota com a boca cheia, ao mesmo tempo que tentava mastigar toda aquela comida sem me assemelhar a um animal. Foi constrangedor, confesso, porém nada ia mudar aquilo, então tentei ver o lado bom da coisa e tratei de melhorar minha expressão, até mesmo fazendo sinal positivo com o polegar para melhorar a atuação.  

  Mas, bem, embora eu tenha me empenhado muito, no fim acabou que não consegui tirar tanta vantagem daquilo. Depois de me assistir, Alex - que ainda continuava neutra em feições - olhou para minha comida e depois de alguns segundos baixou os olhos para o caderno que eu havia pegado, não demorando muito para me encarar um pouco desconfiada. Engoli a comida com um pouco de dificuldade e, retribuindo seu olhar de maneira também desconfiada, ergui o pequeno caderno e comecei a folhear. Com isso, ela soltou o ar pesadamente para fora dos pulmões e retornou para seus papéis, e dessa vez eu não liguei, porque o que eu achei ali foi interessante o suficiente para roubar minha atenção. 

  Era um caderno pessoal dela, pelo que percebi. Muitas coisas estavam escritas em inglês, mas também havia muito material em coreano para eu explorar; tinham notas aleatórias de compromissos, comentários sobre coreografias e até mesmo algumas colas de coreano básico, provavelmente quando começou a aprender. Um pouco mais a frente, achei uma série de anotações sobre as garotas e surpreendentemente sobre mim também, onde tinham pontos fracos e fortes de cada uma, assim como avaliações do nosso trabalho em grupo. Mas esse não foi o importante da vez; na parte em que escrevia sobre mim, Alex tinha acabou escrevendo meu nome em hangul de forma errada, e eu não fiz nada além de achar a coisa mais fofa do mundo.  

  —Ryushin. - Li em um tom baixo e com um sorrisinho no rosto. 

  "Ryushin"... fofo, vai. 

  Minha intenção não foi debochar, muito pelo contrário. As letras eram mesmo difíceis de se distinguir, e eu confesso que não consegui segurar o sorriso por saber que ela nem ao menos deve ter percebido que escreveu errado, e quando ela voltou seu olhar para mim por ter me ouvido falar, fiz questão de mostrar que achei graça e sorri ao mostrar o caderno para ela, indicando com meu dedo o meu nome escrito de forma errada. 

  —Confundiu um pouco as letras. - Expliquei e sorri ainda mais, da maneira mais meiga que pude e soltando mais algumas risadinhas em seguida. 

  Mas ela estava mesmo disposta a me deixar para baixo naquele dia. Alex simplesmente olhou para o caderno e com desdém reverteu o olhar para frente, agora organizando todos os papéis em uma pasta. Meu sorriso foi morrendo aos poucos conforme eu a assistia fazer aquilo com tanto pouco caso. O que eu tinha que fazer para que ela ao menos falasse comigo?! Mas que droga, desde quando ela ficou tão difícil assim?!

  Rendida, fechei o caderno e o deixei acima da mesa com desânimo, e então fiz o mesmo que ela e encarei apenas a minha comida.  Pelo jeito nem meu esforço para mostrar que estava comendo era capaz de recuperar a simpatia dela. Já estava começando a ficar sem muitas opções para tentar… 



 

[...] 


 

No dia seguinte


 

  17:30 



 

  —Lia, sua vez. - Alex a chamou com um sorriso após ter ajustado o enquadramento da câmera. 

  Estávamos fazendo gravações individuais da coreografia de Wannabe, porque Dongsun havia pedido, e como não podíamos recusar os pedidos dele… 

  Cruzei os braços um pouco impaciente enquanto assistia Lia arrumar suas roupas para que ficasse mais apresentável. Yuna e eu roubamos algumas cadeiras da outra sala para que todas pudéssemos sentar em frente à pessoa que ia se apresentar, então estávamos todas lado a lado ali, e inclusive eu estava propositalmente sentada à esquerda de Alex, mesmo que naquele dia eu ainda não tivesse tentado me aproximar dela ou falar alguma coisa, pois ainda estava um pouco chateada pelo fracasso do dia anterior. E sendo assim, não havíamos nem trocado olhares nas últimas horas; foi bem ruim, confesso, e também me deixou cheia de raiva.

  —YEEEE! Vai lá, Lia! 

  Quase pulei da cadeira de susto quando ouvi o grito atrás de mim. 

  Sim, Namoo infelizmente havia resolvido de uma hora para outra que queria ser um cara digno e optou por trabalhar naquele dia, mas depois de ouvir seu grito pela milésima vez em menos de uma hora, comecei a não ver mais propósito na presença dele durante as práticas, pois tudo o que ele fazia era gritar e "animar" o grupo, ao contrário de Alex, que era quem fazia todo o resto (as coisas importantes). Então ele era completamente descartável nessa circunstância, isso sem contar que vivia nos assustando com aqueles gritos fora de hora. Tinha como piorar?

  Levei uma mão ao peito e fechei os olhos, bufando em descontentamento e olhando feio para ele, que estava de pé atrás de nós. 

  —Se controle, Namoo. - Alex voltou a se sentar ao meu lado com um sorrisinho, parecendo achar graça no susto que levei. 

  Mas falar comigo que era bom, nada… 

  —Já posso iniciar a música, Lia? - Suk perguntou em frente ao computador. 

  —Sim, pode. - Ela sorriu de modo fofo como sempre fazia, e depois se colocou em posição. 

  Reparei que Alex sorriu com o ato dela, parecia até um pouco encantada… céus.

  Yeji e Yuna já haviam se apresentado, assim como Lia que estava dançando agora. Em todas essas apresentações, Alex prestou total atenção à elas e também foi a primeira a elogiá-las quando terminaram, e por isso eu estava um pouco apreensiva, pois afinal, a questão era saber se ela teria essa mesma reação comigo. Achei um pouco improvável, e isso estava me deixando muito desconfortável conforme os minutos iam se passando; não faria mal se ela me criticasse, se dissesse que eu era horrível em tudo e que a envergonhava por dançar tão mal; eu só queria que ela me olhasse, pelo amor de Deus! Eu só queria que ela pensasse sobre mim enquanto me olhava, que me enxergasse e que repensasse sua decisão de ter me condenado ao vácuo de inexistência... era pedir muito? 

  Assim que Lia acabou e todos nós aplaudimos, Alex pegou um papel que estava na mesa e o encarou por longos segundos, já eu, continuei em silêncio mesmo quando Lia já havia se sentado e os outros ficaram esperando pela próxima. 

  —Ryujin. - Alex pronunciou meu nome calmamente e em baixo volume apenas para que eu escutasse, e eu a olhei de canto e esperei que continuasse. - Sua vez. 

  Seu modo de falar era muito diferente da animação que teve para chamar Lia… 

  Levantei as sobrancelhas como resposta e, depois de lançar um olhar significativo para Yeji, me levantei e andei até o meio da sala, me posicionando em frente à câmera sem me sentir muito confiante.  

  —RYUJIN! - Namoo soltou mais um de seus gritos e bateu palmas fervorosas que fizeram as garotas darem risadas. 

  Até mesmo Alex pareceu ter achado graça, já que balançou a cabeça em negativo e sorriu de um modo lindo mesmo que ainda tivesse seus olhos no tal papel. 

  —Ryujin. - Suk me chamou também sorrindo, deixando evidente que ele era bem mais contido que o pirado ao lado.. - Posso começar a música? 

  Passei a mão pelos cabelos e conferi minha aparência em frente ao espelho. 

  —Sim, pode.

  Sorri fraco para ele e fiz menção de me posicionar, mas no fim acabei não fazendo coisa alguma. Mesmo após a música ter começado, não me mexi um centímetro sequer  ao menos que fosse relacionado à coreografia. 

 Alex não estava me olhando. 

Com a cabeça baixa e os olhos focados no papel, ela novamente adotou a postura de recusa à mim, e aquilo adicionou mais uma gota ao recipiente magoado dentro de mim, esse que estava quase transbordando. 

  Aquilo não era justo, ela estava fazendo de propósito para me atingir e estava funcionando exatamente como queria. Como ela estava conseguindo? Nem mesmo eu era capaz de ser tão má assim... 

 Em forma de protesto, continuei parada e tudo o que fiz foi cruzar meus braços com a expressão fechada, mostrando o quão mimada conseguia ser logo que me foquei em Alex com toda a minha insatisfação.

  —Não era para estar prestando atenção em mim?! - Perguntei num tom propositalmente arrogante. 

  —Quem não está? - Namoo olhou de um lado para o outro parecendo confuso, e em seguida as meninas fizeram o mesmo. 

  Quanto à mim, continuei olhando apenas para Alex, e ela para sua folha sem graça. Céus, como aquilo estava me irritando! Tecnicamente eu não deveria me sentir assim, porque era óbvio que ela estava fazendo de propósito, mas se tornou quase que inevitável não me frustrar com aquela greve de silêncio e falta de atenção. Não era como se eu estivesse pedindo por tratamento especial, mas ela nem ao menos me tratava como as outras, e tudo bem que ela estava irritada comigo, mas quanto tempo aquilo ia durar?! Até quando iria fazer parecer que eu era insignificante ao me colocar naquele limbo de rebaixamento? 

  Para meu agradecer, Yeji percebeu o que eu queria e para ajudar discretamente levou a mão até o braço de Alex, puxando o pano de sua camisa para atrair sua atenção. E então, como se já soubesse do que se tratava, aqueles olhos verdes subiram diretamente até mim e me encararam tão intensamente que senti um delicioso desconforto na barriga e no peito, já que fazia tempo desde a última vez que me olhou assim. Todavia ao mesmo tempo que parecia calma, ela também transmitia um pouco de impaciência que não era característico de sua pessoa, e isso me intimidou. 

  —Da última vez que dançou sozinha na minha frente, você não quis que eu te olhasse.

 Enfim me dirigiu a palavra naquele dia e me distraiu um pouco com o movimento insinuante de seus dedos no papel. Jurei ter sentido um pouco de deboche no seu tom, mas ela soube muito bem como mascarar para que parecesse despretensiosa, e por fruto disso soltei o ar pela boca e balancei a cabeça em positivo. Se ela queria mesmo tocar naquele assunto...

  —E mesmo assim você continuou olhando. - Rebati numa entonação tão seca quanto a dela.

