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História Além do que se vê - Your Song


Escrita por: Kirilov

Notas do Autor


Perdão pela demora e ainda não ter respondido todos comentários anteriores, estava fazendo isso agora antes de postar, porém o Spirit não tá deixando com sua nova regra. Desculpa. (Continuo aqui na luta)

Revisei cansada e com sono, mas espero que gostem 😅.

Capítulo 24 - Your Song


O restaurante do hotel está razoavelmente vazio. Da mesa que escolhemos no terraço, consigo ver as fachadas envidraçadas de outros dois prédios e o céu limpo a refletir sobre elas: o azul anil e os feixes alaranjados do sol se esgueirando pelas frestas entre as nuvens.

É uma vista bonita. Ela me leva para longe, para onde meus pensamentos não deveriam se atrever a frequentar.

Divago, mas sinto os olhos de Itachi sobre mim, ele cumpre bem o papel de guarda-costas. Chega a ser vergonhoso que nenhuma conversa se inicie entre nós, de todo modo prefiro assim, prefiro manter o silêncio e continuar evitando sua atenção. Nunca fomos próximos, afinal.

À medida que aguardamos os pratos, só consigo pensar no que pode acontecer entre Sasuke e Kakashi lá embaixo. As implicações da conversa entre eles me deixam aflita. O relógio cinza, pendurado na parede atrás do balcão do bar, revela que mais de 30 minutos se passaram desde que os deixei.

Tudo bem, repito em pensamento. Não é nada demais.

“Pode nos dar um minuto, Sakura? Eu gostaria de conversar com o Dr. Hatake. Meu irmão levará você para almoçar”, foi o que ele disse, não foi? Uma conversa. Apenas isso. Não tenho por que me preocupar. Apesar da postura dele não ter sido das mais amigáveis quando nos interrompeu, é ridículo pensar que Sasuke, motivado por ciúmes, possa querer confrontar o médico sobre qualquer sentimento que tenha em relação a mim. Quero acreditar nisso principalmente porque é angustiante achar que ele, assim como Gaara, sente-se no direito de me tomar como uma propriedade. Sasuke não é assim. Ele não vai fazer nada.

As coisas ruins passaram. Estou segura agora, devo ficar tranquila e parar de confabular tanto. É só isso, manter a calma. Calma? A verdade é que o meu nervosismo não passa. Minha cabeça não para de girar e imaginar mil coisas.

Confio em Kakashi, sei que ele só está passando recomendações, falando sobre a minha saúde e, possivelmente, sobre meu espírito quebrado. Afinal, tem certeza que há uma forma de me consertar, uma cura ao meu alcance. É possível que tenha revelado minha condição; explicado sobre os horários dos remédios, quantas vezes devo tomá-los ao longo do dia. Quem sabe esteja revelando como acordo aos gritos durante a noite caso não seja devidamente “sedada”, ou sobre como me apavora ser tocada por outras pessoas. Ainda, provavelmente, considere prudente relatar sobre minhas variações entre pessimismo e determinação, o estado amável e o violento...

E depois de ouvir tudo, provavelmente Sasuke ficará assustado. É possível que ele se dê conta do tamanho do problema e desista finalmente. Eu poderia querer isso, devo torcer para que ele fuja o mais rápido possível, pois estou acostumada a essa ideia, ou pelo menos a acreditar nela.

Mas no fundo, não quero ficar sozinha novamente. Por mais que minha razão negue e eu não seja capaz de admitir em voz alta, não quero que ele desista de mim. É um egoísmo tão grande.

— Deixe-o tentar. — Itachi diz de súbito, forçando-me a abandonar os devaneios e prestar atenção nele. — Sei que não tem sido fácil para você. Na verdade, deve ser insuportável passar por tudo isso. Entendo que queira fugir, talvez pense que assim é melhor para todos. Mas saiba que, para Sasuke, também não foi fácil.

Ele suspira alto enquanto toca a testa franzida, da mesma forma que o irmão costumava fazer quando estava inconformado ou refletindo. São estranhamente parecidos, até nos trejeitos.

