Just take my hand (Apenas pegue minha mão)
Come follow me (Venha me seguir)
I promise that (Eu prometo que)
I'll take you there (Irei te levar lá)
Just you and me (Apenas voce e eu)
Massacre - Kim Petras
Tai'Ren tentava manter os olhos atentos na linha do horizonte e os sentidos sempre em alerta aos arredores, porém estava cada vez mais difícil.
Não que voar fosse um trabalho muito complexo para ele, já estava acostumado com a tarefa e com o trajeto, mas manter todos os sentidos atentos enquanto o braço de Aneya lhe rodeava e apertava com força demais era complicado.
Apesar do incômodo nas costelas pela força excessiva do braço alheio, Tai'Ren não reclamou.
Na verdade, seguia bem preocupado. Estavam há algumas horas no céu e Aneya permanecia tremendo e soluçando baixinho com a testa apoiada em seu ombro. Não precisava olhar para o rosto dele para saber que os olhos molhados estavam bem fechados.
Prometeu a si mesmo que pararia na próxima parcela de terra firme que aparecesse, afinal, além de estar cansado, precisava acalmar o rapaz que estava tentando superar seu pavor diante da situação.
Mesmo com o momento tenso do voo, tentou diversas vezes distrair seu companheiro de viagem. Não só por estar preocupado, mas por ser um tagarela nato.
— Ei, Aneya.
— Hm? – Gemeu o Metkayina, mantendo os olhos fechados e ignorando, da forma que podia, o balançar do ikran.
— Qual vai ser a primeira coisa que vai fazer quando estivermos em terra firme?
— Agradecer Eywa por eu não ter morrido, provavelmente.
Notando como ele estava se esforçando para disfarçar o fato de que estava chorando praticamente o voo inteiro, Tai'Ren sorriu, compadecido.
— Você está sendo bem corajoso, sabia? Ainda não entendo o porquê se vê como um covarde.
Aneya fungou, assustado demais para ficar constrangido por estar escondendo seu rosto no ombro do rapaz que gostava.
— Você sabe o porquê.
Tai'Ren pigarreou, de repente um pouco sem graça por lembrar na conversa sincera que tiveram na Enseada dos Ancestrais.
— Certo...Mas sabe, não acho que deveria colocar isso como uma verdade em tudo na sua vida. Olha pra você agora. Tá voando comigo. Isso não é incrível? É corajoso.
Aneya não queria admitir nem para si mesmo quantas noites tinha idealizado esse momento, mas infelizmente, agora não parecia nada agradável.
— É... - Hesitou. - Me desculpe por estar dando trabalho. Era pra ser uma coisa legal.
— Não começa. – Tai'Ren revirou os olhos. - O intuito da conversa é te distrair e fazer a viagem ficar melhor. Não quero que me peça desculpas por nada.
Aneya não respondeu. Não queria ficar se culpando, mas estava chorando a horas e isso era muito frustrante.
— Você não vai acreditar no que eu estou vendo. – Tai'Ren quebrou o silêncio depois de alguns minutos.
— Chegamos? – O Metkayina quase abriu os olhos, mas logo percebeu que entraria em pânico se o fizesse.
— Ainda não, mas se prepare pra pousar. Vamos descansar um pouco.
Ainda que estivesse de olhos fechados, Aneya podia sentir o vento intenso em seu corpo, que sacudia seus cachos curtos.
Quando o ikran começou a sair da estabilidade para pousar, Tai'Ren sentiu o braço do outro ainda mais firme em seu busto e tentou se aproximar da pequena porção de terra firme da maneira mais suave possível. Aneya notou a movimentação e arriscou abrir um dos olhos, mas imediatamente se arrependeu.
— Por Eywa...
Apesar de estarem descendo, ainda era alto demais. Ele escondeu o rosto na nuca de Tai'Ren e em suas tranças. Quase que no mesmo momento, ofegante pelo medo, percebeu que o rapaz cheirava como maresia.
Era como estar em casa. Uma sensação de segurança surgiu, ainda que não fosse suficiente. Nunca tinham ficado tão perto um do outro antes.
—V-você está bem? - Perguntou o menor, desconcertado pela proximidade e por sentir a respiração em sua nuca, o que instintivamente lhe causava arrepios.
Aneya achou melhor voltar para o ombro de Tai'Ren.
— Desculpa, eu acabei abrindo os olhos.
— Certo... - O menor ainda parecia sem graça. - Não se preocupe, estamos chegando.
O ikran finalmente alcançou o solo esverdeado de uma ilha minúscula e sem árvores, com apenas vegetação rasteira. Tai'Ren pulou do animal e olhou com expectativa para os olhos azuis. Aneya respirou fundo algumas vezes, hesitando para descer, pois não sentia muito bem suas pernas.
