— Vamos no fliperama agora? — Aaron sugeriu, animado.
— A gente precisa começar o trabalho de Geografia — Eddy lembrou.
Estávamos na porta do colégio, logo depois do término de período de Geografia, o único no qual compartilhávamos os quatro.
— Eu já comecei. Ela passou esse trabalho há dois dias. — Logan notificou, orgulhoso — Comecei no mesmo dia.
— O quê? — nós três indagamos, incrédulos.
— Você fez algo num trabalho? Assim, sem ninguém pedir? Você tá bem? — a morena insistiu, descrente.
— Eu já disse que mudei. Vocês não botam fé em mim mesmo. — revirou os olhos.
— Okay… — Aaron soprou, ainda meio atônito — Isso quer dizer que a gente vai no fliperama?
— Eu não posso. Mas divirtam-se — eu disse.
Os outros três rostos presentes me encararam, sinuosos: Aaron e Logan, que estavam à minha frente, e Eddy, que estava enlaçada entre meus braços e precisou levantar o pescoço para mirar meus olhos.
— Espera. Como assim? — Logan fora o primeiro a tomar voz sobre o assunto — Você, Jungkook, o nosso Jungkook, o antissocial e humanos-fóbico que só fala com a gente e nunca tem o que fazer, tem compromisso? É isso?
— É. — suspirei antes de pender o rosto para o lado, apoiando a bochecha na cabeça de Eddy, que já havia voltado a sua posição anterior. — Vou sair com a Miles.
— Você vai deixar, Edwin Wilder? — Aaron questionou, colocando as mãos na cintura.
— O quê? — não precisei olhá-la para saber que franzia o cenho.
— Deixar a super modelo bonitona tomar seu homem assim, é claro! — Logan respondeu pelo ruivo. Então ele parou, pensando, antes de voltar a falar — Se bem que eu acho que ela vai mesmo, cara. A Eddy é muito trouxa pelo Nhoque — disse a Aaron, como se eu e Eddy não estivéssemos ouvindo.
— Cara, eu acho que não, hein? Aposto que ela lasca um beijo no Jeon antes. — Aaron continuou, fazendo-me arquear as sobrancelhas enquanto assistia a cena.
— Aposta mesmo? — o outro assentiu — Fechou. Eu aposto que ele cai pela loira primeiro — estendeu a canhota ao ruivo, que a apertou com a sua.
Ah, então aquilo é loiro mesmo?
— Vinte Trumps?
— Perfeito. — fez uma pausa, sorrindo maroto — Vai ser o dinheiro mais fácil da minha vida.
— Eu não acredito nisso. — Eddy se pronunciou.
— Que o Jeon vai cair pela Hoffman? — o moreno se voltou a ela.
— Ou que você vai lascar um beijo no Kook? — o ruivo copiou o gesto do amigo.
— Eu não vou “lascar um beijo no Kook”? — desvencilhou-me de mim, dando alguns passos para o lado em seguida. — Somos amigos. Nunca vamos passar disso.
Aaron ia levantar a mão para rebater, aí percebeu que ela ainda estava atada à de Logan e se afastou, com uma careta estranha em face, então prosseguiu com seu plano inicial:
— Nunca diga nunca. Você não assistiu aos filmes do Justin Bieber?
— E você, Jungkook? Não tem nada a dizer? — Logan arqueou as sobrancelhas em minha direção.
Eu fitei Eddy, matutando suas palavras anteriores e a conversa da noite passada. Então fitei os dois garotos e, finalmente, a figura morena-loira que se aproximava por trás dos ombros deles, o que também me fez pensar na maneira estranha que me senti durante a tarde com ela e concluir que não, eu não tinha nada a dizer; estava confuso demais pra isso.
— Eu tô de boa. — dei de ombros, tentando afastar o assunto.
Eu e Miles precisamos pegar o metrô para ir ao estúdio onde ela tiraria as fotos. E eu agradeci aos céus por não ser horário de pico.
— Você está com fome? — a… loira? Enfim. O importante é que ela fizera uma pergunta. Pra mim. Isso. Ela me perguntou.
— Ahn… — pisquei algumas vezes, tirando os olhos da janela para mirá-la. — Ah, um pouco. — admiti quando meu cérebro finalmente processara a pergunta.
— Tudo bem. Vamos passar no Subway primeiro então. — sorriu, afagando meus cabelos.
Eu não protestei nem tirei a mão dela de lá, mas não deixei de fazer careta para o gesto.