— Coloque-se um pouco do outro lado, apesar da sua luta ser tão maior. Pense por um momento que a namorada dele, grávida de dois meses, foi sequestrada por um maluco. E ele fez de tudo para salvá-la, fez o impossível, moveu céus e terras, dispôs-se a pôr em risco a própria vida. Ele morreria por você, tenho certeza. Para ser sincero, ele quase morreu, e sequer se recuperou, porque um belo dia ele saiu daquela maldita UTI e descobriu que, depois de tudo, você foi embora. Então, novamente desesperado, ele deixou a vida dele de lado para encontrar você; que se dane a minha vida, apenas Sakura importa. Agora, mesmo depois de te encontrar, percebeu que existe a possibilidade de não ficarem juntos. Eu avisei que, se você foi embora, foi por escolha própria; não adiantou, ele não me ouviu. 

— E o que acha que devo fazer? O que espera de mim ao me dizer tudo isso?

— Se o ama, deixe-o tentar consertar as coisas. Sasuke espera te fazer feliz.

— Me fazer feliz... Ele pode conseguir, não é? Mas a questão é que não posso corresponder, não conseguirei ser o que ele espera de mim, não atenderia as expectativas. Sasuke merece alguém que o proporcione a mesma felicidade.

— Você é a mulher que ele ama e está esperando um filho dele. Como alguém, além de você, pode fazê-lo feliz?

— Você não entende.

— Entendo. Sei exatamente sobre o que está falando, sei o que aconteceu e consigo supor como se sente agora. Não importa que seja Sasuke, não importa que ele nunca te machucaria... Você está com medo, e esse medo te paralisa. Mas se engana ao pensar que para Sasuke o seu amor não será suficiente ou que ele precisará de algo mais, algo que obviamente você não poderá dar tão cedo. Meu irmão entende isso, tenho certeza; quem não entenderia? Ele apenas te quer por perto, e será fiel a esse amor, tanto quanto paciente.

— Será paciente — desdenho. — Então devo mantê-lo ao meu lado, tendo tudo dele sem nunca poder corresponder a mesma altura? Devo prendê-lo a mim: uma mulher em pedaços e que mal suporta ser tocada? Uma mulher que sequer pode receber o afeto dele sem se encolher de medo? Uma mulher que não poderá olhar para ele sem lembrar de como foi machucada, sem sentir nojo de si mesma? Então, você apenas sugere que devo pedir a Sasuke para se submeter a essa tortura com a promessa de que se ele aguardar mais um pouco, e suportar com paciência, poderá ser feliz, pois um dia terei superado e poderei ser para ele o que qualquer outra poderia ter sido há muito tempo?

Respiro fundo. Com um sentimento de derrota, prossigo:

— Devo ser egoísta e prepotente a este ponto? Devo querê-lo apenas para mim e impedi-lo de ser feliz com outra pessoa? Se eu o aceitar, sei que ele viverá para mim, e lutará com todas as forças pelo que temos. O problema está em eu não conseguir ser o que ele espera, não vejo como me livrar desse trauma. Ele não sabe, ou pelo menos não quer ver e aceitar agora, mas será infeliz ao meu lado. Serei a esposa louca trancada no quarto, a fera de estimação*; irei atormentá-lo com meus problemas e torná-lo infeliz, e quando um dia ele quiser me deixar, será tarde demais, terá perdido boa parte da sua vida comigo.

— Não precisa pedir ou dar qualquer esperança, ele irá esperar. Meu irmão demonstrou ser completamente louco por você. Desde o seu sequestro, tem vivido exatamente assim, como um louco. Tenho absoluta certeza que Sasuke ficará ao seu lado, mesmo se você o chutar como um cachorro. Tenho mais certeza ainda que uma vida ao seu lado não será um inferno para ele. Louca ou sã, ele quer você. Independente de o aceitar ou não, Sasuke não irá desistir de ter você e a criança ao lado dele, pense nisso. — Ele para de súbito, os olhos fixam em algum ponto atrás de mim.

Preciso me inclinar apenas um pouco para ver Sasuke avançando por entre as mesas. Em poucos segundos ele está conosco, e tudo que eu faço é estudar sua figura. O garçom vem de imediato atendê-lo, e o silêncio entre nós parece um acordo mútuo.

Percebo que Sasuke está sério e distante em pensamentos, isso me faz querer saber qual o teor da conversa com Kakashi; chego a mover os lábios para perguntar, contenho-me no entanto. Prefiro o benefício da dúvida.