  —Sim. - Molhou os lábios com a língua e me olhou de cima abaixo, devagar e muito ciente do que estava fazendo.

  Como eu odiava quando ela só respondia com uma única palavra… 

  —Tem algo acontecendo entre vocês? - Namoo perguntou parecendo estar um pouco perdido. 

  Se ele ao menos se prestasse a aparecer mais de uma vez por semana, saberia que havia muita coisa acontecendo entre eu e ela

  Alex o olhou de canto e levantou as sobrancelhas por um momento. 

  —E qual a diferença daquela vez para agora? - Ignorou a pergunta dele e se dirigiu para mim novamente. 

  —Agora as circunstâncias são diferentes. - Respondi num tom mais contrariado, passeando com meus olhos pelos cantos da sala para disfarçar meu incômodo. 

  —São? 

  Aquele cinismo… ela ainda me mataria de raiva.  

  —Sim. - Respondi entre dentes. 

  —E por que? - A forma como a feição dela continuava exatamente a mesma estava me deixando maluca. Como podia me olhar com tanta ignorância assim? 

 

  Porque eu quero muito que você volte a me querer com os olhos, não consegue perceber?

 

  —Porque esse é o seu trabalho, não foi o que me disse naquele dia? 

 Fiz um bico nos lábios quase que inconscientemente. As palavras em si pareceram um pouco rudes, mas tentei o meu melhor para que meu tom fosse mais delicado. De relance, vi Lia e Yuna cochicharem algo entre si, mas nem parei para imaginar o que era naquele momento. 

  Alex então prendeu o lábio inferior entre os dentes e encarou o chão com uma sobrancelha arqueada. Tive que ter muita força de vontade para manter minha pose diante daquela visão; por mais que não fosse intencional da parte dela, me senti muito atraída por seu ato, tanto que guardei aquela imagem em meu consciente para pensar mais a respeito depois. 

  —Tudo bem, então. Se é o que você quer.

Entre muitas aspas se dando por vencida, Alex largou o papel acima da mesa num movimento calmo de mão e, com seu cinismo e confiança, se concentrou diretamente em mim como se fosse a única coisa que lhe restasse para fazer na vida. 

 Não sendo suficientemente bom para ela, além de me olhar tão intensamente como se pudesse ver através de minhas roupas, Alex cruzou as pernas da maneira mais elegante que eu já havia visto e pousou as mãos acima da perna depois de arrumar seu cabelo. Talvez, em outra ocasião e com uma pessoa diferente, provavelmente eu pensaria que ela era uma verdadeira metida, mas não foi o que eu pensei, pois na realidade passei bem longe disso. 

  Como já era de praxe de quando eu estava na presença dela, comecei a duvidar da minha sanidade mental a partir do momento em que a considerei sexy naquela posição. Alex estava de shorts naquele dia, o que dava espaço para que suas pernas ficassem à mostra para exploração, e ela também estava usando mais uma daquelas suas camisas de botões que caíam muito bem em seu corpo, também mostrando a região de sua clavícula. E, se combinando isso à sua expressão séria e seu cabelo muito bem arrumado… era um grande gatilho para meus variados pensamentos. E eu consegui pensar em muitas coisas nesse pouco tempo que tive para admirar aquela visão, até que eu mesma colocasse um fim nisso ao desviar meu olhar para a parede ao lado dela. 

  Certamente eu estava ficando louca… 

  —Pode reiniciar a música, Suk, por favor? - Ela pediu num tom educado ainda me observando. 

  Soltei o ar pelas narinas e descruzei os braços, tentando tirar aqueles pensamentos da minha cabeça para que pudesse me concentrar. Olhei para as meninas por um momento e todas elas, sem exceção, tinham um ar de sugestividade que me fez ficar muito curiosa para saber do que se tratava, apesar de eu já ter uma certa desconfiança… Mas além disso elas também pareceram me incentivar a fazer um bom trabalho, e graças a isso consegui recuperar grande parte da minha confiança e me senti muito mais disposta. Então me virei de costas para ficar na posição inicial e esperei que a música começasse. 

  —É para olhar para a câmera, Ryujin. 

  Não consegui deixar de sorrir assim que Alex soltou a frase com um tom provocativo, mas não fiz questão de relutar contra, até porque eu estava de costas e ela não me veria sorrindo tão abertamente.  Bom, ao menos foi o que eu pensei… Momentos depois lembrei que havia um espelho na minha frente também, e certamente ela havia me visto sorrir como uma verdadeira idiota.  Droga… 

  Mas, certo, coloquei em mente que não seria aquilo que iria me tirar do sério, portanto logo que a música se iniciou, esvaziei a cabeça daquela loucura e procurei dar o meu melhor na dança. E, bom, como eu posso dizer… nos primeiros trinta segundos eu até que consegui manter meu olhar centrado na câmera sem muitos problemas, mas eu simplesmente joguei tudo pro alto depois que a escutei suspirar com força em reação à minha dedicação. 

 Era por causa dela que eu estava fazendo aquilo, era por causa dela que protestei e exigi por atenção, então ignorei a lente que me capturava e desviei meus olhos exclusivamente para ela, quase que a dando um show particular no meu impetuoso e velado desejo de ser notada. Mesmo que ela achasse graça, mesmo que eu estivesse fazendo exatamente o que havia me dito para não fazer e mesmo que isso me fizesse parecer boba, eu não liguei; contanto que ela continuasse me retribuindo e notando o quanto eu queria seu interesse, valeria a pena.

  E graças a esse pensamento, curiosamente fui perdendo toda a minha insegurança ao longo da música, e por consequência comecei a abusar de minhas expressões faciais como se eu estivesse me apresentando em stages. Modéstia parte, eu era muito boa nisso, e Alex parecia concordar comigo, porque jurei a ver ensaiar a sorrir quando eu pisquei galante, e céus, finalmente uma reação genuína vinda dela depois de tanto tempo...

 Fiquei extremamente feliz com isso, admito, e foi por essa razão que mordi o lábio inferior e sorri orgulhosa, usando todo o meu charme para finalizar da melhor forma possível.

  Até que enfim, Alex...

 Quando acabei e as garotas (junto a Suk e Namoo) começaram a aplaudir, sorri de orelha a orelha e me senti até mesmo ficar um pouco envergonhada, já que meu rosto esquentou como nunca. 

  —Eu sei, eu sei. - Me curvando em agradecimento, fingi um tom convencido e voltei para meu lugar com animação. 

  Soltei o ar pesadamente pela boca para recuperar minha respiração e procurei não me incomodar com o fato de que Alex não havia dito nada; aquele esboço de sorriso nela ainda estava me namorando a mente, e isso me manteve contente por alguns segundos. 

  —Acho que ela gostou. - Yeji cutucou minha cintura após sussurrar sugestivamente em meu ouvido. 

  —Mesmo? - Sussurrei de volta, olhando de canto para Alex que, mesmo estando ao meu lado, parecia tão distante quanto antes, já que num estalar de dedos o papel voltou a ser contemplado por suas mãos e olhos.   

  —Ela não tirou os olhos de você nem por um segundo. 

 Logo que Yeji terminou de falar, Alex se levantou da cadeira em silêncio e se dirigiu até a câmera, a manuseando com a assistência de Namoo. Desanimada, murchei meus ombros em insatisfação e deslizei minhas costas pela cadeira, especialmente por estar a vendo junto ao bobalhão que havia sido o estopim para o acontecimento na cafeteria. 

  —Do que adianta se nada vai mudar… - Resmunguei baixinho e comecei a brincar com um fio solto da minha calça. 

  —Acho que já mudou muita coisa quando exigiu que ela te desse atenção. - Deu de ombros e pegou seu celular, não demorando muito para se distrair com suas mensagens. 

  Balancei a cabeça em negação e senti aquele incômodo aumentar ainda mais em meu interior. 

  Enquanto entretia meus dedos com o fio da minha calça, subi meu olhar calmamente para Alex de novo. Agora ela tinha as íris atentas em Namoo, escutando com atenção as bobagens que ele tinha a dizer como se ele realmente fosse bom de papo. Okay, era maldade da minha parte dizer isso, mas Namoo realmente não era uma boa pessoa para se conversar; ele certamente só sabia falar sobre festas e filmes ruins de comédia, e Alex não parecia ser o tipo de pessoa que gostava desse tipo de coisa… Com certeza eu era uma opção muito mais interessante se o assunto era conversar... e qualquer outro assunto também. 

  Ela deveria me escolher ao invés dele...

  Aliás, por que ela tinha que sorrir tão abertamente para ele? Seus olhos até mesmo brilhavam quando a luz da janela batia em seu rosto... Ela não sabia que era perigoso agir assim para qualquer pessoa? Tinha que ter mais cuidado quando fosse sorrir dessa forma. Namoo poderia acabar se apaixonando se continuasse assim… que droga, Alexia. 

  Logo que pensei isso, fechei minha expressão e travei o maxilar, voltando a descer meu olhar antes que morresse de desgosto. E olha, eu sei bem o que você está pensando, mas não, não era isso. Eu não estava com ciúmes, muito pelo contrário; minha única preocupação era o bem maior, pois afinal, qualquer coisa que surgisse dali poderia prejudicar o trabalho de todos, e ninguém queria isso, certo? Certo. 

  Ciúmes, humpf… só podia ser uma piada… 

  Eu, sentir ciúmes… que absurdo.


 

[...] 

  

 

  No dia seguinte

 

16:30

 

 

Fechei os olhos, coloquei as palmas das mãos em contato com a minha barriga e inspirei o ar com calma, demorando ainda mais para expirar conforme fazia pressão no abdômen, depois abri apenas um dos olhos e encarei Alex pelo espelho, que estava fazendo a mesma coisa só que com uma concentração que eu sabia que não conseguiria ter enquanto ela estivesse ali. 

 Mas, bem, dessa vez não era culpa dela. Alex era quem estava ali primeiro e eu era a intrometida da vez: já era por volta das quatro da tarde quando o produtor finalizou as gravações do dia, e enquanto as garotas preferiram enrolar um pouco mais no estúdio por pura preguiça de voltar a treinar, tomei partido e desci sozinha para a sala de ensaios, onde encontrei a Miss Simpatia fazendo aquele mesmo exercício para a respiração. 