— Vem cá. – Tai'Ren estendeu a mão. - Você parece pálido.
Meio constrangido pela situação, o mais velho aceitou, mas tropeçou ao pular do animal, derrubando a lança que carregava. Contudo, viu Tai'Ren rapidamente se colocar debaixo de um de seus braços, para segura-lo.
— Desculpa por isso. - Disse Aneya, sem graça. – Que belo guerreiro eu me tornei.
— Já disse pra parar de se desculpar! Pode descansar agora.
Tai'Ren o ajudou a se deitar na grama e Aneya não pôde deixar de olhar ao redor.
O mar parecia infinito além do solo em que pisavam. Alguns pontos escuros que concluiu serem rochas protuberantes, eram constantemente atingidos pelas águas violentas. Deitado, Aneya também fitou o céu, sentindo-se fraco.
Os orbes cinzas apareceram em seu campo de visão, preocupados.
— Aneya?
— O que?
— Aguenta firme. Estamos chegando na floresta, tudo bem? Só mais algumas horas.
Encarou os olhos cinzas e balançou a cabeça, agradecido pela preocupação.
— Certo, vai ser moleza. – Mentiu, tentando convencer a si mesmo, falhando miseravelmente.
Depois de alguns segundos em silêncio, Tai'Ren gargalhou.
— Moleza? Você tá branco! Sua cara de mentiroso diz tudo!
— Vou sobreviver. - Respondeu, mas achou importante acrescentar: - Eu acho.
O mais novo aproveitou para se levantar, puxando algumas frutas dos compartimentos acoplados ao seu ikran.
— Com fome? - Perguntou ao rapaz deitado.
— Um pouco.
— Então, pensa rápido.
Mesmo enjoado pela viagem, Aneya agarrou rapidamente a fruta que apareceu em seu campo de visão.
— Obrigado.
Tai'Ren se sentou na grama, mordiscando sua refeição, olhando vez ou outra para as ondas enormes. Reparou que havia muitas nuvens formadas não muito longe dali e rapidamente recalculou os planos.
— Melhor passarmos a noite aqui.
— Por quê? - Aneya ainda estava focando na fruta.
— Tempestade. Deve chegar logo.
— É seguro ficarmos aqui? – Os olhos azuis se desviaram do alimento para buscar o rapaz ao seu lado.
— Mais seguro do que no céu.
E Tai'Ren não estava errado.
Menos de 1 hora depois, já estavam na escuridão em meio a uma chuva que gelava até os ossos. Ambos se encolheram, sentados perto do ikran e tremendo com os ventos fortes.
A essa altura já haviam colocado uma blusa simples para se protegerem do frio intenso. Mas como não estavam acostumados com as violentas tempestades, abraçaram os próprios joelhos, a fim de reter mais o calor do corpo.
— Que saudade da minha casa. – Disse Tai'Ren de repente, rindo deprimido.
— Nem me fale. - Aneya sorriu, ainda muito encolhido. - Aliás, como é a floresta Omatikaya?
— Ah, é tão linda! - Os olhos cinzas brilharam no rosto encharcado. - Mas eu acho melhor você descobrir por conta própria, então não vou te contar nada.
— Os animais são muito diferentes? - Aneya insistiu.
— Você vai ver, ué. - Não estava disposto a ceder.
— Tudo bem. - respondeu, revirando os olhos. - Eu só estou ansioso. O mais longe que já fui na vida antes foi um pouco além dos recifes. É tão estranho saber que estou tão longe de casa.
— Como foi com seus pais? Eu nem tive tempo de me despedir deles...
— Na verdade, eles ficaram bem preocupados. - Aneya admitiu, e se encolheu mais com uma rajada de vento. - Disseram que era impossível prever como seria no continente e que eu só estava acostumado com a vida na água, por isso, eu poderia morrer...
— Isso não é mentira. – Tai'Ren interrompeu, se sentindo um pouco culpado por levar o rapaz para um destino tão incerto.
Aneya continuou, ignorando a fala do outro:
— Mas também disseram que estão orgulhos de mim. Por eu ter a chance de conhecer o mundo além do mar. E claro, me mandaram tomar cuidado. Então, estou tranquilo. Quero contar pra eles tudo o que vamos ver.
Tai'Ren sorriu, ignorando o banho de chuva fria.
— Obrigado por ter vindo comigo. Eu estou feliz por não estar sozinho. – Revelou.
— Se depender de mim, você nunca vai ficar sozinho. - Aneya respondeu quase que instantaneamente. Agradeceu a chuva intensa por disfarçar suas bochechas quentes.