Ele me observa apreensivo, esperando as palavras aprisionadas em minha boca. Seu semblante é de algo parecido com preocupação e tristeza, mesmo assim, ao notar que não direi nada, ele me olha e sorri com o canto dos lábios, antes de perguntar qual foi o meu pedido.

— Uma salada Caesar. — Eu respondo prontamente.

— Apenas isso?

— E suco.

— O Dr. Hatake me disse que você esteve anêmica.

Conversaram sobre minha saúde, sobre o que mais poderia ser? Nada mais, repito em pensamentos, e meus olhos relaxam instantaneamente. O estado de tensão entre eles havia incitado em mim uma apreensão boba.

— Você tem algo a dizer sobre isso? — Questiona insistente, os olhos semicerrados, as sobrancelhas crispadas.

Ele quer uma resposta, urgente. Sasuke nunca foi muito bom em esperar pacientemente, sempre teve uma vida corrida, uma necessidade absurda de se manter ocupado, sempre trabalhando... Nunca parado, nunca conformado com o tempo jogado fora. Isso só me faz concluir uma coisa: não posso parar a vida dele com meus problemas, não posso ser a pedra em seu sapato. 

— O outro médico do hospital me deu um suplemento para tomar — resolvo responder, antes de desviar o olhar e pensar com meus botões.

Alguma coisa o deixou irritado, é fácil perceber. Minha recusa deve tê-lo contrariado, Sasuke também nunca foi muito bom em aceitar ser desobedecido. Sempre teve tudo da forma que desejava.

— Comer direito ajudaria, não acha?

Sem erguer a cabeça para olhá-lo, respondo:

— Comi bastante no café, não consigo comer mais. Pelo menos, não agora.

Não abandono minha análise da toalha branca, mas posso sentir o olhar dele fixo em mim; supor a expressão de indignação; a cólera em sua face; a impaciência em sua voz rouca.

— Não evite me olhar como se eu fosse um tirano, quando na verdade só estou tentando cuidar de você e da nossa filha. Precisa se alimentar bem, Sakura. Estou preocupado com a sua saúde. 


    — O médico se foi? — Itachi nos interrompe.

Quase o agradeço pela intervenção. Ao invés disso, apenas o direciono um olhar amigo.

— Sim. Acabamos de nos despedir.

— E está tudo resolvido? Poderemos viajar?

— Caso Sakura esteja de acordo, podemos ir o mais rápido possível.

Eles não me olham, mas durante o silêncio que se segue entendo que esperam uma resposta, no mínimo um posicionamento meu. Penso na minha bebê e em mim, penso nos meus pais...

Se fosse forte o bastante poderia dar um jeito em tudo, viver em minha solidão sem afetar as pessoas que amo. Sei que não estou pronta, eu vejo as possibilidades e os desfechos, nenhum deles me agrada, mas sei que preciso de uma decisão. “O que será mais nobre para o meu espírito?” Talvez, apenas viver, e aceitar de uma vez esse moinho. Quem sabe, tornar-se o opressor e abandonar o tempo de opressão. Ser a lança, não o ferido. Encarar o espelho e aceitar o que vejo.

Mas e quantas outras vezes tomei essa decisão? Quantas outras vezes me ergui e estive disposta a lutar contra a maré?

Eu penso por bons minutos. O restaurante começa a encher. A comida é servida, os ponteiros do relógio na parede se movimentam, a jovem da mesa ao lado paga a conta e se retira olhando o celular. Ponho mais açúcar no suco e me forço a comer toda a salada. Os garçons circulam pelo salão, a sombra das mesas vão de um lado para outro, os outros clientes conversam, as vozes se misturam formando um zumbido incompreensível e irritante, ele sobressalta na minha cabeça e machuca meus ouvidos, confunde meus pensamentos, me deixa irritada, angustia-me. Continua cada vez mais alto: os sorrisos das mulheres, as gargalhadas dos homens, a felicidade... eu os detesto de algum modo.

Sasuke me chama, suavemente repousando suas mãos sobre as minhas e me olhando com aflição. Só então percebo que estou cerrando os punhos e cravando as unhas em minhas próprias palmas.

Ele abre minhas mãos devagar e analisa as marcas vermelhas, enquanto Itachi me lança o mesmo olhar de preocupação.

— Desça com ela para o quarto. Pagarei a conta e vou em seguida.

