I know that I can't have it all (Eu sei que não posso ter tudo)
But without you I am afraid I'll fall (Mas sem você eu tenho medo de cair)
I'm a Ruin - Marina
Tai'Ren levou uma das mãos aos lábios para conter o riso ao ver Aneya ser jogado no chão outra vez, mas logo se arrependeu ao perceber Neytiri lhe encarando de canto.
— Não ria se não pode fazer melhor. – Repreendeu ela, baixinho.
— Desculpa, vó. – Sussurrou o rapaz, corando.
— Você foi mais rápido dessa vez. – Constatou Jake, olhando para o Metkayina se erguendo e tirando o excesso de terra do corpo. – Está indo bem.
— Obrigado, senhor...- Aneya respirou fundo, cansado do intenso treinamento. – Eu nunca vi golpes como esse antes.
O rapaz olhou o oponente a sua frente, tão robusto e que, mesmo que tivesse muito mais idade que ele, não aparentava estar cansado.
— Os guerreiros do Povo do Céu lutam assim...- Disse o líder Omatikaya. – Isso quando não estão armados, é claro. Se encontrarem avatares hostis, é contra isso que vai precisar lutar.
Aneya assentiu, firme e muito disposto a continuar.
— Podemos tentar outra vez, por favor?
Jake analisou o garoto por alguns segundos e se colocou em posição, com uma concordância silenciosa. Aneya partiu em sua direção para continuarem o treino de combate com as mãos livres.
Tai'Ren permaneceu assistindo o treinamento, conforme vinha fazendo nas últimas horas. Eles não tinham muito tempo até partirem e seu coração já estava apertado. Apesar disso, tentou se manter concentrado no agora.
Quando Aneya foi jogado no chão outra vez, não pôde evitar sussurrar:
— Ele não desiste...
— Guerreiros não costumam ter essa escolha em uma situação de perigo. – Respondeu Neytiri. – É preciso ser determinado.
— É, vó. – O Sully sorriu. – Parando pra pensar, ele sempre foi assim, mas ultimamente parece mais.
— Ele só entendeu que precisa estar pronto.
— Eu acho que estaria em apuros se ele não fosse comigo.
— Confie mais no esforço dos seus pais. Eles prepararam você.
— Você tem razão, vó. – Tai'Ren admitiu. – Como foi pro meu pai aprender tudo isso? O vovô não pega leve.
— Neteyam sempre foi muito determinado e obediente. – Disse Neytiri, nostálgica. – Ele fazia o que tinha que fazer, e quando falhava, não costuma expor muito suas frustrações.
— O pai sempre foi incrível então. É difícil ter esse controle. Eu sempre ficava frustrado quando perdia muitas vezes...
— Seu pai entendeu que estava aprendendo tudo aquilo pra proteger os irmãos mais novos. E quando você tem algo para proteger, não há espaço pra frustrações.
As palavras de sua avó deixaram Tai'Ren pensativo. Ele sabia que ainda era muito guiado por suas emoções, afinal, nunca foi treinado pra ser um guerreiro, apenas aprendeu o que precisava para sobreviver. Não sabia se durante sua viagem seria testado nesse sentido, esperava piamente que não.
Mas, e se fosse?
Ver o esforço de Aneya lhe dava segurança, porém também havia uma parte de si que temia por eles.
Quando a viagem era algo apenas dele, não havia uma pressão sobre os perigos – ou pelo menos, nunca sentiu. Mas agora, Aneya estava ali e era muito complicado pensar que poderia estar o levando para a morte.
— Vó? – Chamou, baixo.
— Sim?
— Acha que eu deveria ter insistido para o Aneya ficar em Awa'atlu? Eu sei que ele está se preparando, mas... eu não gosto de pensar na ideia de coloca-lo em perigo. Eu nunca vou me perdoar se algo acontecer.
Neytiri analisou o neto por alguns segundos, antes de falar:
— Não acho que faria diferença ter insistido mais. Pode pensar agora que isso é uma fraqueza, e talvez seja. Mas é de onde vai tirar força quando precisar.
Tai'Ren absorveu as palavras com calma e depois agradeceu sua avó com um abraço carinhoso.
— Vou sentir sua falta, vó.
Neytiri sorriu, acolhendo-o mais em seus braços.
— E eu a sua, Tai'Ren. Não se preocupe, estaremos todos esperando vocês voltarem. Confie seu coração à Eywa. Ela vai amenizar os seus medos.
— Você tem razão. Farei isso.
