I wanted you to know that I love the way you laugh (Queria que você soubesse que amo o jeito que você ri)
I wanna hold you high and steal your pain away (Quero te abraçar forte e roubar sua dor)
I keep your photograph (Guardo sua fotografia)
And I know it serves me well (E sei que ela me faz bem)
Broken – Amy Lee ft. Seether
— Você já vai pra casa, Ao’nung? – Tai’Ren parecia desolado com os olhos cinzas arregalados e úmidos.
O Metkayina sorriu, ajoelhando-se diante dele. Mesmo sabendo que Neteyam estava apressado para mostrar o que tinha descoberto sobre a base, esperando no penhasco, insistiu em voltar para avisar o garotinho.
— Não, ainda não. Mas você lembra quando eu disse que eu o Neteyam estávamos aqui para tentar entender o que aconteceu com os peixes da minha casa?
Tai’Ren assentiu, sentindo o coração se acalmar um pouco.
— É isso que vamos começar a fazer agora. – Explicou Ao’nung. – Por isso eu preciso que se comporte e fique seguro por aqui. Você pode brincar na rede, ir no penhasco ou nadar na lagoa, só toma cuidado, tá bom?
— Tá bom, Nung. Você volta logo?
— Volto sim, antes de anoitecer.
— A gente pode comer peixe quando você chegar?
Ao’nung riu, pensando que o menino poderia muito bem ter nascido nos recifes por gostar tanto de comer peixe.
— Podemos sim, pequeno pescador.
Ainda passou alguns minutos balançando Tai’Ren na rede até que a súbita animação da criança se transformou em relaxamento, que resultou em um cochilo. Achando curioso o cansaço momentâneo do pequeno, Ao’nung aproveitou a brecha para pegar a lança e encontrar Neteyam, que estava bastante silencioso desde a última conversa que tiveram. Não querendo estressar mais ainda seu companheiro, o Metkayina preferiu manter o silêncio também.
Voaram juntos no ikran do Omatikaya por conta da perna de Ao’nung. Enquanto observava a enorme extensão da ilha onde estava, se afastando cada vez mais do ponto onde deixou Tai’Ren, Ao’nung pensou em quantos anos faziam desde a última vez que voou no mesmo ikran que Neteyam. Quase sorriu ao se lembrar dos tempos de adolescência quando voou pela primeira vez e como depois, sempre que podiam, escapavam de suas obrigações para repetirem o feito. Eram tempos tão diferentes.
Fitou seu companheiro de canto. As tranças longas de Neteyam esvoaçavam com a velocidade do voo e seus olhos dourados permaneciam focados no horizonte. A luz do dia iluminava a pele azul escura de padrões mais fortes e os músculos torneados, tensos pela posição de voo. Não gostava de tanto silêncio assim entre eles, mas sabia que não conseguiria resolver tudo neste momento, então, tomando um pouco mais de coragem, Ao’nung encostou a cabeça no ombro do Sully, que automaticamente se desconcentrou do horizonte, retesando ainda mais o corpo. Mas não foi o suficiente para fazê-lo falar.
O herdeiro fechou os olhos, ficando com a cabeça relaxada no ombro do Omatikaya, aspirando o cheiro suave que lhe fazia tão bem. Momentos depois, no entanto, Neteyam finalmente interrompeu o silêncio:
— Ao’nung, vamos pousar.
Voltando a sua postura anterior, Ao’nung percebeu que ele já impulsionava o ikran para voar mais baixo. Quando finalmente atravessaram a última parte do território florestal e puderam ver o canal entre as duas ilhas, o Metkayina deixou o queixo cair.
— Por Eywa... – Sussurrou abismado. - O que é isso, Neteyam?
— É o grande problema que eu falei. – Respondeu, olhando na mesma direção do outro.
Fazendo um sinal para o ikran pousar, ambos se aproximaram da extremidade da ilha onde estavam. Em seguida, quando puderam pôr os pés no chão e se aproximar do local, Ao’nung tentou pensar em como resolveriam aquela situação.
