A mulher no qual havia esquecido o nome, se matou com a mesma faca, na mesma cama em que eu e Jimin havíamos passado a noite, a mesma cama que dormíamos juntos, onde compartilhávamos de nossas dores e amores.
E Kim Hyemi?
ɷ
Eu não podia perde-la, não novamente, não mais uma vez para adicionar em minha lista de incontáveis números. Uma completa lista de meu sofrimento.
Dois anos haviam se passado, e com as lágrimas ainda mornas em minha face, com os punhos bem fechados, não conseguia me impedir de encarar por horas a fio o seu rosto pálido, de olhos fechados, nos quais eu poderia jurar que abririam a qualquer momento, para que sorrisse novamente para mim, para que tudo voltasse logo ao normal.
Nossa casa, nossas noites e nossas manhãs, nosso jardim.
– Por favor, Hyemi, não deixe tudo... – suplicava, segurando em sua mão, apertando com a esperança de que aqueles dedos responderiam ao meu calor. – Não de novo. Não me deixe sozinho de novo.
Não aguentava, a solidão, a amargura de esperar novamente, incontáveis anos.
Havia sido uma alegria grande demais quando percebi, no primeiro momento, que era você que estava sempre do meu lado, a garotinha filha dos vizinhos problemáticos.
Eu te esperei por tanto tempo, meu amor.
Não posso esperar mais, não por mais anos. Mesmo que os anos de espera somente aumentem minha pressa em tê-la novamente, mesmo que aumentem meu amor por ti. Eu não posso simplesmente deixar que você escape novamente por entre as fendas de meus dedos.
– Senhor Park? – O médico me chamava da porta, eu erguia meus olhos, desprendendo meus dedos.
Dois anos haviam passado, e as contas do hospital começavam a apertar. Sentia que logo iria falir.
Mas, você vai me perdoar, meu amor? Por ter vendido a televisão junto com todos os nossos móveis? O jardim ao fim não está mais lá, e nem mesmo nossa cozinha também.
Um apartamento não me pareceu tão ruim quando percebi que seria o melhor para caber em meu bolso. Mas de qualquer forma, nada parece aceitável, muito menos agradável, sem você.
E como quer que eu te deixe ir? Eu dependo de você. Completamente de você.
– Ela está enfraquecendo. – O médico continuava falando, segurando a prancheta em frente aos olhos frios. – As máquinas são a única coisa que a mantem viva.
E eu sabia para onde iriam suas palavras, já havia vivido isso uma vez, ao menos, algo parecido.
– Não vou permitir que desliguem. – Mas a minha resposta sempre seria a mesma. – Ela vai voltar.
Não importava como. Pensava, me fechando novamente no quarto, me isolando completamente entre os bips das máquinas, dos riscos verdes em fundo negro.
Ela voltaria.
ɷ
O livro ainda estava na casa empoeirada, agora vazia, e já não existia mais nenhum resquício do que um dia fora nosso lar. Jimin havia vendido tudo.
Ele me queria viva, e faria de tudo para ter o que queria.
Mas... Eu não conseguia mais voltar para meu corpo. Ao final de dois anos presa em um mundo invisível, era simplesmente insuportável vê-lo sofrer daquela maneira e, fugir para aquela casa era minha única escapatória.
Ao menos em parte, porque, quando se vê a pessoa que você mais ama sofrendo da forma mais dolorosa, sem poder fazer nada, é simplesmente impossível que consiga encontrar abrigo em qualquer canto no mundo.
E abrir aquele livro, ler todas as palavras nele. Somente tornava mais claro o meu futuro incerto. Nunca havia me perguntado o porquê a Princesa não possuía um nome, ou muito menos o Príncipe dos Corvos.
Chego à conclusão então, que tudo deve acontecer no momento certo, pelos motivos certos, sejam eles cruéis ou não.