  Então ali estava eu, sentada de pernas cruzadas ao lado dela, onde convidei a mim mesma a me juntar àquela atividade sem me importar se estava ou não sendo desejada; na verdade ela nem chegou a ligar, já que me olhou uma única vez e fez parecer que eu era, de novo, invisível, sendo assim também indiferente. Mas bem, como ela estava longe de ser invisível para mim, acabei criando um novo ritmo de exercício, um que se aplicava unicamente a mim: inspirar, expirar, olhar para ela, suspirar... e assim sucessivamente. 

Se a Ryujin de duas semanas atrás visse isso certamente diria que enlouqueci de vez, e bem, embora eu estivesse muito ciente e certa do que estava fazendo, de certo modo até concordaria com essa alegação. Só estando louca para me humilhar tantas vezes em tão pouco tempo pela Miss Simpatia que eu fazia tanta questão de odiar. 

  Então, já conformada com a minha própria decadência, ergui o canto dos lábios num sorrisinho infantil e coloquei as mãos acima dos joelhos, fazendo pinças com os dedos. 

  —Zoooownnn. - Mordi o lábio inferior assim que soltei aquilo, procurando não rir mesmo sabendo que pareci ridícula no modo como soei. E assim, uma vez sendo incomodada por mim e pela minha gracinha, Alex abriu os olhos com calma e me encarou profundamente pelo reflexo, mostrando que não estava achando a graça que eu tanto demonstrava ter, e como resposta, juntei minhas mãos na frente do corpo e pisquei os olhos com demora. - Namastê. 

  Soltei uma risadinha sugestiva quando a assisti me olhar de cima abaixo numa feição neutra onde ela quase - muito quase mesmo - sorriu. Certamente deve ter sido a feição de idiota que a lancei durante o cumprimento, mas sei que no fundo ela achou, sim, um pouco engraçado, e com certeza se segurou apenas para não me dar aquele gostinho, e isso fez tudo valer a pena. Ela ainda parecia terrivelmente desapegada a mim, mas por definitivo já era bem melhor que os outros dias... quem sabe ela estava de bom humor naquele dia. 

  Depois disso, sem dizer coisa alguma ela voltou a fechar os olhos e endireitou ainda mais a postura, arfando tão forte que eu não consegui deixar de reparar ainda mais nela e em seu corpo. Da maneira mais indiscreta possível, virei meu rosto e a analisei como queria, aproveitando que ela não estava vendo para me dar a liberdade de não apenas desfrutar de seu perfume, mas também da visão privilegiada sobre sua aparência.

  Alex estava de cabelos amarrados num rabo onde apenas algumas mechas de sua franja caíam pelas laterais de seu rosto, com os ombros e clavícula expostos pelas partes que sua regata fina não cobria e as mãos enterradas no tecido branco enquanto ela prosseguia pressionando o próprio abdômen. Descendo um pouco mais, analisei com calma suas pernas e acabei achando fofo o caimento daquela calça moletom nela, o que me fez sorrir de canto conforme voltava a subir por seu corpo em análises ainda mais minuciosas. Por que ela tinha que ficar cada dia mais… bonita?

  —Alex! Eu ouvi seu conselho e…

  Desviando meu olhar para a porta, avistei Namoo adentrando a sala completamente desengonçado e animado, com um sorriso de orelha a orelha que me fez desfazer o meu e fechar a expressão quase que de automático. Inclusive, ele trazia consigo uma caixa embalada para presente e junto uma única flor, o que me fez perder ainda mais a cabeça. Aquilo não era pra ela, era?

  —Saco… 

  Discretamente revirando os olhos, murmurei baixinho e voltei a mirar Alex, que ao ouvir minha pequena reclamação acabou me lançando um olhar um tanto quanto - por falta de termos a se usar - significativo. Foi como se ela estivesse um pouco curiosa para saber o porquê de eu ter feito aquilo, ao mesmo tempo que parecia saber exatamente qual era esse porquê… Isso mal fazia sentido, mas foi a única coisa que me pairou em mente quando aqueles olhos brevemente me intimidaram antes de desviar para o grande bobalhão ali. 

  —Ooh, o que vocês estão fazendo?? É aquele exercício de ballet que não quis me ensinar naquele dia?! 

  —É. - Soltando risadinhas nasais, Alex se levantou e andou até ele, que agora estava colocando tudo o que tinha acima da mesa, portanto apoiei as mãos no chão e inclinei minhas costas um pouco para trás para poder assisti-los. - Esse mesmo.

  —E por que ensinou para a Ryujin, então? - Apontou para mim como um grande mimado e eu logo levantei as sobrancelhas numa feição cínica. - Gosta mais dela do que de mim? 

  Voltei a olhar para Alex dessa vez por puro anseio de descobrir sua resposta, e apesar de ela estar quase que de costas para mim, consegui ver com clareza o seu perfil e a expressão de bom humor nela conforme brincava com o laço do presente usando a ponta dos dedos. Confesso que aquela pergunta me encheu de curiosidade e um pouco de frustração também.

  —Eu te ensino se tiver um pouco mais de criatividade quando for escolher presentes, já é a terceira vez que prepara a mesma coisa.

  —Oras, o que importa é a intenção… - Dando de ombros, Namoo andou até mim e se sentou ao meu lado, perto demais para o meu gosto e ainda por cima me lançando um sorriso tão grande que pude até mesmo ver marcas de seu tratamento de canal. Eu merecia… - Não é?

  O encarei profundamente nos olhos por alguns momentos, e depois de perceber que ele não tiraria aquele sorriso assustador enquanto eu não respondesse, acabei respirando fundo e desviando para Alex, que nos olhava de canto com um sorrisinho disfarçado.

  —Não. 

  Respondi curta e grossa antes de me levantar, me dirigindo para perto dela com uma feição mimada e de poucos amigos. Cruzando os braços, apoiei meu corpo na mesa e a fitei com toda a minha sinceridade, perguntando através das íris se ela iria mesmo o ensinar; e se fosse, se iria ser da mesma forma como fez comigo. Já ela, demorou um pouco para me retribuir, e foi tão breve quando o fez que mal posso dizer que foi de fato uma resposta; na verdade ela apenas me deu as costas e se dirigiu até Namoo, se agachando ao lado dele em frente ao espelho.

  Revirei os olhos assim que o ouvi cochichar para ela, perguntando se eu estava de mau humor ou coisa do tipo, e revirei de novo quando ela disse que eu era sempre assim. Oras, quem ela pensava que era para dizer aquilo sobre mim? Não era verdade… Tudo bem que eu não era a pessoa mais alegre do mundo como Lia e Yuna, mas definitivamente não era assim, tão ruim… Por que ela insistia em querer me provocar?

  Revoltada, desviei minha atenção para a parede e ali fiquei por um bom tempo, quieta e estática conforme a ouvia tentar ensinar Namoo sem ter muito sucesso, já que ele parecia ser milhões de vezes mais distraído que eu, o que dificultou para que ele fechasse o bico e tentasse se concentrar ao menos o mínimo. Assim, vendo de fora, tive que admitir para mim mesma que Alex de fato era muito paciente, pois aguentar aquele mala sem alça rindo a cada meio segundo e fazendo piadinhas não era para qualquer um. 

  —Agora você entende porque eu não queria te ensinar? - Rindo fraco de mais uma das piadinhas dele, Alex se colocou de pé atrás dele e segurou a cintura com as mãos depois de cinco minutos jogados no lixo. - Vamos, Namoo!

  —Me desculpe, Alex, mas essa coisa de sentir meu diafragma com todos os meus músculos no meio não é tão fácil assim! Ser bonito tem suas consequências, sabe… 

  Quase vomitei só de imaginar. 

  —Pare de dar desculpas, já vi caras maiores que você fazendo isso. 

  —Aaargh… não existe outra forma de aprender isso? 

  Num estalar de dedos, meus olhos que continuavam na parede foram de automático de encontro a Alex, que olhava séria para o espelho depois que ouviu aquela pergunta. De repente me senti muito ameaçada e insegura, coisa que nunca imaginei sentir depois de ouvir uma pergunta de um bobo como o Namoo; mas dentro de mim, imaginar Alex o ensinando da mesma forma como fez comigo naquele dia parecia extremamente injusto e também uma bela declaração de que eu não era tão especial, e isso me deixou muito desconfortável. Eu queria ser a única que ela ensinou daquela forma, apenas isso… era pedir muito? 

  Engolindo o ar, prossegui a olhando diretamente conforme tentava decifrar o que se passava naquela mente já que sua feição continuou neutra por muito tempo, mas não posso dizer que consegui extrair algo dela. Foi somente quando ela virou o rosto e me olhou de volta que pude ganhar algo em troca do meu protesto silencioso, pois logo que viu minha feição enciumada e zelosa, seus olhos ganharam uma expressividade diferente e de automático ela desviou para o chão, travando o maxilar conforme parecia pensar. 

  E então, depois de dois ou três segundos, ela balançou fraco a cabeça e me olhou de cima abaixo uma última vez, e isso fez meu coração errar a batida sem ter um bom motivo para tal.  

  —Não… não tem outra forma. - Massageou a nuca e suspirou. - Tente de novo. 

  Sorri contida; após comprimir os lábios para tentar reprimir minha vontade de mostrar todos os meus dentes da mesma maneira que Namoo fez, fitei Alex com meus olhos mais brilhantes que nunca e senti um pingo de entusiasmo me agredir deliciosamente ao ouvir os chiados descontentes dele ao fundo. Tentei mostrar para ela que me senti agradada através da feição infantil e tímida, mas ela não estava me olhando no momento, e apesar de significar que não veria meu melhor lado, acabei não me importando, porque não fazia mal. 

  Na realidade, eu ainda tinha outras formas de mostrar aquilo, e a atitude dela apenas me serviu como motivação para continuar, porque querendo ou não aquilo mostrou que de certo modo que ela não queria compartilhar com ele algo que fez só comigo, e isso me fez ter coisas idiotas borbulhando pelo meu interior ao ponto de me arrepiar. 

 E por isso, assim que senti meu celular vibrar em notificações de mensagens e vi que era um chamado de Minji para irmos à cafeteria, acabei tendo uma ideia um tanto quanto significativa, embora simples. Então sorri um pouco mais e dei um pulo para longe da mesa, não me dando ao trabalho de anunciar minha saída quando passei pela porta; eu iria voltar de qualquer forma, portanto uma despedida era o que eu menos tive vontade de dar.

