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História A maldição do espelho - ...do espelho


Escrita por: Bbraettgo

Notas do Autor


Cheguei com a finalização da segunda parte de "O garoto do espelho".

Eu amei o resultado, espero que gostem também.

Mas, por precaução, lembrem-se que eu estava de boa na lagoa guardando a minha ideia de final só para mim, então não reclamem do final que eu pensei, vocês que pediram hahahahaha

No mais, quero agradecer infinitamente à minha hidden co-autora que está presente em 100% das minhas fics: minha amiga amora amada, Claudia <3

Capítulo 2 - ...do espelho


Taehyung lhe estendeu a mão direita, mas Yoongi não a apertou. Apenas ficou olhando sério para ele, sem dizer nada. O que ele pensa que estava fazendo ali?

— Essa foi a recepção mais calorosa que já recebi na vida — falou de modo cínico e se sentou novamente.

— O que está fazendo aqui? — finalmente Yoongi se pronunciou — Você não é bem-vindo aqui, essa casa não é sua, eu a comprei e agora é minha.

Taehyung continuou olhando para Yoongi e riu antes de desviar o olhar para os livros no chão, ignorando completamente o que o outro havia dito.

— Isso é invasão de propriedade e eu posso chamar a polícia agora mesmo — falou incisivo.

— Hum… — grunhiu e pegou um dos livros do chão, folheando-o e continuando a ignorar a falar do outro.

— Já chega, vá embora da minha casa agora — ordenou.

Taehyung desviou o olhar do livro para Yoongi. Manteve o sorriso sacana nos lábios por algum tempo antes de dizer alguma coisa.

— E vai chamar a polícia como? Gritando? — falou e mostrou o celular de Yoongi que estava jogado no chão sem bateria.

Estava tão compenetrado na tarefa de encontrar alguma informação no meio daquela bagunça que sequer lembrou de carregar o celular.

— Sim, eu posso gritar.

— Pois grite — Taehyung se levantou despreocupado — A polícia vai chegar, eu vou mostrar esse papel — retirou do bolso e estendeu em sua direção — Que diz que eu sou o familiar que veio buscar os pertences da família anterior e no final você ainda ficará em maus lençóis, pois mexeu em coisas que não estavam dentro do contrato que você assinou — sorriu — Aí, acredito que você é quem será o invasor — voltou a se sentar — Vamos, vá em frente, grite a plenos pulmões para que alguém chame a polícia.

Yoongi manteve-se sério. Taehyung era realmente da família e ele, malditamente, estava certo. Não era hora de se manter arredio, ainda mais sem a proteção de seu amuleto. Taehyung tinha uma carta na manga.

— Escute, quero conversar — pegou outro livro, folheando-o com a  mesma postura despreocupada — Ou melhor, negociar com você — olhou para Yoongi — Posso te deixar com toda essa quinquilharia que você, ao que vejo, está bastante interessado — sorriu — em troca, eu quero algo que agora é seu, mas que me pertence.

Yoongi olhou de relance para o espelho atrás de si. Era óbvio que Taehyung o queria. Tinha certeza de que esse era seu interesse. Baixou a guarda e caminhou até a sala, sentando-se na poltrona que ficava do lado oposto onde o outro bruxo estava.

— Que bom, Min Yoongi, vejo que está disposto a negociar comigo.

— Diga, o que quer.

— O espelho.

— Não — respondeu rapidamente — Te devolvo a casa, mas o espelho é meu.

— Ora — riu alto — Que apego é esse a um objeto que nem lhe pertencia há algumas semanas?

Yoongi cruzou as pernas e encarou Taehyung profundamente, tentando lhe intimidar e não demonstrar qualquer emoção que pudesse ser sentida pelo outro.

— E por que o seu interesse? Se você o deixou para trás?

— Tem valor sentimental — falou sorrindo — Quando eu soube que a casa foi vendida, fiquei muito chateado de saber que meu querido espelho estava perdido para sempre… — tocou o próprio lábio — Sabe, é única memória que tenho da minha querida e adorada mamãe.

Yoongi riu soprado. Forçado demais, até para Taehyung.

— Exagerei, eu sei — Taehyung riu alto e recostou-se completamente no sofá — A parte do valor sentimental é verdade, mas não pelo motivo que eu disse — confessou com um sorriso cínico.

— Não está interessado no espelho e sim no que tem dentro dele — falou seguro de si.

Viu o outro se ajeitar no sofá, tentando disfarçar o incômodo que sua fala lhe causou. Cruzou os dedos em frente ao próprio rosto e encarou Yoongi com mais seriedade.

— Eu também não estou interessado no espelho e sim no que você colocou dentro dele — Yoongi continuou — Tire-o de lá e o este objeto de valor sentimental será todo seu.

Taehyung continuou lhe olhando de maneira enigmática. Yoongi não conseguia decifrar o que poderia estar se passando dentro da mente perturbada do outro.

— E se fizermos um jogo? — propôs.

— Que tipo de jogo? — Yoongi perguntou, mesmo que não tivesse nem um pouco curioso.

— Eu lhe dou isso — retirou um livro de dentro do sobretudo que estava usando — e te concedo uma semana para descobrir como retirar o que você diz que eu coloquei lá dentro. Se você conseguir, fica com tudo, com a casa, com esse monte de tralha, com o espelho e com o que é que você acha que eu tenha colocado lá — sorriu — Mas se você não conseguir, aí tudo é meu.

— E se eu não aceitar?

— Aí teremos que encontrar outra maneira de resolver esse impasse.

Yoongi suspirou. Se o outro estava lhe propondo isso é porque tinha certeza de que não seria possível remover alguém de dentro do espelho. Talvez aquele livro fosse um blefe, um dos muitos que estavam espalhados pelo chão da sala. Ao mesmo tempo, não tinha gostado nada da maneira como ele disse que eles teriam que resolver de outra maneira.

— E então? O que me diz? — Taehyung lhe pressionou para responder.

— A oferta é tentadora, mas, eu gosto de fazer contra propostas — sorriu — foi assim que eu comprei essa casa por um valor menor ainda do que o resto de sua família estava pedindo.

— E qual seria? Estou pronto para ouvir.

— Antes de tudo, eu não posso aceitar um livro que eu não sei onde você arranjou. Este aí — apontou para o exemplar no colo de Taehyung — Pode ser qualquer um dos que estavam soltos aqui no chão.