Tai'Ren só balançou a cabeça, pego desprevenido pela fala. Desde que Aneya tinha admitido seus sentimentos, ficava difícil não ficar sem graça com as declarações que até pouco tempo atrás sempre entendeu como sinônimo da amizade deles.
Acabaram em silêncio, ainda se protegendo da forma como podiam do frio e assim permaneceram até que, no ápice da noite, a chuva finalmente os deixou e eles puderam deitar para encarar o céu iluminado de Pandora, cansados demais para fazer qualquer outra coisa além de deixar o sono fazer sua parte.
Logo que amanheceu, eles partiram para o céu outra vez.
Aneya respirou fundo algumas vezes antes de voltar para o ikran, tentando manter na cabeça que aquela seria a última parte da viagem antes de chegarem finalmente nas montanhas aleluia e se agarrou aquela curiosidade para tentar suportar o medo.
***
— Se eu fosse você, abria os olhos agora. - A voz de Tai'Ren parecia muito suave naquele momento. Ele sorria.
— Por quê? - Murmurou Aneya, enjoado e com o corpo fraco.
— Porque chegamos.
Sentindo o coração acelerar somente com a ideia de estar no continente e com o som do riso baixinho do rapaz a sua frente, Aneya suspirou profundamente antes de deixar os olhos abrirem.
Inicialmente, havia apenas o brilho ofuscante da luz do dia, mas depois o sons totalmente novos da floresta e dos inúmeros ikrans que voavam na região fez com que rapidamente os olhos de Aneya se adaptassem.
Quando as enormes montanhas flutuantes se apresentaram para ele, seu queixo caiu. Tinha escutado por muitos anos Tai'Ren tagarelar sobre as montanhas aleluia e a beleza do continente, mas estar ali e ver com os próprios olhos era emocionante. Não conseguia encontrar palavras.
Tai'Ren sorriu mais ao ver o semblante de Aneya e instruiu o ikran a se aproximar de uma das cachoeiras, que despencava suas águas para criar uma linda neblina abaixo deles.
— Não vai encostar na água? – O menor desafiou, com um olhar divertido.
— Está maluco? – Aneya se apertou mais em torno dele. – Eu só estou segurando com um braço. Não quero morrer agora que cheguei.
Notando que o Metkayina ainda parecia com muito medo apesar de ter esquecido aquilo por um segundo, Tai'Ren esticou um dos braços para tocar na cachoeira e depois voltou a voar, na direção do acampamento alto. Aneya fechou os olhos outra vez, mas sem conseguir tirar as imagens do lugar da mente.
Minutos depois, alguns guerreiros Omatikaya já haviam percebido sua aproximação e Tai'Ren os cumprimentou a distância com um gesto de respeito e preparou o pouso, sentindo Aneya lhe apertar mais.
— A-assim eu não...respiro. – Riu, dando um tapinha leve no braço em suas costelas.
— Desculpa.
O ikran pousou no acampamento alto resmungando pelo longo voo e Tai'Ren mandou uma onda de agradecimento pelo tsaheylu, fazendo um carinho para comemorar a longa viagem.
— Tai'Ren! Finalmente! Demorou mais do que o esperado. – Kiri se aproximou examinando o sobrinho descer do ikran e puxar o jovem Metkayina, apoiando-o em seu corpo.
— Oi tia Kiri! Será que você pode ajudar o Aneya? Ele não se dá bem com altura...
— E-eu estou ótimo. – Aneya sussurrou, corado por sentir as pernas fracas outra vez.
A mulher riu, tocando suavemente seu ombro.
— Deixa de ser, skxawng! Você mal se aguenta em pé. Vamos, precisa descansar.
Tai'Ren lhe deu um olhar de incentivo e Aneya deixou Kiri o guiar pelas cabanas.
— Ren! – Tsireya correu em sua direção com Lo'ak ao seu lado. Ela puxou o sobrinho para um abraço apertado. – Como foi de viagem?
— Ei, garoto, você se atrasou. Teve algum problema? – Lo'ak estreitou os olhos. - E cadê seu namorado? Perdeu ele no caminho?
Tsireya, que já havia se afastado de Tai'Ren, deu um beliscão no companheiro.
— Ai! - Lo'ak protestou. - Amigo, foi o que eu quis dizer!
Tentando disfarçar a vergonha pela insinuação, o rapaz desviou o olhar.
— Ah, oi tio, tia. Desculpem o atraso, fomos pegos por uma tempestade e achei melhor descansar por umas horas. Sobre o Aneya, ele não estava se sentindo muito bem então a tia Kiri o levou.