O canal oceânico era grande e suas águas nervosas atingiam os limites de ambas as ilhas. Porém, o que realmente deixou Ao’nung estupefato não foi a violência do mar, mas a gigantesca estrutura metálica tombada ali, extensa o suficiente para atrapalhar o fluxo do mar, segurando-se com suas pernas de metal na costa da ilha irmã, cujo solo era mais próximo do nível do mar.
Observando a outra ilha, Ao’nung notou muitas árvores derrubadas e sinais claros de por onde a estrutura tinha sido colapsada.
— Parece que toda a base desmoronou e a maior parte deve estar submersa. É muito maior do que as imagens mostraram no mapa, o que me faz pensar que o Povo do Céu ganhou muito nessas ilhas. – Começou Neteyam, tentando enxergar por baixo da maré agitada. – Mas... alguma coisa aconteceu e tudo acabou.
— Parece abandonada há muito tempo. - Constatou o herdeiro, fazendo o outro concordar.
— Deve ter sido. Agora, por que o Povo do Céu foi embora? É um mistério.
— Acha que alguém os expulsou?
— É uma possibilidade. – Disse Neteyam, começando a andar para alcançar um ponto mais a frente. – Vem, quero te mostrar uma coisa.
Ao’nung o seguiu, preocupado com a visão que tinha da construção obstruindo a passagem. Seguiram juntos pelo litoral da ilha onde estavam, até que o Omatikaya parou e se preparou para saltar em um local onde aparentemente não havia pilares de metal. Trocaram um rápido olhar antes de pularem no mar.
Sentindo falta de mergulhar, Ao’nung recebeu bem a sensação da água fria lhe embalando, mas imediatamente percebeu que a perna protestava pelo esforço que fazia para se manter estável e sem ser empurrado pela maré. Seus pensamentos, contudo, foram interrompidos quando acalmou a visão e captou a intensa movimentação ao seu redor.
Imediatamente seus olhos arregalaram e Neteyam se colocou ao seu lado, não tão surpreso já que havia explorado a região momentos antes.
Havia peixes por todos os lados. Centenas, milhares ou milhões. Ao’nung não sabia dizer. As criaturas minúsculas nadavam enlouquecidamente e juntas, procurando qualquer espaço para seguirem adiante, mas o caminho os levava diretamente para a base afundada, que mal podiam ver o final.
Neteyam tocou seu braço, chamando atenção. Ele, por fim, gesticulou, se comunicando por sinais:
“A base está obstruindo a passagem dos peixes. Eles estão entrando dentro dela, mas é um labirinto. Lá dentro tem muito mais peixes.”
“Você explorou a base por dentro?”
“Não muito, é bem escuro e difícil se locomover lá dentro.”
“Como vamos resolver isso, meu Neteyam?”
Ao’nung estava verdadeiramente preocupado. Pensou em seu povo, que estava ainda vivendo de racionamento de comida e seu coração encheu-se de aflição.
“Vamos voltar para o acampamento. Eu tenho uma ideia.”
Eles atravessaram o canal, abrindo caminho entre os peixes para que pudessem chamar o ikran na ilha irmã, que era de mais fácil acesso. O herdeiro ignorava veementemente sua perna dolorida. Não sabia o que Neteyam estava planejando, mas rezou internamente para que fosse o suficiente.
No final, Ao’nung só tinha uma certeza: Só voltaria para casa quando pudesse levar os peixes de volta.
***
Já era quase noite quando pousaram no penhasco, onde Tai’Ren estava. Optaram por explorar um pouco mais o litoral da ilha irmã para garantir os arredores do canal estavam livres de qualquer presença. Constando que de fato tudo parecia abandonado, eles voaram de volta.
