No, not gonna die tonight (Não, não vou morrer esta noite)
We're gonna fight for us together (Nós vamos lutar por nós juntos)
No, we're not gonna die tonight (Não, não vamos morrer esta noite)
Not gonna die – Skillet
— Você é neto do Jake Sully!? – Os pequenos olhos de Eiji quase saltaram das órbitas. – Isso... é brincadeira, não é?
Tai'Ren revirou os olhos diante da reação exagerada, sorrindo enquanto caminhavam novamente em meio a uma mata densa.
— Por que eu brincaria sobre isso?
— Talvez porque ele é possivelmente o na'vi mais importante de Pandora!? – Respondeu o rapaz, como se fosse óbvio. – Qualquer um brincaria com isso!
— Bom, estou falando a verdade.
Já estavam no terceiro dia de viagem juntos.
Nesse meio tempo, traçaram uma nova rota a partir da floresta que estavam antes, porém, ao invés de seguir pelas terras geladas, enfrentariam a mata densa em outra direção, procurando contornar toda a região onde tinham encontrado o Povo do Céu.
O caminho era desconhecido para todos eles, contudo, parecia a opção mais segura para passarem despercebidos pelas aeronaves.
— Mas o Jake Sully não é líder dos Omatikaya? – Sua expressão agora era de desconfiança. – Quer dizer que vocês vieram da floresta então.
— Nós viemos do mar. – Corrigiu Tai'Ren.
Eiji esperou alguma informação mais detalhada, mas vendo que não teria, apenas deu de ombros.
— A única coisa que me faz acreditar nisso é você ter equipamentos e armas, mas ainda não sei se acredito totalmente.
Aneya, que seguia um pouco mais a frente, balançou a cabeça, ignorando o drama. Apesar de Tai'Ren estar sendo cuidadoso ao compartilhar informações, não sabia se estava seguro e essa incerteza lhe deixou mais introspectivo, o que obviamente não passou despercebido pelos orbes cinzentos.
— Estou dizendo a verdade, não é Aneya?
— Você sempre diz. – Respondeu, simplesmente.
Percebendo a resposta pouco convidativa, Tai'Ren se aproximou do mais alto, tocando suavemente seu braço, ganhando a atenção dos olhos azuis.
— O que houve? – Sussurrou. – Você está distante de mim nos últimos dias. Fiz algo?
A preocupação nos olhos escuros imediatamente fez Aneya se sentir culpado, mas o sentimento estranho em seu coração continuou martelando, querendo ser exposto.
— Eu só...- Respondeu baixo, não querendo demonstrar fragilidade para o pequeno humano que no momento parecia mais interessado nas plantas ao seu redor. - ... Me pergunto se não estamos mostrando muitas fraquezas para... o demônio.
Imaginou que Tai'Ren fosse apenas revirar os olhos e rir, mas ao contrário disso, ele somente afagou seu braço um pouco mais.
— Ele não sabe quase nada sobre nós, além disso, ele tem muito mais a se preocupar do que nós. Não lembra da quase morte dele? – Questionou, divertido. Aneya conteve o riso ao se lembrar da noite anterior.
Eles continuaram dormindo nas árvores por um tempo, mas Eiji não conseguia mover muito o ombro baleado, o que o impedia de subir e o obrigou a dormir no solo, o que o deixou exposto aos predadores.
Ainda divertia Aneya lembrar do garoto pulando de um lado para o outro para fugir de um inseto do tamanho do braço dele.
— O que eu quero dizer... – Tai'Ren continuou, satisfeito por ver um semblante mais leve no rapaz. – É que estamos bem. Conseguimos escapar do perigo. Eiji não é o maior problema que temos agora.
Infelizmente, só havia verdade em suas palavras. A mudança repentina de rota os levou para terras de difícil localização, com vegetação alta, densa e pouco amistosa. Caçar novamente se tornou um martírio e mesmo dormir estava sendo complicado já que muitas árvores eram revestidas de substâncias estranhas que machucavam a pele. Eiji aproveitou para fazer diversas anotações sobre suas descobertas no diário de seu falecido mentor.
Agora, eles se encontravam sem ter absoluta certeza de que seguiam na direção correta e não era possível saber se o território de fato era livre de exploração, já que evitavam se arriscar voando com o ikran como faziam antes para reconhecimento do local.