— Que bom que chegaram em segurança. – Disse Tsireya, aliviada. – Nada de resolverem coisas da viagem agora. Você precisa descansar um pouco.
Agradecendo o carinho da tia, Tai'Ren foi recebido também pelos avós da floresta, que lhe abraçaram longamente e depois lhe puxaram para um voo das montanhas até a floresta.
— Sei que está determinado a ir e que o Neteyam te ensinou tudo o que aprendeu. – Começou Jake, quando já estavam na grama, sentando-se ao lado de Neytiri. – Mas sinto que é meu dever te dizer o que você vai encontrar quando sair daqui.
— Fala do Povo do Céu, vovô? – Questionou Tai'Ren, se sentando junto com eles.
— Os demônios não são a única coisa que vão encontrar. – Alertou Neytiri.
— É verdade que o Povo do Céu está cada vez mais forte. Nós estamos em guerra contra eles desde muito antes de seus pais nascerem. - Disse Jake, apreensivo. - Mesmo que nós tenhamos conseguido expulsar eles daqui, as bases só mudaram de lugar. Eles nunca vão parar.
Tai'Ren baixou o olhar. Ele nunca tinha encontrado as máquinas hostis do Povo do Céu para enfrentá-las, embora carregasse as sequelas causadas pelo rastro deles em sua perna.
— Qual é o plano deles, vô? Por que nunca vão embora?
— Porque o mundo onde vivem morreu. – Revelou Jake. – O mundo onde eu nasci não tem nada do que está ao nosso redor. Não tem mais beleza, não tem mais a Mãe, mal tem vida. E agora, eles querem fazer o mesmo aqui. Querem que Pandora seja a nova casa deles.
Neytiri resmungou só de ouvir aquilo, profundamente irritada por saber que seu mundo continuava sendo reiteradamente violado. Tai'Ren se encolheu, sem conseguir imaginar um mundo sem a vida proporcionada pela Grande Mãe.
— Meus pais me instruiram a nunca os enfrentar. Preciso passar sem ser visto ou correr para o mais longe possível.
— Eles não estão errados. É exatamente isso que precisa fazer. – Jake soou firme. – Mas eu quero que saiba que o mundo que pode encontrar lá fora, talvez seja muito diferente da nossa floresta. Eu não sei como os clãs mais distantes lidaram com a invasão. Nós conseguimos aqui, mas muitos clãs não.
— É...- Tai'Ren se lembrou das informações nada positivas sobre o clã Anurai, que seu pai biológico pertencia. Tocou o totem no peito com apreensão. – Eu posso imaginar.
— Isso quer dizer que vocês podem e devem encontrar muita morte. – Disse Neytiri, sem rodeios e com olhos selvagens. – Irmãos na'vis mortos em suas próprias terras, animais e até os frutos que Eywa nos dá. Onde o Povo do Céu passa, não sobra nada!
— Mas isso...- Jake complementou, olhando fundo nos olhos do rapaz, quase como se quisesse ter certeza de que suas palavras seriam guardadas para sempre. – Não significa que devem desafiá-los. Não podem se deixar levar pela raiva e pela dor, entende?
— Não vamos, vovô. – Declarou Tai'Ren, convicto. – Vamos manter o foco no Santuário dos Ossos.
— Precisam tomar cuidado com outros clãs também. Não conhecemos todos os irmãos que vivem nesse mundo e vocês vão para uma terra muito longe. Podem encontrar muitos inimigos, então, fiquem espertos e atentos. – Jake instruiu. – E Tai'Ren, nunca hesite quando for pra se proteger ou para salvar a vida do seu amigo.
O rapaz balançou a cabeça com firmeza positivamente. Neytiri tocou suavemente o ombro de Jake, como se quisesse conter o tom de urgência na voz dele.
— Mas, da mesma forma que podem encontrar clãs inimigos, aliados podem surgir. – Tranquilizou ela. – Eu acredito na bondade dos filhos de Eywa. Não tenho dúvidas de que, existe mais bondade do que maldade no nosso mundo.
— Eu gosto de acreditar nisso também, vó. - Concordou o rapaz.
Ela sorriu se aproximando para tocar o rosto do neto.
— Você, Tai'Ren, é um garoto muito puro e gentil. Não deixe que ninguém tire isso de você. Continue cantando, mas leve nossas palavras em seu coração e tome cuidado.
Aceitando o carinho em suas bochechas, Tai'Ren retribuiu o sorriso, sentindo-se com o coração apertado por partir sabendo que poderia nunca mais ver os avós.
— Não se preocupe, vó. Eu não vou mudar. Nunca.