Sasuke concorda e logo se coloca ao lado da minha cadeira para me ajudar a levantar. Não faço oposições, sigo com ele. A tensão alivia a medida que caminhamos. Esses surtos vêm se tornado a ordem dos meus dias, tenho ficado irritada com muito pouco.

Sento-me na cama quando voltamos para o quarto, minhas pernas tremem um pouco, só isso.

— Você está bem?

— Sim. Não sei o que me deu. Acho que foi o barulho, as pessoas conversando...

— Fui rude. — Ele morde o canto do lábio. — Estou preocupado com a sua saúde, quero que coma direito. Mas eu exagerei, me perdoe.

— Está tudo bem. Não foi você. Em algum momento o restaurante ficou cheio, foi isso.

Ele senta ao meu lado, ansioso.

— Certo... Vamos evitar lugares cheios. Agora me deixe ver suas mãos outra vez. Ficou um pouco machucado, suas unhas são afiadas.

Consinto, ele parece de fato muito preocupado com isso.

— Sasuke?

— Sim? — Responde, porém não para de tocar e analisar as pequenas marcas vermelhas em minhas palmas.

— Quero ir para casa, já tomei minha decisão.

Ele sorri, finalmente voltando seu olhar para o meu rosto.

— Só gostaria de passar no hospital para pegar as minhas coisas antes da viagem, e ficarei grata se me levar até o cemitério para que eu possa deixar flores no túmulo da minha mãe. Também precisarei ligar para os meus pais com antecedência, eles esperam poder me buscar no aeroporto e levar para casa.

Está feito, minha última frase o decepciona, fui capaz de perceber como suas feições se alteraram ao me ouvir. Ele meneia a cabeça e ri sem graça, fingindo aceitar minha decisão sem oposições. Não sei se pretende agir contra isso em algum momento, tentar me convencer do contrário e mostrar, de alguma forma, que o meu lugar é ao seu lado; mas pelo menos por enquanto dar a entender que meus pedidos serão atendidos. 

***

 

Itachi conseguiu passagens para o voo das 20:30. Visitamos o cemitério e passamos no hospital, onde pude novamente me despedir de Kakashi. Deixamos o hotel no início da tarde. Foi uma viagem tranquila, apesar de me sentir tão estranha durante todo o trajeto. Uma nova vida espera por mim, contei com isso; no entanto compreendo que nada será como antes.

Deveria ser uma ideia confortante essa que atravessa minha cabeça, mas ela é como uma combustão. Voltar significa estar mais próximo do que aconteceu, significava ter que enfrentar o medo e superá-lo de vez; encolher-se ou se reerguer; permitir ser pisoteada ou pisotear; esconder o pior lado ou conviver com a raiva. É inevitável o ranger dos dentes ao lembrar de tudo, a ira que floresce em meu coração e doma meu espírito como um veneno toda vez que o rosto de Gaara me salta aos olhos.

Durante quase todo o voo, quando as luzes do avião estão apagadas e somente meus pensamentos podem ser ouvidos, minha vida passa diante dos meus olhos como um sopro, e conforme ela passa, sinto a diferença com que enfrento isso, como posso rever tudo e ainda me perguntar onde as coisas começaram dar tão errado. Consigo olhar dentro de mim e encarar sem temores tudo o que sou, procuro um meio termo viável e, ao mesmo tempo, não suporto a ideia de que essa raiva amarga possa aniquilar as coisas boas. Não há como não me sentir culpada pelos desfechos e odiar tanto as coisas a minha volta, se tenho a impressão que errei em inúmeros momentos da minha vida. 

Eu não quero sempre ficar nesse círculo. Não quero pensar nisso.

Acaricio minha barriga. Pelo menos até ela nascer e estar em meus braços, deverei ser o melhor possível. É isso. Tento dormir um pouco, é um longo caminho.

Quando acordo, estamos prestes a pousar e minha cabeça repousa sobre o ombro de Sasuke, não sei em que momento isso aconteceu. De todo modo, é bom se sentir querida e mimada, é bom senti-lo massageando meu cabelo e sendo tão carinhoso.

O pouso é suave. E apesar de ter dormido durante quase todo o tempo, fico aliviada por estar em terra firme e em segurança. As pessoas, sempre apressadas, logo estão de pé e numa longa fila aguardando as portas serem abertas, fico observando passarem. Nós somos os últimos a sair.

