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História Além do que se vê - Adeus Você


Escrita por: Kirilov

Capítulo 12 - Adeus Você


O pior do dia não acabou com aquelas mensagens. Pois ao sair do trabalho, tive a impressão de ter visto Gaara. Isso me fez seguir pela rua carregando comigo a certeza assustadora de ter alguém me perseguindo.

Para chegar logo em casa, pedalei com pressa; porém, já no meio do caminho, o esforço extremo me deixou sem fôlego e forças para prosseguir no mesmo ritmo. 

Minha respiração cortava, tornando-se pesada e não singular; as coxas queimavam em resultado a atividade intensa; meus pés, fatigados, escorregavam dos pedais. 

Apesar de todas as contrariedades, continuei tentando fugir. Pedalando cada vez mais rápido e pressentindo o perigo que caminhava silencioso ao meu lado, ouvia minha respiração ofegante e as batidas desesperadas do meu coração: descompassado tanto pelo pavor, quanto pelo exercício exagerado.

Em pleno desespero, olhava para trás a cada segundo, certificando-me se havia conseguido despistar aquele que me perseguia. Em um desses atos imprudentes, quando tornei a olhar para frente, súbito um carro surgiu diante de mim, fechando por completo minha passagem. Tive alguns segundos de consciência apenas para pensar “morri”.

O barulho estridente das frenéticas buzinas e de pneus derrapando invadiram meus ouvidos. Foram instantes velozes, tudo que veio a seguir ocorreu de forma surpreendentemente rápida. O destino, como se agarrando meu corpo e me forçando a tomar o rumo que fora traçado para mim, o qual não marcava aquele final de tarde como a de minha morte, arrancou-me uma reação. Em uma ação de reflexo, joguei-me para o lado. Cai na calçada. 

— Maluca! – o motorista do carro gritou, enquanto eu permanecia no chão com alguns ferimentos pelo corpo. – Olha por onde anda!

Meu nervosismo, misturado a dor resultante da queda, não me permitiram qualquer desvio de atenção. Portanto, os xingamentos não me afetaram.

— Você está bem, menina? – uma senhorinha robusta desceu do seu carro para me perguntar, aparentemente preocupada comigo. Informei que sim, e logo ela me ajudou a levantar, por conseguinte dispondo-se a me dar uma carona, qual aceitei imediatamente, movida principalmente pela suposição de ainda está sendo perseguida.

Já no estacionamento, depois de tirar a bicicleta de cima do carro da mulher, notei que ela ficara em pior estado que eu. Deus parecia ter estendido sua mão sobre mim, pois apesar dos arranhões e um ou dois ferimentos mais profundos, não quebrei nada. Os ardores espalhados pelo corpo eram suportáveis.  

Quando finalmente em meu apartamento, a procura de segurança, fechei bem a porta, tranquei as janelas e puxei as cortinas. Todos os cômodos foram completamente engolidos pelo breu. Ainda assim, não me senti segura.

No auge da exasperação, escondi todas as facas da casa, exceto uma, a maior, qual mantive comigo. Fiquei em constante vigília, observando o movimento na rua por pequenas brechas feitas na cortina da janela da sala. A cada som de passos que vinha dos elevadores e corredores, meu coração saltava, minha respiração era interrompida. 

A noite que se seguiu foi tão longa quanto os intermináveis dias que agora vivo. A apreensão e o medo, tal como o pressentindo de que logo o pior aconteceria, não me deixaram dormir. Tendo sido os poucos minutos em que me atrevi a fechar os olhos, aterrorizantes; pois a pequena busca por descanso foi suficiente para um pesadelo apavorante me fazer acordar com a testa molhada de suor e as mãos tremendo; com tanto medo de voltar a dormir e, consequentemente, novamente sonhar, que preferi me manter acordada.

Todas as sombras refletidas nas paredes, das escassas frestas de luz que vinham de fora, eram suficientes para fazer meu corpo inteiro contrair. Qualquer barulho, o mínimo que fosse, fazia-me saltar na cama, assustada.