Na verdade, eu estava confuso. Meio letárgico, meio surtado. Sabe quando tem um misto explosivo e indecifrável de sentimentos dentro de você, mas, por fora, você está impassível e indiferente? É como uma explosão cósmica; uma expansão: os sentimentos se emaranham, esbarram e aumentam em volume até que não haja mais para onde expandir, então explodem, criando estrelas, nebulosas, planetas, galáxias, universos inteiros em constante expansão.
Mas, é claro, ninguém aguenta mais metáforas com astronomia. É um maldito clichê.
E minha vida era cheia deles.
Menos naquela tarde, onde meus sentimentos originaram uma explosão cósmica; onde meu universo fora expandido.
— Miles, você já esteve na friendzone? — questionei-a em baixo tom.
— Não. Eu não acredito nessa besteira. — torceu o nariz. Então ela apoiou a cabeça no meu ombro, esmagando as bochechas claras e olhando-me por baixo dos cílios compridos.
E, que droga, ela nem parecia real.
— Isso é só um nome divertido que algum macho chato criou porque não aceitava a rejeição e os sentimentos alheios. — continuou.
— E como você sabe que foi um homem? — arqueei as sobrancelhas pra ela, que sorriu, agarrando o meu braço no qual apoiava o rosto com ambas as mãos.
— É óbvio. Aquela história do “eu sou um cara incrível que tem tudo a ver com ela, mas ela não aceita meu amor porque está ocupada sofrendo por algum babaca que, provavelmente, usa jaqueta bomber de time”. — fechou os olhos, enterrando mais a face em meu membro.
Estranha.
— Mas o que o cara incrível que tem tudo a ver com ela faz pra ela aceitar o amor dele? — continuei, checando quantas paradas ainda faltavam pra descermos no mapa ilustrado na estrutura do metrô. — Ou ser notado, pelo menos. — acrescentei baixinho.
— Eu não sei. Nada, talvez. — as palavras faziam cócegas contra minha pele coberta — A garota nunca fica com o amigo. Ela fica com o babaca bonitão.
— Por quê? Ele é um babaca.
— É, eu também não entendo. Particularmente não gosto do lance da garota legal que precisa salvar o babaca de si mesmo porque ele é idiota. — suspirou.
Eu prendi a respiração quando senti o ar quente que saira da boca dela em contato com minha pele. E, que saco. Por quê?
Meneei a cabeça para lá e para cá, tentando afastar a sensação. Então inalei ar, minuciosa e profundamente, e tornei a falar:
— Mas a vida não é um filme. — rebati, frustrado.
— Quem disse? Talvez seja. Talvez seja um livro — levantou o rosto para me olhar — Talvez sejamos personagens na história de alguém. E a gente nunca vai saber. — fingiu um tom dramático, fazendo-me rir de lado.
— Isso é um pouco ofensivo. Quer dizer que eu não tenho autonomia nenhuma sobre minha vida? Somos sims no The Sims?
— Ninguém sabe. — continuou com a voz estranha. Então riu, balançando a cabeça e voltando a enterrá-la em meu ombro.
— O que você tá fazendo? — perguntei, finalmente, estranhando o comportamento meio aqueles bichinhos que a gente coloca no lápis de escrever.
— Abraçando você. — disse, simples. Mas acabou soando abafado e arrastado, já que meu corpo atrapalhava um pouco as ondas sonoras na tarefa de repercutirem.
— Por quê?
— Porque você é quentinho e tem um cheiro bom.
— Ah, okay… — alonguei a palavra em minha língua — Mas a gente precisa descer na próxima estação. — notifiquei, olhando o quadro de novo.
— Ah — ela bufou depois de voltar-se para o mapa, constatando o que eu há houvera dito. — Tudo bem.
E a gente levantou. E a gente saiu. E a gente andou até o Subway porque ela disse que era o fast food favorito dela e eu nem reclamei porque também era o meu. E ela não largou meu braço em momento algum nesse processo.
Eu quis gritar. Estava berrando internamente, na real. Mas eu não sabia o que vociferar contra o vento e para a garota que me segurava como se estivéssemos habituados a andar assim. Eu não sabia porque, bem, eu estava confuso. Minha mente não parava de matutar as palavras de Eddy.
Porra. De noite ela conversou comigo sobre casamento e elogiou a minha maldita boca, mas de dia disse que nunca a beijaria.