O menino não sabia se pulava de alegria com a chegada de Ao’nung, ou se corria para se esconder de Neteyam. Por fim, ele acabou escolhendo a primeira, soltando um som de admiração ao ver de perto o ikran colorido. Desejou internamente fazer carinho no animal, mas não arriscou. Se enroscando na perna boa de Ao’nung, desceram em direção ao acampamento.
O Metkayina cumpriu o que havia dito mais cedo e assou mais peixes para comerem, mas Tai’Ren já havia notado que o adulto parecia mais distante e quieto, o que lhe deixou cismado. Comeu seu peixe obedientemente, ignorando a presença ameaçadora de Neteyam e depois deitou na rede.
— Nung. – Chamou.
— Hm?
— Pode me balança igual você fez hoje?
Com um acenar leve, Ao’nung se levantou, repetindo o balançar suave enquanto o garoto jazia encolhido, com os olhos estreitos e cinzas lhe observando, com uma expressão estranha.
— O que foi? – Questionou o herdeiro.
— Você não parece que tá feliz.
Continuando o balançar, Ao’nung sorriu, surpreso por ter deixado seus pensamentos preocupados transparecerem:
— Não se preocupe. Eu estou bem.
Tai’Ren não estava muito convencido, mas seus olhos pesaram e ele não respondeu. As sensações da rede balançando, do calor da fogueira e da barriga cheia eram boas demais para simplesmente resistir, por isso, ele dormiu outra vez.
Minutos depois, quando Ao’nung terminou de trocar o tecido que enfaixava sua coxa, se sentou ao lado de Neteyam. Estava com saudades de ficar próximo do homem que amava, mesmo que o outro não estivesse muito disposto a fazer o mesmo. Pensou em falar sobre qualquer coisa que não fosse a missão para tentar se reaproximar e quem sabe fazer as pazes, mas como se previsse isso, o Omatikaya puxou sua bolsa.
— Sobre a ideia que eu tive... – Disse ele, ignorando as orelhas de Ao’nung baixarem, mostrando sua mágoa. – É complicada, mas não vejo outra solução.
— Certo. O que seria?
Os olhos dourados encontraram os seus, sérios.
— Temos que explodir tudo.
— O quê? – Disse Ao’nung, verdadeiramente surpreso. – Como faremos isso?
— Eu tenho explosivos do Povo do Céu, não são muitos então temos que ser espertos. – Neteyam respondeu, concentrado em sua linha de raciocínio. – A base é grande demais, por isso vamos precisar posicionar muito bem os detonadores. A melhor forma de fazer isso é de dentro para fora.
Começando a entender aonde seu companheiro queria chegar, Ao’nung concordou, mas um pensamento lhe ocorreu.
— Não vamos conseguir tirar os cardumes.
— Não. – Admitiu o Sully, cabisbaixo. – Eles são muitos, precisaríamos de redes enormes e muitas pessoas para puxá-los. E, mesmo assim, os que estão completamente dentro de base vai ser impossível tirar.
Aquilo fez o coração do Metkayina pesar. Os na’vi matavam os animais para suas necessidades irrevogáveis, mas aqueles peixes morreriam simplesmente por estarem no lugar errado. Percebendo sua aflição, Neteyam voltou a falar:
— Nem todos vão morrer, Ao’nung. E nós precisamos salvar nossa família.
Depois de mais alguns segundos de pesar, o herdeiro concordou, balançando a cabeça devagar. Seu rancor contra o Povo do Céu só aumentou ao perceber o quanto eles mexiam no equilíbrio que a Grande Mãe mantinha.
— Tudo bem.
— Bom, a base é muito grande. Ela ocupa boa parte do canal e eu não consegui explorar muito por dentro. Essa a primeira tarefa que precisamos fazer. Depois eu pensei em dividirmos a missão em duas partes. – Disse ele, concentrado. – Primeiro, nós explodimos a base, que está no fundo do mar. Isso vai colapsar a estrutura outra vez e vamos conseguir diminuir um pouco a obstrução, mas provavelmente vai ter partes que vão ficar intactas. Em seguida, vamos precisar explodir o restante.