O amanhecer veio a passos letárgicos.

Era finalmente quase 6 da manhã, hora de levantar para mais um dia de trabalho, embora tudo ainda estivesse escuro e o sol não desse sinais de que iria aparecer.  Tomei banho; arrumei-me; comi uma fruta, ao me dar conta da minha negligência com o jantar da noite passada que resultara em um mal-estar, e deixei a proteção da minha casa.

Sem a bicicleta, deveria caminhar por três quarteirões até o ponto de ônibus, e pegar o 1123S que me deixaria na instituição.

As ruas estavam vazias e permaneciam sem luz natural, a única luminosidade vinha de alguns postes espalhados ao longo das calçadas. Um deles, em especial, estava com defeito, sua lâmpada amarelada piscava em intervalos regulares, criando sobre o asfalto uma grande bola que ora acendia e ora apagava. Alguns mosquitos rodeavam aquela lâmpada indecisa, eles zumbiam alto; eu conseguia ouvi-los com perfeição porque o resto do mundo seguia em silêncio. A cidade, em sua maioria, dormia. 

Estava frio. Meu casaco pesado não era suficiente para me aquecer. Eu me encolhia; apertava a bolsa contra o corpo; caminhava devagar, ouvindo com paciência o som quase imperceptível que vinha dos meus calçados: poc-poc-poc..., eles faziam. 

A garoa era intensa, eu não podia ver muito a minha frente. No meio do nevoeiro acinzentado, os topos dos prédios ficavam escondidos. E a cada lufada minha, o ar se condensava diante dos meus olhos, uma fumacinha inconveniente.

Muitos detalhes da manhã de inverno roubavam um pouco da minha atenção, faziam-me querer analisá-los com cuidado. Até que um novo poc-poc uniu-se ao meu. Passos rápidos e pesados se aproximavam de mim. Eles me assustaram, fizeram meu pulso acelerar e o estômago esfriar. 

Apressei-me. Intensifiquei a caminhada, buscando logo finalmente chegar ao ponto de ônibus. Tentei fugir seja lá de quem fosse. Preferi não olhar para trás, faltou coragem para isso.

Eu só pretendia chegar logo ao meu destino. Mas como se nada daquilo fosse bastante para me amedrontar o suficiente, a luz do poste parou de piscar naquele exato instante, queimou, fez os mosquitos se calarem e aquele trecho da rua imergir na completa escuridão, condenou-me ao desespero.

Os passos atrás de mim aumentaram o ritmo, eram firmes, fortes, precisos. Eu logo seria alcançada. 

Apavorada, corri. Ele também.

O calçamento molhado da chuva noturna fazia meus sapatos deslizarem. O machucado na perna direita resultante da queda de bicicleta restringiu meus movimentos. Mesmo assim, mancando e por vezes quase escorregando, continuei tentando fugir. Entretanto, minha determinação não foi suficiente. Não consegui ser mais rápida.

O corpo masculino impediu o meu de prosseguir. Ele agarrou o meu braço, com tanta força que a dor foi inevitável. Arrastou-me por alguns metros. Empurrou-me bruscamente contra uma parede fria e puxou o meu rosto, me forçando a olhá-lo e revelando finalmente sua identidade.

O homem usava uma roupa escura, a face estava parcialmente coberta pelo capuz do casaco grande que lhe protegia a cabeça, mas eu o reconheci imediatamente.

Era Gaara, não um estranho qualquer, não um assaltante tentando me roubar. 

Ele estava me perseguindo, vigiando minha vida e meus passos; de olho em tudo que eu fazia, espreitando quando saia da minha casa para ir trabalhar. Eu não estava louca ou delirando, não estava num tipo de mania de perseguição quando acreditara que deveria ficar vigilante; possuía absoluta razão em crer que uma hora ou outra seria abordada daquela forma. Conhecia o Sabaku, sabia quão descontrolado ele ficava quando as coisas não saiam à sua maneira. E estava com medo, porque agora ele tinha alcançado um nível estranho de obsessão; a chantagem demonstrara quão fora de si estava.