Aguardo os homens recuperarem as malas. A perna de Sasuke evidentemente está pior, mas ele disfarça da melhor forma possível e se nega a receber a minha ajuda.

Quando finalmente saímos pelas portas do desembarque, imediatamente vejo minha mãe erguendo os braços no ar e estampando um belo sorriso. Meu pai, como sempre, está parado com os braços cruzados diante do corpo, mas me direciona o mesmo sorriso acolhedor. Corro em direção a eles e os abraço o mais forte que posso.

 — Nunca mais faça uma coisa dessas, está me ouvindo?

Tudo o que faço é soluçar de tanto chorar.

 — Está me ouvindo, Sakura?

 — Sim, mãe, estou ouvindo.

***

 

Eu nunca vi meus pais tão felizes. Mamãe me abraça incansavelmente e põe uma coisa nova no meu prato a cada instante, papai me puxa para perto e beija o meu rosto sempre que pode.

A mesa está cheia de coisas.  Dona Hana obviamente passou a tarde inteira cozinhando tudo que mais gosto; exageradamente, é claro. Há comida para alimentar 50 homens, talvez até mais.

É uma ótima recepção, devo convir que se esforçaram bastante para me agradar. A casa está impecavelmente arrumada com cortinas novas nas paredes e um belo tapete na sala. E fico aliviada que, apesar de todos os beijos e abraços, estão agindo da forma mais natural possível, sorrindo e sentados a mesa como se eu estivesse aqui simplesmente para mais uma visita. Eu costumava vir a cada três meses, depois de ter decidido me mudar para morar sozinha e fazer faculdade em outra cidade.

Sinto-me confortável por não ter que enfrentar tantas perguntas ou cobranças. Estou apenas jantando com meus pais, da exata forma que costumávamos fazer.

 — O seu irmão deveria ter vindo  — mamãe diz, aproveitando o momento para também colocar mais um pedaço da torta de chocolate no prato de Sasuke. — Mas ele sumiu em um minuto!

 — Itachi estava com pressa para ir para casa... Saudades do filho e da esposa.  — Ele mastiga um pedaço, para a alegria de Hana.  — Parece que essa é uma tendência nos homens da minha família, não conseguimos ficar muito tempo longe das nossas mulheres. — Sorri olhando em minha direção, o que imediatamente faz minhas bochechas esquentarem um pouco. Se mamãe não nos tivesse observando de forma tão insinuante, certamente meu constrangimento não atingiria níveis tão elevados.

Graças a Deus papai inicia uma nova conversa sobre o mercado de ações e rouba a atenção de Sasuke um pouco, que começa por dizer estar um pouco por fora das movimentações da bolsa de valores, visto o tempo sem trabalhar. Contudo, como um bom entendedor do assunto, tem ótimas respostas para as especulações.

É engraçado vê-los interagindo. Não deixo de me surpreender com o quanto ficaram próximos enquanto estive fora. Eles conversam como se fossem amigos há bastante tempo, o que é, bem... não sei, diferente.

— E o bebê, minha querida, você já sabe o sexo? — Mamãe os interrompe para me perguntar, um pouco incomodada com o  rumo da conversa.

 — É uma menina.

 — Minha nossa, uma menina!

 — Uma menina.  — Sorrio.

 — Parabéns, rapaz.  — Papai toca no ombro de Sasuke, felicitando-o.

 — Você deveria primeiro parabenizar sua filha, hã? Ela que está com esse barrigão e terá de passar pelas dores do parto.

Pronto, está feito. Os dois iniciam uma discussão sobre ter filhos, sobre como as mães sofrem, enquanto os pais muitas vezes nem ao menos aprendem como trocar uma fralda. Mesmo sem passar por qualquer experiência desse tipo, Hiroshi discorda dessa opinião, é claro.

Meus pais brigando por bobagem, isso não é anormal para mim. Sempre os achei divertidos com suas briguinhas bobas. Essas frivolidades de família me confortam. Estou feliz de está em casa.

 — Prometo aprender trocar fraldas. — Sasuke sussurra para mim, igualmente se divertindo com a discussão dos dois.

— Acredito em você.

Ficamos um bom tempo assim, envolvidos nessa cena familiar, até ficar tarde demais e os três se convencerem de que devo descansar, pois tive uma viagem cansativa e um longo dia para enfrentar amanhã.