Taehyung lhe encarou ainda com o sorriso cínico estampado no rosto.

— Segundo… eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas.

— Quantas?

— Cinco — respondeu rápido.

— Por mim tudo bem.

— Mas não confio em você, então você deve responder as perguntas dentro de um círculo elementar — disse e Taehyung fez uma careta de total desaprovação — E por último, se eu conseguir, não somente tudo será meu, mas você deverá desaparecer dessa existência.

Taehyung ainda mantinha a careta por conta do círculo elementar. Poucas coisas mantinham-se sólidas dentro da bruxaria, independente de que ramo a pessoa seguisse. O círculo elementar era uma dessas coisas estáveis e universais. Responder perguntas dentro de um círculo deste significava que a verdade seria dita de qualquer maneira.

A diferença básica estava na forma que cada força utilizava desse poderoso artifício. Linhagens mais obscuras e sombrias da bruxaria costumavam usar o círculo elementar para obter informações privilegiadas, segredos íntimos que não poderiam ou deveriam ser revelados. Em resumo, era um artifício muito usado.

Já os bruxos de linhagens mais puras e transparentes quase não usavam do círculo elementar, por tratar-se de um ferimento profundo a liberdade e privacidade de todos os seres viventes. Era mais comumente utilizada em brincadeiras juvenis e inofensivas.

— Se estamos negociando, Yoongi, quero oferecer minha contra proposta — forçou um sorriso — Se você não conseguir, irá ser preso no espelho — falou rápido — Cinco perguntas eu não aceito, proponho três…

— Quatro — interrompeu a fala do outro que demonstrou sua irritação.

— Certo — novamente forçou um sorriso — Quatro… quatro perguntas.

— E quanto ao livro? — Yoongi perguntou.

— Antes que aceite meu jogo, como estou muito paciente hoje e fui com a sua cara, deixo que o folheie por uns dois minutos, para que tenha certeza de que não é um dos que você esparramou na minha antiga sala — falou sério — O que acha?

Yoongi semicerrou os olhos. Taehyung estava simpático demais consigo e isso só podia significar que ele tinha um plano por trás de todo aquele joguinho, estava muito confiante e Yoongi sabia que teria que tomar muito cuidado com ele e, principalmente, com as perguntas que iria fazê-lo.

— E então? — o outro lhe perguntou agora abrindo um sorriso malicioso e lhe estendeu o livro em sua direção.

Ainda estava receoso, mas não tinha muito tempo para pensar e por isso esticou o braço e pegou o livro, selando o acordo entre eles.

— Dois minutos — disse — dychwelyd — falou rápido e alto suficiente para que Yoongi ouvisse.

A maior parte dos feitiços rápidos estava escondida na língua galesa, uma das línguas originadas do povo celta há muitos séculos. Todo bruxo devidamente preparado compreendia um pouco desta língua e Yoongi sempre fora muito dedicado e por isso reconheceu a palavra que significar “retornar”.

Taehyung era esperto e havia garantido que o livro voltasse para suas mãos quando o tempo acabasse. Precisaria tomar muito cuidado com ele, pois, provavelmente, fora exatamente desta maneira que ele conjurou um feitiço que lhe permitisse manipular coisas de dentro do espelho.

Abriu o livro antigo com muita rapidez. As páginas eram amareladas devido ao envelhecimento e as bordas estavam desgastadas, carcomidas pelo tempo. Porém, em seu conteúdo além de algumas gravuras pode perceber algo que complicava — e muito — as coisas. O livro estava escrito em manês, um outro dialeto de origem celta que, porém, era quase uma língua morta, pois era falada apenas por alguns poucos nativos da Ilha de Man.

Yoongi poderia entender o galês mesmo que com dificuldade, mas não tinha nenhum conhecimento sobre o manês e também não fazia ideia de onde encontrar alguém ou alguma coisa para lhe ajudar na tradução.

Estava afoito e ansioso, continuava virando as páginas com a esperança de encontrar alguma versão em outra língua ou alguma anotação que lhe fosse útil ou lhe desse um norte.

No entanto o tempo se esgotou rápido e imediatamente o livro escapuliu de suas mãos, flutuando em direção as mãos do outro que continuava sustentando o semblante superior com o sorriso irritante estampado na face.

— Espero que essa pequena demonstração de minha benevolência tenha lhe ajudado — disse de modo muito simples.

— Manês… — disse em voz alta e riu soprado — Por isso você me ofereceu esse livro. Eu não tenho nem como saber se ele tem o que eu preciso.

— Você aceitou o acordo e eu te provei que este não era um dos livros que estava no meio dos que você pegou do porão.

Yoongi odiava ter que admitir, mas Taehyung estava certo. Deveria ter sido mais prudente com aquele bruxo que parecia não dar um passo em falso.

— Não se esqueça que eu tenho quatro perguntas, Kim Taehyung — falou de maneira imperativa.

Taehyung apenas sorriu e deu de ombros antes de se sentar confortavelmente novamente. Yoongi lhe encarou sentindo a raiva crescer dentro de si.

Afastou a mesa de centro e empurrou os livros com o pé para os cantos da sala, sem desfazer o contato visual com aquele que invadira a sua casa. Com o meio da sala livre de objetos, estava pronto para conjurar o círculo elementar.

— Eu, Min Yoongi — começou a dizer em voz alta — peço permissão da Deusa e do Deus para abrir um círculo elementar.

Enquanto falava sério, Taehyung lhe fitava com o mesmo ar debochado. Bruxos como ele nunca pediam permissão para ninguém, apenas faziam o que queriam.

— Eu convoco os cinco elementos neste momento para que se juntem nesse círculo elementar onde a verdade e apenas a verdade pode ser dita, doa a quem doer e que assim seja — manteve o tom concentrado em sua fala — Tir — chamou com veemência e um punhado de terra descolou-se do jardim da frente da casa e flutuou até a sala, depositando-se sozinha em um canto do centro — Dŵr — e logo um punhado de água havia se ajeitado em uma bolinha que ficou flutuando ao lado da terra — Aer — e um pequeno redemoinho de ar se fez, girando e girando em outro ponto estratégico — Tân — seu isqueiro pulou sozinho de seu bolso, acendendo-se e mantendo-se aceso em seu local destinado — Ysbryd — chamou o quinto elemento, o espírito, que seria representado por ele mesmo e deu um passo a frente, fechando assim o círculo elementar.