 

  Sendo assim, cerca de quarenta ou cinquenta minutos depois, ali estava eu novamente, adentrando as portas da recepção da empresa ao lado de Minji com muitas sacolas em mãos, e essas eu estava fazendo toda a questão de carregar. Estava me sentindo tão motivada que naquele dia resolvi usar meu próprio dinheiro para comprar tudo, ao invés de usar o cartão corporativo, e embora tivesse me doído ver o preço do gasto, me senti orgulhosa pelo esforço. Aquilo precisava funcionar, já que até mesmo recorri a Chaeryeong para me ajudar com o que pedir, e por isso eu mal esperava para ver a reação da Alex quando ela notasse que comprei sua bebida favorita ao invés de café puro, que era o que eu sempre comprei pra ela desde que nos conhecemos. Aquilo com certeza iria me ajudar, certo...?

   E, bem, para o agradecer da minha ansiedade cheia de expectativas, não precisei subir três andares para encontrar a Miss Simpatia; porque logo a encontrei próxima à recepção, conversando com a tal amiga mal encarada dela... Sunhi.

  —Olá, garotas.

   Minji as cumprimentou enquanto seguia até o elevador.

  —Ah, Minji! - Sunhi se virou diretamente para ela, parecendo aliviada e assim a fazendo parar de andar para saber do que se tratava. - Até que enfim você voltou! 

  —Aconteceu algo? - Perguntou um pouco assustada. 

  Dei alguns passos na direção delas e me posicionei firme ao lado de Minji, me mantendo em silêncio enquanto as observava. Notei que Sunhi tinha em mãos a flor e o presente que Namoo havia trazido mais cedo, e isso me encheu de perguntas, tanto que olhei de relance para Alex e tive uma agradável surpresa ao ver que ela já estava me olhando, por mais que não tivesse demorado a desviar por pura frescura.

  —Precisamos de um número para a fabricação dos álbuns das garotas, e temos que enviar até as cinco! - Sunhi parecia bem… desesperada, e isso a deixava ainda mais feia. 

 Não é como se fosse feia de feia... mas eu a achava horrorosa, simplesmente porque sim. Ainda era permitido ter liberdade de expressão naquele país, não? 

  —Mas essa é uma função do analista. 

  —Sim, mas ele não veio hoje e também não nos deixou nenhuma informação. 

  –Já tentou ligar para ele?

  —Já, mas aquele número é o da casa dele, e ele não atende. Me disseram que você tem o número de celular. 

  —Ah… é. - Suspirou em rendição. - Vamos lá, então.

  —Okay. 

  Minji me olhou na intenção de me entregar as outras bebidas, mas desistiu quando viu que eu já estava com as mãos cheias. 

  —Ham… - Olhou de imediato para Alex. - Pode ajudar a Ryujin com as bebidas? Preciso resolver isso o mais rápido possível. - Alex não demorou muito para pegar as bebidas e sorrir solícita. - Você é demais, Alex... - Minji sorriu de volta e acompanhou Sunhi pelo caminho. 

  —Ei! - A garota se virou para nós e acenou para Alex. - Depois terminamos a conversa sobre essa gracinha aqui! - Mostrou o presente e fingiu uma feição irritada, porém logo voltou a sorrir. - Mas precisamos sair para comemorar hoje à noite, me espere no fim do expediente! 

  Alex apenas assentiu com a cabeça e se despediu dela com um aceno também. De longe ouvi Minji perguntar para a garota o que é que iriam comemorar. E, realmente, o que elas tinham de comemorar? Não evitei me sentir curiosa… 

Ainda com isso em mente, seguimos em direção ao elevador em silêncio; ela com seus pensamentos e eu com os meus. Contudo, ao fitar o elevador vazio, notei mais uma oportunidade surgir, e era até que bem interessante, portanto desacelerei meus passos um pouco para que ela chegasse no destino mais cedo que eu, para que assim meu ato seguinte tivesse mais efeito. 

Desse modo, quando ela entrou distraídamente no elevador, esperei um pouco mais para que se virasse para me olhar e, só assim, com grande marra e um pouco de humor continuei a andar em frente e me coloquei ao lado dela, dando ênfase ao dar o primeiro passo para dentro.

  E isso a fez se surpreender, ah, como fez…

  Sua reação foi um tanto quanto confusa e surpresa, levando em consideração que ficou alguns segundos me analisando como se estivesse em outro planeta. Já eu, sorri de lado e levantei o meu queixo por pura implicância; a encarando de volta como quem pergunta se tem algo de errado. E assim, quando ela "voltou" ao normal desviou seu olhar para os botões como quem ainda estranha muito a situação, soltei uma risadinha e a assisti apertar o número três sem muita pressa, logo se encostando na parede de espelhos atrás de si com um ar quieto de reflexão. 

  E eu, embora ainda achasse aquela situação bem divertida, acabei sentindo uma sensação diferente me tomar conforme meus olhos assistiam as portas se fecharem e nos trancarem quase no mesmo metro quadrado. Com o cheiro dela me rodeando e a realização me caindo em mente de que estávamos sozinhas ali sem ter para onde fugir, uma onda de encorajamento me afogou em impulsos e de repente percebi que aquele seria um bom momento para a confrontar; Alex parecia estar mais vulnerável naquele dia, sua aura demonstrava que ela já não estava mais tão arisca a mim, e como uma conversa franca certamente era o que estávamos precisando, terminei imaginando que aquela era a melhor circunstância. Só me restava tomar o partido... 

 Tentando criar coragem, juntei as sobrancelhas numa feição de cão abandonado e olhei para o chão por alguns momentos, encarei os meus pés, depois os de Alex e aos poucos subi por suas pernas, chegando até seu rosto com calma. Olhando para ela assim, por mais que nem ao menos estivesse me retribuindo, senti vontade de deixar esse meu impulso agir por mim. Tentei me convencer de que não poderia ser pior do que já estava, então me apressei antes que fosse tarde demais - pois três andares não demoravam muito para chegar - e deixei meu ímpeto por trégua agir por conta própria.

Sem pensar muito nas minhas atitudes, estiquei meu braço até os botões e fiz o elevador parar entre o primeiro e o segundo andar. Depois, encarei meu reflexo de forma vaga e calmamente voltei para meu lugar, encostando o quadril no corrimão sem muito saber o que fazer a partir dali. Como eu deveria começar...?

  Devido ao silêncio estranho e sem justificativa, após alguns segundos Alex subiu o olhar primeiramente para os botões e depois me olhou como se estivesse esperando por uma explicação, mas eu estava tão confusa quanto ela, já que ainda tentava formar uma única frase em mente. 

Então continuamos assim, nos encarando em silêncio no meio daquela recente aura de tensão e constrangimento. Não era desconfortável para mim, eu até que estava gostando da experiência claustrofóbica, mas conforme os segundos se passavam, ela parecia mais e mais incomodada. 

  —Você… - Ela começou ainda um pouco apreensiva. - Fez isso por algum motivo, ou…? 

  —Ham… - Fingi pensar. - Não. - Soltei uma risadinha sem graça.

  —Ah… - Levantou uma sobrancelha e, depois de garantir que eu não iria dizer mais alguma coisa, lentamente andou até os botões e fez com que o elevador continuasse a subir. 

  Mas, droga... não era isso o que eu queria! Logo que ela voltou a se encostar na parede, insisti em repetir meu ato e parei o elevador novamente.  

  Alex me encarou de modo ainda mais cismado dessa vez, me acompanhando com grande atenção até que eu voltasse para meu lugar. 

  —Também fez isso sem ter um motivo…? 

  —É, acho que sim. 

  Ela não pareceu satisfeita com a minha resposta, tanto que continuou me encarando por mais alguns longos segundos em descrença e inclusive me analisou de cima abaixo como costumava fazer antes, mas eu não fiz coisa alguma. 

  —Está precisando de atenção, Ryujin? - Seu tom continuava baixo, mas dessa vez parecia um pouco… superior, por assim dizer, e eu não me agradei muito com isso. 

  —Eu não! - A olhei com um pouco de desdém, ainda muito imatura. - Claro que não... - Desviei meu olhar para a outra parede e dei de ombros com um bico na boca.

  —Certeza…? - Deu um passo para frente, esperando por minha resposta antes de voltar a se mexer. 

  —Sim, oras.  

  —Então tá… - Sua voz voltou a ser um pouco mais doce. - Então eu vou apertar o botão de novo. 

  —Aperta! - Fiz pouco caso e continuei olhando para a parede.

  —Okay… - Seu tom cada vez se tornava mais doce, e eu não soube muito bem lidar com isso. 

 

  O meu jeito de lidar foi: quando ela apertou novamente o botão para seguirmos, logo também me aproximei dos botões e parei o elevador pela terceira vez. Oras, custava ela entender que eu estava tentando formular algo ali? Era só... esperar.

  Alex de imediato soltou uma meia risada em rendição e cobriu os olhos com a mão direita; agora ela parecia achar graça, por mais que demonstrasse um pouco de impaciência também. Depois usou a mesma mão para acariciar seus fios de cabelo e me encarou diretamente, dando a entender que ainda estava esperando por uma explicação.  

  —Escuta… - Usei do meu tom mais infantil e despretensioso; ao menos eu já tinha algo a dizer.

  —Hm? 

  Olhei ao redor para adiar um pouco minha continuação, mas seu olhar estava começando a me deixar ansiosa, então optei por ir logo com aquilo, por que já era uma pergunta que estava me enlouquecendo.

  —Você não sente falta de conversar comigo? 

  Por mais que Yeji já tivesse me dito aquilo, foi um tanto quanto difícil continuar acreditando depois de tantas rejeições, e Alex se manteve em silêncio por um tempo; parecia focada em analisar minha recente expressão manhosa. 

  —Está fazendo uma pergunta pessoal, Ryujin. - De repente seu tom frio voltou à tona, e isso me gerou um calafrio terrível, quase como se fosse um gatilho a atacar minha ansiedade.

  —Tá, e...? - Ergui os ombros. 

  —Pensei que tivesse entendido quando eu disse que... 

  —Okay, senhora grosseria, nós duas sabemos bem que nem eu e nem você estávamos falando sério quanto a não sermos algo mais que colegas de trabalho. Já podemos superar? 

   A interrompi completamente afoita, beirando a rispidez quase como um pedido de socorro. 

  Por que ela não parava de agir como eu, pelo menos por um momento? Eu já tinha entendido o quão ruim era aquele tipo de tratamento, já estava passando dos limites! 