E o que eu deveria fazer? Era um cara incrível na friendzone? Essa palavra divertida que algum macho chato criou pra esse negócio péssimo de quando a gente não aceita a rejeição e os sentimentos alheios?
Eu era um macho chato? Mas eu nem pressionava Eddy a nada. Eu nunca nem havia a deixado saber sobre meus sentimentos, como seria rejeitado?
E eu devia deixar ela saber? Ou devia só seguir em frente porque, como a própria havia postulado, “somos amigos e nunca vamos passar disso”?
Que droga. Sentir é uma droga.
A minha sorte era que eu sempre pedia o mesmo lanche montado exatamente do mesmo jeito na lanchonete, então não precisei pensar muito para responder as perguntas como “qual pão?”, “esquenta?” ou “alface e tomate?” que o atendente fazia. E, depois de finalmente sentar para comer — com Miles a minha frente, me encarando daquele jeito meio bizarro que ela sempre fazia —, eu descontei minhas frustrações na comida.
— Como alguém come um lanche de trinta centímetros tão rápido? — a garota indagou, surpresa.
— Com a boca — revirei os olhos antes de engolir a última mordida do lanche.
— Achei que já tivéssemos passado da sua fase rude. Que decepção. — dramatizou, dando um gole em seu suco em sequência.
— Desculpa. — pedi em um sopro, descansando as mãos no colo. Assisti-a abaixar a garrafinha e retorquir:
— Desculpo — sorriu para mim. E eu acabei percebendo que o incisivo lateral direito dela era meio tortinho, espreitando levemente por cima do central.
E eu não sei se foi porque era fofo ou porque eu finalmente encontrei algo não-arquétipo no rosto perfeito dela, mas isso me fez sorrir. Tipo, sorrir mesmo; sorrir largo.
— O que foi? — ela perguntou, estranhando meu ato. Eu apenas meneei a cabeça e repliquei:
— Nada.
Depois disso, eu tentei distrair a mente das minhas neuras e paranoias em um jogo silencioso que se baseava em procurar mais detalhes assim na morena-loira, e acabei descobrindo que gostava disso conforme a lista aumentava:
1- Ela anda de um jeito meio tortinho, apesar de ter uma postura impecável;
2- Ela tem uma falha na sobrancelha esquerda, que disfarça com maquiagem;
3- Ela tem um furinho no queixo;
4- Eu ainda não sei dizer qual é a cor do cabelo dela.
— Se eu não vou fazer nada, por que me trouxe?
— Porque você é meu secretário de campanha — disse enquanto terminava de ajeitar o cabelo.
Miles nos levou a um estúdio de um cara que ela disse ser amigo do pai dela. Era um lugar grande e com dezenas de capas de revista emolduradas na parede, o que me fez supor que o tal fotógrafo era alguém de nome no meio em que atuava.
E, caralho, aquela ali é a Emma Watson?
Acabei me perdendo entre as capas das Jennifer Lawrence e Scarlett Johansson, só voltando à realidade no momento em que Miles, já trocada e maquiada, chamou-me.
— Que foi? — aproximei-me, medindo a garota de cima a baixo; ela estava em um meio termo entre o casual e o formal. E… é. Ela era bonita, né? Então não tem como negar que eu babei um pouco.
— Como eu faço? — perguntou, meio preocupada.
— É só para a presidência do colégio. Não precisa parecer a Michele Obama, só se mostrar… simpática, sabe? — baguncei os cabelos da nuca.
— Tudo bem. Confiança e simpatia. — respirou fundo. Então o fotógrafo a chamou e ela me lançou um último olhar antes de correr para frente do tecido branco.
O carinha pedia para ela fazer umas poses e relaxar, mas ela ainda parecia nervosa. Foi mais ou menos entre o vigésimo e o trigésimo clique que ele suspirou e virou o pescoço, olhando para mim e dizendo:
— Ei, meu anjo, você é o namorado dela, não é? — fez um gesto com a mão esquerda, chamando-me para mais perto. Eu abri a boca para corrigí-lo enquanto andava até lá mas ele não me deu tempo para isso — Vem. Ajuda o Leon e descontrai a sua mina. — puxou-me pelo ombro até estar parado a alguns centímetros de distância dele.
— Quê? — franzi o cenho.
— Faz ela rir. — disse, como se fosse óbvio. E não esperou por muito mais para voltar a se inclinar sobre a câmera no tripé.