No momento em que se juntou ao círculo, uma luz prateada surgiu, conectando os cinco elementos ali presente, fazendo emanar uma energia surreal, até mesmo para Yoongi.

— Eu, Min Yoongi, convoquei esse círculo elementar e sou o mestre responsável para fazer quatro perguntas a Kim Taehyung e apenas a ele. Após as quatro respostas ditas com verdade este círculo será desfeito e que assim seja.

— Uau — Taehyung bateu palmas — Não é que você sabe conjurar um círculo elementar? Estou impressionado — falou sarcasticamente.

— Pronto, Kim Taehyung, o círculo elementar está aberto, pode entrar — disse com segurança, mas não menos ansioso.

Precisava pensar muito bem nas perguntas que queria fazer, pois toda a informação que colhesse lhe seria muito útil ou muito inútil.

— Claro.

Taehyung se levantou do sofá emitindo um sorriso falso e pela primeira vez Yoongi sentiu que o bruxo poderoso estava receoso. O viu entrar no círculo de luz prateada e se posicionar no centro, sentando-se o mais confortável que pode, dada a situação.

— A partir de agora você, Kim Taehyung, irá responder a verdade para quatro perguntas que eu, Min Yoongi, vou lhe fizer — lançou um olhar de superioridade em direção ao outro — A resposta que eu procuro está no espelho?

Fez sua primeira pergunta fazendo com que o outro rolasse os olhos e suspirasse com desânimo. Certamente ele não estava contente de estar naquela situação e isso dava alguma vantagem para Yoongi.

— Não — respondeu seco e sério.

Yoongi apertou os olhos, focalizando melhor a face de Taehyung. Será que ele poderia burlar o único artifício mágico inviolável? Não saberia responder, mas tinha certeza de que precisava pensar com cuidado na sua próxima pergunta.

— Sabe, Min Yoongi… — Taehyung falou tranquilo — você é bastante interessante — sorriu — Acredito que juntos, faríamos uma dupla e tanto…

— Calado, não me atrapalhe, estou pensando — respondeu levemente irritado com a intromissão do outro — Mas, para a sua informação — continuou irritado — eu jamais faria uma dupla com você — disse taxativo.

— Hum — bufou em resposta antes de voltar a sorrir — Oras, querido e amado Min Yoongi, temos muito em comum! — ajeitou-se no chão, ficando de joelhos em direção daquele a quem provocava — Somos obcecados, focados, decididos... vamos até o fim pelo o que desejamos… — riu e voltou a se sentar — Temos muito, muito em comum! Ouso até dizer que somos iguais!

— Não, não — discordou rapidamente — Se tem uma coisa que a gente não é, Taehyung, é igual, porque eu jamais usaria do meu poder para benefício próprio como você fez, faz e quer fazer — concluiu ainda mais irritado do que antes.

— Não faz a benefício próprio, sei, assim como não fez esse círculo para beneficiar apenas a si mesmo, não é? — riu — Você é realmente muito cheio de si, até nisso somos parecidos.

— Pare de dizer que somos parecidos, pois não somos — elevou o tom de voz, quase gritando — Você sabe que não estou fazendo isso para meu próprio benefício, afinal foi você quem o prendeu naquele espelho para poder sair e espalhar a sua maldade mundo afora. O que eu estou fazendo é para salvar uma pessoa de bom coração que quis te ajudar e acabou sendo enganado — falou com vontade tudo o que parecia estar engasgado há décadas.

— Ajudar quem e o que? — se fez de desentendido — Por acaso eu disse que tinha feito isso? Eu só quero meu espelho!

— Ah, agora você vai me dizer que não fez?

Taehyung sorriu e Yoongi deu um tapa na própria testa. Tinha acabado de gastar uma de suas valiosas perguntas com um questionamento retórico e inútil. O círculo era sempre literal e qualquer frase dita em tom de pergunta contava, mesmo que não fosse uma de fato.

— Não, eu não fiz — respondeu com um sorriso tão largo quanto cínico — Não fiz porque não sei do que ou de quem você está falando, mas se quiser, pode perguntar de novo e de maneira mais clara — manteve o sarcasmo.

— Eu não vou perguntar de novo porque eu sei exatamente o que você está fazendo — riu indignado consigo mesmo — Está tentando me fazer gastar minhas perguntas com coisas inúteis. E outra, eu não preciso do círculo elementar para saber que você trancou o Jungkook no espelho para que você pudesse sair.

— Ah, então era isso que você estava fantasiando — simplório e desentendido como sempre.

Yoongi estava irritado e sentia-se pressionado a escolher algo útil. Já tinha desperdiçado duas respostas que não lhe ajudaram em nada. Porém a irritação e a raiva crescente ajudavam menos ainda. Sua cabeça pesava e os pensamentos pareciam embaralhados.

— Mas vou te dar um conselho, se você não perguntar as coisas direito vai acabar ficando apenas com as coisas que você imagina, Min Yoongi — disse e cruzou os braços.

— Você é muito debochado mesmo — riu soprado — Mas eu já tenho uma pergunta.

— Manda — disse sorrindo.

— Com o livro que você vai deixar comigo eu terei acesso a todas as ferramentas necessárias para tirar Jungkook de dentro do espelho? — perguntou pausadamente, pensando em casa palavra pronunciada para evitar respostas atravessadas ou tangenciadas.

— Ah — suspirou — Sim, você terá, Yoongi — respondeu apoiando os cotovelos nas coxas — Engraçado — riu — já te considero um amigo.

— Fica quieto — repreendeu.

— É sério… olha que coisa mais linda e amistosa, estamos aqui, nós dois, falando verdades um para o outro. Não é assim que os amigos fazem?

— Já disse, cala a boca.

Yoongi continuava sério e olhava para o outro. Agachou-se, ficando na mesma altura de Taehyung para lhe olhar bem no fundo dos olhos, tentando examiná-lo e ao mesmo tempo, intimidá-lo.

— Chega das suas gracinhas — falou entre dentes — Eu já entendi seu joguinho — riu soprado — e é por isso que você estava tão confiante, mas eu não vou mais cair nessa sua manipulação barata. Então faça o favor de ficar quietinho enquanto eu penso em como usar minha última pergunta — praticamente cuspiu as palavras e voltou a se levantar.

— Eu não faço gracinhas ou joguinhos — falou falsamente ofendido — Estou sentado aqui, bem como você pediu, respondendo sinceramente a você, meu amigo — e novamente sorriu quando proferiu as duas últimas palavras.