Ganho beijos na testa de boa noite, antes de mamãe subir comigo para o meu antigo quarto, onde há um pijama quentinho separado e lençóis macios e cheirosos esperando por mim. Ela trocou toda a roupa de cama e limpou todos os móveis. E como se não bastasse, por fim ainda me ajuda a trocar de roupa e me cobre da cabeça aos pés, como se eu fosse uma criança. 

Estou sendo muito mimada, sem dúvidas.

— Boa noite, meu bem — ela diz, beijando-me mais uma vez. Então se vai.

Apesar de realmente cansada, não consigo dormir tão rápido. A bebê está agitada, e quando ela fica assim, acabo igualmente me inquietando.Viro-me de um lado para o outro tentando encontrar uma posição confortável, não encontro.

Não demora muito e ouço o leve rugir da porta, viro-me para observar. É mamãe outra vez, ela entra silenciosamente e checa se estou bem. Percebe que foi flagrada.

— Então você ainda está acordada.

— Não consigo dormir... A bebê está chutando.

Sorrio sem jeito, porque por um minuto me ocorreu perguntar como poderia amenizar os desconfortos da gravidez. Mas certamente ela não tem uma resposta para me dar, nunca esteve nessa situação, embora tenha desejado tanto engravidar quando era mais jovem.

Às vezes eu penso se fui realmente capaz de fechar essa ferida em seu coração, porque, da minha parte, apesar de sempre ter me sentido tão amada e querida, nunca fui capaz de realmente me sentir como parte da família. Via-me como uma estranha. Estava sempre querendo dar o melhor de mim, ser o que não podia ser, ter as melhores notas na escola, ser a garota mais comportada, a filha mais obediente.... Era como se, de algum modo, eu devesse isso a eles. E me angustia ter falhado, frustra-me não ter sido perfeita, pois isso só me leva a pensar quão grande é a minha dívida com eles. Tive tudo, mas não pude dar muito.

— Posso sentir?

Anuo, sorrindo novamente com um pesar engasgado. Gostaria de não me sentir tão pesada e usar esse momento íntimo, quando estamos só nós duas, para perguntar sinceramente se este é o meu lugar, se poderei ficar aqui com minha bebê ou se permanecendo nessa casa estarei aumentando minha dívida. Ao invés disso,  lembro das palavras de Kakashi, escondo todas essas aflições e apenas respondo:

— É claro. — Porque, afinal, não posso me deixar envenenar.

Meus pais sempre me amaram, é só nisso que devo pensar. Eles me querem aqui, disseram-me isso. E me ajudarão a cuidar do meu bebê como uma netinha amada e querida, qualquer pensamento além é uma invenção depreciativa da minha cabeça. Uma armadilha da minha mente deprimida.

Ela se aproxima, senta-se na borda da cama e com a mão direita toca levemente minha barriga. A expressão em seu rosto é impagável, eu rio ao vê-la com a boca em um formato de “o” e as sobrancelhas erguidas de espanto.

— Isso é maravilhoso, Sakura!

— É um pouco desconfortável.

Ela mantém o carinho, com um olhar tão complacente quanto encantado, como se a criança já estivesse em seus braços e lhe direcionasse sorrisos contagiantes. Então se afasta de repente, uma ideia parece encantá-la e lhe arranca um sorriso suspeito.

— Deixarei vocês descansarem — diz antes de sair, mas após um segundo retorna para acrescentar da porta: — Eu tinha esquecido, suas amigas ligaram, esperam vir amanhã para uma visita, caso esteja disposta a recebê-las.

— Estou.

De verdade não é o meu desejo encontrar outras pessoas e agir como se estivesse bem, mas compreendo dever começar a mudar essa situação ou nunca voltarei a ter uma vida normal.

— Ah — ela volta outra vez. — Sasuke ainda está aqui. Irá dormir no sofá. Quer dizer, está dormindo no sofá, e eu nunca me senti tão envergonhada por não ter um quarto de hóspedes.

— Me desculpe por isso.

— Não, não. Não se desculpe. O que importa a vergonha se tem um Adônis dormindo na minha sala? tenho ido à cozinha apenas para passar pelo corredor e vê-lo de longe. Sua vó diria que ele é um pão... — Sorri baixinho. — Mas não conte isso ao seu pai!

