História A Seleção Sem Fim - Motivos

 - Nick você está atrasada! Nick! Nick! Nick acorda!

- Anh? – perguntei ainda sem abrir os olhos.

- Rápido, você já até perdeu o almoço! – era a voz de Sophia.

 Me sentei na cama já me sentindo mal humorada. Se já tinha passado o almoço pra que eu precisava acordar?

- Você vai perder o ensaio!!! – agora era Kelly que me chacoalhava.

Ensaio? Estava começando a me lembrar... Eu tinha brigado com Adrian e então me trancado no quarto tentando decidir o que fazer... Depois no jantar Dorothy tinha avisado algo sobre um ensaio... Mas ensaio do que? Finalmente abri os olhos: era o ensaio para o baile. Onde as selecionadas poderiam aprender a dançar. Eu não podia perder, não sabia nada sobre como dançar.

- Ah meu Deus! Quanto tempo tenho?

- Ah... Uns três minutos! – Lindsay respondeu parecendo se divertir com me desespero.

- O que eu vou fazer? – perguntei. Meu estômago roncou. – Aii... Mais essa?

- Enquanto você vai no banheiro nós escolhemos um vestido... talvez ainda dê tempo – Kelly correu para o guarda-roupa.

Fiz o que ela falou. Assim que saí do banheiro elas me ajudaram a colocar um vestido azul celeste longo, era um pouco simples para o padrão dos outros vestidos, mas tinha que servir. Meu cabelo ficou preso num rabo de cavalo simples e escolhemos um sapato não muito alto para eu poder correr até o primeiro andar.

- Onde é o ensaio? – perguntei já abrindo a porta.

- No salão principal! – Sophia respondeu quase se atropelando com as palavras.

 Os guardas deviam estar se segurando para não rir de mim...  Eu corria de uma forma muito esquisita com salto, ainda mais quando tentava não tropeçar no vestido e comer uma maçã, minha situação só piorou quando cheguei na escada. Pude ouvir umas risadinhas, mas quem podia culpa-los?  Se eu estivesse me vendo provavelmente estaria gargalhando.

Parei na frente das portas do salão e apoiei as mãos na perna enquanto tentava sorver algum oxigênio. Alguns segundos antes eu quase tinha engasgado com um pedaço da maçã... Eu não podia deixar que as outras Selecionadas me vissem naquela situação. Mas uma viu: Mel estava parada entre as portas do salão rindo silenciosamente de mim.

- Me desculpe, mas Dorothy disse que não podia deixar mais ninguém entrar – ela fez uma falsa expressão de pena.

 Mesmo quase sem folego algum eu não ia perder a chance de revidar.

- E... você... virou... porteira... agora?

Ela fechou a cara e bateu as duas portas com força, pude ouvir o barulho da porta sendo trancada... Era isso, eu só podia rezar para que houvesse outros ensaios.

 Sem a mínima vontade de ficar ali esperando o ensaio acabar ou ir para o meu quarto fui para uma das bibliotecas secundárias. Ali podia ficar sozinha e descansar um pouco enquanto tentava decidir se iria ou não continuar na Seleção. Peguei o primeiro livro que vi e comecei a ler.

 Três horas depois saí da pequena biblioteca destinada a ir para o segundo andar, mas parei quando vi todas as Selecionadas saindo em fila do Salão Principal. Não ia deixar que me vissem e então depois diria para Dorothy que estava passando mal e por isso não fui ao ensaio, talvez assim conseguisse alguma aula particular de dança depois. Voltei para a biblioteca e voltei a ler. Só parei uns dez minutos depois, quando ouvi a primeira bomba explodindo no jardim.

 Um ataque rebelde, só podia ser isso! Tentei pensar no que fazer, não podia sair de dentro da sala, pois corria o risco de ser baleada, mas se ficasse poderia ser encontrada. Prestando atenção podia ouvir os soldados trocando tiros no jardim, às vezes alguns disparos pareciam mais próximos que os outros e eu tremia cada vez que pensava que podia ser um rebelde que eventualmente me encontraria.

Ouvi passos rápidos no corredor, não parecia ser um soldado... mas, poderia ser um rebelde? Espiei pela porta, parecia ser um homem bem vestido, os cabelos louros e os olhos azuis... Em meu desespero quase não o reconheci: era Clarkson.  Saí da biblioteca tentando não fazer barulho.

- É um ataque? – perguntei.

 Clarkson pulou assustado. E então fez que sim com a cabeça, depois fez um sinal para que eu fizesse silencio. O segui até um pouco mais a frente no corredor até um quadro. Ele mexeu em algo atrás dele e esperou, mas nada aconteceu.

- Droga! Já fecharam o abrigo da Família Real! – ele disse, a frustração e o medo estampado em seu rosto.

- E agora? Por que fecharam? – perguntei, já ficando com medo também.

- Eu não sei... Mas temos que ir para o terceiro andar, rápido!

 Não foi tão difícil chegar ao terceiro andar, a luta de verdade estava acontecendo lá fora e não encontramos nenhum guarda. Em compensação vimos meia dúzia de rebeldes invadindo o castelo.  Já no terceiro andar corremos sem parar até entrar no quarto de Clarkson, sem hesitar ele empurrou de uma vez todos os livros de uma prateleira, não me surpreendi quando a parede se deslocou para o lado.  