— Já disse, fica quieto.

— Calma, quanta irritação — brincou.

Yoongi continuava pensando e Taehyung parecia ter finalmente calado a boca. Tinha uma última oportunidade para questionar o que quisesse. Poderia perguntar como tirar Jungkook do espelho, mas ele poderia simplesmente responder que era só seguir os passos do livro e isso não seria uma mentira.

O círculo elementar aceitava respostas que fossem verdadeiras e ponto final. Se o convidado no interior do círculo soubesse como responder a verdade sem se comprometer não seria punido por isso. E a verdade era sempre multifacetada, nunca era uma única possibilidade. Por isso o mais recomendado era que as perguntas pudessem ser respondidas com “sim” ou “não”.

Por isso pensava tanto. Por isso precisava ter muita cautela. Por isso precisava se concentrar para conseguir elaborar uma pergunta útil. Mas seu momento de paz silenciosa se findou quando ouviu um assovio cheio de musicalidade partindo do interior do círculo. Tentou ignorar e continuar pensando.

— Ah, eu adoro essa música — Taehyung falou alto, desconcentrando Yoongi de novo — Vou te contar uma coisa íntima — o outro continuava tentando ignorá-lo — Quando eu era criança o meu maior sonho era ser saxofonista — imitou um barulho que deveria ser de um saxofone — porque eu sempre gostei muito de jazz, sabe, o improviso, a elegância — continuava a falar — Saxofones me trazem uma sensação vermelha e preta, tipo um bordel americano dos anos 50 cheio de vedetes…

— Cala essa maldita boca — vociferou agachando-se novamente para ficar de frente para o outro — Eu já pedi para você se calar, você é sur… — tapou a boca com a mão em um reflexo.

Quase gastara sua última pergunta de novo com algo imbecil.

— Sim, você está se fazendo de surdo para que eu me irrite e caia nesse seu joguinho sujo, mas isso não vai acontecer de novo, Taehyung — sentenciou — Você já me irritou demais com suas brincadeirinhas planejadas desde que entrou nessa casa — levantou-se.

Taehyung continuou imitando o som de um saxofone.

— Eu estou apenas arranjando uma forma de passar o meu tempo, Min Yoongi, enquanto você está aí, perdendo o seu tempo e o meu — disse tranquilo e se levantou.

— Pois bem, tenho minha última pergunta.

— Estou as ordens — bateu uma continência debochada.

— Você vai tentar me impedir de tirar o Jungkook do espelho?

Taehyung suspirou e ficou sério, tirando, finalmente, aquele sorriso da cara e passando a pensar em sua resposta pela primeira vez.

— Vamos, responda — ordenou.

— Uma pergunta muito interessante, Yoon querido, te disse que já te considero um amigo — respondeu claramente contrariado e levou a mão a boca, com a intenção de abafar sua resposta — Não, eu não irei tentar te impedir.

Assim que a sua última resposta foi proferida a linha prateada que conectava todos os elementos dissipou-se como mágica. O redemoinho de ar se desfez, o isqueiro apagou e a bolinha de água caiu no chão, desfazendo por completo o círculo elementar.

Continuaram se encarando por mais algum tempo sem dizer nada. Yoongi não tinha descoberto muitas coisas, mas pelo menos sabia que o livro lhe traria as respostas se conseguisse decifrá-lo e podia sentir o alívio de saber que Taehyung não tentaria impedi-lo.

Taehyung foi o primeiro a se mexer, levou a mão ao bolso interno do sobretudo retirando o livro que mostrara para Yoongi instantes antes. Esticou-o em direção ao outro bruxo, porém quando ele foi pegar, segurou o livro com mais força.

— Uma semana, Min Yoongi — disse sério — Daqui sete dias eu volto para buscar o que é meu, amigo — e novamente sorriu ao mesmo tempo em que afrouxou o aperto entre os dedos, deixando que o outro pegasse o livro de suas mãos.

Virou-se tranquilo e caminhou em direção a saída, dando, porém, uma pequena parada em frente ao espelho no corredor. Tocou o objeto e olhou em direção a sala, fitando Yoongi nos olhos.

— Uma semana… seu tempo está correndo, Sir Min Yoongi — e com um aceno de cabeça deixou a residência que agora não pertencia mais a sua família.

Yoongi suspirou, sentindo todo o peso que estava em suas costas sair. Derrubou o corpo na poltrona sentindo-se completamente exausto. Suspirou mais uma vez e encarou o livro de capa de couro envelhecido em suas mãos. Pendeu o pescoço para trás sem saber o que fazer, tinha uma semana para resolver tudo: traduzir o livro e encontrar os meios para libertar Jungkook.

{…}

Não demorou muito para encontrar a parte do livro que poderia lhe interessar e essa rapidez nada tinha a ver com uma capacidade mágica de aprender manês, mas sim pelo fato de ter encontrado uma gravura antiga retratando um espelho idêntico àquele que enfeitava o corredor de entrada.

Eram mais de vinte páginas no capítulo que havia sido iniciado com aquele desenho. Eram mais de vinte páginas escritas em uma língua da qual não conhecia. Eram mais de vinte páginas…

Pegou o celular que estava carregando e o ligou. Buscou no Google algum dicionário que pudesse lhe ajudar, mas não encontrou nada sobre isso, apenas sites que contavam a história dessa língua e do povo da Ilha de Man. Bufou em desagrado.

Passou a procurar na internet por algum morador da única ilha no mundo que ainda mantinha habitantes que falassem a língua, porém esse ofício foi tão difícil quanto o anterior.

Manês não era uma língua morta, mas era mais desconhecida do que o latim! Parecia que ninguém que falasse a língua existia na internet.

Precisava pensar em um jeito para não ter que recorrer ao seu coven. Queria impressionar a sacerdotisa e não enche-la de problemas. Ou melhor, não queria se encher de problemas, pois além de perder o poder de seu amuleto ainda tinha conjurado um círculo elementar, prática pouco apreciada por bruxos de luz e em especial por sua sacerdotisa.

— Então foi isso que você veio buscar? — falou baixinho consigo mesmo.

Sim, fazia sentido. Taehyung havia demorado aquele dia na casa porque provavelmente estava procurando esse livro. Estava claro que ele havia percebido sua presença e, deste modo, não era difícil pensar que o maluco fumante do outro lado da rua iria entrar e vasculhar tudo atrás de respostas.