Lembrando-se da visão que teve da base afundada, uma ruga surgiu no rosto de Ao’nung:
— Mesmo que a gente explore lá embaixo e decore alguns caminhos, a falta de luz pode nos deixar presos, além disso, os peixes vão dificultar as coisas. Qualquer erro no caminho podemos morrer. E pelo tamanho daquela coisa vamos precisar ir muito fundo nesse caminho escuro. É tempo demais sem respirar pra você. Eu faço sozinho.
— O quê? Eu posso ir! Também sou um mergulhador, Ao’nung!
— Neteyam. – Sua voz era firme. – Eu não duvidando da sua capacidade, mas, mesmo para um Metkayina, que nasce e vive nos mares, esse mergulho exige muito. É longo demais.
O Omatikaya não se convenceu.
— Por favor, sou eu quem precisa fazer isso.
Os orbes azuis sustentaram os dourados até Neteyam baixou os ombros, derrotado.
— Você vai precisar ser rápido. Os detonares acionam os explosivos em cinco minutos. Esse é o tempo que você teria para instalar todos e se afastar da base.
Ao’nung absorveu a informação com calma e concentração.
— Certo.
— Vamos tirar uns dias pra explorar a parte mais profunda da base. Eu preciso te explicar como usar os explosivos também.
Determinado a resolver aquele problema e garantir tempos de paz novamente para seu povo, Ao’nung assentiu e se preparou para o mergulho mais importante que teria que fazer.
***
Nos dias seguintes, eles voavam sempre ao amanhecer e voltavam antes da noite chegar. Enquanto Neteyam focava em preparar os dispositivos e ser claro em suas explicações, o Metkayina mergulhava na parte mais profunda do canal para estudar a estrutura, suas entradas e rotas de fuga. Infelizmente, a única fonte de luz que teriam dentro da base era uma pequena lanterna que Neteyam tinha em suas coisas.
A quantidade de peixes dentro e fora do local atrapalhava a visão e deslocamento, mas seguiram firmes no plano. Conforme o interior da base era explorado, Ao’nung construía um mapa mental e o passava para Neteyam da maneira como podia, dando a ele visão dos pontos de sustentação da estrutura, locais ideais para instalar os dispositivos explosivos.
Apesar de estarem em sintonia com relação ao plano arquitetado, ainda não conseguiam conversar sobre qualquer coisa além disso. Neteyam seguia dormindo em locais distantes e fugindo das tentativas de aproximação de Ao’nung. No entanto, ao menos ele mudou sua postura com relação à criança. Se antes o ameaçava o tempo inteiro, agora simplesmente fingia que o menino não existia. Ignorando piamente enquanto o herdeiro levava-o para pescar, escutava suas canções estranhas e o balançava para dormir.
Depois de muitas tentativas frustradas de fazer as pazes, Ao’nung começou a acreditar que Neteyam não era mais o mesmo, ainda assim, não conseguia sentir raiva de Tai’Ren e seus planos de levá-lo para o recife seguiam intactos. Em sua mente, abandonar alguém indefeso e para morrer de fome ou de frio, era inconcebível. Mas sabia que estava apegado demais ao garoto. Isso o preocupava, já que Neteyam jamais aceitaria a convivência próxima.
Finalizando mais um período intenso de mergulho e já sentindo sua perna pesar demais, Ao’nung fraquejou um pouco para subir no ikran. A primeira parte da missão seria no dia seguinte. Apesar de não poder treinar suas rotas sentindo os efeitos da explosão, Ao’nung já tinha claro tudo o que precisava fazer e onde ir. Decorou o caminho da melhor forma possível. Quando conseguissem colapsar os pilares de sustentação, focariam na segunda parte: Destruir a estrutura principal.
— Você ficar bem, Ao’nung? – Tai’Ren perguntou se aconchegando na rede.
