Is there anybody out there (Há alguém lá fora)
Walking alone (andando sozinho)
Is there anybody out there (Há alguém lá fora)
Out in the cold (Lá fora no frio)
One hearbeat (Um coração bate)
Zoom into me – Tokio Hotel
Ao’nung franziu o cenho, quase sem acreditar no que estava vendo.
Um garotinho na’vi caminhava por entre as árvores, batendo nas longas flores amarelas que brilhavam com o toque, como se quisesse iluminar seu caminho. O Metkayina olhou ao redor, em alerta, prevendo que adultos apareceriam. Mas conforme o menino ia andando pela floresta escura, sempre perto das flores que iluminavam, começou a acreditar que ele estava sozinho ali.
Ele estaria voltando para casa?
Apertou a lança com força e o seguiu, silencioso. Algumas coisas lhe chamavam atenção em tudo aquilo. Primeiro, o garoto era muito pequeno e magro. Pelo tamanho, Ao’nung imaginou que deveria ter no máximo 3 ou 4 anos. O que só tornava a situação mais estranha, afinal, por que uma criança tão nova andaria sozinha na floresta noturna?
E segundo: o garoto não parecia de nenhum clã que Ao’nung já tivesse visto. A pele era mais clara e opaca que a sua, em um tom de azul que nunca viu em outro na’vi. Pelo ângulo em que estava não podia ver o rosto dele, principalmente devido aos cabelos longos e em formatos de ondas estarem soltos, caindo rebeldes, sem qualquer trança ou acessório.
Os pezinhos continuavam explorando a floresta distraidamente. Quando ele via alguma flor colorida no chão corria e saltava sobre ela, como se fosse um grande obstáculo, soltando uma risadinha divertida logo em seguida. Ao’nung tentou manter os ouvidos atentos para saber se estava se encaminhando para alguma vila na’vi ou qualquer lugar onde pudesse ficar cercado. Sua mente ainda não conseguia entender porque a ilha parecia habitada, sabendo que havia uma base do Povo do Céu ali.
A base ainda existiria? Os humanos eram pacíficos e conviviam com os na’vi? Ou tinham sido expulsos pelos mesmos na’vis que agora moravam no local? Os questionamentos eram muitos e o fez morder o lábio, pensando seriamente em voltar para onde Neteyam estava, mas não queria perder o garoto de vista, portanto, continuou se esgueirando pelos arbustos.
Paisagens completamente novas se revelavam conforme a criança avançava, pulando e desviando dos galhos como se estivesse em alguma brincadeira. Ao’nung parou a caminhada quando o menino parou e começou a engatinhar ao notar algo na terra. As mãos pequenas logo começaram a trabalhar, parecendo ávidas ao cavar com as unhas em torno de folhas verdes. Depois de alguns segundos, ouviu um risinho feliz e estreitou os olhos, tentando enxergar através do arbusto.
O menino puxou as folhas longas, revelando pequenas frutas redondas e vermelhas. Sem perder tempo ele mordeu com gosto, emitindo um som molhado pela umidade interior do fruto. Ele comeu rápido e sedento, mastigando veloz para dar outra mordida. Parecia faminto. No entanto, sua refeição foi interrompida quando um inseto que poderia ter o tamanho do pé dele saiu da terra balançando anteninhas espertas. O garoto soltou um grito agudo e choroso, correndo para longe, levando sua fruta na mão.
Ao’nung disparou atrás dele, tentando não fazer barulho, porém estava cada vez mais difícil já que, por ser muito pequeno, era absurdamente fácil perdê-lo de vista no meio da selva. Notou que conforme o menino corria, a floresta se tornava mais íngreme, em uma subida chata para quem não era muito habilidoso com florestas. As raízes erguiam-se ligeiramente acima do nível do solo, como uma armadilha para quem não fosse atento acabar enfiando o pé e tropeçando. O Metkayina agradeceu internamente por tudo o que havia aprendido nas florestas Omatikaya.