— Eu não contaria. — Sorrio também. Sei como mamãe se sente. Também já fiquei abobalhada ao observar Sasuke dormindo em meu sofá. Ele provoca esse efeito nas pessoas. — Precisava vê-lo com o cabelo um pouco mais comprido — confidencio em sussurro. – E quando corria todas os dias, que pernas torneadas ele tinha, que abdômen! — E novamente a boca dela se abre em um “o”.

— Talvez eu já tenha visto... Sabe, em uma revista...

— Mãe!

Dessa vez sou eu quem fica surpresa. Passa pela minha cabeça somente uma possibilidade. Definitivamente, eu não deveria ter entrado nessa brincadeira.

— Bobagem!

— Gostaria de dormir sem saber disso.

— Você está pensando bobagem! — ela sorri alto e logo em seguida leva a mão a boca na tentativa de se conter. — Os Uchiha aparecem frequentemente na revista de negócios que o seu pai costuma comprar — diz com desdém, mamãe sempre criticou o tempo que papai usa lendo essas revistas, sendo que ele nunca sequer investiu em alguma coisa além de pôr o dinheiro na poupança. Ela pensa por um tempo até prosseguir: — Ele deu uma entrevista sobre aquele negócio... Bitcoins! Estava usando terno na foto... Um terno azul, mas era tão alinhado ao corpo, eu só pude pensar “Que homem, que porte imponente”.

Eu rio de nervoso do absurdo que foi cogitar a possibilidade de Sasuke ter feito um ensaio nu para alguma revista. Mais absurdo ainda pensar em minha mãe vendo isso. Minhas bochechas queimam de tanta vergonha.

— Sasuke fica bem de terno azul — é tudo que consigo dizer.

— Sua danadinha, deveria ter me contado que estava namorando um homem desses. Quando vim descobrir, já seria avó!

Ela sorri. E com suspeita curiosidade volta a perguntar se a bebê ainda está mexendo, como se uma resposta contrária pudesse frustrar seus planos, qualquer que sejam eles. Contudo, ao ouvir minha confirmação, despede-se novamente com a desculpa de precisar nos deixar descansar. Claro, não sem o enésimo beijo de boa noite, pelo qual ela retorna para deixar em minha cabeça, até partir de verdade.

A noite está abafada e chuvosa, acomodo-me melhor na cama e me detenho a observar a chuva batendo contra os vidros da janela, é um som confortante e uma perfeita melodia para chamar o sono.

Embora perdida na observação, posso ouvir a porta sendo aberta novamente. O ruído da madeira rouba minha atenção, mesmo sendo tão sutil em relação ao som das gotas se chocando no vidro. Com a luz que vem do corredor, vejo a figura de Sasuke ganhar forma em meio as sombras do quarto. Ele permanece parado no batente, a mão no trinco, os pés descalços...

— Posso entrar?

Consinto.

— Sua mãe me disse que a bebê está agitada.

Essa era então a pretensão dela: enviar Sasuke ao meu quarto para que também possa testemunhar quão agitada é a nossa filha. Não a culpo, foi uma boa intenção. Recordo-me de quando senti a criança mexer pela primeira vez, foi um momento especial.

Novamente apenas meneio a cabeça. Um pouco desconcertado, ele faz o mesmo: balança a cabeça no ar pensando no que dizer, ou talvez como pedir.

Observo-o em silêncio, sei o que ele deseja e aguardo que me peça isso, mas por um motivo que compreendo, ele não diz nada. De certa forma, culpo-me por ter recuado tanto diante dos seus toques, pois é provavelmente por isso que agora ele teme se aproximar.

Com o tanto que o amo e desejo bem, se estivesse ao meu alcance e a ideia de um contato mais íntimo não me deixasse apavorada, estaria agora em seus braços, implorando-o para não me soltar jamais. E traz uma tristeza sufocante a ideia de que não posso revelar esse pensamento, pois se o fizesse seria ouvida com um sorriso e correspondida imediatamente. É triste porque, apesar de nos amarmos, não estou pronta para fazer dar certo, não consigo ser o que ele deseja e espera.

Olho para ele e vejo como isso é verdade, como seus olhos procuram por mim com uma mistura de admiração e receio, como seus lábios se mexem para tentar algo, mas se fecham de repente.

— Você quer sentir? — Sei a resposta. Na verdade, sei bem que ele estava esperando apenas isso.