***
— Ele parece morto. – Nu'it sussurrou para seus irmãos gêmeos. – Vocês não acham?
— Ainda não acredito que o Aneya, desse tamanho, tem medinho de voar em um ikran. – Kaani balançava a cabeça, decepcionado. No auge de seus 15 anos, já havia concluído seu iknimaya, ritual de maturidade para se tornar um caçador, quando domou seu ikran. – Olha o estado dele!
— Dá pra vocês pararem e saírem de cima? – Saeyla interveio, puxando seus irmãos pelas orelhas, tirando-os de cima do jovem Metkayina desacordado.
Os garotos protestaram alto, o que fez Aneya despertar, rapidamente colocando seus sentidos em alerta ao notar que estava em um lugar estranho. Sentando-se em um segundo, ele se assustou quando notou os três jovens ao seu lado.
Porém, com as características Metkayina, não demorou para reconhecê-los.
— Ah, são vocês. – Concluiu, aliviado.
— Mas é claro que é a gente! – Kaani revirou os olhos. – Que vergonha você chegar desmaiado aqui, Aneya!
Saeyla não perdeu tempo e estapeou seu gêmeo na cabeça.
— Respeita os receios dos outros! Você se treme inteiro quando vê um titã cabeça de martelo e ninguém tá te provocando!
— Ai! - O Sully protestou.
Aneya corou, ajeitando o coque pequeno que prendia apenas uma parte pequena de seus cabelos e manteve o cacho que gostava na lateral do rosto.
— Tudo bem, Saeyla. – Comentou, ainda pensando no sofrimento da viagem. – Ele não está errado, mas sinceramente, estou feliz de ter conseguido chegar até aqui. Talvez algum dia, eu supere isso. Quem sabe.
— Você vai conseguir, Aneya! – Disse Nu'it, com os olhos azuis brilhando. – Você nunca veio aqui, né? A gente vai te mostrar todo o acampamento.
— Calma, maninho. Você se sente bem pra ir, Aneya? – Perguntou a garota, não confiando muito no visitante. – A tia Kiri vai me matar se eu deixar você sair antes de melhorar.
Saeyla analisou com cuidado o rapaz somente para se certificar de que não havia indícios de fraqueza. Agora que Kiri a estava ensinando como tratar os ferimentos e sintomas mais simples dos na'vis, precisava se manter sempre atenta, para não levar nenhuma bronca da tia e tutora.
— Estou ótimo. – Respondeu o Metkayina, ansioso para conhecer o lugar novo. – Onde está o Tai'Ren?
Kaani riu.
— Saiu com o vovô e a vovó. Quer dizer que agora vocês estão viajando juntinhos? Hmmm, isso me parece suspeito... – Ele cantarolou, malicioso. Apesar de ser muito parecido com sua mãe e Ao'nung, ele falava exatamente como Lo'ak.
Nu'it, por ser muito novo, não entendeu bem a provocação e Saeyla se conteve para não esmurrar o irmão, mas não pode evitar revirar os olhos ao ver Aneya corar até as orelhas.
Por que garotos são tão ridículos e lerdos pra admitir seus sentimentos? Foi o que passou por sua cabeça.
— E-eu só...- Gaguejou o mais velho. – Quero ajudar...
— Tudo bem, já chega! – Saeyla interveio. – Se está bem, vamos mostrar o acampamento.
Os quatro na'vis de pele clara saíram juntos e caminharam por entre as inúmeras cabanas. Aneya deixava os olhos correrem pelas rochas montanhosas que os cercavam e pela movimentação dos na'vis com características tão diferentes e que até então só tinha visto em Neteyam e Luwen, raramente, via em Lo'ak quando visitava Awa'atlu.
Muitos Omatikaya faziam suas atividades ao redor de pequenas fogueiras e se organizavam em grupos para conversarem ou se divertirem. Outros olhavam para o visitante, mas logo voltavam aos seus afazeres, já acostumados com as características Metkayina.
Os gêmeos tagarelavam sem parar, mostrando para Aneya onde dormiam, comiam e se reuniam com os amigos. Nu'it também parecia ansioso mostrando onde as crianças se reuniam para aprender sobre a cultura dos Omatikaya.
O mais velho parecia encantado diante de tantas coisas novas. Era um mundo totalmente novo para ele. No entanto, quando chegaram no local onde os avatares circulavam junto de humanos e na'vis, Aneya ficou paralisado. Nunca em sua vida tinha visto alguém do Povo do Céu e nem os estranho avatares que usavam para se passar por na'vi.
Foi instintivo da sua parte se afastar ao notar que estava sem sua lança.
— Ei, relaxa! – Kaani o puxou pelo braço. – O Tai'Ren nunca falou pra você que eles estão do nosso lado?