Mas se o manês é uma língua pouquíssimo falada dificilmente Taehyung teria aprendido, a não ser que tivesse sido criado na tal Ilha de Man, o que parecia pouco provável.

E segundo o diário de sua mãe ele havia aprendido um feitiço para manipular objetos de dentro do espelho, logo, ele só poderia ter aprendido naquele livro. Sorriu. Com certeza havia alguma coisa dentro da casa que poderia lhe ajudar a ler as palavras desconhecidas por si.

Levantou-se do chão finalmente depois de horas a fio tentando entender o que o livro dizia. Precisava continuar procurando alguma coisa na casa.

— Bom — falou consigo mesmo novamente — Se eu tivesse um dicionário ou algo assim e quisesse esconder, onde eu colocaria?

Olhava ao redor de si. A casa ainda empoeirada estava uma bagunça. Cheia de livros esparramados pelo chão junto com bitucas de cigarro e restos de comida. Sabia que não tinha mais nada no porão, pois já tinha retirado tudo.

— Em um esconderijo secreto? — indagou-se forçando os olhos até praticamente fecharem.

Suspirou profundo e começou a sua caçada interminável por algum botão escondido, um alçapão disfarçado ou alavanca invisível. Começaria pelos quartos de cima e iria descendo aos poucos, após examinar minuciosamente cada pedacinho da casa.

Os cômodos, assim como a casa toda em si, mantinham uma aura melancólica, pesada e esquecida. Era possível ver pedaços de papel de parede descolando, marcas profundas nas madeiras das portas e corrimão, poeira para todo lado.

A casa tinha três quartos na parte superior e um corredor comprido, que estava parcialmente bloqueado pela escadaria que Yoongi havia puxado um tempo atrás para explorar o sótão.

Primeiro subiu e ligou a luz puxando o interruptor em forma de cordinha. O local estava completamente vazio, dando um ar ainda mais enfadonho ao lugar. Yoongi manteve-se atento e começou a sua inspeção, batendo em cada centímetro de madeira. Mas os sons de suas pequenas batidas eram pesados, preenchidos e não ocos.

Nem nas paredes e nem no chão.

Desceu.

A suíte principal foi a primeira a ser vasculhada. Dos antigos donos restaram apenas a cama de casal e o guarda roupa. Sua busca continuava, assim como a sua frustração em não encontrar nada.

Frustração essa que se repetia cômodo a cômodo. Nada escondido, nada secreto. Nem nos colchões ou no buraco do vaso sanitário. A destruição por onde passava demonstrava o quanto estava ficando cansado e irritado de procurar por algo que sua intuição lhe dava certeza de existir.

As horas foram passando sem nenhum sucesso para Yoongi que começava a ficar cansado. Buscou o maço de cigarro no bolso e se irritou completamente por ver que não havia uma mísera unidade dentro.

Bufou completamente bravo.

Precisava sair daquele lugar e comprar mais cigarros para pensar. E uma garrafa de uísque também faria bem.

Saiu da casa e a trancou, mas não apenas com a chave que detinha. Usou um encantamento em conjunto, “clo” sussurrou para travar a casa.

Já era tarde da noite e a rua estava silenciosa e fria. Decidiu caminhar até o posto de gasolina mais próximo para pensar melhor no que ia fazer, afinal, já tinha gastado um dos sete dias que tinha.

Claro que Taehyung poderia ter levado aquilo que Yoongi procurava no dia que ficou horas sozinho na casa. Seria um golpe de mestre, levar o livro para barganhar consigo e levar a ajuda para lhe atrapalhar.

Cansado e frustrado, chegou ao posto e dirigiu-se a loja de conveniência muito iluminada e abarrotada de produtos, comidinhas, bebidas com e sem álcool, cigarros e quinquilharias que serviam de presente fajuto.

Buscou uma garrafa de Jack Daniel’s e se dirigiu ao caixa, onde ficavam os cigarros. Entregou a bebida ao atendente com cara de sono e o cumprimentou.

— Boa noite, o senhor deseja mais alguma coisa? — ele lhe perguntou.

— Vocês vendem o pacote fechado de Marlboro Gold?

— Com cinco ou dez maços?

— Com dez.

— Vou buscar no estoque, só um minuto — o rapaz disse e saiu.

Yoongi se recostou no balcão e procurou a carteira no bolso, mas devido ao cansaço a deixou cair no chão. Abaixou para pegar e fitou algumas coisas que estavam a mostra no vidro do balcão e dentre todas aquelas porcarias, uma lhe chamou a atenção: um livro falso.

A embalagem era infantil mostrava o livro aberto com um buraco no meio e os dizeres “nunca mais divida suas balas, usando esse poderoso esconderijo”.

— Um livro? — franziu os olhos e sussurrou para si mesmo.

O atendente voltou com seu pacote de cigarro. Pagou por seus produtos, agradeceu e saiu da loja de conveniência com pressa. Ia verificar todos os livros novamente, pois não tinha mexido naqueles que obviamente não lhe diziam nada, como os livros de ficção.

Entrou em casa correndo, agachando-se na sala para remexer em todos os livros esparramados. Abriu a garrafa e bebeu no gargalo mesmo devido a sua pressa. Começaria um novo turno enlouquecido atrás de alguma coisa que nem sabia o que poderia ser.

Foi abrindo um a um sem nenhum cuidado, examinando qualquer coisa que pudesse sugerir um reparo ou um remendo. Checava, por cima, se as páginas pareciam completas, coladas, rasuradas…

Mas ainda assim, não conseguia encontrar nada e já estava ficando sem paciência. Porém barulho de um trovão fez Yoongi sobressaltar e sentir o coração querer sair pela garganta, tirando-o do transe de raiva e insatisfação.

— Que maravilha — comentou audível quando o som da chuva forte se fez presente.

Recobrou a consciência e voltou ao seu trabalho de examinar os livros. Não podia desistir de Jungkook, do espelho, precisava tê-lo consigo. E foi esse pensamento que o deu forças para continuar por mais tempo do que achava que seria capaz.

A chuva era violenta e bastante barulhenta com todos os seus raios e trovões. O som cada vez mais próximo do clarão de luz contava que a chuva estava cada vez mais perto de sua casa, ficando cada vez mais voraz.

Um raio. Dois. Três.

E mais um tão alto e tão próximo que parecia que tinha caído dentro da casa, de tão perto que fora. Mas foi o próximo que mostrou a graciosidade de sua violência, fazendo as luzes da rua apagarem por completo.