Quão terrível fui por demorar tanto para perguntar. Mas provavelmente é o alívio após a angústia da espera que o faz sorrir tão grande, tão sincero, tão bonito...

— Eu adoraria.

Ele então se aproxima, sem deixar de me olhar e ter certeza que possui total consentimento. Não se senta ao meu lado, ao invés disso, com esforços acomoda-se no chão aos pés da cama, de forma a deixar a cabeça na mesma altura da minha barriga e as mãos ao meu alcance. Ergue minha blusa calmamente, não há empecilhos da minha parte, apenas desvio o rosto e ergo a cabeça para focar um ponto no teto branco. Sinto-me mais confortável em esconder a lágrima que escorre enquanto ele toca em minha barriga com tanto carinho.

— Você é uma garotinha bem forte. — Sasuke sussurra. — Precisa deixar a mamãe dormir, ela fez uma viagem longa e agora merece descansar.

Eu sorrio. É engraçado.

Ainda com sussurros, ele explica para a filha como a viagem que fizemos foi cansativa, fala sobre o longo caminho percorrido, especialmente sobre o trajeto de avião, como estivemos lá no alto, no céu...

Não funciona muito bem, nossa filha continua chutando.

Por um momento ele fica em silêncio, mexe no bolso frontal da blusa do pijama, tira um celular dele, e logo uma canção pode ser ouvida em som baixo.

— Lembra de dançar essa música na minha varanda?

É “Una Mattina”. Meneio a cabeça confirmando.

— Ainda gosta?

Novamente confirmo com um aceno. Não falo nada porque, se eu falar, minha voz irá falhar terrivelmente e serei rendida pelas lágrimas de emoção. Não consigo acalmar os ânimos. É um pouco irritante, estou cansada de chorar; no entanto, não consigo evitar.

— Espero que você goste também, pequena — murmura, voltando a tocar minha barriga. Olhando-me, diz: — Quando eu era criança meu pai lia Hércules para mim, isso me fazia dormir.

Mesmo sem qualquer resposta minha, ele sorri e se decide por contar uma história. Mas ao invés de Hércules, narra um romance sobre um príncipe severo e uma princesa bondosa.

— A princesa mais bela do reino — ressalta, lançando-me um olhar furtivo.

Só então percebo que na verdade Sasuke está falando sobre nós, contando como nos conhecemos... É engraçado ouvi-lo narrar seu ponto de vista, colocar-se como um homem insensível, enquanto eu sou descrita como a criatura mais doce, altruísta e, claro, a única capaz de conquistar e corrigir o coração bárbaro do príncipe, enchendo-o de sentimentos.

A história não só surte efeito sobre a bebê, que se acalma e cessa os chutes, mas principalmente age sobre mim. O sono chega e pesa as pálpebras inevitavelmente.

Não sei se é a narrativa e as explicações do pai que tranquiliza a criança. Da minha parte, é a suavidade na voz e o carinho terno que me deixa suscetível a adormecer.

Fecho os olhos e ouço cada palavra dele, cada detalhe do conto de fadas. Deixo-me levar pela música tranquila e os cuidados de Sasuke. Não chego a dormir totalmente, embora cochile vez ou outra. É um sono leve que me faz ir e voltar, tão leve a ponto de me fazer perceber quando a história acaba, o quarto é tomado pelo silêncio e o calor do corpo de Sasuke paira sobre o meu. Não abro os olhos, não acabo com a farsa. Continuo fingindo um sono profundo, e logo sinto seus lábios úmidos e mornos encostarem nos meus.

Meu coração dispara.

— Boa noite, meu amor. — Ele diz em tom extremamente baixo.

Fico atenta aos sons, mas não o escuto abrindo a porta para ir embora. Ouço apenas um farfalhar e depois uma mão quente segurando a minha.

Ele está deitado na cama comigo, mantém uma pequena distância, mas perto o suficiente para fazer meu estômago dar voltas e manter meu pulso acelerado. Porém, tão cauteloso e carinhoso que me faz decidir enfrentar essas sensações. Não irei expulsá-lo. Posso vencer esse medo, porque embora uma parte de mim tente se encolher para evitar algum contato entre os nossos corpos, além dos dedos entrelaçados, a outra se sente protegida e adorada.


Notas Finais


* Referência a esposa de Rochester, do livro Jane Eyre. Livro que Sakura já leu e Sasuke também, por causa dela 😊


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