— É claro. – Respondeu, ameno. – Eu sou um guerreiro Metkayina, é meu trabalho ajudar meu povo.
— E depois sua casa vai ter tantos peixes que não dá pra contar?
— Sim. – Ao’nung sorriu. – Amanhã, quando você acordar, eu já vou ter ido, mas volto logo. E tem uma coisa que eu gostaria de te falar quando voltar.
— O quê? – A criança perguntou, curiosa.
— Vamos falar só quando eu voltar, pequeno skxawng. – Riu Ao’nung, depositando um carinho nas tranças que tinha feito. – Agora dorme.
***
O céu parecia bonito no dia seguinte. Voaram juntos e viram o amanhecer no horizonte. Ao’nung mantinha a postura de voo, apesar da calmaria. Ele resistiu a vontade de encostar seu tronco ao de Neteyam, sabendo que só deixaria o outro mais tenso. Quando pousaram, revisaram juntos cada detalhe do plano e como ativar os explosivos, mesmo que Ao’nung já tivesse ouvido tudo aquilo diversas vezes.
Apesar da postura dura e séria, Neteyam estava lutando contra emoções muito conflitantes. Em parte, seu coração estava destruído e cansado, sentindo-se incompreendido e magoado depois das palavras duras de Ao’nung, porém, uma outra parte de si sentia saudade de ser acolhido em um abraço e de sentir o calor de ser amado. No fim das contas, ele não chegou a conclusão alguma e deixou Ao’nung mergulhar, dando apenas um aceno de aprovação.
O Metkayina amava o mar e toda vida que ele abrigava. Era sua casa, sua fortaleza. Por isso, nadou em meio aos peixes numerosos, rezando para que eles se afastassem dali. Balançando a cabeça para focar na missão, conferiu se a lanterna estava bem acoplada na cinta que usava no peito e enrolou mais ainda a corda que unia os explosivos em sua mãos.
Mantendo o desconforto na perna em segundo plano, ele avançou cada vez mais fundo no mar, sentindo a pressão e a escuridão aumentarem. Seus olhos enxergavam bem mais do que Neteyam na escuridão oceânica, ainda assim, era limitado por conta da infinidade de peixes ao seu redor. Mas felizmente ele encontrou a entrada para onde deveria colocar o primeiro detonador.
Estar dentro de um lugar que pertencia ao Povo do Céu lhe causava um grande estranhamento. Ligou a lanterna e balançou os braços para espantar os peixes perdidos nos corredores metálicos, ele avistou o primeiro símbolo que indicava o caminho correto. Não se lembrava muito das explicações de Neteyam, mas aprendeu que “o povo do céu gosta de colocar números e nomes nas salas e corredores”. Isso facilitou para que pudesse entender quando errasse o caminho.
Erguendo a pequena lanterna, Ao’nung chegou ao final de um corredor, que se dividia em outros três. Ele teria que avançar em todos para plantar os explosivos. Objetos estranhos e variados flutuavam entre os peixes e o herdeiro evitava encostar em qualquer um deles. Muitas portas numeradas estavam trancadas para sempre devido a pressão da água, o que só aumentava a sensação de estar em um labirinto. Grandes áreas abertas também existiam dentro da estrutura, com objetos enormes flutuando e criando barreiras. Ao’nung sabia que certos pontos do caminho eram estreitos e complicados. Lembrou-se momentaneamente do aviso de Neteyam:
— Você precisa lembrar que não sabemos há quanto tempo esse lugar afundou. Não force passagens. Pode acabar desmoronando em você. Seja suave.
Depois de uma eternidade, Ao’nung encontrou o primeiro pilar de sustentação, uma enorme viga metálica que, em tese, deveria estar no centro da construção, no que chamaram de “coração”. Era o alvo mais distante e complexo, por isso teria que ser o primeiro a receber os explosivos.
— Assim, enquanto o tempo corre, você pode se afastar dele e passar nos outros pilares. - Disse Neteyam, durante um dia de planejamento. – Mesmo que ele exploda, você ganha alguns segundos pela distância.