  Se calando e baixando um pouco a guarda ao murchar os ombros, ela respirou profundamente pelo que me pareceu ser a eternidade, e me matou lentamente ao manter nossos olhos dependentes do outro naquela troca silenciosa. 

  Algo me disse que ela estava prestes a ceder, e eu me comprometi a aproveitar aquela oportunidade a todo custo. Ali, fechada entre quatro paredes com ela naquele espaço tão pequeno, eu poderia até me ajoelhar para ela, caso pedisse. Eu só queria que a minha redenção valesse a pena no fim. 

  —Você sente?

 Frustrada, engoli em seco e fingi uma risadinha, me sentindo um pouco contrariada. Por que me responder com uma pergunta? O que ela tinha contra só dizer sim ou não? 

  —Você não me respondeu. 

  —A sua resposta depende da minha? - Arqueou uma sobrancelha. 

  Me encostei melhor na parede e encarei o chão, fazendo charme e manha.

  —Depende um pouco, sim. - Respondi baixinho.

  —Então eu não vou saber se sua resposta é verdadeira. 

  —É claro que vai… é só você responder a coisa certa. 

  —E se eu não responder o certo? 

  —Então eu atiro todas essas bebidas em você. - Rebati de imediato num tom ainda mais infantil.  

  Para dizer a verdade, não pensei muito para soltar isso, apenas acabei pensando alto demais. Poxa, não era para ter saído da minha mente…

  Alex continuou me encarando para saber se eu estava mesmo falando sério, e como eu não fiz questão de voltar atrás na minha fala, ela acabou soltando mais uma meia risada, dessa vez com traços de ironia. 

  —Ai, você… - Respirou fundo e olhou para o teto. 

  Continuei mirando as mãos dela um pouco contragosto. Eu queria muito poder soltar tudo o que estava na minha mente, mas realmente não era tão fácil quanto parecia. 

  Levando a ponta dos dedos até a testa, fechei os olhos e massageei a têmpora, copiando a sua respiração demorada para tentar a mesma calma que ela parecia estar tendo naquele momento. E assim, repetidas vezes ajudei minha consciência a escutar as repetidas argumentações do meu coração, que insistia em me lembrar que eu deveria aproveitar a chance. 

  Tentei me libertar dos pensamentos que me aprisionavam naquela caixa pequena. Garanti a mim que, se eu conhecesse bem a Alex, ela não zombaria de mim por me abrir, não julgaria meus sentimentos e muito menos tiraria proveito daquilo no futuro. Eu não deveria me preocupar com ela espalhando minhas palavras por aí, diminuindo minha imagem para as pessoas . Ela não era assim, jamais faria isso comigo. 

  Era por isso que eu queria ela de volta, não era? Ela me dava espaço para sentir, me influenciava a isso... 

  Acho que no fim era só aquilo o que ela queria de mim. 

  Talvez, quem sabe, eu é quem estava dando uma chance a mim mesma, e não ela.  

  

 Molhando os lábios e sentindo meus dedos tremerem pelo nervosismo, baixei a mão e tornei a olhar diretamente em seus olhos, que agora eram livremente quentes e receptivos.

  Eu estava começando a sentir as batidas pulsações do meu coração por toda parte, bombeando meu sangue como se meu corpo estivesse falhando. Então tomei a coragem e falei antes que eu caísse dura naquele chão com a frase ainda presa na garganta.

  —Eu sinto falta de conversar com você, Alexia.  

  Me pronunciei num tom muito baixo, quase como um murmúrio de prece.

  —Hm? - Estreitou os olhos e inclinou seu rosto um pouco para frente. 

  —Oi? - Fingi desentendimento, começando a ofegar feito uma boba.

  —O que…? 

  —O que, o que? - Olhei ao redor e somente depois voltei a olhar em seus olhos. 

  Comprimi os lábios e me xinguei duas, três, mil vezes. 

  Aos poucos Alex começou a inclinar o canto se seus lábios num sorrisinho, mas ela parecia tão confusa que chegou a parecer fofo. Como era possível? 

  —Ah, deixa… - Pareceu um pouco decepcionada, então respirou fundo e balançou a cabeça em negativo. 

   Como eu era idiota… 

 Qual era o meu problema, afinal de contas?! 

  —Eu só… - Dei uma breve pausa por ter travado no meio da frase. Percebi que estava ficando ainda mais ansiosa, então respirei fundo e esperei que ela me olhasse para prosseguir. - Eu só queria te pedir desculpas pelo modo como te tratei na cafeteria naquele dia. 

  Soltei o ar com força após ter falado isso, como se tivesse sido um grande esforço da minha parte, e Alex curiosamente me olhou com seriedade num primeiro momento, mas assim que continuamos a nos encarar sua feição acabou se amenizando.

  

  —Mesmo...? - Me analisou de cima abaixo com demora.

  —Sim... - Cocei a garganta e mordi o lábio com força. - Eu fui uma grossa, e você não merecia nada daquilo. Me desculpa. - Arqueei as sobrancelhas em expectativa, mas a única coisa que ganhei como resposta foi um confirmar de cabeça e uma feição de entendimento, então me obriguei a continuar, se era isso o que deveria fazer. - E... obrigada por ter me defendido. Brigar com o diretor Park foi o máximo... eu achei o máximo, no caso...

  Soltei o ar com calma para fora, assim como ela havia ensinado, e esperei para que enfim me disesse algo. Mas céus, ela continuava calada! Por que ela falava até os cotovelos quando não era preciso e se fazia de muda quando tudo o que eu queria era que dissesse algo? Por Deus, ela me deixava... maluca!

  Me remexi em protesto e intensifiquei o olhar, mostrando que agora eu queria muito ganhar uma resposta, mesmo que não fosse o que eu estava esperando. E finalmente, depois de me torturar com um pouco mais de delongas, ela voltou a assentir e apoiou as mãos no corrimão.  

  —Tudo bem... 

  Espera… o que? 

  Inclinei meu corpo mais para trás e olhei ao redor, me sentindo um pouco confusa. 

  —Tu... Tudo bem? - Arqueei uma sobrancelha, ainda muito desconfiada. - Tipo tudo mesmo?

  —Sim. Você se mostrou arrependida, e eu acredito.

  —É, mas… - Passei a mão pelo cabelo e tentei achar algum tipo de sinal em sua face que indicasse que ela estava mentindo, mas não encontrei nada. Então por que diabos eu continuava insatisfeita? - Pensei que seria mais difícil do que isso. Pensei que iria me xingar, jogar algumas verdades na minha cara ou coisa do tipo... já que você me olhou feio a semana toda.

  Alex sorriu fraco. 

  —É, dizer verdades na cara é mais a sua praia, não a minha. 

  Cocei a nuca e senti um grande ponto de interrogação nascer em minha testa. 

  —Mas eu... eu não quis dizer nada daquilo que te falei na cafeteria, eu... foi da boca pra fora. 

  Ela continuou sorrindo, até mesmo soltou uma risadinha, embora não parecesse achar graça de verdade.

 —Okay.

  —Alexia... - Reclamei baixinho, murchando os ombros e adotando uma feição que pedia para que ela colaborasse comigo. - Estou falando sério. 

  —Eu também estou. - Piscou com paciência e mostrou certa sinceridade dessa vez. - Não acredita em mim? 

  —Acredito, mas... - Suspirei e encarei meu reflexo por alguns momentos; minha cara de pena era patética. - As coisas, elas vão voltar ao normal agora?

  —Normal?

  —É... quero saber se as coisas que eu fiz resultaram em algo, se... se isso vai fazer nós voltarmos ao normal.

  —O que você considera normal? 

  —Por favor, não me torture com essas perguntas, não vê que estou dando tudo o que posso aqui? - Elevei o tom de voz e mostrei parte da minha angústia através do tom e do arquear doloso em minhas sobrancelhas. Então arfei e murchei como um balão esvaziando. - Você sabe do que eu estou falando...

  Falei bem mais baixo dessa vez, e assim a assisti copiar minha feição de dó. 

  —Depende de você, Ryujin. 

  Senti uma sensação aliviadora me atingir o peito quando escutei a doçura em suas palavras. Fazia muito tempo que ela não falava assim comigo... 

  —O que…? 

  —Você quer? 

  Pisquei lentamente e não delonguei um segundo sequer; já não estava mais tão difícil falar.  

  —Quero. - Respondi com firmeza e confiança o suficiente para que ela tivesse a certeza da minha palavra. - De verdade.

  —Por que?

  Engoli o ar e o prendi dentro do meu corpo, mordendo minha própria língua por pura ansiedade; aquilo estava me levando para muito longe da minha zona de conforto, e apesar de parecer um pesadelo a princípio, apenas estar tendo alguma interação digna com ela depois de dias já estava sendo o suficiente para me confortar.

  —Porque eu não te odeio mais. - Respirei fundo e cocei a testa. - Digo... eu ainda não gosto nada de você, mas... - Engoli de novo o olhar intenso dela. - Mas não odeio. 

  Molhei os lábios e olhei ao redor por nervosismo, sabendo que tinha me atrapalhado em meio às palavras justamente por causa dela, mas bem, aquela era a verdade. 

Então, uma vez que soltei aquela frase, Alex olhou para o chão parecendo um pouco envergonhada ao mesmo tempo que parecia estar se divertindo muito com aquela tensão entre nós, e depois de me olhar mais uma vez com aquele maldito sorrisinho, ela resolveu me martirizar mais um pouco. 

  Sem mais nem menos, ao invés de responder, ela apenas girou o corpo e se inclinou para frente, alcançando o botão do elevador e o liberando para continuar o percurso, tudo isso num silêncio ensurdecedor que fez todos os meus pensamentos viajarem na velocidade da luz e se perderem numa imensidão escura. Que diabos ela estava fazendo?!

  Com o coração batendo na garganta tão forte e rápido, insisti em mirá-la com um grande ponto de interrogação na face, me perguntando se ela estava tirando uma com a minha cara ou coisa do gênero. O pior era que eu já nem tinha mais forças para controlar meus movimentos, e por isso não consegui rebater e parar o elevador de novo, trancando ela ali comigo pelo tempo que fosse preciso. Estava de novo me tornando uma mera espectadora de suas ações. 

  

  —Percebeu que entrou comigo no elevador hoje? - Simples, ela perguntou com divertimento assim que escutamos o barulho de sino e as portas se abriram para nós. 