— Você tem razão. – Aneya concordou depois de alguns segundos refletindo. – Me desculpe, não queria te preocupar.
— Ah, não...
— O quê?
— Nós vamos realmente começar com essa coisa de "desculpa" outra vez?
O Metkayina sorriu.
— Não vamos.
— Ótimo. – Tai'Ren retribuiu o gesto.
— Não queria atrapalhar...- Começou Eiji, chamando atenção de ambos. – Mas, será que podemos parar um pouco? Estou cansado.
— Não. – Aneya respondeu, de pronto. – Vamos.
— Já está anoitecendo, logo vamos parar. – Tai'Ren foi um pouco mais gentil.
Eiji suspirou e tirou o pesado casaco que o embalava, revelando o busto parcialmente queimado. A ferida causada pelo tiro seguia tampada pelos curativos feitos pelo Sully, mas pela expressão do garoto, era notável que estava dolorido.
— Por que você rasgou minha blusa? – Questionou, sofregamente.
— Eu estava te ajudando. – Tai'Ren deu de ombros. – Além do mais, qual é o problema de andar assim?
— Eu me sinto... estranho. Vocês não se sentem esquisitos andando só com isso? – Ele apontou para a tanga.
Tai'Ren olhou para o próprio corpo, depois para o de Aneya antes de responder:
— Não tem nada de esquisito, vocês que andam muito cobertos.
— Não podemos ficar parados. – O Metkayina interveio, concentrado nos arredores. – Temos que encontrar um lugar com mais espaço para construir uma fogueira.
Carregando o casaco e tentando se acostumar com a ideia de andar com as queimaduras expostas, Eiji os seguiu. Ainda era estranho pra ele estar na companhia de dois na'vis, principalmente por nunca ter visto nenhum com tais características. Isso só reforçou em sua mente, que, apesar de sentir estar aprendendo tudo na sala branca, na verdade, tinha uma visão extremamente limitada de Pandora.
Como se estivesse sintonizando seus pensamentos, Tai'Ren quebrou o silêncio enquanto desviavam dos arbustos.
— Eiji.
— Hm?
— Você disse que estava sendo treinado pra viver na floresta, certo?
— Sim, por quê?
— Pra onde as outras crianças vão?
— Não sei dizer. – Admitiu. – A administração não revelava nada além da nossa missão, mas deve haver muitos outros lugares para colonizar.
— Entendo.
— Preocupado com a sua casa? – Eiji arriscou perguntar, percebendo o semblante concentrado na pele escura.
— Nós podemos lutar contra o Povo do Céu. Não nos subestime. – Tai'Ren sorriu. – Mas eu fico pensando nessas crianças no meio dessas batalhas. Tem lugares bem perigosos por aí.
— Você tem razão. Mesmo com os avatares e soldados, ainda somos frágeis. Mas não tem muito como fugir da guerra. Queremos esse mundo, vocês também...
Eiji deixou a voz sumir e deu de ombros.
— Gosto de acreditar que podemos coexistir. – Disse Tai'Ren, otimista. – Um lado não precisa ser totalmente destruído.
— Eu acho improvável. – Aneya se pronunciou, balançando a cabeça negativamente.
— Vou ter que concordar com ele. – Eiji colocou os olhos sobre a pele cinzenta. – Você é muito sonhador.
— É claro que não. Olhem a história do meu avô! Ele era do Povo do Céu e hoje é um na'vi! Ele é alguém que conseguiu mostrar que podemos coexistir.
— O que aconteceu na floresta Omatikaya é um ponto fora da curva. – Eiji retrucou.
— Como assim?
— Não vai acontecer de novo. – Explicou, deixando sua linha de raciocínio se construir. – Mesmo que ele tenha conseguido fazer alguns humanos lutarem pelos na'vi, ainda são minorias! É irrelevante pro tamanho da RDA.
— Se realmente fosse, eles não teriam perdido a floresta Omatikaya. – Tai'Ren retorquiu.
— Tudo bem, eu entendo seu ponto. Mas pensa que agora não existe mais interações com os nativos. Todas as bases hoje são instruídas a atirar e depois perguntar. Antes a estratégia era outra!
— Mesmo que seja, ainda é possível.
— Como pode ter tanta certeza? – Eiji parecia descrente.