Com uma agilidade adquirida apenas nos últimos dias, Ao’nung instalou os explosivos na viga e ligou o detonador. Os símbolos vermelhos e estranhos brilharam diante de seus olhos, como olhos de caçador. Quando notou os símbolos começarem a mudar, ele nadou de volta, entendendo que a contagem tinha começado.
— Você só vai ter cinco minutos até o primeiro explodir. Precisa instalar os outros rapidamente. – Era o que Neteyam mais repetia antes da missão.
Tentando nadar um pouco mais rápido, o herdeiro avançou pelo caminho obstruído. Os peixes pareciam sentir que ele traria sua morte, pois insistiam em atrapalhar seus olhos. Ao’nung moveu o braço outra vez, tentando afastá-los. Porém, com a lanterna muito pequena, não percebeu um objeto pendurado, imóvel na água. O impacto o desprendeu do corredor e Ao’nung sentiu o peso cair em seus ombros, empurrando-o para baixo.
Mantendo o invejável controle das emoções e da respiração, ele deixou os pés tocarem o solo metálico e ajeitou os braços segurando o objeto frio e o erguendo com força, usando a força das pernas para manter o equilíbrio. Imediatamente sua ferida protestou, mas ele não perdeu tempo. Conseguindo tirar o peso dos ombros, ele nadou adiante, um pouco mais lentamente agora que sua perna parecia reclamar.
A distração o fez perder a contagem mental que tinha estipulado, mas não afetou sua calma. Ergueu a lanterna e confirmou que seguia no caminho correto. Os outros pilares ficavam mais próximos da saída, o que facilitava sua vida, mas estavam rodeados de escombros, exigindo muita atenção. Assim, Ao’nung usou a lanterna sabiamente e não tentou mais espantar os peixes. Instalou os outros explosivos rapidamente e voltou pelo corredor obstruído, começando a sentir os efeitos do mergulho prolongado.
Voltando para o corredor central, ele pôde, enfim, seguir em direção à última viga, que ficava dentro de uma sala com porta parcialmente aberta. Um intenso fluxo de peixes acontecia na porta, mas não se importou. Passou pelo espaço estreito, evitando encostar na porta, temendo que ela desemperrasse e o prendesse para morrer. A dor na perna estava começando a fazer ele pesar e perder o controle da respiração.
Nadando com força agora, Ao’nung puxou os últimos explosivos e acionou os detonadores. Precisou parar um pouco para apontar a lanterna para perna, constatando o que já imaginava: a cicatrização tinha rompido e o sangue se misturava com a água.
Voltou pelo caminho que tinha feito, colocando mais intensidade nos braços e na cauda, tentando não impor mais tanto esforço na perna. Mesmo assim, tentou acelerar o ritmo ao notar que estava no corredor para sair de dentro da base. Soltando seu último fôlego, Ao’nung nadou até a saída, aliviado ao finalmente se ver livre do ambiente claustrofóbico.
Contudo, logo que começou os movimentos para se afastar, escutou o som abafado da primeira explosão. Usou suas últimas forças para ganhar velocidade, se afastando cada vez mais dali, observando ao longe a superfície e se preparando para a onda de choque que viria.
Do lado de fora do mar, Neteyam estava sentado sobre uma rocha grande, em profundo silêncio. Mal conseguia perceber o som ameno da floresta. Mas quando a primeira explosão aconteceu, ele percebeu na hora. O som gutural que surgiu no oceano parecia chegar cada vez mais perto e ele não pôde conter o ímpeto de se levantar, ansioso.
A onda do choque da explosão pareceu ter acalmado até o ritmo das marés, antes do som grotesco do metal fixado nas rochas indicar que a base estava afundando. O sentimento de vitória, no entanto, não era maior do que a preocupação pela ausência de Ao’nung.