  —Sim, foi por querer... - Respondi no modo automático, quase como se tivesse alguém me dando respostas prontas por detrás. 

  —Mais um de seus esforços para chamar minha atenção? - Sorriu ainda mais abertamente quando me viu suspirar em aflição. 

  —Talvez… - Respondi ainda um pouco relutante, a observando dar os primeiros passos para fora dali. - Mas... 

  A segui um pouco abobalhada, desesperada para saber o que aconteceria a partir dali, afinal, se chegássemos à sala a conversa estaria findada. Eu não falaria daquilo perto de outras pessoas, jamais. 

  —Funcionou, Ryujin. 

  —Mesmo...? 

  —Sim.

  —Ei, espera! - Sem pensar muito, a alcancei em passos mais longos e a forcei a parar quando me coloquei em sua frente, bloqueando seu caminho. 

  —O que? - Sorriu de lado e analisou todos os meus traços sem sequer ter a intenção de parecer discreta. 

  Novamente, eu não sabia o que dizer. 

  Mas, por sorte, naquela tarde a Ryujin do passado foi mais inteligente, e sem nem saber já havia preparado tudo para que eu não me perdesse tão fácil. 

  —Aqui. - Segurando a respiração, alcancei o único copo diferente que eu trazia em mãos e a ofereci junto ao meu próprio coração. - Para você. 

  —Hmm... - Riu pelas narinas e aceitou o copo de bom grado. - Escreveu certo dessa vez… quanta gentileza, Ryujin. - Sorriu fraco ao ler um "Alex" escrito no copo, então eu sorri de volta, tímida. Eu gostava quando ela dizia meu nome assim...  - Deixa eu adivinhar, café? 

  —Por que não descobre isso sozinha? - A olhei de canto com uma fingida arrogância,

  Alex estreitou os olhos para mim e, de bom humor, bebeu um pouco do copo e me olhou em seguida. Ela tinha uma feição contida, mas estava claro que não esperava por isso.

  —Você é... - Balançou a cabeça  em positivo e mordeu o lábio inferior timidamente, encarando unicamente o copo. - ...uma caixinha de surpresas, sabia? 

  Meu coração bateu um pouco mais forte nesse momento, especialmente quando ela tornou a me fitar. Que sensação esquisita era aquela… 

  —Sim, sabia. - Fingi convencimento e sorri assim que ela soltou mais daquelas lindas risadinhas. - Mas você ainda não me disse se voltamos ao normal, e a próxima surpresa que posso te oferecer caso continue assim não é lá tão legal. 

  Alex revirou os olhos divertida, em seguida suspirou tão forte e sonora que me passou a impressão de que queria que eu soubesse daquilo. 

  —Sim, voltamos. 

  Enlouquecida, a dirigi um sorriso de orelha a orelha e soltei várias risadas nesse meio tempo, recheadas de alívio, alegria, e por que não, algo próximo de paixão. 

  Desse modo, ambas dividindo o corredor com mais risadinhas, nos colocamos lado a lado e passamos a andar no mesmo ritmo pelo caminho, demoradas e pouco interessadas em acabar com o momento. 

  —Okay, antes de entrarmos. - Pulei em frente à porta e fiquei frente a frente com ela, pousando minha mão livre no batente na intenção de mostrar alguma atitude. - Tem mais uma coisa que quero que diga.  

  Quieta, ela deu mais um gole em sua bebida e pouco apressada passeou com os olhos pela minha mão na porta e foi descendo pelo meu braço, onde aproveitou para me olhar de cima abaixo e me conferir por inteiro como se estivesse me escaneando. 

  Pelo menos ela pareceu ter gostado... 

  —O que? 

 Abobalhada, perdi um pouco a postura quando ela olhou para o meu sorriso, e no fim acabei demorando um pouco mais que o planejado por ter me sentido enfeitiçada. 

  —Você sentiu falta de conversar comigo? 

 

  Alex molhou os lábios com a língua e fez um certo suspense antes de me responder, o que me fez querer realmente atirar todas as bebidas contra seu rosto, mas quando ela sorriu da maneira como estava acostumada a fazer comigo e me olhou docemente, acabei sentindo algo dentro de mim se derreter e a espera se tornou quase que uma forma de preparo para a resposta que eu sabia que ela daria.

  —Senti. 

 


 

[...] 



 

  21:40 



 

  Me espreguicei com força assim que vesti minha mochila nas costas, depois me coloquei ao lado de Yuna num canto em frente ao espelho para conferir minha aparência. Por mais que eu não quisesse demonstrar, estava difícil esconder o sorriso que insistia em permanecer em minha boca. Eu só estava… feliz. Alex realmente havia voltado a agir normalmente depois que conversamos no elevador, e apesar de não mudar nada de modo geral no dia a dia do trabalho, para mim fez toda a diferença.

  Agora ela já me olhava de novo, talvez até mais vezes do que antes, e em todas, sem exceção, demos risadinhas cúmplices quando pegávamos a outra já fazendo isso antes. Nas pausas ela voltou a me procurar também, e talvez a melhor constatação foi ter visto que, mesmo que tivesse sua própria garrafa de água, ela preferia ficar perto do bebedouro comigo, se contentando com pequenos copos plásticos apenas porque queria ficar perto. 

  Por isso eu me senti a vontade para a caçar em qualquer brecha que me desse, e maravilhosa foi a sensação de recompensa quando ela passou a rir de toda e qualquer gracinha que eu fazia. E com isso, meu coração se sentiu tão bem que no final da noite acabei percebendo que não havíamos voltado ao normal; estávamos até melhor. 

 

  —Céus... - Me tirando dos meus devaneios, Yuna se aproximou ao meu lado no espelho e mostrou preocupação ao tocar seu rosto no reflexo. - Eu sou tão bonita… 

  Revirando os olhos em divertimento, soltei algumas risadinhas e concordei com a cabeça. 

  —Você é.

  Instantaneamente ela se virou para mim, parecendo confusa. Por acaso eu estava agindo estranho…? 

  —Você… - Cerrou os olhos, mas foi interrompida assim que começou. 

  Minji surgiu pela porta com grande empolgação e cumprimentou a todas nós com um grande sorriso. Até ela parecia mais feliz agora… 

  —Estão prontas, meninas? - Perguntou e intercalou seus olhares entre todas nós. Depois que respondemos que sim, ela segurou firme na maçaneta da porta e se virou para Alex, que até então estava sentada despreocupadamente em sua cadeira. - Por que não nos disse que hoje é o seu aniversário, Alex? 

 

  ...oi? 

 

  —O que? - Yuna me olhou parecendo ainda mais confusa que antes, e agora eu também estava. 

  —Ham… eu deveria dizer? - Alex sorriu um pouco sem graça, olhando ao redor.

  —Claro que deveria! Poderíamos ter preparado uma festa para você! 

  Desconfiada, passeei com os olhos entre elas e em silêncio tornei a matutar a respeito do que estava sendo dito. E assim, aos poucos tudo pareceu se encaixar na minha mente conforme fazia as ligações certas. De fato, Sunhi havia dito para Alex que iriam comemorar algo, e se o algo era justamente o aniversário  dela, fazia todo o sentido do mundo que estivesse sendo colocado em pauta.

  —Ah… - Alex sorriu um pouco acanhada quando Lia e Chaeryeong começaram a reclamar entre resmungos e protestos. - Eu não achei que seria importante, sendo sincera. 

  Revirei os olhos em completa descrença e segurei ainda mais forte na alça da mochila, uma vez que me senti ligeiramente revoltada pela notícia. 

  —Ela só pode estar brincando...

  Comentei baixo com Yuna, mas antes de ganhar uma resposta verbal, ou melhor, qualquer tipo de resposta, ela me ignorou completamente e deu de ombros, onde deixou crescer em seu rosto um enorme sorriso, antecedendo uma corridinha animada até Alex no intuito de ser a primeira a parabenizá-la. 

  —AAAAAAH, PARABÉNS, ALEX! 

  Inconsequente como sempre, Yuna quase matou Alex pelo impacto, já que se atirou para cima dela com a força do corpo e também do impulso da corridinha, quase que a atropelando como se fosse um rolo compressor cheio de amor para dar. Claro, Alex nem ao menos se permitiu fazer alguma expressão de dor enquanto recebia aquele mata leão, provavelmente porque tinha pavor de desagradar alguém, e por fim tudo o que fez foi agradecer em meio a risinhos, a abraçando de volta da maneira que conseguiu, tão desajeitada quanto a outra. 

  Desse modo, Lia e Chaeryeong deixaram de reclamar e se renderam à única saída que era a parabenizar pelo aniversário, então esperaram Yuna terminar a tentativa falha de homicídio e dirigiram à Alex abraços mais cuidadosos e palavras amigas, deixando que ela conseguisse pelo menos voltar a respirar enquanto faziam. 

  Depois foi a vez de Yeji e Minji, que mais reservadas também a deram os parabéns e depois pacientemente escutaram Alex tentar se explicar de novo, já que Yuna havia retomado a onda de acusações e reclamações por ela não ter dito nada a respeito da data. 

  E, bom, falando de mim agora, confesso que eu não escutei uma única palavra que foi dita naquele espaço de tempo. Após assistir todas as pessoas naquela sala cumprirem com o papel de fazer o mínimo e se importar com a Alex, percebi que no fim só faltava eu, e essa realização me deixou ligeiramente preocupada. Afinal, de certo modo as expectativas se voltaram para mim, mesmo que não diretamente, então de duas uma: se eu desse um parabéns que não atingisse o padrão, as meninas me criticariam, e se por um acaso eu fugisse da situação e não desse à Alex um sequer parabéns, ela com certeza se magoaria comigo. Portanto, sim, eu teria que pensar em algo, e teria que ser rápido. 

  Depois de Minji avisar que nos esperaria no estacionamento, segurei e apertei ainda mais firme as alças da minha mochila, com grande nervosismo tentando imaginar o que deveria fazer. Estava parecendo uma verdadeira idiota, com certeza; parada feito uma porta e também tão sem expressão quanto, me deixei tornar passiva durante todo aquele momento, e assim, tentar encontrar alguma maneira de agir foi um tanto quanto difícil. 

  Droga, por que isso teve que vir tão de repente?! Aquilo me pegou completamente desprevenida! Eu já tinha usado toda a minha coragem horas atrás, no elevador, então como eu faria para encontrar ainda mais para fazer o que eu de fato queria? 