— Pela história da sua mãe. – Tai'Ren deixou os olhos vagarem até o menino, com um semblante suave. – Se tudo o que você contou é verdade, isso mostra que existem na'vis dispostos a coexistir. Mas e vocês, dariam essa chance? Sua mãe deu.
O menino ficou um tanto reflexivo com a fala do outro e acabou não respondendo. Talvez Tai'Ren não estivesse completamente errado, mas ainda achava improvável haver um lugar pacífico para viver.
— Humanos e na'vis? – Sussurrou, balançando a cabeça. – É uma loucura. E você devia ser mais realista Tai'Ren.
Apesar do tom de repreensão, Eiji viu o rapaz apenas rir, baixinho. O som fez as orelhas de Aneya se animarem.
— Gosto muito de acreditar que Eywa está trabalhando pela paz.
Eiji até pensou em retrucar, mas sabia que não havia como discutir com a fé dos na'vis. De alguma forma, esse tipo de conexão também era inexplicável para o garoto, então optou apenas por dar de ombros, deixando os olhos se perderem na floresta luminosa.
— Acho que podemos ficar aqui. – Aneya apoiou a lança perto de uma árvore. – Está ficando tarde.
Tai'Ren deixou os olhos vagarem pela minúscula clareira iluminada, assim como Eiji. As árvores esquisitas continuavam cobertas de uma substância brilhante que o impediam se ficar muito tempo em contato com elas.
— Vamos ficar no chão de novo? – Os orbes cinzas encontraram os azuis.
— Sim, não temos muitas opções.
— Melhor assim. – Eiji se sentou na grama, jogando o casaco e a mochila. – Ao menos se formos atacados, não vai ter só eu aqui no chão igual da última vez.
O Metkayina revirou os olhos e Tai'Ren colocou suas armas no chão, sentando-se perto da figura minúscula.
— Alguém ficou mesmo com medo de inseto! – Provocou.
— Ah, nem vem! Como não ter medo dessas coisas que são do meu tamanho!?
— Deixa de ser exagerado...- Tai'Ren se divertia.
— Vou pegar madeira. – Disse Aneya, sem compartilhar do mesmo bom humor e saindo da clareira antes que pudessem protestar.
Tai'Ren franziu o rosto, pensativo sobre o comportamento do maior.
— Ele está tão distante ultimamente... – Suspirou. – Parece que não gosta mesmo de você.
Eiji se deitou com a cabeça na bolsa e puxou o pesado casaco para se cobrir.
— É, isso fica claro com as atitudes dele. Difícil não perceber. Mas acho que ele também só está preocupado com você.
— Comigo?
— É. Você é do tipo que não dura muito em uma guerra.
— Eu salvei nós dois daquelas máquinas! – Retrucou Tai'Ren, cruzando os braços. – Eu lutei sozinho, como pode dizer isso?
— Mas poderia ter morrido antes. Você hesita bastante, na verdade. Não adianta lutar só quando a sua vida estiver em risco, sabe?
— E o que isso tem a ver com o Aneya?
— Ele só me parece ansioso. – Eiji bocejou. – Passa a noite inteira esculpindo, parece que não consegue relaxar.
— Esculpindo?
— Você nunca reparou?
— Não. – O Sully estreitou os olhos. – Por que ele não me disse isso?
— Vai ver ele faz só pra passar o tempo. – Respondeu, desinteressado. Mas depois pensou em uma coisa que lhe deixou curioso. - A propósito, eu queria perguntar, mas não sei se na'vis acham isso indelicado.
— O quê? – Tai'Ren foi distraído dos pensamentos.
— Vocês são um casal?
— O quê!? – Os olhos cinzas se arregalaram, mas o garoto continuou tagarelando.
— Eu sei que vocês são dois machos, mas ainda podem ter filhos, certo? Pensando bem, na'vis são estranhos. Na minha espécie não conseguimos fazer isso...
— Não! – Tai'Ren o interrompeu, com o rosto escurecido de vergonha. – Não somos! De onde tirou essa ideia?
— Ah, vocês estão viajando juntos e agem de uma forma meio... próxima.
— O-o que quer dizer com isso? – Gaguejou.
— Que são protetores um com o outro, só isso. Estou sendo indelicado? Não entendo dos costumes na'vi.
— Nós somos amigos de infância. – Murmurou, sem olhar nos orbes estreitos do menino. Em sua mente, era impossível não reviver os momentos da lagoa. - Podemos falar de outra coisa?
