Hold your breath for a while (Prenda a respiração por um tempo)
Always some hope in denial (Sempre há alguma esperança na negação)
What is lost might just come back (O que está perdido pode simplesmente voltar)
Near Town – The Amazing Broken Man
Tai'Ren estava pendurado em um galho alto.
Ele não sabia como tinha conseguido subir na árvore ao ponto de alcançar aquele lugar, mas aproveitou para se divertir, balançando as pernas para frente e para trás. Para ele, a sensação era de estar voando. Sua inocência não lhe permitia entender quais os perigos envolvidos naquilo. O som ameno da floresta embalava a brincadeira, acolhendo-o como um bebê.
No entanto, um choro alto e desolado o fez perder momentaneamente a concentração. Ele reconhecia aquela voz.
— Neteyam...?
A parada súbita do impulso o fez apoiar muito o peso em uma região mais frágil do galho. Imediatamente a fina madeira se partiu e o garoto caiu batendo e rolando na grama alta com um grito assustado. O corpo pequeno parou bruscamente em um arbusto e depois de alguns segundos assimilando a queda, vendo os joelhos e braços ralados e sangrando, ele chorou, coçando os olhos e balbuciando palavras irreconhecíveis por conta dos soluços.
O som do sofrimento de Neteyam já tinha desaparecido e o menino ficou focado na própria dor, sentindo o corpo todo protestando, querendo algum acolhimento ou colo. Longos segundos se passaram até que um cheiro gostoso lhe envolveu, com um frescor familiar, feito para aqueles momentos de tristeza.
Fungando, interessado pelo cheiro, Tai'Ren se levantou ainda soluçando baixinho. Só então ele percebeu que logo atrás do arbusto onde estava era a clareira, mas parecia vazia. Onde estava Ao'nung e Neteyam?
Com os joelhos ardendo e doloridos, Tai'Ren se voltou para a direção do cheiro, deixando a clareira vazia para trás. Conforme avançava naquela parte da floresta que conhecia tão bem, escutava o suave farfalhar das árvores, como se abrissem caminho para que ele passasse. De repente, ele sabia que não estava sozinho.
Passando os dedos sobre as bochechas molhadas, adentrou em uma pequena trilha cercada de arbustos espinhentos e coloridos. Não gostava daquelas plantas, porém, a trilha pareceu ficar maior conforme o vento ameno afastava o perigo dele, como se o chamasse para mostrar algo.
Os ombros magros ainda tinham leves espasmos pelo choro de antes, mas conforme se aproximava de uma árvore incrivelmente grande, o frescor no ar parecia lhe acalmar. Caminhou até ficar de frente para a árvore enorme, cujas folhas verdes pareciam balançar no céu.
O vento soprou cheiroso outra vez e uma figura feminina apareceu, sentando-se entre as raízes gigantes.
— Mãe! – Gritou, alegre.
Ela não respondeu, mas seu rosto carregava um semblante gentil quando acolheu o menino nos braços protetoramente. Tai'Ren fechou os olhos inchados de choro, sorrindo ao receber o carinho, mas logo ele se lembrou da queda:
— Olha. – Ele mostrou os joelhos e braços. Ver o sangue fez sua voz embargar outra vez, comprimindo os lábios em uma cara de choro. – Dodói.
Ainda muito suave, ela esticou um dos braços para dentro do espaço entre as raízes da árvore alta. A dimensão permitia até uma criança se enfiar ali. A brisa amena os embalou e quase no mesmo momento pétalas amareladas e de aspecto suado caíram em sua mão, que ainda estava dentro da árvore.
Puxando as pétalas brilhantes, imediatamente Tai'Ren sentiu o cheiro familiar emanar forte. Sorriu vendo-a colocar as pétalas em suas pequenas feridas com cuidado.
— Agora já sabe onde fica. – A voz etérea dela o deixou muito feliz. – Procure essas árvores.
Seus machucados foram invadidos por uma sensação gelada conforme as pétalas transpiravam mais. Aninhando-se em seu peito, Tai'Ren sussurrou, fechando os olhos e segurando seu totem com mais força:
— Obrigado, mamãe.
Quando abriu os olhos, percebeu que estava deitado.
Inicialmente tudo o que viu foi escuridão, mas conforme os orbes acinzentados adaptavam-se, a realidade lhe invadia como um banho gelado. Ergueu-se rapidamente, notando que estava aninhado a Ao'nung. Seus olhos se encheram ao rever a ferida coberta por um pano ensanguentado. Os padrões brilhantes da pele azul turquesa seguia brilhando, mas ele estava inconsciente.
Olhando ao redor, Tai'Ren se assustou ao ver a figura de Neteyam sentado não muito longe dali, contudo, logo se acalmou ao perceber que ele dormia. Apesar disso, o semblante era pesado e de rosto ligeiramente franzido, indicando que não estava em paz. O garoto não sabia, mas o Omatikaya havia desbravado a região ao redor deles, em busca de qualquer coisa que lhe lembrasse uma erva medicinal. Mas não era conhecedor destas plantas como uma Tsahik ou até mesmo Kiri e, desesperado, ele chorou até perder suas forças e adormecer.