  Digo, eu até tinha uma ideia em mente, e ela não era inovadora nem coisa do tipo, mas a incerteza e a insegurança me fixaram como pregos naquele metro quadrado, e eu não consegui agir. Mais uma vez, por mais que fosse um ato simples, comigo não funcionou assim, e por esse motivo continuei pensando mais e mais enquanto as garotas conversavam animadamente com a Alex. Ali, o ato mais pequeno se fez uma grande coisa na minha mente ansiosa, e quanto mais o tempo se passava, menos chances eu tinha de fazer aquilo dar certo, e isso me fez tremer por dentro. 

Portanto engoli em seco, fixando meus olhos em Alex, que ainda estava sentada na cadeira e de costas para mim, com pé direito acima do assento e usando os braços para segurar aquela perna como se estivesse à vontade, muito diferente de mim. De tão relaxada, parecia nem ao menos ter noção do caos que acontecia silenciosamente por detrás dela, e eu não sabia se isso ajudava ou só piorava as coisas. 

  Mas, bem, não era como se eu tivesse muita escolha naquela altura do campeonato. Depois que Yeji me lançou um olhar intenso e bravo, cobrando de mim alguma atitude, tentei usar aquilo como impulso para tentar me convencer a fazer, pelo menos, o básico esperado de mim. 

  Afinal, não era grande coisa. Era só... ir. Apenas isso. Só tinha que começar a andar, e depois as coisas iriam acontecer naturalmente. Certo…? 

  Esperava mesmo que sim…  

 

 Então, mesmo insegura, totalmente abobalhada e com a respiração pesando anilhas, me forcei a andar na direção dela após me decidir de uma vez, e apesar de repensar minha decisão a cada pequeno passo que eu dava, coloquei em minha mente que era isso o que eu faria e nada mudaria. Afinal, Yuna e Chaeryeong viviam fazendo isso com Alex e ela não parecia se incomodar; na realidade, ela até se agradava muito. Portanto não seria diferente comigo, correto? 

 

  "Céus, só pare de pensar um pouco e faça isso logo, Ryujin! Quanto mais rápido fizer, mais rápido vai acabar!" 

  

  Me livrando da prisão dos meus pensamentos por um único momento, sabendo que eles voltariam num piscar de olhos, somente agradeci aos céus por Alex estar sentada de costas para mim e assim ao menos pude planejar muito bem todos os meus movimentos, dessa vez sem me intimidar com seu olhar ou me achar uma idiota. 

Sendo assim, a partir de que a distância entre mim e ela acabou depois da minha demorada caminhada, molhei os lábios e fechei os olhos por um tempinho, engolindo o ar que há muito já me faltava nos pulmões. Então, estando ali, parada atrás dela, timidamente levei minhas mãos até o topo da cadeira, segurando tão firme quanto segurei as alças da mochila antes, quase que para manter meus níveis de nervosismo ainda controlados.  

  Depois, tornando meus olhos bem abertos e atentos, fingi interesse na conversa fiada das garotas, onde agi como se estivesse raciocinando algo enquanto olhava de uma para a outra de maneira intercalada. Mas sendo bem sincera, após ter sentido Alex notar minha presença com sua postura se endireitando na cadeira, seria enganoso dizer que estava apenas fingindo entender a conversa, porque a partir dali eu não conseguiria entender nem se quisesse. Tudo o que consegui pensar foi nela, e seria modesto dizer que me afetei pouco, pois na verdade meu estômago se embrulhou inteiro com somente aqueles movimentos dela perto de meus dedos.

 Inclusive, também evitei olhar para as meninas depois disso, porque com certeza elas me olhavam de maneira suspeita, e tudo o que eu menos queria era ser desencorajada, uma vez que coragem já era um adjetivo fictício naquela hora do dia. 

Baixando minhas íris para Alex da maneira que pude, admirei seu cabelo perfeitamente arrumado e contei de um a cinco, pouco a pouco recuperando o sentido espacial e percebendo que meu corpo não estava nada perto dela, com exceção das minhas mãos. Desse modo, repetindo por incontáveis vezes um "Ryujin, você pode fazer melhor que isso", motivei a mim mesma e com muita dificuldade aproximei meu corpo da cadeira, tão lentamente que tive que continuar olhando para baixo, tendo certeza de que estava me movendo somente quando senti minhas coxas pressionarem o encosto de tecido. E acredite ou não, ali eu já passei a me sentir uma vencedora. 

  Entenda, eu e Alex não éramos as pessoas mais íntimas do mundo; apesar da clara intensidade na nossa relacão, foram poucas as ocasiões que chegamos a ter algum tipo de contato físico, e tudo envolvia o trabalho. Nossas interações não eram como com as outras garotas, que sempre demonstravam carinho por ela sem grandes problemas, por exemplo. Nós tínhamos esse bloqueio, querendo ou não, e isso dificultava tudo, porque era um caminho totalmente desconhecido por mim. Eu estava andando no completo escuro, sem saber para onde ir ou o que sentir, e foi por isso que aquele mero ato de me aproximar foi um grande avanço ao meu ver, já que era a primeira vez que eu estava a tocando por livre e espontânea vontade; afinal, todas as outras vezes o contato partiu dela.

  Talvez tenha sido também por essa razão que senti toda a minha pressão cair quando lentamente deslizei minhas mãos da cadeira para seus ombros, e mesmo que estivessem retas como se eu fosse uma boneca, esse pormenor não me impediu de sentir tudo com aquela tamanha intensidade. 

  Talvez só minha sombra tenha conseguido testemunhar o tremor que senti com o calor dela em minhas palmas, e contando que eu estava tocando em seu moletom e não diretamente em sua pele, nada explicaria o formigamento na ponta dos meus dedos. Então, de duas uma: ou eu estava tendo um infarto, ou estava enlouquecendo por completo. Só o que eu conseguia pensar era no quanto era quente... quase como se estivéssemos reagindo uma à outra. Tão quente que minha mente passou a me convencer de que eu deveria me afastar dali de imediato, alerta como se estivesse em perigo. E talvez eu estivesse mesmo. 

  De qualquer forma, sendo ou não de grande esforço da minha parte, infelizmente aquele toque de fato não era um ato muito significativo, e eu não queria arriscar pouco uma vez que já estava ali; se era para fazer, deveria ao menos fazer direito. Portanto, engolindo em seco e sentindo minha ansiedade aumentar, tratei de me incentivar ainda mais a dar continuidade, começando por um singelo carinho em seus ombros usando meus polegares. E, por Deus, isso foi tão… satisfatório pra mim. A fazer aquele carinho foi como descobrir uma nova forma de descontar nela tudo o que causava em mim, e fazer isso de uma forma que não fosse extremamente raivosa foi um tanto quanto prazeroso. Era curioso, porque eu não era o tipo de pessoa que gostava de fazer carinho, pois na verdade preferia receber, mas nela me pareceu tão... gostoso. Tanto que me fez querer mais, muito mais.

  Portanto, depois de me dar por satisfeita com o movimento dos meus polegares em seu ombro, timidamente desci minhas mãos um pouco mais e as deixei soltas em volta de seu pescoço, esperando até que eu tivesse coragem para fazer algo mais. Porém eu não precisei encontrar coragem dentro mim, pois esse sentimento acabou vindo dela junto de mais alguns; até então Alex não tinha esboçado muitas reações por não ser algo que fugisse da realidade, e tenho a impressão que ela deve ter pensado que esse era o máximo de afeto que receberia de mim, claro que por questões óbvias, mas alguns segundos depois que minhas mãos desceram por seus ombros, ela pareceu ter se surpreendido na melhor das formas, e isso a fez me retribuir também na melhor das formas.

  Depois que olhou para minhas mãos, ela brevemente subiu o rosto para me lançar um sorrisinho e não hesitou em subir sua mão direita até a minha, voltando a encarar as garotas com normalidade depois de me aquecer com seu toque. Num primeiro momento, ela apenas segurou os meus dedos enquanto distraída com a conversa, e isso já era mais do que suficiente para mim, mas posteriormente ela entrelaçou seus dedos nos meus e eu quase desfaleci pelo sentimento que me atingiu. Alex me apertou forte, com presença, como se realmente quisesse ter feito aquilo, e isso me matou por dentro. Por que parecia tão fácil para ela, sendo que eu tive de me esforçar muito para ao menos conseguir ir até ela? Não era justo… 

  Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Foi delicioso; foi estimulante; foi... Céus... 

 A reação do meu corpo nem ao menos me surpreendeu; meu estômago se pronunciou através de burburinhos e o frio na minha barriga começou a dar mínimos sinais de vida. Eu já estava conformada que isso ia acontecer, então até ali, nenhuma surpresa, mas outra coisa também se iniciou dentro de mim, e foi um tanto quanto curioso.

 Meu interior de repente se acalmou. O nervosismo e as motivações que eu tinha para não fazer aquilo aos poucos foram evaporando a partir do momento em que percebi que era um afeto bem vindo pela Alex. O toque de sua mão na minha aos poucos liberava uma série de sensações dentro de mim que colaborava para que eu me sentisse mais à vontade, porque era sinal de que ela estava gostando, e tudo o que eu mais queria era aprovação. Era como se não fosse grande coisa, ao mesmo tempo que era, e isso me deixou tão… desprendida. 

  De repente me tornei ambiciosa, eu queria mais daquilo que ela havia me dado, porque era novo e perdidamente tentador.

  —Agora vamos deixar a Ryujin se despedir em paz. - Foi tudo o que eu ouvi Yeji dizer, e após me lançar um olhar insinuante, ela puxou as garotas para fora dali. 

  Sorri minimamente em agradecimento, pois eu não sabia se conseguiria fazer algo mais com elas presenciando; com certeza eu viraria motivo para suas piadas e implicâncias, então uma atitude de Yeji me ajudou pela centésima vez naquela semana. 

 Sendo assim, calmamente esperei que elas saíssem para voltar a pensar no que fazer, e assim como eu,  Alex se silenciou a partir dali. Não soube dizer se ela estava pensativa ou se somente estava esperando para que eu fizesse algo, mas ela continuava com o carinho em meus dedos, o que estava me instigando muito a fazer o que estava na minha mente. E eu, com essa "leveza" dentro de mim, decidi aprofundar aquele ato um pouco mais. Mesmo ansiosa, prendi o ar dentro de meus pulmões e curvei meu corpo na direção dela sem pensar muito, tentando ao máximo ser cautelosa e delicada. E desse jeito, juntei mais as minhas mãos ao seu redor e a envolvi num carinhoso abraço, inconscientemente também encostando meu rosto no dela e ali decidindo ficar antes mesmo de entender o que de fato significou.