Ambos permaneceram imersos no momento até que depois de mais algumas tentativas, Jake fez um aceno sinalizando que o treino tinha acabado, o que deixou o jovem Metkayina confuso já que, outra vez, ele estava no chão.
— Não precisa se pressionar a me vencer sabendo que só vai ter um dia de treinamento. – Explicou Jake. – O importante é aprender os golpes, e isso você conseguiu. Tenta treinar em quem aparecer no caminho de vocês.
Aneya balançou a cabeça, em afirmativa. De repente, estava muito feliz.
— Sim, senhor! Obrigado por me ensinar.
Mais tarde, enquanto caminhavam juntos pelo acampamento, Tai'Ren notou a euforia interna do rapaz ao seu lado:
— E então, o que achou de ser espancado pelo meu avô? – Provocou.
Aneya não se importou com aquilo.
— Eu nem sei o que pensar. Faz ideia de que o líder dos Omatikaya me ensinou combate!? – Ele parecia emocionado. - Nunca achei que pudesse ter essa oportunidade!
— É, o vovô é legal. – Tai'Ren riu diante da empolgação dele.
— Ele nasceu mesmo como alguém do Povo do Céu?
— Sim. E Eywa fez com que ele se tornasse um na'vi através do seu corpo de avatar.
— Como será que é o mundo de onde ele veio? – Perguntou Aneya, curioso.
Tai'Ren lembrou-se da conversa com seus avós.
— É um mundo morto. – Revelou com pesar.
— Mas, como será que era antes de ser destruído? Será que tudo era pequeno como o Povo do Céu? Imagina quantos animais minúsculos!
— Você parece bem curioso. – Disse Tai'Ren, se divertindo com o semblante reflexivo do mais alto. – Achei que não se interessasse por nada vindo deles.
— Eu não gosto do Povo do Céu. – Afirmou Aneya. – Mas quando penso que existem outros mundos, fico me sentindo pequeno. Nós nem conhecemos nosso próprio mundo, como vamos entender como os outros são?
— Veja pelo lado bom, vamos conhecer bastante do nosso.
Aneya sorriu, sentindo uma empolgação crescente.
— É, nós vamos.
***
— Sei que já passei o plano com você, mas vou recapitular pro seu amigo estar a par. – Disse Lo'ak, não sendo muito discreto ao enfatizar a palavra "amigo".
O Omatikaya estava diante dos rapazes mais jovens e analisou os rostos focados antes de continuar:
— Eu vou acompanhar vocês até a fronteira do nosso território aqui na floresta. Nós vamos voando, então você...- Ele apontou para Aneya. – Já se prepara.
O Metkayina ficou mais pálido só de pensar, mas tentou se manter firme.
— Vocês também vão levar isso aqui. – Lo'ak puxou duas pequenas peças. Uma que se assemelhava a um colar e outra para pôr na orelha. – É o nosso comunicador. Só preparamos um porque não contávamos com duas pessoas na viagem. O mano te ensinou a usar, né sobrinho?
— Sim, tio. – Tai'Ren respondeu.
— Ótimo. Ensina o Aneya a usar também. Se acontecer algo com você, é com ele que vai ficar a responsabilidade de falar comigo.
Aneya não concordava em nada com a ideia de algo acontecer com Tai'Ren enquanto ele estivesse por perto, mas preferiu não interferir.
— Não se preocupa, tio. Vou ensinar ele.
— Uma coisa importante sobre o comunicador: Eu vou perguntar uma vez, todos os dias, se estão vivos e qual a situação. – Continuou Lo'ak. – Assim que eu receber a mensagem, passo pro mano. Vocês são obrigados a me responder todo dia. Se passarem 3 dias sem fazer isso, vou entender que estão mortos e eu não quero ter que dizer isso pro meu irmão, entendido?
— Sim, senhor. – Ambos responderam em uníssono. Contudo, Tai'Ren ainda tinha algo a acrescentar. – Mas, e se acontecer do aparelho quebrar?
— Se manter ele sempre na orelha, só vai quebrar se alguma coisa estourar sua cabeça, mas aí a conclusão é a mesma: vou entender que estão mortos.
— Certo... – Tai'Ren engoliu o seco.
Lo'ak puxou uma pequena tela que se iluminou ao seu toque e logo emitiu mais feixes de luz para formar um mapa holográfico. Aneya arregalou os olhos diante da imagem completamente nova.
— Nós estamos aqui. – Ele então moveu os dedos para fazer o mapa avançar para frente por longos segundos. – Vou voar com vocês até as cordilheiras, que dividem nossa floresta com outras terras inexploradas. O voo até lá dura algumas horas, partimos hoje ao anoitecer e chegamos de amanhã de manhã.