Eu olhei para Miles, que apenas deu de ombros para a cena. Aí o fotógrafo soltou um gritinho de “vai logo” e eu dei um pulo pelo susto, fazendo a loira-morena rir.
Alguns flashes. Um sorriso satisfeito no artista louco ao meu lado. Outro grito:
— Isso! Continua assim.
Eu respirei fundo antes de relaxar os braços e me preparar para fazer o que me estava sendo pedido. Primeiro foram só algumas caretas, depois eu já estava gargalhando junto enquanto fazia danças bizarras e poses estranhas.
E as fotos ficaram ótimas. De longe e sob as luzes fortes, o dente tortinho não aparecia. Mas eu sabia que ele estava ali. Isso me trazia uma espécie de sensação engraçada; era como um segredo que só eu guardava porque só eu conhecia.
— Leon vai me enviar as fotos e eu as converto antes de encaminhar pra você, assim dá pra trabalhar com elas no Ps e no Fw de boa. — a garota comentou, sorrindo, enquanto caminhávamos por um parque enorme que tinha daquele lado da cidade. Não era muito longe de onde meu emprego temporário ficava e eu só conseguia pensar na possibilidade de encontrar o Pantera Negra correndo por lá.
Digo, o ator que fazia o Pantera Negra. Até porque heróis não existem, não é? Puff, claro que não.
— Você sabe converter? Eu posso fazer isso se quiser — olhei-a de lado.
— Jungkook, eu não estaria me oferencendo pra fazer se eu não soubesse — revirou os olhos.
— Ah, não achei que fosse algo que você… fizesse, sabe? — dei de ombros, olhando as árvores como se um famoso pudesse sair de lá a qualquer momento.
— Por quê?
— Não acho que você faça o tipo.
— E que tipo eu faço? — parou de andar, obrigando-me a fazer o mesmo quando segurou a barra da minha camiseta.
— Garota bonita e rica? — fiz careta ao replicar, alongando a fala.
— Então se uma garota é bonita e rica ela não pode ser nada além de bonita e rica? — cruzou os braços sob os seios. — Ah, é claro. Porque mulher bonita não tem cérebro, não é? Elas são biologicamente incapacitadas de raciocinar e usar um programa de computador. É claro. — bufou. E eu nunca a vi com um olhar tão áspero. — Essa é a coisa mais idiota, estereotipada, ofensiva e machista que você já me disse.
E, senhoras e senhores, esse foi um dos momentos de expansão. Porque, na cabeça de um homem, nada do que ele diz é machista. Qual é? Ele é sempre o diferente; o hipster legal e imune a esses lances de patriarcado e tal. Porém não. E essa explosão em especial é dividida em três fases:
1- A negação:
— Machista? Claro que não — entortei o nariz, como se desprezasse a ideia.
2- O auto-questionamento:
— Espera. Foi? É machista? — franzi o cenho, andando pra trás até sentar num dos banquinhos no parque. — Eu sou?
E, finalmente, a fase final:
3- A aceitação:
— Por Goku, eu sou um macho chato! — joguei o tronco para trás e agarrei os cabelos, atônito com a descoberta.
— Às vezes. — Miles se sentou ao meu lado.
Eu a olhei de soslaio, meio assustado.
— Me desculpa. — pedi, arrastado. — Eu te acho inteligente pra caralho, na verdade. — admiti, mais baixo.
— Eu sou. — descansou as mãos sobre o colo.
Por um momento, eu entrei em desespero notando a falta de nossas mochilas escolares. Aí lembrei que havíamos as deixado dentro do pervertida-móvel, no estacionamento do metrô.
— Eu sou muito chato? — perguntei-a, volvendo os olhos para o céu alaranjado de fim de tarde.
— É. Você é muito chato.
— Ah… — espalmei as mãos no rosto — Eu vou ser menos então, perv… Miles. — corrigi-me, ocasionando numa risada da garota, que eu fiz questão de fitar só pra ver aquele dentinho torto de novo.
E eu não sei bem o que aconteceu, só aconteceu. A explosão ocorreu e meu universo estava em constante expansão; recém-nascido e disposto a crescer em formas que eu nunca havia sequer tentado.
E eu vou parar com essa besteira de cosmos. Juro. Até porque eu percebi tudo isso sentado num banco estranho de um bairro rico, com Miles do meu lado e aqueles últimos raios de luz do dia a esbarrando o rosto e me fazendo perceber que, cara…
Nenhum objeto ou evento cósmico se compararia a essa garota e a tudo que ela trazia consigo.
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