— Ah, ótimo — reclamou e buscou o isqueiro no bolso.

Acendeu o utensílio e se levantou. Caminhou até a janela e viu os moradores de outras casas começarem a segurar pequenos pontos de luz alaranjada. Yoongi não tinha velas em casa, mas precisava urgentemente de uma.

Sem pensar, pegou o casaco e colocou na cabeça antes de sair correndo porta a fora, em direção a uma das casas. A chuva era tão forte que estava ensopado só de atravessar a rua.

Bateu na porta dos vizinhos que rapidamente a abriram.

— Desculpe o horário e o momento, boa noite — disse afoito — Sou o vizinho da frente e não tenho velas, você pode me arranjar algumas?

A moça loira assentiu cheia de dó do rapaz molhado e lhe trouxe um pacotinho com oito velas. Yoongi agradeceu, guardou o pacote embaixo da camiseta e correu de volta para sua casa indo direto pra cozinha.

Acendeu quatro velas e pingou um pouco de cera em quatro pires, para colar as velas em pé. Tirou a blusa ensopada e deixou na cadeira da cozinha. Levou-as para a sala de duas em duas, deixando-as em volta do livro em manês.

Quando as quatro velas estavam posicionadas de maneira segura, Yoongi decidiu voltar ao seu árduo trabalho ingrato. Suspirou e virou a cabeça rápido para pegar mais um livro do monte interminável.

Porém com o seu movimento de cabeça notou algo diferente no livro deixado por Taehyung, havia um brilho estranho por cima das letras impressas em tinta velha.

Aproximou-se do livro e se mexeu para confirmar que não estava vendo coisas, mas o brilho continuava lá, dançando junto às chamas das velas. Pegou o livro nas mãos e o aproximou da luz quente. Conforme mexia o livro podia ver algumas palavras conhecidas: “espelho”, “prender”, “por”…

Cheirou o livro e sorriu.

Seu olfato sempre fora muito bom e tinha certeza que pode perceber um odor cítrico misturado com o cheiro de papel velho. Limão! Riu consigo mesmo.

— Taehyung filho da puta — falou com gosto — tinta invisível de limão e água, seu cretino?

Sim, ele estava certo. Por cima do manês, o bom e velho coreano escrito a mão com a tinta incolor mais juvenil de todos os tempos. Santa chuva, santo raio, santa falta de energia elétrica! Agora podia ler, mesmo que com certa dificuldade, porque algumas palavras estavam ilegíveis.

O espelho de Marlon

Poderoso artifício para capturar almas […]”

Sorriu. Estava conseguindo ler de alguma forma, mesmo com as limitações.

“…manejado com cuidado devido seu alto poder. O espelho de Marlon pode ter grande grau de […] que com ele interagem. O portador de tal artefato deve ter consciência de que […] consigo um objeto capaz de […] todos àqueles que o […].

O primeiro uso conhecido foi em […] por Marlon di Salasses, um dos coronéis do Império Romano durante a ocupação romana da Gália Cisalpina. […] buscava vantagem contra o povo celta, aprisionando seus melhores guerreiros em seu […].

Talhado em carvalho, o […] de Marlon mantém seu poder místico, servindo até os dias […] como forma de […] de inimigos.”

Então essa era a história daquele espelho?

A família de Taehyung devia ser realmente poderosa para ter consigo um artefato tão importante, poderoso e antigo.

Yoongi continuou tentando ler tudo o que estava escrito, pulando as partes de história, estava mais preocupado em encontrar os ritos de aprisionamento e libertação.

“[…] de aprisionamento individual

Antes de tudo é importante lembrar que aprisionar uma alma perdida é uma decisão que necessita certeza, pois não há […] de libertá-la sem uma troca. Lembra-se também que uma vez que o espelho de Marlon troca de lugar, as almas que carrega ficam presas no mesmo local onde foram aprisionadas.

[…] certeza da necessidade desse rito.

Para prender uma […] errante é preciso garantir que a noite seja de Lua Cheia. O executante deve estar portando uma adaga no momento do […]. Limpe a superfície com sálvia escaldada enquanto conjura o […]: ‘Rwy’n eich dal chi yma i beidio byth â gadael eto’.”

— Estou segurando você aqui para nunca mais sair — Yoongi traduziu para si mesmo o feitiço.

“Com o […] de […] aberto basta conduzir a alma errante para dentro de si. Lembre-se de garantir que o […] esteja com mordaças para que não conjure contra-feitiços”.

Algo que a mãe de Taehyung não fez.

Agora Yoongi sabia como colocar alguém dentro do espelho, mas ainda não sabia como tirar alguém de lá. Continuou virando as páginas, procurando a resposta que tanto esperava encontrar.

“Rito de libertação”

Encontrou.

“Como dito anteriormente, para […] alguém uma troca deve ser feita e há duas maneiras de realizar este […]. A primeira é ‘un enaid i un enaid’, uma troca justa, uma alma por outra”.

Era isso o que Taehyung havia feito. Trocado a sua pela de Jungkook.

“Em uma noite de Lua Nova leve a alma que será trocada para a frente do espelho de Marlon. A […] deve estar energizada com um amuleto banhado com seu próprio sangue. Com um tecido pessoal da alma […] seus olhos para que não veja nada e introduza algo da […] aprisionada no interior daquela que irá trocar de lugar. Quanto mais material genético maior a probabilidade de sucesso. Após o […] as almas serão trocadas”.

— Jungkook, burro do caralho — cochichou para si e continuou a ler.

“A segunda forma de remoção de almas aprisionadas é com o sacrífico de sua criatura criadora. Leve-a de frente para o espelho de Marlon em uma noite de […] Crescente. Seus olhos devem ser vendados com um tecido pessoal do aprisionado durante a remoção de […] útero. O sacrifício deve ser, exclusivamente, realizado com o sufocamento durante ingestão de seu […]. A alma […] estará livre em seu último suspiro”.

Yoongi arregalou os olhos.

Não só por conta da crueldade necessária para libertar Jungkook, mas também por causa de um fato muito importante: ele era adotado desde bebê. Nunca conhecera a sua criatura criadora, vulgo mãe biológica.

Havia muitos lados nessa história. Do lado menos horrível, Jungkook não sentiria tanto a perda da mãe biológica que nunca conheceu. Mas do lado horrível… muitas coisas, a começar com o ritual em si. Yoongi teria capacidade de sufocar uma mulher com seu próprio útero apenas para libertar Jungkook?