— E depois atravessamos a cordilheira sozinhos, né? – Tai'Ren perguntou, com os olhos nas enormes elevações montanhosas.
— Sim. E aí que começam os problemas.
Os garotos se entreolharam, preparando-se para o que viria.
— Problemas? – Aneya arriscou perguntar.
— Pois é... – Comentou Lo'ak, distraidamente enquanto mexia no mapa outra vez. – Não é novidade pra vocês que o Povo do Céu migrou para o norte, que infelizmente, é a direção onde vocês precisam ir.
Ele fez o mapa avançar automaticamente, digitando uma série de coisas que nenhum dos dois entendeu. A única coisa que ficava clara, conforme viam o mapa avançando cada vez mais rápido, é que a distância que teriam que percorrer era enorme.
Depois de pelo menos um minuto inteiro fazendo o mapa avançar rapidamente, Lo'ak parou a imagem. Tai'Ren estreitou os olhos para os contornos de uma terra aparentemente lisa, de vegetação rasteira.
— Aqui é o objetivo de vocês. – Ele apontou para uma terra aparentemente vazia. – O Santuário dos Ossos. Fica nas planícies.
— É vazio assim? – Questionou Aneya, vidrado nas luzes azuladas.
— As imagens não são novas, mas parece que sim. Ou talvez, seja o que sobrou. O que importa é que o primeiro problema que vão ter é a distância. Não só por isso tornar as coisas mais perigosas, mas provavelmente porque o comunicador não vai ser capaz de mandar as mensagens, já que vamos estar muito distantes.
— E o que fazemos nesse caso, tio?
— Se por acaso acontecer de eu não entrar em contato em um dia, é porque está distante demais para ter sinal. O que vai fazer nessa situação é voltar e ir tentando falando comigo até eu responder. Assim pelo menos vou saber que não estão mortos.
— E quais os outros problemas? – Foi a vez de Aneya perguntar.
— Não sabemos a localização exata das bases do Povo do Céu. Tudo o que descobri é que eles dominam toda essa região em torno das planícies. – Ele gesticulou sobre o mapa para mostrar as zonas perigosas.
— Então, não podemos ir voando. – Constatou Tai'Ren.
— Esse era o próximo problema. – Riu Lo'ak. – Na verdade, vocês só podem voar até passarem das cordilheiras.
— O quê? – Tai'Ren arregalou os olhos. – Mas assim a viagem vai ser praticamente toda andando! Por quê, tio?
— São terras que nunca fomos. Se forem vistos voando por aí, vão ser alvos fáceis. É muito mais seguro avançarem discretamente a pé.
Ambos receberam as informações com um misto de ansiedade e preocupação. Viajar somente caminhando por matas estranhas parecia muito perigoso, mas voando não era muito diferente, então precisavam lidar com aquilo.
Depois que a conversa acabou, Tai'Ren ensinou com calma Aneya usar o comunicador, no entanto, embora estivessem sérios e concentrados, não conseguia conter o riso sempre que mandava alguma mensagem e via o rapaz se assustar pelo som estranho surgindo em seu ouvido.
Aproveitaram também para arrumarem suas coisas e dormirem um pouco para partirem ao anoitecer. E quando Aneya acordou, viu que Tai'Ren estava checando o punhal preso no peito e colocando as braçadeiras que tinha ganhado de Nan'ti.
— Está na hora? – Perguntou, sonolento, despertando a atenção do outro.
— Eu ia deixar você dormir mais um pouco, mas se quiser levantar, podemos jantar juntos antes de ir.
O mais velho coçou os olhos para despertar e também começou a se arrumar, além de trabalhar para afiar a lança.
— Está nervoso? – Sussurrou Tai'Ren.
— Só com a ideia de voar. – Admitiu com um sorriso, mas ao notar o rosto distante do rapaz a sua frente, deixou a lança de lado. – E você está nervoso?
— Ah... sim. – Os orbes escuros mostraram o medo. – Espero que dê tudo certo. Não quero dar nenhuma tristeza para os meus pais e meus irmãos.
— Tudo vai ficar bem. – Aneya colocou uma mão no ombro de Tai'Ren. – Seus pais disseram que você está pronto, não é? Então, acredite nisso. Eu vou estar lá também pra ajudar. Logo estaremos de volta.
Com o olhar de incentivo que recebeu, Tai'Ren ganhou um pouco mais de confiança e sorriu agradecido.