— Está tentando fugir de mim, Sakura? 

Nada respondi. Perdi a voz e qualquer possibilidade de defesa. O medo havia me paralisado.

Ele se aproximou, encostou os lábios nos meus, cheirou meu rosto e o meu cabelo; por fim, sorriu. Tudo isso enquanto eu permanecia encolhida, trêmula, inerte, rezando em pensamentos por uma interferência divina.

Eu quis gritar, compreendia que precisava pedir por socorro caso quisesse lutar por minha sobrevivência. Sabia que deveria no mínimo tentar escapar daquele agarre e correr o mais rápido possível, ainda que caísse no final; no entanto, meu corpo não respondia aos meus desejos. Para meu maior desespero e angústia, permanecia naquele estado de estagnação, tamanho era o medo que me afligia.

— Eu senti sua falta, meu amor. – Ele disse, como se fôssemos um casal feliz que acabara de se encontrar numa situação comum. Parecia estar em um mundo próprio, uma ilusão sua; que o levava alegria, enquanto uma sensação pungente me tomava. – Faz um ano desde o dia que acabou comigo. – Sorriu novamente, arrumando meu cabelo. – Mas agora vamos finalmente ficar juntos, porque você é minha, Sakura; e eu não deixarei que case com outro.

Sua fala me fez compreender muita coisa. Aquele retorno inesperado estava completamente ligado ao fato de Sasuke ter me proposto morar consigo. Não se tratava de mero acaso. E apenas duas pessoas poderiam ter feito aquele assunto chegar a ele: Ino e Hinata. As únicas para quem contei. Mas por que elas fariam isso, tendo em vista que conheciam todos os detalhes do meu término conturbado com Gaara? Esse questionamento não foi feito naquele mesmo instante, não tinha cabeça para confabular; pensei sobre as motivações delas apenas depois, concluindo por fim que apenas a Yamanaka tinha algum motivo para tentar me prejudicar.  

Outra vez o homem me beijou e tocou em meu cabelo, observando-me cautelosamente com falsa amabilidade. Virei o rosto, mas não consegui cortar o contato dos nossos corpos, ele se forçava contra mim, com seu peso me obrigava a continuar com as costas coladas na parede.

— Pare com isso, por favor. Me deixe ir. – Consegui pedir. Minha voz saia estupidamente falha, meu tom choroso demonstrava meus sentimentos; isso me irritava de todas as formas, odiava quão fraca era e como sempre me resumia a lágrimas reprimidas.  – Preciso ir trabalhar.

— Eu só quero conversar.

— Não temos nada para conversar. Por favor, me deixe em paz – implorei, mas não o olhava nos olhos, não podia ver que reações arrancava dele com minhas súplicas.

Observei a rua deserta, apertei as pálpebras, rezei para que alguém aparecesse ali e assim me desse a oportunidade de fugir. Gaara não tentaria me segurar ou agredir se houvessem espectadoras, pelo menos eu esperava que não. 

— Você sabe que temos muito o que conversar. Suponho que viu as mensagens que enviei, as fotos... nosso videozinho.

— O que você quer de mim? Me diga quanto quer, eu irei pagar.

— Você sabe o que quero, meu amor. Não é dinheiro. – Silenciou. Pensou por alguns instantes, encarando-me fixamente. – Está triste comigo agora, não é? – e esperou uma resposta que não veio. 

Eu estava com muito medo dele. Estava apavorada com a forma que tudo se dava, com a maneira que ele falava como se estivéssemos bem, como se não estivesse me coagindo e machucando. 

— Mas eu vou reconquistar você – prosseguiu. – Vamos voltar a ser aquele casal apaixonado. Você lembra, Sakura? Você falava que me amava. Nós éramos felizes, até o dia em que resolveu me descartar. Eu agi mal, meu amor; sei que agi mal, não deveria ter te machucado, pois por causa daquilo você não me perdoou. Mas eu prometo que não vai mais acontecer, nunca mais. Só preciso que volte para mim. E eu juro, meu amor, juro que minhas mãos jamais tornarão a lhe ferir.