  E tão categórico quanto esperar se molhar estando no meio de uma tempestade, meu coração pareceu voar para fora do meu peito assim que senti sua pele contra a minha, e com seu perfume invadindo meu interior quase que à força numa intensidade obscena, me senti flutuar no maior dos encantos, porque agora eu estava imprudentemente perto dela, perto ao ponto de sentir meu próprio coração bater forte contra as costas dela.

Por mil, cem mil demônios...

  —Feliz aniversário, Alex… - Soltei baixinho e com a voz um pouco abafada, totalmente aérea ao mesmo tempo que também muito consciente. Proposital ou não, percebi que meu tom saiu diferente de qualquer coisa que eu já tinha visto em mim mesma. Fui extremamente doce, terna, amorosa... eu nem sabia que poderia ser assim. Mas que bom que fui. 

  Graças a isso ela sorriu. Não precisei a olhar para saber que era um sorriso sincero, pois apenas de sentir seu rosto contra o meu já era a prova de que ela estava mesmo feliz. Então eu não tive outra escolha a não ser fazer o mesmo que ela, pois era o que eu estava com vontade de fazer, então eu sorri. Sorri abertamente sem nenhum tipo de relutância; sorri como não fazia há tempos e até mesmo soltei algumas pequenas risadinhas no caminho porque apenas tive vontade, apenas porque sim. E como resposta, ela levou suas duas mãos até meus braços, retribuindo meu abraço da forma que pôde conforme passeava com seus dedos com carinho ali. E apenas assim eu me dei conta de que eu estava mesmo a abraçando. 

  Cada mínima parte de mim se pronunciou com ela, com seu toque. Meu tato estava sendo presenteado na mais nova das sensações e com isso senti um pico sensorial que me arrepiou da cabeça aos pés, me fazendo soltar todo o ar que tinha dentro mim, pois estava tão cheia de satisfação que nem mesmo o oxigênio caberia ali dentro; eu estava transbordando, produzindo para dar e vender, porque ela estava ali, tão perto de mim… tão dedicada a mim, e eu estava muito bem com essa nova realidade.

  Quando a ideia de a abraçar ainda era um pensamento, imaginei que eu me sentiria ansiosa ou nervosa durante todo o processo, mas não foi o que aconteceu, pois na verdade me senti terrivelmente bem estando em contato com ela. Era tão confortável… senti que poderia ficar naquela posição por horas sem reclamar, porque era realmente bom, e não era apenas pela questão de conforto, já que a circunstância em si também era muito convidativa. Seu corpo me recebeu tão bem naquele abraço, se encaixou tão bem em meio aos meus braços que por um momento me pareceu ser essa a função de vida deles... e ela ainda me presenteou com aquele perfume e o delicado carinho... era tão gostoso que eu quis a apertar ainda mais contra meu corpo, apertar o mais forte que pudesse e não soltar enquanto não me desse pos satisfeita. 

  Contudo, não seria possível de fazer na posição em que estávamos, e por isso desejei internamente que estivéssemos nos abraçando frente a frente para que eu pudesse afundar meu rosto em seu pescoço e sentir melhor seu cheiro, que pudesse envolver meus braços propriamente ao redor de seu corpo para a sentir por completo e me aconchegar ali por ao menos um ou dois anos. E foi assim que meu coração começou a bater com ainda mais velocidade e força contra meu peito, pois me imaginar num ato tão íntimo com Alex me deixou um pouco fora do ar, e imaginar ela me retribuindo na mesma intensidade era ainda mais ilusório e enlouquecedor.

  Foi enlouquecedor porque... me imaginar nesse tipo de situação me fez me dar conta de algo, e esse algo, embora parecesse até que óbvio, me assustava na mesma intensidade que me deixava eufórica.

  Soltei o ar demoradamente pela boca e engoli em seco a informação.

  —Você me chamou de Alex… 

 Sua voz também era doce e íntima, e como mera reação de imediato voltei a sorrir e deixei meus pensamentos de lado para a dar total atenção. 

  —Sim, chamei… - Aliviei meu corpo e me acomodei melhor em seus ombros, fechando mais meus braços ao seu redor. 

  —Estou surpresa. - Pousou a mão direita acima da minha. 

  —É...? - Afastei um pouco meu rosto para conseguir a olhar. Analisei todo seu perfil sem nenhum tipo de vergonha ou timidez. 

  —Uhum. 

  —Eu sou tão ruim quanto penso? - Levantei uma sobrancelha e sorri de lado. 

  Alex me olhou de canto com certo humor e molhou os lábios com a língua antes de falar. 

  —Você é pior do que pensa, Ryujin. 

  Olhei diretamente para seus lábios enquanto ela falava isso, e eu nunca quis tanto testar uma coisa. Testar eles. Mas para isso eu precisava de uma certeza e de uma coragem que eu ainda não tinha... ainda.

  —Então considere apenas como uma gentileza de aniversário, Alex. - A apertei um pouco mais no abraço por puro desejo do meu interior, a provocando ao enfatizar seu nome.

  —Já considerei. - Passeou docemente com os olhos por meus traços faciais e em seguida ensaiou sorrir. Agora seus dedos acariciavam minha mão num doce e sutil toque, servindo apenas para me deixar ainda mais mexida.

 —Ótimo. - Mordi o lábio inferior e intercalei meu olhar entre seus olhos e seus lábios. 

  Bom, eu não tinha coragem para fazer o que eu tinha em mente, mas tinha o suficiente para mirar em outro lugar. E isso com certeza me deixaria satisfeita por enquanto. Então, deixando meus impulsos me controlarem uma segunda vez no dia para que não mudasse de ideia, aproximei meus lábios e, sem a avisar, depositei um longo e silencioso beijo em sua bochecha. 

  Não sei dizer precisamente o que eu senti, mas a sensação de beijar Alex naquela região foi tão... eu não sei, mas acabei prolongando aquele beijo o tanto que pude para que pudesse sentir mais daquilo, e isso já falava por si só como era. Meus olhos chegaram a se fechar por uma fração de segundo e, bom, quanto ao meu coração, ele quase saiu pela boca, literalmente falando. Os burburinhos em meu estômago aumentaram consideravelmente e me fizeram sentir várias coisas, assim como o frio em minha barriga me estremeceu da cabeça aos pés, e não era nada ruim. 

  Beijar aquela pele quente e a sentir com a sensibilidade dos meus lábios me fez querer escorregá-los um pouco mais para o lado, e isso era perigoso ao ponto de eu saber que estava na hora de parar. E eu parei.

    

  Totalmente relutante e com um diagnóstico certo de taquicardia para a minha lista, voltei a afastar meu rosto e a olhei com grande expectativa e seriedade, a fim de saber se o que eu fiz foi do seu agrado. Eu não tinha parado para pensar se ela queria aquilo ou não, e isso me deixou mais do que frustrada por alguns momentos, porque parecia machucar a ideia de ela não ter sentido o mesmo que eu. Mas ela me fez amolecer mais uma vez. Alex estava olhando para as próprias pernas; sorria timidamente de forma que fez meu coração se esquentar e o frio na minha barriga aumentar ainda mais... ela tinha gostado.

 Com aquela doçura me beijando os olhos, me senti aliviar dos pés à cabeça e me permiti desfrutar daquele delicioso sentimento, onde a terminações nervosas em meus lábios ainda formigavam; pediam por mais para que pudessem lembrar melhor da sensação. Mas eu não o fiz, porque depois de muito me perder nela, aos poucos comecei a me sentir envergonhada, especialmente quando ela voltou a me olhar e o brilho de seu esverdeado me oprimiu em beleza. Culturalmente falando, ela poderia estar mais acostumada com um simples beijo na bochecha, mas eu não. E apesar de ter gostado muito e não sentir arrependimentos, ainda sim era uma grande coisa para meu interior assimilar, então continuar ali lidando com a imensa timidez e com a tentação de fazer de novo me fez querer ceder à um daqueles lados tão opostos. E infelizmente o menos excitante deles acabou ganhando.

  Suspirei baixinho e, após soltar uma risadinha nasal, suavizei o meu aperto ao redor dela e muito contrariada subi meu corpo aos poucos de volta para a posição inicial. Quando retirei meus braços do corpo dela, tudo o que eu quis foi voltar atrás na minha decisão e pedir para que ela me levasse para a casa dela e que continuássemos nessa mesma posção, mas me controlei e fiz o que pude para manter minha postura. Alisei a alça da minha mochila para suprir minha imensa fome por algum tipo de toque e apertei os dedos ali. Sentindo a timidez me atingir com mais força, olhei para Alex mais uma vez e comecei a andar em direção à porta quase que no modo automático. Eu precisava me controlar. 

  —Até amanhã, Alex. - Me virei um pouco para ela enquanto acenava com a mão. 

  Ela tinha voltado a segurar sua perna acima da cadeira, e apesar de não ter mudado muita coisa, seu olhar era muito mais leve e meigo que antes, parecia até... igual a mim. 

  —Até amanhã, Ryujin. - Assentiu com a cabeça e me dirigiu um sorrisinho nada justo para o momento, e para piorar, jurei ter visto uma ligeira coloração vermelha em suas bochechas.

  Ela parecia tão contente…

  "Vá logo antes que mude de ideia de novo" avisei a mim mesma como garantia. 

  Assim, me obriguei a olhar para meu caminho antes que eu errasse a porta e, apesar da grande vontade, não olhei para Alex antes de virar o corredor.

  Meu eu interior (que estava afetado pelo que havia ocorrido) fez questão de deixar claro o que eu havia feito, e eu não pude me sentir mais orgulhosa. Ali, enquanto andava em direção ao elevador, comecei a sorrir sozinha.  Parecia até algum tipo de feitiço, mas eu simplesmente não conseguia parar de sorrir, e estava longe de reclamar se quer saber. Na realidade, me permiti sorrir o quanto quisesse, pois não havia ninguém ali para me ver agir feito idiota... eu só queria botar para fora o que tinha de sobra em meu peito. 

  E, por falar nisso, meu coração ainda estava acelerado, e eu quis que continuasse. 


 

  Porque era bom. 

  



 



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