Como tinham programado, jantaram juntos e em um silêncio confortável. Lo'ak acabou se juntando a eles não muito tempo depois:
— Que silêncio é esse? – Perguntou, erguendo as sobrancelhas. – Vocês não morreram ainda pra estarem de luto.
— Isso foi um belo incentivo, tio. Agradeço. – Respondeu Tai'Ren, irônico.
— Contem comigo.
— Pai! – Kaani se aproximou, com um semblante ansioso. – Me deixa ir com vocês até as cordilheiras, por favor?
— Não. - Lo'ak respondeu, sem rodeios.
— Mas por quê? Eu domei um ikran!
— Grande coisa. – O mais velho revirou os olhos. – Vai ficar aqui e cuidar dos seus irmãos.
— Mas pai...- O garoto insistia. – Qual é, eu tenho 15 anos, não sou criança!
— Tem razão. – Lo'ak parecia mais interessado em sua tigela do que na conversa. – Mas ainda vai ficar aqui.
O rapaz grunhiu, batendo o pé, inconformado. Tai'Ren segurou o riso pela frustração do primo. Saeyla se aproximou com Tsireya, no mesmo momento em que Kaani voltava para cabana, bufando.
— O que houve dessa vez? – Tsireya perguntou ao companheiro, que só deu de ombros.
— Advinha?
Ela riu baixinho, tocando o ombro de Lo'ak em um gesto carinhoso.
— Ele só é impaciente, mas entende sua preocupação.
— Relaxa, pai. – Disse Saeyla. – Eu fico de olho pra ele não fugir.
Lo'ak colocou um dos braços em torno do ombro da filha.
— Não é à toa que você nasceu primeiro. Obrigado, querida.
Ver os três interagindo carinhosamente fez Tai'Ren sentir uma pontada de saudade dos seus pais, mas felizmente essa saudade só lhe deu mais determinação para encarar o mundo novo – E voltar vivo.
***
Aneya experimentou o vento forte tocar seu corpo inteiro e concluiu que não estava em nada saudade daquilo. Ele até sentia curiosidade pra ver como seria a imensidão verde da floresta Omatikaya, mas o receio de abrir os olhos era maior, então ele se manteve bem firme com o braço em torno do busto de Tai'Ren.
— Está tudo bem? – O mais novo sussurrou, percebendo o aperto do maior.
— S-sim.
— Tem certeza?
— Tenho, pode ficar concentrado no voo. Não quero que a gente morra.
A frase fez Tai'Ren rir.
— Você tá perdendo uma vista linda.
— Nem me fale. – Gemeu Aneya, chateado. – Como é a floresta?
Tai'Ren deixou os orbes escuros vagarem pela imensidão de árvores e plantas repletas de bioluminescência.
— Tudo fica brilhando a noite... – Disse ele, tentando descrever o que via. – É como as águas de Awa'atlu. Está ouvindo os animais lá embaixo?
— Estou. – Respondeu Aneya, tentando imaginar conforme Tai'Ren falava.
— Tem árvores tão gigantes que é preciso desviar enquanto voamos.
— É sério?
— Sim!
— E o que mais?
— Hmm, deixa eu ver. – Tai'Ren estreitou os olhos, olhando para baixo, imediatamente se animando com uma visão nova. – Uau, tem muitos rios! Daqui eu consigo ver os peixes brilhando na água!
Aneya sorriu, sabendo exatamente que cara Tai'Ren estava fazendo.
— Cuidado pra não pular pra pescar eles. Controla sua vontade.
— Que engraçado... – Revirou os olhos. – ... skxawng.
Lo'ak voava um pouco mais a frente, de vez em quanto checando se estava tudo certo com os garotos.
— Vivos? – Perguntou, provocando.
— Eu, sim. O Aneya, já não sei. – Tai'Ren entrou na brincadeira.
O Metkayina até pensou em responder, mas um balançar do ikran o fez soltar apenas lamuriar, rendido aos medos, o que fez os outros dois rirem.
— Veja pelo lado bom, Aneya...- Lo'ak se aproximou. – Estamos chegando...
— Jura?
— Sim. Na metade do caminho.
Tai'Ren riu da piada, mas Aneya propositalmente o abraçou com mais força.
— Ai! – Protestou, dando tapinhas no braço que o prendia até que o aperto ficasse menor. - Desde quando você é rancoroso?
— Você balançou de propósito.
— Como pode saber disso? – Tai'Ren fez um bico de frustração.
— Eu te conheço.
Rindo por saber que Tai'Ren estava com suas bochechas infladas por ter sido pego na brincadeira, Aneya deitou a cabeça no ombro dele um pouco mais, sentindo outra vez o cheiro da praia. Concluiu que talvez aquilo fosse algo da sua cabeça.