Tai'Ren olhou para os joelhos e os braços, que estavam intactos já que não havia caído de verdade e depois para Ao'nung que parecia muito diferente do que aquele que conheceu. O rosto parecia pálido demais, opaco.
— Agora já sabe onde fica. – A voz de sua mãe reverberou em sua mente, fazendo-o lembrar do sonho.
Subitamente. Tai'Ren se ergueu, correndo para dentro da floresta o mais silenciosamente que pôde. Dessa vez não havia o vento cúmplice e a floresta não parecia disposta a deixa-lo passar. Além disso, seu medo do escuro o fazia procurar pelas flores que acendiam, tocando nelas para que ajudassem com a bioluminescência.
Abraçou o próprio corpo ao chegar na trilha de arbustos espinhosos, que balançavam como se quisessem alcançá-lo. Assustado pela escuridão do local, Tai'Ren acelerou o passo, chegando finalmente diante da árvore onde esteve em seu sonho.
Observou-a por um momento. À noite, um líquido brilhante e amarelado escorria de suas raízes irregulares. Agachou e se enfiou por debaixo das raízes elevadas, espremendo-se como podia, arregalando os olhos ao ver as flores douradas e de cheiro tão característico. Pegou o máximo de pétalas que suas mãos permitiam e correu de volta pela escuridão, saltitando de animação diante da possiblidade de curar Ao'nung.
Nem se importou com os espinhos querendo sua pele ou com os sons assustadores das árvores e insetos. Correu até a clareira silenciosa e se ajoelhou perto do herdeiro, puxando devagar o pano que cobria o buraco em sua barriga. Tremendo com a visão estranha, Tai'Ren encheu o local com as pétalas cheirosas que tinha em suas mãos. O corpo de Ao'nung pareceu retesar, mas ele não mostrou sinais de consciência.
Quando teve certeza de que todas as flores tinham sido usadas, Tai'Ren sorriu, orgulhoso. Deitou-se de novo no braço de Ao'nung, esperando que de alguma forma aquilo o curasse como o curou tantas vezes.
***
Neteyam acordou em um pulo, com o coração disparado e respiração ofegante. Sentia seu corpo totalmente dolorido pela posição horrível que acabou dormindo, no entanto, ele não deu atenção para aquilo. Assustando-se com a luz do dia e percebendo que não havia conseguido fazer nada por seu amado, pulou rapidamente até ele.
Imediatamente seus olhos captaram as dezenas de flores sobre a sua ferida, repletas de um cheiro diferente de tudo o que já tinha sentido. Abismado e sem saber de onde aquilo tinha vindo, levou as mãos trêmulas ao local:
— O que é isso!? – Rosnou, acordando Tai'Ren no susto enquanto começava a puxar as pétalas molhadas.
O menino ficou desnorteado por um segundo, mas ao notar o que Neteyam fazia, de imediato segurou as mãos dele.
— Não, Neteyam! – Exclamou, preocupado. – Não tira!
O Omatikaya afastou as mãos minúsculas com brusquidão, voltando-se para os orbes estreitos.
— Você fez isso!? O que pensa que está fazendo?
Sem esperar uma resposta, ele ia voltar ao trabalho de arrancar aquilo de Ao'nung, mas novamente Tai'Ren o atrapalhou.
— Para! – Gritou ele. – É pro dodói!
Com um movimento impaciente, Neteyam segurou ambas as mãos do menino com apenas uma das suas.
— Eu não disse que não é pra tocar nele? Qual parte disso você não entendeu?
Tai'Ren se contorceu, tentando livrar suas mãos, sem sucesso. Estava começando a soltar grunhidos finos.
— Então ele vai morrer! – Sua voz soou raivosa e o Sully o soltou, ignorando o pequeno surto. – Eu não gosto de você, Neteyam!!!
Com o grito fino, o pequeno então correu em direção à floresta, deixando o Omatikaya sozinho com Ao'nung.
— Me poupe! – Retorquiu o na'vi da floresta.
Sem escutar mais os sons de reclamação do garoto, Neteyam tocou o rosto de Ao'nung suavemente antes de voltar a limpar a bagunça feita em seu abdômen. Seu olhos estavam úmidos ao pensar que era questão de tempo até Ao'nung morrer, porém, sua testa se franziu ao notar que, mesmo ainda inconsciente, ele parecia mais corado e vivo.
Associando aquilo a uma falsa esperança, Neteyam se preparou puxando mais uma pétala molhada com algo que parecia ser seiva, mas não era parecida com nada do que tinha visto na floresta Omatikaya. Puxou mais uma pétala grande, que parecia mais embrenhada no ferimento e se olhos se arregalaram, pois, além do cheiro refrescante parecer mais intenso ali, Neteyam tinha certeza de que a ferida não parecia profunda como antes.
— Não é possível... – Sussurrou, incrédulo.