 Enquanto Clarkson fechava a passagem eu reparei no lugar, as paredes estavam cheias de livros e jogos como xadrez e damas. No chão estavam espalhados vários puffs e almofadas e havia um grande tapete peludo, e aqui e ali havia mesinhas com chá e biscoitos.

- Isso é um abrigo? – perguntei, não se parecia em nada com o abrigo da família real.

- Mais ou menos – disse ele pegando um biscoito – Quando eu era menor sempre me atrapalhava quando aconteciam ataques, então pedi para construírem esse abrigo para mim. É quase tão seguro quanto o da Família Real, mas é mais aconchegante e mais a minha cara.

Me sentei em um puff e olhei para cima, o teto estava pintado de um azul muito escuro e pipocado de pontinhos brancos como se fossem estrelas.

- É incrível.

- Eu sei. É aqui que passo grande parte do meu tempo.

 Como se para acabar com bom clima, meus pensamentos se voltaram para sábado, quando Clarkson fez questão de me humilhar na frente de todos ... Não, era melhor não pensar naquilo.

- Por... Por que fecharam o abrigo?

Os olhos dele se voltaram para o teto, ele parecia um pouco preocupado.

- Eu não sei. Às vezes eles fecham o abrigo comigo para fora porque sabem que prefiro ficar aqui, além disso, quando esse abrigo é aberto é tocado um pequeno sinal no abrigo real para que meus pais saibam. Mas quanto a você... Talvez pensem que você... morreu ou...

- Ou? – pensar que eles achavam que eu estava morta não era muito bom, mas esse ou...

- Ou talvez o abrigo tenha sido invadido! – dava pra ver a preocupação nos olhos dele, mas ele parecia estar tentando se controlar – Mas não se preocupe, é praticamente impossível invadir o abrigo.

 Ficamos em silêncio, cada um refletindo sobre suas próprias preocupações.  Clarkson se mexeu desconfortável ao meu lado, parecia querer dizer algo. Olhei para ele.

- Olha Nick... Me desculpe pelo que eu disse outro dia eu...

 Meus olhos começaram a arder com as lágrimas que queriam sair. Porque Clarskson tinha que falar sobre isso agora? Justo agora que eu não podia simplesmente gritar com ele e sair dali... Não tinha jeito, eu ia ter que enfrenta-lo e a melhor forma de fazer isso era falando tudo o que pensava.

- Por que Clarkson? Eu achava que poderíamos, sei lá nos tornarmos amigos ou algo assim, mas você... você... você só...

 As lágrimas caíram. Eu estava cansada, já tinha perdido a conta de quantas vezes tinha chorado e me calado aqui na Seleção, não queria mais fazer isso. Assim que acabasse aquele ataque idiota eu sairia, sairia para não voltar mais, para nunca mais pensar na família real, sairia e esqueceria o que tinha acontecido ali.

- Eu sei, eu não devia ter feito aquilo. Me arrependi muito por isso, mas eu... eu fiquei com medo.

- Medo? Medo? Medo do que Clarkson?

- Nick – ele olhou nos meus olhos – tirando a minha família, os empregados e uma ou outra família real que eu vejo uma vez na vida eu não conheço ninguém, não tenho amigos nem nada do tipo. Quando você começou a se aproximar de mim eu... fiquei com medo de me apaixonar por você... ou de me apegar a você e você ir embora depois...  Eu tentei afastar você para que nada de mal acontecesse a você ou a mim...

 O medo borbulhou em meu estomago, será que Clarkson tinha... será que...

- Você... Você se... se apaixonou por mim?

 - Não! – ele pareceu surpreso com a pergunta, mas a resposta parecia sincera. Respirei aliviada. – Eu fui um idiota por pensar isso e também por tentar te afastar daquele jeito. Mas quando não se tem nem amigos, confundir amizade com amor é algo fácil de mais. Me desculpe Nick.

 Um nó se formou na minha garganta... O que responder? Clarkson estaria mentindo? Não, ele não tinha motivo para isso...

- Você não precisa mais se preocupar com isso, eu vou pedir pra sair da Seleção!

- Por quê? – havia um misto de expressões em seu rosto como espanto, culpa e arrependimento.

- Como todas as outras Selecionadas eu vim aqui para me casar com seu irmão, mas está claro que isso não vai acontecer, tanto pelo meu quanto pelo lado dele. Então não faz mais sentido pra mim ficar aqui.

Ele abriu a boca para falar algo, mas se calou. Ficamos em silêncio por um tempo de novo. Eu não tinha percebido, mas ainda estava chorando.

- Você não pode ficar mais um pouco? – encarei Clarkson, sua voz tinha saído baixa como se estivesse com medo de perguntar, mas eu tinha ouvido perfeitamente. – Como eu disse, eu fico meio sozinho aqui no palácio, eu e meu irmão não temos uma relação muito boa... Ia ser bom ter uma amiga por aqui, ao menos por algum tempo. – ele me encarou – Não pode mesmo ficar? Por mim?

Antes que eu pudesse pensar no que responder, um estrondo vindo do quarto chamou nossa atenção. Um minuto depois os tijolos da parede/passagem secreta estavam voando em nossa direção.