Eles voaram sem preocupações no caminho e observaram lentamente o dia dar lugar a manhã, exceto Aneya, que seguia em seu sofrimento interno.
— Olha lá. – Lo'ak chamou Tai'Ren e apontou para a frente.
O garoto imediatamente notou as sombras irregulares e que logo entendeu ser o contorno das montanhas da cordilheira.
— Uau...
— O que foi? – Aneya sussurrou, outra vez curioso.
— Estou vendo as montanhas.
O Metkayina imediatamente se empolgou, ansioso para pousarem.
— Estão muito longe?
— Um pouco sim. – Admitiu Tai'Ren. – Mas já vai se preparando para pousarmos.
Lo'ak estreitou os olhos, atento aos arredores. Havia um fuzil em um de seus braços, pronto para ser usado. Felizmente, no entanto, eles puderam seguir sem sustos até a fronteira da floresta Omatikaya, onde as árvores eram barradas por enormes montanhas rochosas que tocavam o céu.
Tai'Ren fez um aceno ao notar o sinal do tio para pousarem e instruiu seu ikran o que deveria fazer, sentindo o rapaz nas suas costas ficar mais tenso. Lo'ak pouso e pulou do ikran, ainda muito atento na área e observou o sobrinho fazer o mesmo. Aneya parecia enjoado, mas ao menos conseguiu ficar de pé.
— Obrigado, tio. – Tai'Ren se aproximou. – Por trazer a gente até aqui.
Lo'ak o puxou para um abraço com apenas um dos braços.
— Se cuida, Tai'Ren. Não esquece de ficar atento ao comunicador. Espero que não tenha esquecido de tudo o que eu expliquei.
— Não esqueci. – O rapaz sorriu, se afastando.
— Você também, Aneya. – Lo'ak pegou no ombro do Metkayina, que ainda estava zonzo. – Vê se não morre. É melhor você sentar um pouco, tá branco.
Tai'Ren conteve o riso e deu um olhar compreensivo para o outro rapaz.
— Vou fazer isso. – Aneya sussurrou. – Obrigado.
— Mesmo que a viagem seja andando, eu recomendo que vocês aprendam a se defender enquanto voam. – Disse Lo'ak. – Nunca se sabe em que situação precisarão voar. Quando isso acontecer, não podem estar vulneráveis.
— Vamos tentar, tio.
— Última coisa. - Lo'ak ofereceu o fuzil para o sobrinho, que arregalou os olhos. – Não me olhe assim, eu sei que teve umas aulas.
Aquilo não era mentira. Neteyam fez questão de ensinar Tai'Ren como funcionava uma arma do Povo do Céu e praticaram por um tempo. Contudo, embora realmente fosse um conhecimento importante, o rapaz não tinha gostado nada de aprender aquilo.
— Vai te dar mais segurança caso precise atacar à distância. – Insistiu Lo'ak.
— Tudo bem. – Tai'Ren cedeu, pegando a arma e Lo'ak caminhou até seu ikran puxando uma pequena bolsa com munição, entregando-a ao sobrinho. – Mas só vou usar em último caso, prefiro lutar com o arco.
— É claro. Não esperava menos de um filho do mano. – Ele sorriu. - Se cuidem. E nada de morrer.
O mais velho pulou de volta do ikran.
— Podem passar pelas montanhas voando. – Sugeriu ele. – Depois avancem a pé.
— Pode deixar! Até logo, tio!
Tai'Ren observou com ansiedade seu tio partir de volta, deixando-os entre as árvores e as rochas que tocavam o céu. Aneya se sentou na grama, respirando com cuidado, absorvendo o cheiro característico da floresta.
— Pode descansar um pouco. – Os olhos cinzas lhe encararam gentis. – Ainda é cedo. Não precisamos ter pressa.
— Não, vamos indo. Quero me livrar logo desse último voo. – Respondeu, arrancando uma risada do outro.
— Último? Você não ouviu o conselho do meu tio? Temos que aprender a lutar enquanto voamos.
Só o pensamento fez Aneya franzir o rosto, mas ele entendeu que aquilo realmente era algo importante.
— Tudo bem, mas continuo querendo ir logo.
Tai'Ren revirou os olhos.
— Tá bom, teimoso. Mas se ficar desmaiando a culpa não é minha.
O Metkayina encolheu os ombros, constrangido.
— Eu vou conseguir.
— Não tenho dúvida que vai. – Tai'Ren caminhou para fazer um carinho em seu ikran. – Só me preocupa você passando mal.