— Está fazendo agora, está me machucando, apertando-me.

— Não fale isso, só estamos conversando. Não posso deixar que saia correndo, você precisa me ouvir. Eu sei que me ama, Sakura, eu fui o primeiro homem da sua vida; o único, até pouco tempo. 

— Isso não me torna sua. E não amo você. Eu não quero que tente me reconquistar, só quero que me deixe em paz – vociferei, atingida por um furor fora de hora. Logo em seguida, arrependi-me por desafia-lo; pois minha demonstração de repulsa foi suficiente para irritá-lo.

Ele ficou mais agressivo, novamente apertou meu braço e forçou o corpo contra o meu, impedindo-me até de respirar com facilidade. Seus olhos foram tomados por uma névoa obscura; o rosto, endurecido por uma raiva intensa. 

— Que te deixe em paz para viver com outro, é isso que você quer? – Não respondi. Ele continuou: – Não vou permitir que fique com ele, você é minha, está entendendo, Sakura? Eu vou matá-lo se você não terminar esse namoro. Irei matar aquele desgraçado. Você quer isso, meu amor? Quer que eu mate aquele filho da puta? Eu vou encher a cara dele de bala, depois de mostrar como você gemia para mim, está ouvindo bem? An? Está ouvindo? Talvez não, parece que esqueceu o que tenho. Preste bem atenção, Sakura, ele vai morrer sabendo que não deveria ter se metido com a minha mulher. Eu já poderia tê-lo matado, você sabe disso, não é?

Sim, eu sabia. Compreendia que Gaara não estava brincando, que não se importaria em tirar a vida de Sasuke. Ele tinha uma arma, e não falhava com ela em mãos. Ele era policial. 

As coisas eram mais complicadas do que pareciam. Eu não podia simplesmente denunciá-lo; temia o que ele faria nessa hipótese. Pois na noite em que me agrediu; acompanhada por meu vizinho, segui até a delegacia do bairro, disposta a abrir uma queixa contra o meu ex-namorado. Mas lá eu fui hostilizada. Lá, senti-me muito pior do que já estava. O delegado menosprezou meu relato, ele era o chefe do meu agressor; um homem igualmente asqueroso, o qual, descobri depois, também maltratava a esposa. Nada aconteceu naquela noite, além da minha própria humilhação. Minha denúncia não resultou em nada. O agente Sabaku não foi punido por suas ações, não foi impedido de se aproximar de mim; e diante disso sentiu-se confortável para jurar que, se eu tentasse o prejudicar novamente, não sairia ilesa. Eu sentia mais medo exatamente por saber que Gaara, e mais homens como ele, eram a polícia. 

De qualquer forma, no final das contas, minhas preces foram ouvidas, algumas pessoas surgiram na esquina da rua, e o sol estava finalmente dando as caras. Aproveitei o instante em que Gaara tentou disfarçar o que fazia comigo. Reunindo toda a coragem que esperava possuir em algum lugar, empurrei-o com os punhos travados em súbita raiva.  Afastei-me dele definitivamente e corri de volta para o meu prédio. Tranquei-me em casa. Pois tão veloz quanto seu surgimento, aquele acesso de bravura me abandonou.  

O ódio intempestivo que em algum momento deu força aos meus punhos, cedeu lugar a tremulações incontroláveis. Minhas mãos ficaram tão agitadas quanto jamais estiveram; minhas pernas, tão suscetíveis a fraquejar quanto no dia anterior. O sabor rápido da ira misturada ao pânico, deixou por fim um intenso amargor em minha língua. 