Pensou em Neteyam enquanto se esgueirava sofregamente pela subida. Esperava acertar o caminho de volta para encontrá-lo. Como explicaria para ele que tinha achado uma criança no primeiro dia naquela ilha? Clamou silenciosamente para aquilo não interferir na missão que precisavam cumprir.
Quando finalmente viu o ponto onde a subida terminava, Ao’nung diminuiu o ritmo dos passos para não ser notado. A criança aquela altura já havia parado de correr e agora comia a outra frutinha que tinha ficado esquecida, sumindo do campo de vista do herdeiro ao alcançar o topo da subida. Sem sinal de outros na’vi, Ao’nung se escondeu atrás de uma árvore para ter uma visão melhor do lugar.
A luz dos astros no céu de Pandora cobria o solo de grama irregular onde o garotinho agora se sentava. O vento ameno embalou o corpinho minúsculo, que se encolheu, abraçando os próprios joelhos enquanto fitava o horizonte escuro. Os cabelos ondulados flutuavam, dando um leve vislumbre do rosto fino e de olhos claros ligeiramente estreitos. O padrões luminosos de seu corpo pareciam mais fortes do que qualquer outro que já tinha visto. Ao’nung percebeu que estavam na borda do que parecia ser um penhasco.
Os minutos então se passaram em absoluto silêncio. O menino permanecia na mesma posição fitando o horizonte e o herdeiro se perguntou se ele estava esperando alguém.
— O que está acontecendo aqui? – Sussurrou, afoito.
O vento não lhe trouxe respostas e ambos ficaram nas mesmas posições até que Ao’nung começou a cogitar a ideia de revelar sua presença. Duvidava que alguém tão novo poderia ter informações sobre o Povo do Céu, mas ao menos ele não aparentava ser hostil. O que lhe incomodava na situação era apenas a ausência de adultos nos arredores.
Com um suspiro, decidiu arriscar. Saiu de trás da árvore, deixando a lança para soar menos ameaçador.
— Olá.
O som da sua voz fez a criança pular, levantando-se tão rápido que o herdeiro se surpreendeu. O menino se preparou para correr, igual fez com o inseto, mas Ao’nung ergueu as mãos, em sinal de paz.
— Calma, calma. – Disse ele, no tom mais amigável que conseguiu. – Eu não vou te machucar.
Ofegante e com os olhos estreitos arregalados, a criança soltou um choro manhoso dando um passo para trás. Ao’nung suspirou, ainda com as mãos erguidas.
— Eu não estou aqui para fazer mal a ninguém, tudo bem? Respira. – Ao’nung inspirou e expirou profundamente, sinalizando para que ele fizesse o mesmo. – Está tudo bem. Eu não vou te machucar. Prometo.
O rostinho estava erguido enquanto analisava o enorme na’vi à sua frente com receio, mas depois de mais um choramingo ele imitou a profunda respiração do Metkayina, puxando e soltando o ar lentamente. Os ombros seguiam encolhidos e as pernas prontas para correr, em uma postura defensiva. Porém, o coração pareceu acalmar um pouco.
Notando a mudança, Ao’nung sorriu.
— Muito bem. Você está indo bem. A respiração nos ajuda a controlar os medos.
Apesar de não receber resposta alguma, o herdeiro sentiu que o menino não estava mais tão assustado quanto antes, portanto, baixou as mãos.
— Você está sozinho? Está com fome?
— Sai da frente, Ao’nung. – A voz de Neteyam fez ambos se assustarem. O herdeiro se virou rapidamente por não ter escutado os passos do outro de aproximando, mas o que realmente o surpreendeu era o fato de que o Omatikaya estava empunhando seu arco, com uma flecha posta em sua direção.
Havia algo diferente em Neteyam que fez Ao’nung se arrepiar. Uma sombra em seus olhos dourados e uma estranha frieza em sua voz.
— O que está fazendo? – Questionou baixinho, enquanto sua visão periférica verificava se o menino estava atrás dele.