Tentando não demonstrar a vergonha ao ouvir as palavras preocupadas do rapaz e com o coração palpitando, Aneya seguiu Tai'Ren novamente para o ikran e eles voaram mais uma vez.
Ambos tremeram pelo frio já que, pela altura e neblina que começava a cercar as montanhas, precisavam voar em uma altitude maior e com o campo de visão mais livre. Tai'Ren não pôde deixar de guardar a imagem incrível de voar por cima das montanhas repletas de vegetação em sua base.
Nunca imaginou que lugares como esse existissem e muito menos que voaria acima das nuvens. Infelizmente, o momento de contemplação não durou muito, pois logo conseguiram terminar de atravessar as cadeias de montanhas, revelando uma nova floresta, muito similar a do outro lado da montanha, exceto parecia muito mais densa e colorida.
— A mata é bem fechada, o pouso não vai ser muito fácil. – Tai'Ren avisou. – Melhor se segurar.
Aneya balançou a cabeça e obedeceu, apertando um pouco mais o braço. Não demorou para sentir o impulso do ikran descendo e quase no mesmo instante, tremeu quando o corpo foi continuamente arranhado por muitas folhas e galhos.
Tai'Ren tentou não se agitar para manter seu ikran tranquilo, mas assim que adentrou a mata teve que se esforçar para não colidir com as centenas de árvores que mal davam espaço para o animal voar. Felizmente, conseguiu achar um pequeno espaço para pousarem e instruiu o ikran a ficar na região depois que voltasse para o céu, assim poderiam mantê-lo sempre por perto.
Aneya abriu os olhos na floresta barulhenta repleta de insetos e tirou uma folhas do cabelo, percebendo que Tai'Ren já havia colocado as bolsas no chão para carregarem. O ikran soltou um rosnado e voltou a voar, derrubando muitas folhas sobre eles.
— É, agora somos só nós. – Concluiu Tai'Ren, colocando o fuzil nas costas, junto com a bolsa de flechas se armando com o arco.
— Deixa que eu levo as bolsas. – Aneya de pronto colocou as duas bolsas nas costas e pegou a lança.
— Tem certeza de que não quer parar e descansar?
— Não. Na verdade, tô bem curioso pra andar na floresta. – Admitiu o mais alto, com um sorriso.
— Tudo bem, então vamos.
Eles não precisaram caminhar mais do que alguns minutos para se verem completamente encantados com o território que exploravam. O som das árvores balançando seus galhos com folhas coloridas e dos inúmeros animais rapidamente os embalou.
Aneya estava com os olhos azuis arregalados, observando cada aspecto das plantas coloridas e enormes. Era totalmente diferente de qualquer coisa que tivesse visto nos recifes.
Alguns insetos passaram voando por ele, liberando um pó colorido com suas asas grandes. Sem querer perdê-los de vista, Aneya apressou o passo.
— Ei Tai'Ren, olha!
O mais novo sorriu diante da empolgação do amigo, observando-o explorar a floresta com um sorriso e olhos brilhantes de admiração.
O Metkayina se deixou ser guiado pelos insetos voadores, vez ou outra tropeçando na raízes mais protuberantes. No caminho esbarrava em algumas plantas que se escondiam ao serem tocadas ou mudavam de cor, o que só o deixou mais empolgado para tocar as outras.
— Isso é tão lindo. – Disse Aneya, passando os dedos por uma dezena de flores amarelas, que se tornavam azuis conforme ele encostava. Seus olhos procuraram os de Tai'Ren. – Não é?
— É sim. Tem umas coisas bem diferentes da floresta Omatikaya.
— Sabe de uma coisa?
— O quê?
— Tem um tempo que não vejo você cantar. – Observou Aneya, ainda explorando as flores com suas mãos. – É a preocupação com a missão?
Tai'Ren assumiu uma expressão pensativa.
— Eu não tinha parado pra pensar sobre isso... – Admitiu. – Mas sim, provavelmente é por conta de toda essa ansiedade pra viagem.
— Mas você ainda vai cantar, não é?
— É claro.
Aquilo pareceu deixar Aneya mais tranquilo, pois ele voltou a sorrir e a se enfiar entre as plantas, indo cada vez mais fundo na floresta. Tai'Ren se manteve com o arco a postos, mas apontando para baixo. Sorriu ao ver pequenos casulos coloridos balançando nos galhos das árvores, mostrando o movimento dos insetos que nasceriam.