Suponhamos que ele conseguisse cometer tal atrocidade, seria humanamente impossível encontrar a mãe biológica de Jungkook em menos de seis dias.

A opção menos horrível seria a troca.

Un enaid i un enaid.

Uma alma por uma alma.

Mas quem?

Não se sentia nem um pouco apto a escolher uma outra pessoa para ser aprisionada de volta dentro do espelho, além de Taehyung, é claro.

Mas como poderia fazer isso sem que ele percebesse?

Yoongi não estava lidando com um Jungkook sonhador querendo salvar fantasmas. Estava frente a frente com o bruxo que havia feito o mesmo ritual com o seu amigo. Ele era poderoso e muito sábio tornando o rito de troca completamente impossível de ser realizado.

Sabia apenas que precisava de mais tempo.

Para pensar, para decidir, para encontrar a mãe biológica de Jungkook.

Só precisava de muito mais tempo do que Taehyung lhe dera.

Olhou para o espelho completamente aflito. Já não sabia se seria capaz de tirar Jungkook de lá de dentro. Não com as opções que tinha nas mãos. As que não eram cruéis e horríveis, eram impossíveis.

Caminhou até o espelho e fitou o próprio reflexo.

— Eu vou dar um jeito — segredou.

{…}

Sete dias.

Era o tempo que havia se passado desde seu encontro com Taehyung. E, felizmente, era noite de Lua Cheia.

Yoongi esfregava o espelho com afinco usando um pano embebido de sálvia escaldada. Ao mesmo tempo repetia fervorosamente: Rwy’n eich dal chi yma i beidio byth â gadael eto, tentando ignorar completamente a voz embargada.

Precisava de mais tempo.

E daria um jeito de ter mais tempo, prendendo Taehyung novamente no espelho de Marlon, afinal, todos os ritos de libertação usam itens de quem vai ser libertado, não correria o risco de tirar o outro bruxo sem querer.

A adaga estava presa junto ao corpo no lado esquerdo, energizada nos últimos seis dias para lhe conferir poder e proteção. Do lado direito, escondia faixas de tecido para amordaçar Taehyung.

Não sabia que horas ele voltaria, mas sabia que o portal do espelho estava aberto e pronto. Suspirou.

Estava melancólico e triste por não saber o que fazer e pela sensação de incapacidade de ajudar seu amigo a se salvar de uma armadilha. Jungkook havia acreditado em Taehyung, havia se apaixonado por ele.

E…

Acabou sendo traído de todas as formas.

Terminada a abertura do portal do espelho, ajoelhou-se e chorou. Permitiu-se expressar toda a sua mágoa dos últimos dias. Sentia-se fraco e impotente naquele momento.

Um último feitiço.

Pegou a adaga e deixou que as suas lágrimas a molhassem enquanto dizia “Rwy’n eich condmnio gwieionedd y galon” repetidas vezes sem se cansar. Se não podia salvar Jungkook naquele momento, pelo menos queria entender o porquê de tudo aquilo.

Estava feito e agora só precisava esperar.

Horas depois ouviu a porta ser aberta. Estava deitado no chão de frente para o espelho quando o corpo de Taehyung parou em sua frente.

— Meu amigo, Min Yoongi — falou de modo cínico — Conseguiu libertar sei lá eu o quê desse meu querido espelho?

Levantou-se devagar e manteve uma postura de derrota completa.

— Oh… o que aconteceu, Min Yoongi — forçou uma preocupação estereotipada — Não conseguiu o que queria? — riu.

— É tudo seu — proferiu antes de caminhar.

Taehyung riu sem deixar de observar o corpo do outro passando ao seu lado. Acompanhou com o olhar até onde sua visão periférica permitiu e depois fechou os olhos.

— Ah, Yoongi, tsc — fez um estalo com a língua — Saiba que admiro a sua coragem.

— Kim Taehyung… — chamou fazendo o bruxo se virar para si.

Em um movimento rápido, puxou a adaga que jazia no suporte próximo ao corpo e com agilidade atingiu o peito de Taehyung, fazendo um corte não tão profundo, mas fundo o suficiente para lhe fazer sangrar.

Rwy’n eich condmnio gwieionedd y galon — proferiu com força e volume.

Taehyung não teve tempo de reagir, simplesmente paralisou no local onde estava. As palavras ditas por Yoongi nada mais era do que um feitiço rápido que obrigada o seu oponente a revelar os segredos mais íntimos de seu coração. A paralisia duraria alguns poucos minutos e durante esse tempo Taehyung estaria condenado a abrir tudo o que sentia.

— Maldito — disse sentindo-se sufocar com os olhos arregalados — Jungkook infelizmente foi o bobo que topou me libertar, mas eu me sinto mal por ter tido que aprisionar justo ele porque ele foi gentil comigo. Eu queria o espelho para poder garantir que Jungkook ficaria para sempre comigo, e se você o removesse eu o perderia para sempre. Eu queria mil vezes que ele tivesse sido um babaca cretino como você, Min Yoongi, aí eu poderia apenas mudar o espelho de lugar e nunca mais teria que me preocupar com você.

Yoongi ouviu a sentença proferida em silêncio. Aproveitando a paralisia do outro, pegou as faixas e começou a enrolá-las em volta da boca de Taehyung que continuava falando as coisas de seu coração.

Terminou de dar as voltas na faixa e encarou Taehyung nos olhos.

— Queime no inferno — vociferou com ódio instantes antes de empurrar o corpo alheio para dentro do espelho.

No entanto, no momento em que o seu corpo caía para dentro, o feitiço de breve duração de Yoongi acabou. Taehyung conseguiu mover uma das mãos o suficiente para afastar o tecido da boca e dizer bem baixinho: “Rheolaeth awyr agored” a mesma sentença proferida quando sua mãe fez o mesmo consigo. Significa que ele podia controlar o exterior, de novo.

Yoongi não ouviu a sentença ser proferida e por isso não se preocupou. Viu Taehyung ser engolido para dentro do espelho e voltou a chorar. Talvez tivesse que passar o resto da vida vigiando a nova moradia de Jungkook, ou então teria que ter coragem de sacrificar alguém em nome do amigo.

Caminhou, desolado, até o sofá companheiro das noites mal dormidas. Deitou-se de frente para o espelho sem deixar de ver seu reflexo.