Na verdade, Aneya sabia disso.
Da mesma forma que alguém do Povo do Céu tinha machucado a pessoa mais importante da sua vida, eles também foram os responsáveis por dar a ele a possibilidade de andar outra vez. No entanto, ainda que fosse eternamente grato as mãos que ajudaram Tai'Ren, ele sabia que ainda os considerava inimigos e, portanto, era impossível ficar a vontade ali.
Felizmente, Tsireya apareceu, o puxando para comer. Mesmo assim, Aneya não conseguia tirar os olhos do local onde os avatares conversavam animadamente.
— Não se preocupe. – Tsireya o distraiu, com gentileza. – É normal sentir essa estranheza. Comigo foi assim. Mas eles não são ruins.
— Como o Povo do Céu, mesmo tendo um corpo tão pequeno...- Aneya parecia inconformado. – Estão tomando nosso mundo pra eles?
— O corpo deles realmente é frágil. – Disse ela. – Mas eles constroem coisas que estão além da nossa compreensão, isso que os torna perigosos. E os avatares são uma forma de compensar a fragilidade do corpo.
— Mas, como os Omatikaya podem ter certeza de que eles estão aqui pra lutar por nós?
Tsireya sorriu para o jovem Metkayina. Ela entendia aquele olhar de incompreensão.
— Existem algumas pessoas aqui que lutam com os Omatikaya desde muito antes de eu nascer. Há também homens e mulheres do Povo do Céu que morreram lutando ao lado dos na'vi, enfrentando a própria espécie. – Ela apontou para uma estrutura mais longe. – Pode encontrar o nome de todos eles ali. É uma forma de serem lembrados.
Aneya deixou os olhos correrem pelas interações dos gêmeos com alguns avatares, que os ensinavam um jogo que ele nunca tinha visto. Era estranho ver na'vis sorrindo ao lado dos pequenos integrantes do Povo do Céu.
Também era um pouco triste saber que aquela paz e coexistência só era encontrada em um lugar do mundo. E era bem diante dele.
— Ainda assim... – Tsireya deixou os olhos se entristecerem. – São minorias que se arriscam para lutar ao nosso lado. E, os Omatikaya tiveram Jake para ser o elo entre eles e o Povo do Céu. Mas e quanto aos clãs que estão sendo atacados agora? É possível darem uma chance para se aliarem ao Povo do Céu, como nós fazemos aqui?
— Eu acho difícil. – Respondeu Aneya, voltando a comer. – O medo é maior do que a vontade de escutar o que o Povo do Céu tem a dizer.
— Sim. Isso que torna essa guerra infinita.
Com as palavras de Tsireya, eles se focaram em terminar sua refeição. Aneya caminhou um pouco, aproveitando para ignorar as presenças estranhas dos avatares e aceitou algumas frutas trazidas por Nu'it. Observou curioso as cores, cheiros e texturas, encantado por ser tão diferente de tudo o que tinha visto nos recifes.
Pegou uma fruta roxa e redonda e mordeu, imediatamente sentindo a boca ser preenchida por um suco doce, que julgou maravilhoso.
— To vendo que já está à vontade.
Aneya virou rapidamente ao ver Tai'Ren se aproximando com um sorriso que julgou bonito demais para que não se lembrasse do fatídico beijo que trocaram em seu quarto. Por mais triste que tenha sido, ainda podia sentir a sensação da maciez dos lábios que desfrutou apenas uma vez.
Também não facilitava sua concentração vê-lo com acessórios novos.
— O que foi? – Tai'Ren inclinou a cabeça para o lado, notando a ausência de respostas. Achou engraçado ver Aneya lhe encarando de olhos arregalados e com uma fruta mordida na mão, mas não fez nenhuma provocação.
— Gostei do brinco novo. – Aneya se recompôs, apontando para as penas amarelas. – E... suas tranças estão diferentes?
— Ah, obrigado. Sim, deixei minha vó trançar meu cabelo no estilo Omatikaya, mas como pode ver, não consigo largar o coque, então, ficou meio bagunçado.
— Na verdade, ficou bonito.
Sem graça pelos elogios, Tai'Ren agradeceu baixinho e olhou ao redor para mudar de assunto.
— E então...o que achou do acampamento?
— Muito legal. – Revelou Aneya, mordendo mais uma vez a fruta doce. – É tão diferente do que eu imaginei...
— Desculpa ter te deixado aqui e sumido. – Disse Tai'Ren, com um semblante culpado. – Meus avós queriam passar um tempo comigo.
— Não se preocupe, eu fiquei bem. E foi bom sair com seus avós?