— Ele é um deles, Ao’nung. – Neteyam sussurrou. A postura permanecia perfeita e os olhos brilhavam com algo que jamais viu nele antes: Ódio. – É um na’vi das Cinzas. Agora sai da frente.
O Metkayina virou o rosto para fitar o pequeno ser que mal passava dos seus joelhos. Os olhos acinzentados lhe encararam aterrorizados, mas ainda fazendo o exercício de inspirar e expirar, conforme tinha acabado de aprender. Poderia ser até chamado de bebê, por parecer tão frágil.
— O que vai fazer, Neteyam?
— Não é óbvio? Vou matá-lo.
Ao’nung tentou não se abalar diante do tom sinistro do que tinha acabado de escutar e permaneceu diante da criança, fazendo Neteyam rosnar impaciente.
— Ao’nung! – O outro grunhiu. – Sai!
O rosnado fez o menino pular, agarrando-se a perna do Metkayina.
— Não posso deixar você fazer isso. – Respondeu, por fim.
O Sully arregalou os olhos dourados, sem acreditar naquilo.
— O que está me dizendo? – Sussurrou ameaçadoramente. – Você não entende o que está acontecendo aqui!
— Neteyam. – Chamou gentilmente, tentando encontrar uma brecha na postura do outro que permitisse uma aproximação, mas falhou, pois seu amado jamais deixava aberturas. – Eu sei que aquela guerra foi difícil pra você, mas olha pra ele. Essa criança é muito jovem, nem tinha nascido naquela época. Ele não precisa pagar pelos pecados do seu povo.
Neteyam sentiu o corpo ferver. De repente, não havia mais controle algum sobre suas emoções:
— Isso não importa! – Gritou, em fúria. – Enquanto eles existirem eu vou fazer questão de caçar um por um! Eles não passam de parasitas que precisam morrer!
Ao’nung encolheu os ombros, sem entender de onde vinha tanta raiva. Depois de alguns segundos assimilando as ameaças, suspirou:
— Não. Não vou deixar você fazer mal a ele.
Neteyam mostrou as presas.
— Por que está fazendo isso, Ao’nung? Por que está do lado deles? Você deveria estar sempre comigo! Por que está me traindo dessa forma?
— Eu nunca traí você. Não estou do lado deles, eu só...
— Mentira! – Neteyam interrompeu, voltando a gritar e sem tirar os olhos das pernas do herdeiro, onde sua presa seguia encolhida. Um sentimento furioso havia se apoderado dele diante da postura de Ao’nung. – Se realmente não está com eles saia da frente e me deixa acabar com isso.
— Meu Neteyam. Ele é só uma criança... – Ao’nung sentiu a voz mais fraca ao ver o olhar maldoso de seu companheiro. Nunca tinha visto ele agir dessa forma. Não sabia como reagir diante daquela situação, por isso, tentou seguir os conselhos do pai e não se deixar levar pelo coração.
O garotinho soluçava baixinho diante da criatura furiosa a sua frente, sedenta por seu sangue.
— Isso não me importa. – O Omatikaya soava irredutível.
— Por favor, Neteyam. – Implorou Ao’nung. – Não vou deixar você sujar suas mãos com sangue de crianças!
O Metkayina estava tentando prever onde cada palavra daquela conversa daria, mas jamais imaginou que diante do que disse Neteyam fosse apenas rir.
— Eu matei Varang, a líder deles! – Ele gritou. – Mas matei guerreiros, matei mulheres, crianças e até bebês. E eu faria tudo de novo!
Ao'nung arregalou os olhos diante da revelação, sentindo as pernas fraquejarem e os olhos umedecerem, assombrados.
— Você não pode ter feito isso...
— Eu fiz!
— E por que nunca me contou? – Ao’nung sussurrou, com a voz embargada.
— Eu mostrei a parte de mim que você gostaria de ver. – Respondeu Neteyam, seco. – Mas agora você sabe o assassino que eu sou. Então, me dá o menino. Eu vou matá-lo e depois vou caçar cada parasita que estiver vivendo nessa ilha.