Puxou mais uma pétala para confirmar que as perfurações menores das diversas pontas de metal que acertaram o lugar também pareciam ter desaparecido. Em toda sua vida, nunca tinha visto uma planta com aquele efeito tão acelerado.
Com o coração pulando no peito, Neteyam correu para a floresta, seguindo agilmente os rastros dos pezinhos de Tai'Ren. Não foi difícil encontrá-lo. Ele estava sentado no chão, abraçando os próprios joelhos e com cara de poucos amigos, mas quando viu o Sully, rapidamente engatinhou até um buraco em um caule de uma árvore grossa. Impressionantemente, a criança deslizou para o pequeno esconderijo e Neteyam parou, sabendo que se o tirasse a força de lá tudo poderia dar errado.
Depois de alguns segundo tentando acalmar o próprio coração afoito, disse:
— Garoto, eu sei que está aí.
—...
— Escuta. – Neteyam tentou soar o mais paciente possível, mas seu coração martelando não ajudava. – Preciso que me diga onde arranjou aquela planta, seja lá o que for aquilo, está funcionando!
Mais uma vez, recebeu apenas silêncio como resposta.
— Ah, qual é. – Bufou. – Fala alguma coisa!
Diante da clara recusa a conversa, Neteyam começou a sentir o desespero e raiva outra vez em suas entranhas. Mesmo que Ao'nung estivesse aparentemente muito melhor do que no dia anterior, não fazia ideia por quanto tempo continuaria assim.
Não poderia deixar aquela criança estragar tudo.
— Garoto, por favor...
— Meu nome não é "garoto". – Respondeu finalmente o menino. Sua voz ainda parecia irritada e, se Neteyam pudesse vê-lo dentro da árvore, enxergaria suas bochechas infladas, em pura irritação.
— Certo...- Revirou os olhos. - ...Tai'Ren. É isso, não é? Agora será que pode por favor me dizer?
— Não.
Neteyam suspirou devagar e depois riu deprimido, virando a cabeça para o céu. Como Ao'nung poderia ter convivido com aquela criança por tantos dias sem enlouquecer?
Pensou em retrucar, mas sinceramente, ele estava cansado demais. Machucado demais. Por isso, caminhou até perto do buraco onde o garoto tinha se enfiado e se sentou na grama alta. Ver a ferida de Ao'nung com um pequeno vislumbre de melhora o fez ter muita esperança e temia que aquilo fosse desmoronar a qualquer momento. Depois de sua inutilidade para arranjar uma saída daquela situação, precisa se agarrar a essa pequena centelha de esperança com todas as suas forças.
— Eu não sei há quanto tempo você tá nessa ilha, tá legal? Não sei nada sobre você e nem me interessa. – Começou Neteyam. – Mas, o Ao'nung é tudo pra mim. Eu nunca suportaria vê-lo morrer.
— Mas você foi mau com ele.
— Eu só fiz o que achei que era certo. – E ainda acho que deveria me livrar de você, era o que queria acrescentar, mas não adiantaria nada ameaçar a única pessoa que poderia lhe dizer como ajudar Ao'nung.
—...
Sem resposta, o Sully continuou:
— Olha, eu sei que você também se importa com Ao'nung... de alguma forma. Então, será que podemos fazer isso? Por ele. - Por fim, acrescentou em um sussurro. - Nós podemos salvá-lo.
Tai'Ren não queria sair e ver o na'vi adulto que tanto lhe assombrava, mas seu medo de perder Ao'nung superava a raiva que tinha de Neteyam. Doía só de pensar em ficar sozinho outra vez, desse modo, saiu de seu pequeno casulo devagar, mas não se importou em fitar Neteyam.
Caminhou por entre as árvores passando direto por ele, mas logo sentindo a presença ameaçadora atrás de si. Tentando ignorar suas pernas trêmulas, Tai'Ren se esgueirou rapidamente pelo caminho que tinha feito na madrugada. Neteyam o acompanhava tão ágil quanto, mas suspenso pela velocidade que a criança avançava sem qualquer tropeço na mata densa.
Momentos depois, quando finalmente o Omatikaya se viu diante da grande árvore que era completamente envolvida pelo frescor estranho, ele soube que aquela floresta era esquisita, mas, principalmente, vazia demais diante das coisas que oferecia. Observou ansioso Tai'Ren se enfiar por dentro de suas raízes e puxar as folhas que haviam sobrado e gravou mentalmente a imagem da árvore, colocando uma nota silenciosa de que em breve deveriam buscar ainda mais delas.
Estendendo as mãos para pegar as pétalas recém-colhidas, Neteyam surpreendeu-se ao ser ignorado por Tai'Ren, que novamente passou direto por ele, correndo pelo caminho de volta com as plantinhas na mão.
— Ei!
Decidida a salvar Ao'nung por conta própria, a criança desapareceu entre as árvores. Exausto para comprar briga, mas mordendo os lábios para conter uma nova reclamação, o Sully o seguiu, pronto para começar a lutar pela vida do herdeiro.
Algo em seu coração, por mais turbulento que ainda estivesse, lhe dizia que aquele era o primeiro passo.
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