— Por mim, tudo bem. – Eiji não entendia o motivo do desconforto, mas achou melhor concordar. – O que houve com a sua perna? Você tem cicatrizes bem feias aí.
— Quando eu era criança, caí em uma armadilha antiga do Povo do Céu. – Respondeu, agradecendo a mudança de assunto.
— Ah, sinto muito. Parece que doeu.
— Não acho que doeu mais do que o que aconteceu com você.
— Na verdade...- Eiji tirou o braço amputado de baixo do casaco. – Eu nem senti na hora, mas depois... foi horrível.
— Eu quase perdi minha perna, mas meus pais encontraram uma planta que me salvou.
— Então, você deu mais sorte do que eu.
— É bem impressionante que esteja se virando tão ferido.
— No começo foi estranho, mas a mão nem faz tanta falta agora. – Eiji comentou, despreocupado. – Talvez eu construa uma prótese um dia, quem sabe.
— Saberia fazer isso? – Tai'Ren ficou impressionado.
— Não da forma mais correta, mas não deve ter segredo.
— O Povo do Céu é realmente estranho. Por que não age como uma criança?
— Já disse: Eu fui criado com um propósito. Não tinha espaço pra brincadeiras.
— É uma pena. Você gostaria de aproveitar a infância.
— Duvido muito. – Eiji torceu o nariz. O que só fez Tai'Ren rir.
Quando Aneya voltou e fizeram a fogueira para se esquentarem um pouco antes de dormir, Tai'Ren inspirou profundamente e se sentou ao seu lado depois que Eiji dormiu.
— Ei.
— Você está bem?
— Eu estou e você? Menos preocupado?
— Um pouco. – Os olhos azuis estavam na fogueira e, depois da resposta simples, caíram no silêncio.
— Eu fico de vigia hoje. – Tai'Ren quebrou o silêncio, subitamente sem graça depois de lembrar das palavras de Eiji sobre serem um "casal". - Descansa. Você está se esforçando bastante ultimamente.
— Ah não, eu fico. – Aneya teimou. – Não estou conseguindo dormir muito de qualquer forma. Sei que você é bem mais sonolento do que eu.
— Não teima, deixa eu ficar hoje! – Lamentou o menor, assumindo sua costumeira expressão emburrada. – Você precisa descansar. Amanhã eu quero que vá caçar.
— Eu?
— Sim, você é um ótimo caçador agora.
Aneya corou.
— Obrigado. Seu pai já entrou em contato?
— Ainda não. – Respondeu Tai'Ren. – Ele deve aparecer logo. Agora dorme, vai. Ou você sabe que eu vou ficar falando no seu ouvido a noite inteira!
O Metkayina sorriu, divertido.
— Você não muda nunca. – Comentou se deitando perto do mais novo. – Vai apagar a fogueira?
— Sim, não se preocupe.
Aneya se deitou e observou o céu por longos momentos, sentindo o silêncio lhe sufocar um pouco.
— Tai'Ren.
Os olhos cinzas imediatamente buscaram os seus, ansiosos. O Metkayina se perdeu um pouco em seu olhar antes de falar.
— Você não sente medo? – Sussurrou, inseguro por demonstrar a fragilidade que tentava manter longe.
Intrigado com a pergunta, Tai'Ren se deitou ao seu lado, de frente para ele.
— Com medo do quê? – Sua resposta também foi baixinha.
— Medo de... não voltar pra casa, de morrer em uma guerra que sequer vemos sentido ou... de não conseguirmos descobrir nada sobre os seus pais.
Um tanto surpreso pelas palavras que escutou. Tai'Ren observou com cuidado os padrões luminosos do rosto claro. Nunca viu Aneya com olhos tão sensíveis antes e se perguntou há quanto tempo o rapaz escondia aqueles receios.
Fechou as mãos ao perceber que queria tocar o rosto inseguro.
— Eu tenho medo sim. – Admitiu, com um sorriso compreensivo. – Mas ter você aqui faz eu esquecer um pouco tudo isso.
— Eu... – Aneya desviou o olhar. – Tenho medo de não conseguir proteger você também.
— Sei como é sentir isso. – Tai'Ren ficou um pouco sem graça de repente. – Mas sabe, acho que estamos fazendo um bom trabalho. E sobre os meus pais, talvez a gente nunca encontre mesmo as respostas.