O Metkayina sentia seu mundo girar, como se aquilo tudo fosse só um pesadelo. Aquele não era seu Neteyam, não poderia ser. Engoliu um choro silencioso enquanto sentia as duas mãozinhas frias em sua perna.
Balançou a cabeça negativamente, fazendo o Sully rosnar algo em uma língua que não compreendia.
— Se vai ficar do lado deles, você está contra mim, Ao’nung. – As palavras soaram duras, porém, deprimentes e amarguradas. Neteyam sentia-se traído ao ver Ao’nung parado em frente ao inimigo, em uma postura protetora. Ele não conseguia aceitar aquilo.
— Eu jamais estarei contra você. – Refutou o herdeiro.
— Já está.
— Neteyam. – A voz de Ao’nung soou triste, porém carinhosa. – Não precisa continuar olhando pro passado. Eles se renderam, lembra? A guerra acabou há muitos anos.
— Está errado. – Retrucou o Omatikaya, ignorando o tom dócil de seu companheiro. – Isso nunca vai ter fim. Enquanto eles existirem, vão continuar espalhando sangue por onde passarem, e eu vou continuar querendo matá-los.
— Mesmo que pra isso você me veja como inimigo?
Neteyam desviou os olhos do motivo de sua fúria para fitar os olhos azuis. Até teria se compadecido por ele, mas notando os braços de Ao’nung ligeiramente se movendo de forma a garantir que o garoto seguia atrás dele, Neyetam sabia que jamais seria compreendido por aquele que deveria ser sua alma gêmea.
— Sim.
A conclusão foi tão seca e curta que desestabilizou Ao’nung. Não pôde evitar que as lágrimas grossas transbordassem por suas bochechas azul turquesa. Neteyam por um instante sentiu o coração doer mais ainda. Primeiro por se sentir traído e depois por saber que era um monstro capaz de fazer Ao’nung chorar. A fraqueza momentânea fez com que abaixasse o arco.
Em um ímpeto de sobrevivência, o garotinho de cabelos longos soltou a perna que segurava e correu em direção à floresta a sua direita.
E então tudo aconteceu muito rápido.
Notando a fuga, Neteyam agiu com maestria e com um único movimento puxou seu punhal, arremessando-o baixo para que pudesse atingir o alvo minúsculo.
— Neteyam! Não! – Ao’nung gritou enquanto o corpo reagia instintivamente, pulando sobre o garoto.
O punhal afiado se ficou inteiro na lateral da coxa do Metkayina, derrubando-o. Neteyam correu em direção aos dois no chão e antes que pudesse agarrar o menino, sentiu Ao’nung pular sobre ele, ainda com a faca na perna, mas ignorando a dor excruciante. Eles rolaram pela grama, grunhindo ferozmente.
Contudo, ferido, Ao’nung logo estava em desvantagem, sentindo a perna pesar, enquanto Neteyam colocava peso sobre seu busto, em um golpe certeiro.
— Ao’nung, para! – Neteyam ordenou, com um rosnado. – Eu não quero machucar você!
— Você já machucou! – Gritou Ao’nung sem conseguir conter o soluço, não pela dor, mas por simplesmente não conseguir ver Neteyam da maneira que via antes. Aquilo estava destruindo seu coração. Estava com medo da pessoa com quem deveria passar o resto da vida.
Diante do choro copioso, Neteyam parou de pressionar os joelhos sobre as costelas de Ao’nung.
Sentindo-se inerte, emitiu o sinal para chamar o ikran, ignorando tudo o que tinha combinado ao chegar na ilha. Fitou a criança que encarava a cena detrás de uma árvore, horrorizada. Fez questão de gravar o rosto falsamente inocente que havia tirado Ao'nung dele.
Quando o ikran pousou, Neteyam pulou sobre ele e partiu para encontrar aqueles que precisava matar, jurando internamente que voltaria para terminar o que havia começado no penhasco.
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