Empolgado com a aventura, o Metkayina estava alguns metros a frente, procurando as asinhas coloridas que despertaram sua atenção antes. Porém, quando usou o braço livre para liberar o caminho de arbustos, viu uma pequena criatura de pele preta se revirando na grama, junto com várias outras iguais.
Foi tomado por um sentimento enorme de tranquilidade com a visão meiga.
— Filhotes...- Sussurrou, sem conter o sorriso e se aproximou dos filhotinhos de seis patas que mordiscavam uns aos outros. – Que lindos.
Contudo, com a sua aproximação, automaticamente os pequenos animais pararam a diversão e correram mata adentro.
— Esperem! – Aneya os seguiu, veloz. – Tai'Ren, vem cá! Olha o que eu encontrei!
Notando que o garoto se afastava rápido, Tai'Ren não pensou antes de correr atrás dele, para que não corressem o risco de se separarem.
— Aneya, vai devagar. Vamos acabar perdidos!
— Está tudo bem! Eu encontrei filhotinhos, quero te mostrar!
— Então me espera! – Tai'Ren se atrapalhava quando o arco enganchava dos arbustos.
— Eu tô perdendo eles de vista! – Aneya correu mais rápido. – Vem logo!
O Metkayina riu, notando os pequenos bebês entrarem em uma região um pouco mais aberta e tentou se aproximar um pouco mais devagar para não assustá-los. Porém, suas atenção se voltou para uma súbita movimentação nas árvores, que não tardaram a revelar o que parecia ser a mãe dos filhotinhos.
Os olhos azuis se arregalaram pelo tamanho da criatura. Contudo, apesar dos dentes enormes e dos espinhos na cabeça balançando, Aneya achou a visão incrível. Nunca tinha visto um animal assim antes.
Tai'Ren o alcançou ofegante e por um segundo ficou alheio a criatura de olhos amarelos.
— Olha, acho que é a mãe deles. – Disse Aneya, sorrindo.
Um rosnado profundo fez os olhos cinzas se erguerem e imediatamente Tai'Ren setniu o coração falhar uma batida, porém, logo se recuperou do choque e pegou a mão do rapaz mais alto, correndo novamente para a floresta.
— O que foi!?
— Corre!!!
O Metkayina ia perguntar o porquê, mas deu um pulo quando os rosnados ficaram subitamente violentos e a enorme criatura avançou sobre eles, passando com agilidade por entre as árvores, movimentando o solo com suas garras enormes.
Tai'Ren sabia que estavam em apuros e tentou pensar em como sair daquela situação. O arco e a arma provavelmente não seriam efetivos contra uma criatura tão grande. Aneya pulou por cima de algumas árvores tombadas, tentando não ser pego de surpresa por obstáculos no chão. Seu coração disparava ao escutar os rosnados da fera que corria atrás deles, derrubando o que quer que estivesse em seu caminho.
Um sentimento súbito de culpa surgiu em seu peito por tê-los colocado em uma situação de perigo, mas quando viu Tai'Ren fazer uma expressão de dor e diminuir o ritmo da corrida, Aneya imediatamente focou no que era preciso e, percebendo que havia mais a frente um despenhadeiro que parecia dar para outra floresta em um nível muito mais baixo de solo, sabia que não teria outra escolha.
Fixou os olhos azuis na árvore mais alta que conseguiu enxergar, que parecia alcançar a mesma altura de onde estavam e segurou mais firme na mão de Tai'Ren, que continuava correndo, pulando sobre as raízes altas, porém soltando lamentos de dor pelo joelho que há muito já havia chegado ao limite.
— O que está fazendo!? – Tai'Ren gritou ao ver que era puxado em direção a um abismo.
A criatura pareceu acelerar e agora era possível ouvir suas garras derrubando as árvores atrás deles. Aneya não respondeu ao questionamento do menor, continuou se aproximando do limite da rocha até que subitamente puxou Tai'Ren pela mão e o pegou nos braços, largando a lança e as mochilas que carregava.
— Ei! Aneya, o qu...
O rapaz sequer teve tempo de terminar. O Metkayina correu ainda mais rápido e em um impulso que considerou absurdamente louco, pulou pelo desfiladeiro em direção a árvore gigante.
Eles caíram sobre um dos galhos e Tai'Ren tentou imediatamente se agarrar a qualquer coisa firme, sabendo que uma queda dali os mataria. Seu coração disparava no peito. Aneya, por estar com os braços segurando os rapaz fortemente, não tinha apoio e tentou pular para outro galho mais firme e mais distante do local de onde tinha vindo.