Os olhos dourados vagaram preocupados pela superfície, procurando qualquer sinal da pele azul turquesa. A segunda explosão aconteceu e Neteyam jogou o arco nas rochas, se preparando para entrar no mar.
Só que não foi preciso. Quase gritou de alívio ao ver Ao’nung emergir de costas e nadar devagar até segurar em uma rocha, tossindo profundamente.
Sorridente, o Omatikaya se aproximou, sabendo o quanto o outro devia estar exausto. Ainda de costas, Ao’nung se deitou no chão desconfortável, tentando respirar profundamente.
— Ao’nung! – Gritou Neteyam, sentindo a onda de choque da terceira explosão, mais próxima, terminar de afundar a estrutura mais pesada da base, mas como imaginou, não era o suficiente para desobstruir. – Você conseguiu!
Pulou agilmente até onde seu companheiro estava deitado e imediatamente seu sorriso desapareceu ao ver sangue junto com a água que escorria do corpo de Ao’nung para o mar. Um gemido dolorido do Metkayina o fez acelerar o passo, mas quando pulou sobre ele para vê-lo de frente, Neteyam sentiu seu coração apertar de uma maneira que nunca sentiu antes.
— Ah não, não, não...- Sussurrou, urgente.
— Neteyam...- Ao’nung gemeu. – Me desculpe, eu não consegui nadar... rápido...
Empurrando delicadamente o Metkayina para deitar-se com as costas nas rochas, Neteyam sentiu os olhos se encherem. Um pedaço de metal afiado estava profundamente cravado no abdômen de Ao’nung.
— Minha perna... atrapalhou... – Ao’nung ofegava, sentindo o gosto de sangue nos lábios.
— Shh... não fala! – Neteyam tremia, olhando desesperadamente ao seu redor para encontrar qualquer coisa que pudesse ajudar. – Fica quieto, se falar muito vai ser pior...
Correndo para puxar qualquer tecido de sua bolsa, Neteyam voltou para observar o estrago feito em seu companheiro. Suas lágrimas já não eram contidas. Ele precisava puxar aquilo para fora dele.
— Meu Neteyam...
— Não fala, por favor...
Com os dedos trêmulos e sem força, o Omatikaya tentou controlar sua respiração enquanto envolvia os dedos no objeto estranho que perfurava Ao’nung. Puxou-o de uma vez, fechando os olhos com força ao escutar o grito de dor do outro.
— Está tudo bem, está tudo bem... – Neteyam dizia sem parar. Não sabia se dizia para Ao’nung ou para si mesmo. - ... eu vou levar você pra casa...nós vamos pra casa...
Tentando se manter consciente, o Metkayina sentia o sangue quente em sua garganta e gritava toda vez que Neteyam tentava levantá-lo. Muitas coisas se passavam em sua cabeça e ele queria muito coloca-las para fora. Desistindo de tentar levantar Ao’nung, Neteyam agora usava um pedaço de tecido para tentar estancar o sangramento, ainda repetindo palavras que ficavam cada vez mais desconexas.
— Vamos voar para Awa’altu... vou te levar pra casa... as coisas vão voltar a ser como eram...
— Não... vou conseguir. – Gemeu o Metkayina, levando uma das mãos ensanguentadas para o rosto molhado de seu amado. – Neteyam...
Conseguindo a atenção dos olhos dourados, que lhe fitavam desesperados, sussurrou:
— Termina a missão... e leva ele com você.
— Eu não vou sem você!
Ao’nung sentia-se muito confuso agora. Estava pesado e com reflexos muito lentos.
— ... Leve o Tai’Ren com você. – Piscou com força para focar nos olhos do outro, gemendo pela dor excruciante. – E...entrega ele pra minha mãe, por favor...
Neteyam já não pensava com racionalidade. Por isso, gritando o sinal para o ikran, clamou para que Eywa não levasse Ao’nung dele e pegou-o nos braços, ignorando os protestos de dor e sua voz implorando para que salvasse o garoto, independente do que acontecesse.
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