Os olhos azuis voltaram a gravitar até os seus.
— E isso não te assusta?
— Eywa permitiu que eu guardasse até hoje a visão da minha primeira comunhão. Só por isso, eu já sou grato. – Disse, sincero. – Independente se vamos ou não descobrir algo sobre meus pais, eu não me arrependo de estar aqui descobrindo como o nosso mundo é bonito.
Aneya sentiu o coração relaxar um pouco com as palavras. Realmente, a viagem estava indo muito além do que descobrir sobre a família de Tai'Ren. Estavam conhecendo o próprio mundo.
— Você tem razão. - Respondeu, baixinho. Não pôde conter um bocejo. – Me sinto tão cansado...
Tai'Ren deixou uma risada tranquila escapar, preenchendo o espaço entre os dois, e dessa vez, falhou em conter o impulso de colocar umas das mãos sobre o rosto do Metkayina, que sentiu o coração pular um pouco, mas depois relaxou sob a mão quente.
— Eu sei que está cansado. Fecha os olhos.
E assim Aneya o fez. De olhos fechados e com a leve pressão da mão alheia em seu rosto, dormiu rapidamente.
Tai'Ren, por sua vez, ao perceber o que estava fazendo, tirou a mão com cuidado e se levantou mais rápido do que gostaria, pegando o arco para ficar de vigia. Apesar disso, era difícil se concentrar.
Olhou para a mão que antes estava no rosto do rapaz e era quase como se ainda pudesse sentir o toque gentil. Sem saber interpretar o que estava sentido, apenas suspirou, de vez em quando pousando o olhar sobre o Metkayina, que dormia profundamente.
De fato, possuíam um forte senso de proteção um com o outro. Mas isso não seria de agora, certo? Desde a infância, cuidavam um do outro.
— Não significa nada...- Sussurrou para si mesmo.
"Tai'Ren?" Deu um leve solavanco ao ser tirado dos pensamentos com a voz de seu pai na orelha.
"Oi pai. Você está ligando tarde agora."
"Jura? Aqui está relativamente cedo. Talvez vocês estejam distantes demais."
"Deve ser isso." Concordou Tai'Ren. "Quer fazer suas várias perguntas?"
"Não, eu sei que está se cuidando direitinho. Só queria ter certeza de que estava bem."
"Nós estamos bem pai. Só viemos para uma floresta muito esquisita, mas eu sinto que estamos perto do Santuário dos Ossos."
"Viu só? Está tudo indo bem. Estou orgulhoso de você, bebê."
"Pai...bebê, não." Tai'Ren sussurrou para não acordar os outros dois.
"Eu vou te chamar assim pra sempre. Você é meu filhote."
"Quando eu tiver meus próprios filhotes, ainda vai me chamar assim?" Perguntou Tai'Ren, se divertindo.
"Como assim 'meus próprios filhotes'? Está acontecendo algo aí que eu preciso saber?"
Tai'Ren franziu o cenho, confuso.
"Do que está falando pai? Foi só uma brincadeira."
"Ah, menos mal."
"Por que perguntou isso?"
"Nada demais." Respondeu rapidamente. "Aliás, amanhã vai ser a última vez que eu entro em contato, vou voltar para os recifes."
"Mas já?" As orelhas de Tai'Ren baixaram.
"Sim, bebê. Seu pai tem muitas obrigações na vila e sei que as crianças não se importam com isso."
"Tudo bem... vou sentir saudade, pai."
"Eu também, filho. Continue se cuidando. E diz pro Aneya não esquecer o que conversamos da última vez, tudo bem?"
"Você não vai mesmo me contar o que disse pra ele?"
"É claro que não. E nada de ficar pressionando o garoto."
"Tá bom..." Tai'Ren respondeu, a contragosto.
"Se cuida, filho. Eu vejo você."
"Eu vejo você, pai. Até amanhã."
Quando restou apenas o silêncio no comunicador, Tai'Ren voltou para os pensamentos inquietos de antes. Porém, sem chegar a conclusão alguma, optou por apenas se atentar aos sons dos arredores, garantindo que estavam seguros.
Deixando a noite avançar, apagou a fogueira e deixou o calor ser substituído pelo frio e a umidade da floresta, fazendo-o sentir saudade do clima ameno dos recifes.
***
— Seu pai entrou em contato ontem? – Perguntou Aneya.