Ambos começaram a caminhar juntos pelo acampamento. O menor suspirou, com um sorriso gentil.
— Foi sim. Eu vou sentir falta deles, sabe? Na verdade, vou sentir falta de todos aqui, assim como estou sentindo da minha família. É a primeira vez que venho sem eles.
Notando a tristeza nos olhos cinzas, Aneya tocou o ombro dele com a mão livre.
— Não se preocupe. Vamos voltar outras vezes.
Os olhos cinzas fitaram os azuis por alguns segundos e depois ele assentiu:
— É. Você tem razão, Aneya. Obrigado.
Eles continuaram andando por algum tempo até que Tai'Ren teve uma ideia que julgou brilhante e ridícula ao mesmo tempo. Rapidamente tomou a frente e encarou o mais alto.
— Não podemos partir antes de eu te mostrar uma coisa.
— O que?
— Surpresa. – Ele correu, rindo. – Vem! Mas é bom que esteja com coragem!
Retribuindo o sorriso diante do tom de desafio, Aneya o seguiu rapidamente. Curioso para explorar aquele mundo novo.
***
A verdade é que Aneya nunca esteve tão arrependido de algo em sua vida quanto estava naquele momento, enquanto via Tai'Ren correr por uma espécie de raiz flutuante que ligava uma montanha a outra.
— Eu disse que precisava de coragem! – O mais novo provocou, sem se importar com a altura absurda. – Vem! Eu juro que vai valer a pena!
— E-eu...- Aneya hesitou e depois grunhiu, correndo o mais rápido que podia, tentando imitar os movimentos ágeis de Tai'Ren.
Não era um na'vi da floresta e muito menos um das cinzas, então sair pulando por longos fios de madeira não o tipo de coisa que seria bom fazendo.
— Não olha pra baixo! – Gritou Tai'Ren, rindo mais na frente.
— Se eu tivesse feito isso, já teria caído! – Aneya respondeu cinicamente, sabendo que era impossível não saber que estava em meio de um precipício cujo fim mal dava pra ver.
Ainda assim, não queria desistir. Primeiro, porque estava curioso para ver o que Tai'Ren estava tão empolgado para lhe mostrar, mas também porque disse a ele que não o deixaria sozinho. Então, se blindou em uma coragem que nem sabia existir e atravessou o caminho até a outra montanha flutuante, recebendo um enorme sorriso de aprovação.
— Muito bom, guerreiro! Só pra você saber, os jovens Omatikaya fazem isso na sua cerimonia de maioridade.
— Eu prefiro domar um tsurak outra vez do que fazer isso. – Admitiu Aneya.
— Mas ainda não terminamos. – Tai'Ren riu. – Agora vem a parte mais chata, mas eu juro que vai gostar do resultado.
Aneya estava agarrando firmemente nessa possibilidade, então deu um aceno para o rapaz. Mas imediatamente sua empolgação desapareceu quando viu Tai'Ren pular corajosamente pelo espaço entre as duas montanhas em direção a uma corda, usando seus braços e pernas para escalar.
— Ah não...- Sussurrou o Metkayina para si mesmo. – Isso é loucura!
— Vem! – Tai'Ren o incentivou. – Se eu consigo com esse joelho, vai ser moleza pra você! É só olhar pra corda, nunca pra baixo!
— Você...- Aneya falou mais alto para o rapaz escutar. – Ainda me paga por isso, Tai'Ren!
Com um rosnado corajoso, Aneya fixou os olhos na corda que balançava e correu, pulando com todo seu impulso para se agarrar a ela. Achou que a parte mais difícil seria alcançar a corda, mas logo percebeu que suas mãos e pés adaptados para o mundo aquático dificultavam bastante a escalada.
— Isso... – Bufou pelo esforço. – É difícil! Eu sou um Metkayina, não fui feito pra essas coisas.
— Nem vem! – Tai'Ren debochou. – Meu pai conseguiu!
— Ao'nung?
— Sim!
Aneya usava toda sua coordenação para impulsionar os pés e subir pela corda. Os poucos segundos pendurado pareciam uma eternidade.
— Ele é nosso líder, afinal. – Concluiu. – Não dá pra me comparar.
— Não faz drama e sobe logo!
Trincando os dentes para não cair na pilha das provocações, Aneya focou no esforço e quando sentiu os braços queimando por sustentar seu próprio peso a uma altura incalculável, se manteve o mais frio possível para não ceder ao desespero.
Por isso, quando alcançou Tai'Ren na outra montanha, não conteve um grito orgulhoso, mas no momento em viu os olhos cinzas muito travessos, sabia que não havia acabado a tortura.