Naquele estado conturbado de dúvidas e covardia para comigo mesma, não conseguiria pensar em trabalhar; não conseguiria fingir e rir, como se estivesse tudo bem. Abateu-se sobre mim uma necessidade urgente de abandonar tudo e me esconder do mundo. Decidi que naquele dia não faria mais nada. Tranquei-me em meu quarto e apaguei todas as luzes, de modo a não deixar nada alcançar meu olhar. A solidão foi minha confidente, quando ninguém mais poderia ser.

Naquela cama eu fiquei; naquela cama passei todo o resto do dia, sem levantar, sem comer, sem conseguir levar minha cabeça a pensar em qualquer outra coisa que não as ameaças que estava sofrendo. De uma maneira torturante, minha consciência se atarefava com inúmeras preocupações.

Revirando-me de um lado para o outro, pensei em tudo que poderia acontecer: no desgosto que meus pais sentiriam, caso aquelas fotos vazassem. Nas coisas que meus amigos e colegas de trabalho falariam sobre mim. Na vergonha que faria os Uchihas passarem, ao carregá-los diretamente para a minha degradação pública.

Além do mais, não suportaria a humilhação de ser tão intimamente exposta. Não seria capaz de lidar com a tempestade de acusações e olhos tortos que cairiam sobre minha cabeça.

Todos que eu conhecia, com suas condutas invioláveis recolheriam suas pedras e as lançariam contra mim; uma vez que nesses momentos os pecados são imediatamente esquecidos. Os juízes se preocupam apenas em apontar erros e decretar sentenças cruéis. Porque as pessoas, em si, são cruéis; são ávidas por julgar e se colocarem em pedestais de ética e bons costumes; mas são ineficientes em olhar para a própria vida e reconhecer suas falhas.

Mas estariam errados em me jogar pedras e setas? Eu já não sabia. Seus erros diminuiriam os meus? Nenhum pouco.

A dada altura tinha completa consciência de que seria a culpada, caso algo acontecesse a Sasuke. Em suma, tudo se resumia a este sentimento: culpa.

Eu mesma tomava as rédeas do meu julgamento. Considerava-me completamente a única culpada por tudo. Eu aceitei tirar aquelas fotos, eu aceitei que Gaara me gravasse. Eu era a responsável por envolver Sasuke naquele problema de proporções desastrosas. 

Em partes, tinha razão. Pois com toda a certeza desse mundo, se o pior acontecesse, todas as acusações cairiam somente sobre mim, eu seria a errada em me submeter a tais tipos de coisas, seria a indecente e imoral. Mas Gaara? Bem, ele seria esquecido. Ninguém se preocuparia em apontar o nojo que eram suas ações. Afinal, ele era homem. 

E se optasse por ficar com Sasuke e o agente Sabaku enchesse sua cara de tiros? Ninguém saberia. Ele se livraria do corpo em um lugar qualquer, não haveriam suspeitas. Ele seria inocentado por sua sutileza ao matar um homem. Parece estranho, impossível, conspirador demais; mas era o que eu via vez ou outra na tv, corpos desovados em matagais, com assassinos que seguiam a solta, inatingíveis. O mundo não é um lugar seguro; ele é hostil para os que são fracos; é um moinho impassível.

Certamente Sasuke Uchiha não era um homem que podia ser enquadrado na classe dos fracos, que seria assassinado e tudo ficaria por isso mesmo. Ele era rico, continua sendo. Geralmente apenas gente pobre apodrece ao léu, pois o mundo não é justo, por mais que sonhemos com isso. Sim, estou sendo sincera, gente pobre, gente como eu, não estou me colocando fora dessa estatística, afinal estou aqui, não com a boca cheia de formigas, obviamente, mas esquecida e entregue nas mãos do destino. 

De todo modo, não iria pagar para ver. Não iria, por um capricho, arriscar a vida de um homem que era tão bom comigo. Por tudo que sentia por ele, não podia arriscar perdê-lo pelas mãos de um louco. Eu era covarde, pelo menos na maior parte do tempo; porém, naquele momento em especial, não foi por mim que decidi desistir do meu relacionamento encantado, não foi por temer a humilhação; desisti pelo bem de Sasuke. Porque pensando claramente, conseguiria sim sobreviver a tudo que me aconteceria ao ser exposta; mas nunca me perdoaria por ser a culpada pela morte de outra pessoa.