Park Jimin estava destinado a sofrer mais uma vez, de me ver morrer mais e mais vezes, entregue aos dentes vorazes da morte, do destino incerto de uma maldição que lhe tomava o sentido da vida.
Era isso, Jimin, que escondia de mim por entre as frestas de sua casa velha? Por entre carda margarida daquele jardim que vendera para um estranho qualquer?
Porque fora eu a Princesa que não quebrara sua maldição, e deveria ter o feito. Deveria ter selado as pontas soltas de nosso destino. Deveria ter de uma vez aceitado me casar com ele. E a pressa em suas palavras, em suas decisões nada mais eram o reflexo do seu desespero, do seu medo de me perder.
No fim, tratavam-se somente de um número interminável de “Deverias”.
Mas o que eu deveria fazer agora? Porque é sempre mais fácil encontrar a respostas certas para o infortúnios do passado, mas, agora, tratava-se do presente.
Do que deveria ser o nosso presente.
ɷ
Fora tarde demais...
E de um trato audacioso a Princesa havia selado seu destino; um trato bem feito e assinado com o próprio sangue. Diante os olhos profundamente negros e tempestuosos do Senhor dos Mares.
Mas então, foi em um ato derradeiro que a Princesa negava-se a entregar sua existência. Via nos olhos do Ogro de pele azul que não havia jamais desejo em devorar a carne presa aos seus ossos, via, profundamente em seus olhos um destino pior; que ele a tomasse, devidamente, como sua esposa.
Não haveria joia mais bela para adornar o pescoço da mais bela Princesa, que não fosse pelo próprio líquido viscoso e quente, como rubi liquefeito, denso, ferroso; do próprio sangue que escorria pela própria garganta rasgada.
Audaciosamente a Princesa havia feito um trato com o Senhor dos Mares, para tão audaciosamente quanto, tirar-lhe, bem diante seus olhos, o seu laurel.
Então, fora tarde demais, em meio a suntuosa cerimônia de casamento, quando as gotas de rubi ferroso escorriam para os mares, que o Príncipe dos Corvos invadia o castelo. Clamava pela sua Princesa, pela sua amada Princesa morta.
E ao vê-la, entregue sem vida, atirada ao chão, não restava-lhe nada além da própria escuridão que carregava em seu peito. Diante todos os Deuses, diante toda a corte, os corvos grasnavam, e os Tengus das grandes montanhas longínquas declaravam a terrível guerra.
O sangue por dias a fio banhou os mares, em tons profundos de rubro. E a sentença que recaia nos dias finas era grosseira e, intransigente. O Príncipe dos Corvos, que, com as próprias mãos havia arrancado a cabeça do Senhor dos Mares, recebia o fatídico exílio de seu reino.
Para que, sofresse solitário a pena concebida pela deusa de fios vermelhos, clamada como a Grande Senhora de Todos; Destino.
E para sua amada, feita de eterna Princesa, restava somente a imprecisão de vidas, e mais vidas, longas, e infindáveis. Para a eternidade de encarnações terminadas em sangue derramado pelas mãos de um Corvo, que não era mais Príncipe, pois restava-lhe somente a amarga maldição.
ɷ
E sem aviso, desligava-se as máquinas que mantinham o coração da Princesa batendo. Sem aviso, o Príncipe Corvo era deixado com suas lágrimas.
Como em um passe de mágica. Um interruptor que desligava-se sozinho. Novamente, o destino traçava sozinho os seus caminhos tortuosos.
E não haveria nenhum médico, nenhuma enfermeira ou dinheiro que a trouxesse de volta. Pois era seu destino que batia em sua porta, ao fim de um prazo com uma cobrança em mãos.
– Eu te amo. – Mais profundamente ainda, e dizia ainda em lágrimas.
Aos vinte e dois anos, ela perdia por entre os dedos o prazo para findar a maldição. Deixava o Príncipe Solitário de peito escancarado com um buraco, sem fim, onde faltava o amor que sua Graciosa Princesa havia roubado e levado para longe.
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