— Me perdoe, Jungkook.

{…}

— Maldição! Maldição! Maldição! — Taehyung gritava batendo com os punhos no vidro do lado de dentro do espelho.

— Bem vindo de volta — a voz melodiosa e conhecida de Jungkook invadiu seu ouvido, fazendo-o olhar para trás — Quer dizer que queria manter como um bibelô para sempre?

Jungkook estava sentado no chão, ao lado do sofá que mostrava o reflexo de Yoongi em cima de si. Seu olhar não era mais angelical, puro ou curioso como antes, estava diferente, mudado… por dentro.

— Ficou tempo demais aqui dentro já — Taehyung respondeu sem ânimo e se sentou no chão, encostando as costas no vidro do espelho — Já está mudado?

— O espelho faz isso, não?! — perguntou retoricamente.

— É… — concordou ainda sem humor — Acho que precisamos observá-lo por alguns dias — olhou para trás, vendo Yoongi começar a pegar no sono.

— Só chora, se lamenta e pede desculpa — Jungkook falou seco — Você acha que ele vai fazer alguma coisa? Trocar a gente de lugar?

— Hum — balançou a cabeça incerto — Não sei, mas se ele fizer isso, já era para sempre.

— Meu amorzinho — chamou a atenção de Taehyung — Precisamos fazer alguma coisa.

Taehyung se levantou e começou a mexer nos livros que ainda estavam refletidos no espelho, procurando por algo.

— Então aquelas eram as palavras mágicas para você poder manipular as coisas daqui de dentro? — Jungkook perguntou mesmo sabendo a resposta.

— É… eram — respondeu seco sem perder a concentração.

— O que está procurando?

— O celular dele. Você viu?

— Ele deixa debaixo do sofá — Jungkook respondeu.

— Vamos precisar dele — agachou-se e tateou o chão embaixo do sofá, torcendo para que pelo menos uma parte do celular estivesse refletida.

E estava, por um misero pedacinho. Pegou o aparelho e entregou para Jungkook, pedindo que ele guardasse em algum lugar difícil de encontrar e o mais novo jogou o aparelho dentro de um vaso de porcelana em cima da lareira.

— Qual o plano? — o mais novo perguntou.

— Primeiro, precisamos matá-lo — falou de modo frio — Depois dar um jeito de encontrar duas pessoas que topem fazem o ritual de troca.

— Teve uma vez que Yoongi veio ver a casa e o corretor estava aqui com um casal, os Park — Jungkook começou a falar — Eles gostaram muito daqui, dava para ver. E teve uma hora, antes de Yoongi chegar que eles contaram que estavam tentando engravidar, mas os dois tinham problemas reprodutivos e estavam esperando que o tratamento de fertilidade desse certo para encher a casa de filhos — concluiu.

— Jungkook — o mais velho cruzou os braços e sorriu ladino — Onde quer chegar… e… qual o seu plano? — disse ainda sorrindo.

— Pegamos o celular, encontramos eles e oferecemos uma saída para infertilidade, uma purificação espiritual, ou algo assim. Eles querem muito ter filhos biológicos, tenho certeza de que fariam de tudo — Jungkook respondeu com seriedade.

— Sim, é um casal! — sorriu — Saímos os dois e eles entram.

— Foi o que eu pensei, mas antes temos que nos livrar dele — apontou com a cabeça para Yoongi no sofá.

Taehyung concordou e olhou melhor o local. Bem na pontinha do espelho era possível ver um pedaço minúsculo da adaga usada por Yoongi. Com cuidado puxou a arma branca para si, pegando-a nas mãos.

— Precisa parecer autoextermínio — falou olhando para Jungkook.

— De manhã ele sai para comprar café da manhã, você pode abordá-lo na saída, um corte na garganta, deixa a adaga perto dele…

Taehyung sorriu. Sabia que o espelho podia corromper todos os bruxos que interagissem com ele, mas não sabia que não bruxos também podiam. Concordou com a cabeça e puxou Jungkook para um beijo apaixonado.

Agora os dois, finalmente, eram corrompidos.

{…}

O casal Park entrou pela porta completamente ansiosos e temerosos. Chamaram pelas entidades na frente do espelho e se sentaram.

Olá senhor e senhora Park — Jungkook os cumprimentou sorridente.

Trouxeram tudo o que pedimos?

— Sim — a mulher falou e retirou da bolsa dois retalhos de camiseta pertencentes um a ela e um ao marido que estava ao seu lado.

— Tem certeza de que isso vai funcionar e nos dar fertilidade? — o homem perguntou.

Mas é claro que vai, ficamos muito compadecidos da história de vocês e queremos ajudar. — Jungkook afirmou.

Porém eu tenho que ser o estraga prazeres em contar uma partezinha importante deste ritual de purificação. — Taehyung complementou.

— O que? — a senhora Park perguntou ansiosa.

É que dentro das religiões pagãs, o sexo pode ser visto de muitas maneiras, é uma conexão com o divino — Taehyung disse.

— Vamos ter que transar na frente de vocês? — o marido perguntou.

Na verdade não — Jungkook continuou — Vocês terão que transar com a gente.

O casal se entreolhou com ainda mais ansiedade e insegurança.

Mas é por um bem maior — Jungkook continuou — Para que finalmente sejam férteis e, bom, isso tem a ver com sexo, não?

Vocês topam? — Taehyung se apressou.

{…}

Jungkook brincava com o pirulito azul na boca, passando de um lado para o outro de modo despojado e ao mesmo tempo provocativo. Estava encostado na parede, com uma das pernas encostadas. Completamente relaxado olhando o movimento das ruas.

— Está pronto? — Taehyung disse chamando a atenção do mais novo, balançando os bilhetes recém comprados.

— Sempre — respondeu com um sorriso cínico.

O mais velho puxou seu rosto e lhe beijou com vontade e desejo, porém não muito duradouro, estava na hora de partirem para outra cidade em busca de mais prazeres carnais.

— Qual o plano? — Jungkook disse após o beijo.

— Tem uma família com muito dinheiro no Rio de Janeiro — começou — Com a grana podemos decidir um novo país para visitar.

— Não quero Europa de novo — retrucou.

— Você que manda, black bunny.

E assim partiriam para uma nova cidade, deixando para trás o rastro da maldade de ambos corrompidos pela maldição do Espelho de Marlon.


Notas Finais


E aí?


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