— Aneya, pula! – Tai'Ren gritou ao ver o animal que os perseguia esticar uma das seis patas, alcançando o lugar onde estavam. Porém, sem sucesso ao tentar atingi-los, pois o rapaz mais robusto tinha dado outro salto em direção a um dos galhos mais baixos.
O que não esperavam que ele fosse ceder assim que caíram sobre ele.
Quando o galho se partiu com um estrondo, eles gritaram conforme despencavam de uma altura que preferiam nem saber. Aneya continuou segurando Tai'Ren, tentando não deixa-lo suscetível ao impacto, enquanto o outro tentava se agarrar em qualquer coisa.
No entanto, no momento em que começaram a ceder de vez para o desespero, se chocaram contra uma enorme folha verde, e depois contra outras, sucessivamente indo cada vez mais devagar para o chão. Ainda assim, quando bateram sobre a última planta, que era corpulenta e macia, eles rolaram entrelaçados pelo chão até se chocarem contra uma árvore.
Aneya gemeu por ter tomado a maior parte dos danos e sentiu o peso de Tai'Ren sobre ele, mas não hesitou ao perguntar:
— V-você está bem?
O Sully rapidamente ergueu a cabeça, procurando os olhos azuis.
— Sim e você?
— Tô vivo. – Aneya ofegava pelo esforço da corrida. – É o que importa.
Notando que estava em cima do rapaz, Tai'Ren se afastou, deitando-se ao seu lado, mais aliviado. Seu joelho continuava latejando. Sabia que se não tivesse sido carregado, provavelmente teria morrido.
Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos, tentando normalizar a respiração enquanto olhavam para o pequeno trecho do céu aparente no meio da vegetação densa, até que Tai'Ren começou a rir.
— Eu não acredito nisso!
— No quê? – Aneya sentia o corpo moído.
— Que quase morremos nas primeiras horas da viagem. – Sua risada era muito sincera. – Você tem noção de que pulou comigo por um precipício!? Que loucura! E o seu medo de altura, onde foi parar?
O Metkayina sentiu o coração leve ao ouvir os risos do outro.
— Sinceramente, eu nem lembrei disso naquele momento.
— Olha só, que evolução! Isso foi incrível!
— Me desculpe por colocar nossas vidas em risco assim. – Aneya corou. – Nunca imaginei que existisse uma criatura como aquela. Acho que vou ter pesadelos com isso pra sempre.
Tai'Ren sorriu e puxou o totem.
— Lembra disso?
— É claro. É o símbolo do clã Anurai, certo?
— Sim! Mas advinha de onde vem esse olho?
— Não brinca...- Aneya balançou a cabeça.
— Que belo jeito de começar, né! – Tai'Ren desatou a rir outra vez. – Perseguidos por um thanator! Só pode ser um sinal de Eywa!
— Eywa poderia mandar uns sinais menos perigosos. – Aneya entrou na brincadeira, rindo junto com ele.
Voltando a guardar o totem, Tai'Ren deixou o riso morrer e continuou deitado ao lado de Aneya, recuperando-se da aventura.
— Sua perna tá doendo?
— Não é nada demais. – Respondeu, desviando o olhar do céu para as árvores. – Já sabe como funciona as coisas pra mim. Ando normal, mas fazer esforço é complicado.
— Me desculpe ter causado isso. – Aneya se virou para encará-lo, mas os olhos de Tai'Ren estavam em outro canto da floresta.
— Eu tô falando sério, se você falar "desculpa" mais uma vez, mando meu ikran te levar embora.
— É que... me sinto culpado. - Os olhos azuis baixaram para fitar a perna com cicatrizes.
— Você não tinha como saber sobre o thatanor, além disso, salvou minha vida!
Tai'Ren se sentou, arrumando o coque e depois se voltou para o rapaz deitado.
— Você consegue levantar?
Aneya se apoiou nos cotovelos e depois se sentou lentamente, sentindo o corpo dolorido.
— Consigo.
Apoiando-se um no outro, ambos ficaram de pé e observaram a árvore monumental de onde haviam caído. Parecia um milagre que estivessem vivos.
— Perdi as armas no caminho. – Constatou Tai'Ren, olhando para o local onde ainda podia ouvir os rosnados do thanator.
— Eu acabei deixando tudo lá também.
— Bom, sabe o que isso significa, né? - Os olhos cinzas ficaram travessos.
— Vamos voar? – Perguntou, desanimado, principalmente agora que sabia o pavor de cair de uma grande altura.
Tai'Ren riu abertamente e por um segundo Aneya esqueceu o medo outra vez, perdido na visão do sorriso e das presas do rapaz.
— É, nós vamos voar.
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