É importante ressaltar que possuía absoluta certeza de que Gaara não estava brincando, ele realmente era capaz de matar, era capaz de tudo. Ele era, e nunca deixará de ser, um monstro.

Naquele mesmo dia, ignorei cada uma das ligações e mensagens do Uchiha. Permaneci em meu quarto, acompanhada somente pela solidão e os pensamentos martirizantes. Porém, como ele não era do tipo que desistia fácil, resolveu aparecer no meu prédio.

O interfone não parava de tocar, e o meu celular vibrava a todo instante com mensagens que diziam “Estou aqui”, “Fale para o porteiro me deixar subir”, “Sei que você está em casa”, “Estou preocupado, por favor, me deixe subir”.

Não permiti que ele subisse; mas fui ao encontro dele, depois de resolver dar um fim definitivo naquilo. 

O porteiro me olhou estranho quando atravessei o portão, muito provavelmente Sasuke o tinha irritado seriamente. A insistência dele realmente era de dar nos nervos. 

Olhei para os lados, verificando se Gaara não estava por ali me vigiando. Concluí que não.

— O que está acontecendo? – logo perguntou, assim que parei diante dele. – Eu fiquei preocupado, estou te ligando feito um infeliz desde ontem. Você saiu mal da minha casa, pensei que estivesse doente, mas agora percebo que tem me ignorado porque não quer me ver.

— Realmente não quero. – Foi o que respondi. Aquela foi a maior mentira que contei, embora tenha saído da minha boca com entonação sincera.

Ele deu sinais de confusão, obviamente duvidando do que acabara de ouvir.

— Então pode, pelo menos, me dizer o porquê, ao invés de simplesmente me ignorar? 

— Quero terminar, Sasuke.

— Terminar? 

— Sim, terminar. – Fui firme, falsamente segura de mim. 

Minhas palavras o deixaram sem reação. Ele apenas me olhou, abalado, e até mexeu a boca, mas nada disse. 

— Por favor, não volte a me procurar. – Pedi, finalmente. Queria acabar com tudo o mais rápido possível. Não conseguiria fazer o que deveria, caso continuasse olhando para ele.

Dei as costas, iria deixá-lo sem mais, antes que caísse em lágrimas e demonstrasse o que realmente estava sentindo; contudo, ele reagiu, colocou-se diante de mim, impedindo-me de entrar na portaria.

— Isso é por causa do meu pedido? Sei que fui precipitado, que ainda não era o momento de te fazer aquela proposta, embora eu queira muito uma vida com você. Mas se ainda não estiver preparada, tudo bem, podemos ir devagar.

— Sim, é justamente isso. – Não era, de nenhuma forma; mas ele tinha acabado de me entregar uma resposta pronta. – A sua proposta me fez perceber que não sentimos a mesma coisa um pelo outro. Você gosta de mim de verdade, quer morar comigo; no entanto, eu não sinto o mesmo. 

— Não acredito nisso. Sei que está mentindo, sei que sente por mim a mesma paixão que sinto por você. Então por que não me fala a verdade? Por que não me diz o que está acontecendo? 

— Essa é a verdade. 

— Então estava fingindo todo esse tempo? – perguntou com ironia. – Você deve ser boa, Sakura, muito boa; porque acreditei em você, ainda quero acreditar.

— Eu tentei. Eu queria que desse certo. Mas não posso continuar nisso. Acabou, Sasuke. Por favor, entenda isso e não me procure mais. 

Novamente tentei me afastar. Precisava me afastar. Não conseguiria mentir mais, logo seria descoberta; pois os olhos dele perfuravam meu corpo, machucavam minha alma; pareciam entender que todas aquelas palavras eram falsas. Eles eram analíticos e intensos.