Tai'Ren o guiou por mais raízes flutuantes, até começarem a caminhar pelas bordas rochosas de uma das montanhas, passando por debaixo de uma cachoeira. Aneya arregalou os olhos, tentando se manter o mais firme possível nas pedras em suas costas. Admirou ainda mais os na'vis da floresta por conseguirem realizar este tipo de trajeto com tanta facilidade.
Quando estava prestes a pedir para voltarem, viu Tai'Ren lhe encarar com expectativa.
— Vem devagar agora.
Sentindo outra vez uma profunda curiosidade, o Metkayina seguiu silenciosamente o rapaz por entre as rochas molhadas. Conforme avançavam devagar, começou a ouvir os sons que conhecia muito bem.
— Ikrans? – Sussurrou.
Tai'Ren balançou a cabeça, em afirmativa, e apontou o queixo para a frente, mostrando para o mais alto o motivo da vinda deles.
Aneya arregalou os olhos, ao ver dezenas de ikrans enormes sobre as rochas, batendo suas asas e gritando como se estivessem se comunicando. Cada animal com seu padrão colorido e de cores vibrantes.
— Para um Omatikaya se tornar um caçador e um jovem adulto, ele precisa chegar até aqui e domar um ikran. – Disse Tai'Ren, concentrado na visão dos animais.
— É sério? – Aneya franziu o rosto. – Parece tão difícil.
— Domar um tsurak também é, mas você conseguiu.
— Como saber qual ikran domar?
— Ele tenta te matar.
— Foi assim que conseguiu o seu?
— Foi sim. – Disse Tai'Ren, se aproximando do rapaz. – Quer pegar um?
— O que!? – Aneya quase caiu pra trás. – Eu mal consigo voar com você, imagina sozinho!
Tai'Ren não aguentou e gargalhou.
— Eu só estou brincando!
Revirando os olhos para a brincadeira, Aneya continuou observando os animais voarem e outros chegarem, encantado. No entanto, seu momento de contemplação imediatamente foi substituído por um lembrete, que logo gerou insegurança.
Mexeu na cinta em seu peito, puxando um pequeno objeto de madeira.
— É pra você.
Tai'Ren se distraiu dos ikrans quando viu a mão de Aneya lhe oferecer um pequeno pingente de madeira. Com os olhos mais atentos ao presente, viu que era um peixe esculpido em madeira, muito bem trabalhado e com detalhes nas escamas que não fazia a menor ideia de como fazer.
— Uau, que bonito...- Deixou escapar. – Você que fez?
— Sim. – Aneya tentou não focar no rapaz do seu lado. – Você sempre fala que gosta de peixe, então... bom, não tem muita surpresa, você viu no meu quarto...naquele dia.
A menção ao dia em que a amizade deles ficou estranha, fez Tai'Ren hesitar no momento de pegar o presente.
De repente, ele se sentiu sem graça, pois ainda não sabia se poderia retribuir aqueles sentimentos de Aneya.
Percebendo o dilema, o Metkayina logo tratou de tranquilizá-lo:
— Não se preocupa, isso não é pra você me dar uma resposta. Eu sei que ainda não tem. – Deu de ombros. – Depois que aquilo aconteceu, eu terminei de esculpir, enquanto estávamos sem conversar. A ideia era te dar antes da sua viagem, mas nunca imaginei que estaria nela. É só o seu amigo tentando te dar boa sorte. Pode aceitar?
— Tudo bem. – O menor aceitou o pingente e o colocou no mesmo cordão que segurava o totem. – Obrigado, Aneya. Desculpa ficar inseguro em aceitar. Sei que deve ter trabalhado muito nele.
— Não precisa se desculpar por isso. Eu não queria te pressionar. Devia ter escolhido outro momento pra entregar, me desculpe...
— Certo, precisamos parar com essa coisa de "desculpa". – Tai'Ren riu.
— Vou ter que concordar. – Aneya acabou rindo também, guardando para si a felicidade de ver o pingente no peito de Tai'Ren.
Depois do momento de risadas, os rapazes acabaram focando nos ikrans outra vez, mas depois de longos minutos em silêncio, assistindo os animais, Aneya sentiu a empolgação sumir:
— Ei, Tai'Ren.
— Hm?
— Como vamos descer daqui? – Sua voz saiu sôfrega só de imaginar todo o esforço que teve que fazer para chegar naquele ponto da montanha.
— Vamos voltar voando no meu ikran. – O menor deu de ombros, sorrindo travesso. – Bem melhor, não é?
Aneya apenas fechou os olhos, fazendo uma nota mental de nunca mais seguir Tai'Ren para essas aventuras misteriosas.
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