História A Princesa e O Corvo - Um Corvo na Janela;

“Um corvo batia em sua janela, com uma pequena margarida presa em seu bico, seus olhos cintilavam em cores vivas. Como em sangue e pedaços de açúcar.”

Eu ainda posso sentir em minha pele a sensação da brisa daquelas tardes que chegavam ao fim. Era aquele o momento mais esperado do meu dia.

Quando uma Hyemi pequenina corria do gramado de casa, espremendo-se por entre um buraco na cerca, para a casa do vizinho. Lembro ainda melhor do quanto meus pais o odiavam por negar sempre a venda daquela casa velha e decrépita.

Por sorte sempre fui uma garota corajosa, e com mais sorte pude conhece-lo, o senhor Park Jimin.

Parando para recordar, ele sempre trazia aquele sorriso caloroso, um sorriso tão grande que espremia suas bochechas contra seus olhos, para o rosto pálido demais em contraste com os fios negros de seu cabelo.

Ele parecia sinistro, diziam muitos de meus amigos medroso, principalmente Taehyung que sempre se negava a me seguir quando escapava durante o final da tarde.

Mas nada podia me impedir, de passar por aquele buraco de coelho, atravessando um túnel de arbustos. Era incrível o que se podia encontrar ali dentro, lagartas, borboletas, e crisálidas, talvez até alguns gnomos se dependesse de minha imaginação de criança.

Eu costumava ler muitos livros. Não pelos meus pais, mas o senhor Park sempre parecia amontoar mais e mais deles em sua casa.

– Tem interesse neles? – Eu posso escutar ainda os ecos de sua voz tão aconchegante quanto o calor restante do fim de verão.

E eu abanava minha cabeça, sem dizer uma palavra, para que ele pegasse um livro qualquer no topo de uma das pilhas.

Meus amigos eram idiotas completos, e completos maricas também, lembro de pensar nisso, todas as vezes em que sentava à beira da porta que dava para o jardim. A casa velha do senhor Park não dava medo algum, e o máximo que faria seria ranger com as batidas fortes dos meus pés, quando corria pelo piso de madeira, brincando com a coleção de aviões que trazia de casa.

Minha mãe não costumava deixar que eu brincasse como eu queria, correndo, pulando, gritando. Era energia demais para uma só garotinha afoita demais, e ela não entendia, mas por sorte – e quanta sorte eu tenho, – o senhor Park parecia ser um adulto legal, do tipo em que as pessoas simplesmente amariam ter por perto.

Ainda assim, continuo a me perguntar, olhando para trás enquanto a casa já não rangia mais do mesmo jeito sob meus pés, o por que Jimin parecia tão solitário, quando seus olhos se perdiam ao fixarem-se em algo distante, inexistente no plano real.

– Seu cachorro morreu, senhor Park? – eu tinha perguntando, com o bico enorme, segurando o choro, no dia que meu primeiro cachorrinho havia fugido de casa, para ser atropelado pelo primeiro carro que passava pela rua.

Para minha cabeça só havia um motivo pelo qual alguém poderia ter olhos tão solitários e tristes. E tudo o que recebi foi uma grande gargalhada de deboche.

Mais tarde, entendi que existia somente mais um motivo pelo qual um homem poderia procurar mascaras sorridentes para esconder um coração partido.

Mais tarde, havia uma Hyemi procurando fita adesiva na cozinha de casa para remendar o coração partido ao meio do senhor Park, do vizinho no qual meus pais sempre amaldiçoavam.

– Desculpa mamãe – sorrio, ao perceber a ironia daquilo tudo –, mas já fazem tantos anos, e doze anos podem passar tão rápido...

Era mais irônico ainda, que aquele livro ainda estivesse lá. Esquecido no meio de uma sala completamente vazia, coberto em poeira, completamente esquecido pelo senhor Park Jimin.

Assim como eu.

A Hyemi de agora, então, tocava a capa grosseira, assim como a Hyemi de doze anos atrás.

“A Princesa e O Corvo.”

Me lembro antes mesmo de puxar a capa, de folhear as páginas, quantas vezes havia vivido aquelas palavras, aqueles versos e cenários. E Park Jimin nunca havia reclamado, sequer uma vez, enquanto lia mais uma vez aquele mesmo livro surrado para a Kim Hyemi de oito anos de idade.

Que logo fazia dez anos. Doze anos de idade.

Os anos passavam, e ele nunca envelhecia, seu rosto somente continuava com as mesmas feições perfeitamente esculpidas. E com o passar dos anos eu percebia cada vez mais o quanto era belo.

Até que fizesse meus dezoito anos de idade. Até que percebesse que estava completamente apaixonada pelo senhor Park, pelo o homem misterioso da casa velha, do vizinho que meus pais tanto odiavam.

O tempo parece agora cruel e sem senso de humor, com brincadeiras dolorosas, da forma como me faz lembrar de tudo o que já havia passado.

De tudo que nunca vai voltar.

Por que meu querido corvo havia voado janela a fora.