— Não me deixe aqui; não faça isso comigo.

Ele segurou minha mão, impedindo-me de lhe dar as costas. Não lutei contra. Eu precisava dele, sentia que sim; deixá-lo estava acabando comigo.

— Vá embora, por favor. E esqueça tudo.

— Então me mostre como ir, me ensine a agir com essa mesma frieza que está me mostrando. Me diga como esquecer tudo e partir, como se esses meses que passamos juntos não tivessem existido.

Ele calou, aproximou o corpo do meu, seus olhos focaram em meus lábios; segurou o meu rosto, tentou me beijar. Desviei, olhei para baixo; ainda assim, ele continuou:

 — Não quero esquecer tudo, Sakura; não sei como esquecer. Mal posso tirá-la da minha cabeça, mal posso passar alguns minutos sem pensar em você, sem lembrar das coisas que me diz, sem lembrar do seu rosto, do seu sorriso... Então me diga, como irei esquecer?

— Esses meses não existiram, encare-os assim, porque para mim não significaram nada. Apenas esqueça.

— Não significaram nada? – perguntou incrédulo, um semblante perturbado. Olhou-me ansioso, esperando de mim uma resposta que não veio. – Repita isso – pediu. O tom de súplica era evidente. – Repita isso olhando em meus olhos. – Puxou meu queixo, fazendo-me encará-lo. – Repita.

Devolvi o olhar colérico. Se hesitasse, não haveria volta. Precisava fazer aquilo, precisava dar um basta no nosso relacionamento. Eu sofreria, sangraria; mas deveria tratar sozinha minhas feridas. Elas cicatrizariam um dia.

— Esquecerei tudo. Você deve esquecer também.

— Repita que esse tempo que passamos juntos não significou nada. Repita e eu a deixarei ir. – Exigiu.

— Você não significou nada para mim. 

Sasuke me soltou, uma expressão angustiada lhe contorceu o rosto; suas pálpebras fecharam lentamente e ele levou uma mão as têmporas.

 Alguns minutos correram, o silêncio nos rodeou. 

O homem sorriu com certo desgosto e um pouco sarcástico. Apesar de afetado, pareceu finalmente conformado com minha afirmação, ou talvez apenas decepcionado o suficiente para me deixar ir. Encarou-me mais uma vez; agora com um semblante impassível. Seu olhar severo, capaz de ferir minha carne com a intensidade de uma lâmina, foi a minha deixa.

Eu dei as costas, séria, segura de mim, certamente inabalável para quem me via de fora. Fui embora sem olhar para trás. Algumas lágrimas caíram, elas molharam o meu rosto, esquentaram minha pele; limpei-as com as costas das mãos e segui em frente.

Diante da minha falsa indiferença, Sasuke atendeu o meu pedido, ele não voltou a me procurar. A primeira semana passou, também a segunda, depois a terceira e a quarta. Um mês inteiro foi embora, e nossos caminhos não se cruzaram. 

Embora tenha continuado em meu trabalho na instituição e encontrasse Mikoto todos os dias, não tocamos em assuntos pessoais. Ficou claro que ela tinha conhecimento do término, mas não demonstrou a intenção de me questionar sobre qualquer coisa relacionada ao meu relacionamento com o seu filho. Isso foi bom. Esse detalhe me fez sentir confiante para prosseguir com minhas crianças, porque elas ainda eram a maior parte de tudo que eu tinha, eram as responsáveis por alegrar um pouco dos meus dias. Pelo menos até eu descobrir que não conhecia meu corpo tão bem quanto imaginava. Depois de mais manhãs atormentadas por aquele mal-estar inconveniente; arrisquei-me a fazer um teste, mesmo tendo certeza que não havia a mínima possibilidade de uma gravidez. Essa certeza, contudo, foi derrotada pela pequena porcentagem da estatística. Estava grávida.


Notas Finais


Sei que detestaram, mas pode ter certeza que o próximo estará melhorzinho.


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