Tai'Ren caminhou um pouco mais rápido para alcançá-lo, o que fez Eiji quase correr para não os perder de vista.
— Ah, sim. Depois que você dormiu.
— Que bom. – Ele pareceu aliviado. – Achei que estivéssemos sem sinal.
— Relaxa. Está tudo certo.
— Você não contou sobre o demônio, imagino... – Supôs o Metkayina.
— Não. – Tai'Ren deu de ombros. – Por enquanto está tudo bem, não quero preocupá-lo demais. Além do mais, olha pra ele... não é um risco.
Eiji revirou os olhos, caminhando como podia pelas raízes enormes, enquanto carregava suas coisas, mas tropeçava diversas vezes.
— Obrigado. – Respondeu, cínico. - É impressionante como vocês me respeitam.
Aneya pareceu um pouco mais convencido pela visão do garoto desengonçado e ferido.
— Você tem razão.
— É claro que eu tenho. Vamos, estou com fome!
Com a empolgação do rapaz, Aneya e Eiji o seguiram pela mata, também famintos. Estavam caminhando há algumas horas e só pararam quando encontraram um lugar um pouco mais aberto onde pudessem comer tranquilamente.
— Ótimo! – Tai'Ren deixou as armas no chão. – Eu vou pegar madeira e você vai caçar.
— Certo. – Aneya pegou o arco e deixou a lança em uma árvore próxima.
— Posso ir caçar também? – Eiji perguntou, puxando o caderno da bolsa.
— Não. – Aneya respondeu rápido, mas Tai'Ren perguntou:
— Por que quer ir?
— Estou escrevendo sobre as plantas, igual o velhote. Não vou atrapalhar!
— Não vejo problema, desde que fique quieto.
Aneya grunhiu, desanimado com a ideia, mas quando o menino começou a segui-lo, não disse mais nada. Tai'Ren riu um pouco ao ver a estranha diferença de estatura de ambos e se virou na direção contrária, indo para a floresta, mas se mantendo perto da área onde estavam alocados.
Se abaixou aos pés de uma árvore e pegou alguns gravetos com calma, colocando-os apoiados em um dos braços. Contudo, um pouco antes de se levantar, seus olhos se atentaram em um detalhe que por muito pouco passaria despercebido.
Uma leve profundidade na terra úmida, que aprendeu a reconhecer facilmente nos treinos com Neteyam.
— ...na'vi?
Um estalo no alto da árvore o fez olhar para cima a tempo de ver uma figura pulando em sua direção com um grunhido enquanto erguia uma espécie de martelo de pedra. Seu reflexo imediatamente fez a cabeça sair da trajetória do golpe, mas ainda acabou sendo atingido no ombro esquerdo.
A pedra pesada fez seu ombro ceder, derrubando os gravetos e arrancando um som dolorido de seus lábios. No entanto, isso não era o suficiente para o misterioso na'vi e depois de acertar Tai'Ren no ombro, ele ergueu os braços para dar outro golpe, mas o menor desviou outra vez.
— Irmão! – Tentou erguer os braços, ignorando o ombro aparentemente fora do lugar. – Eu...!
Outros grunhidos ao redor fizeram Tai'Ren se desestabilizar e, de repente, ele se viu cercado de um grupo de na'vis adultos e com olhos amarelos odiosos. Apesar da pele similar a dos Omatikaya, ela quase não era visível por conta da tinta que os cobria e os camuflava em meio as árvores.
O homem que o atacou estava em posição de ataque, mostrando as presas, ainda com o martelo firme na mão. Seu nariz era perfurado no septo por uma pequena haste com contas nas pontas. Aparentemente, ele era o líder do grupo.
— Irmãos... - Tai'Ren tentou outra vez.
Mas isso só os atiçou mais e o homem partiu outra vez para cima dele. Mesmo com o ombro travando seu braço, Tai'Ren agiu rápido e puxou o punhal do peito, desviando como podia dos ataques.
— Por favor! Eu não quero lutar!
Estava conseguindo desviar com excelência dos golpes do martelo, mas quando percebeu a aproximação de outros na'vis pelas suas costas, concluiu que estava em apuros. Mesmo sendo muito veloz, quando outro golpe veio por trás, ele teve que se defender com o braço ruim.
Os olhos cinzas varreram a floresta rapidamente. Eram no mínimo sete na'vis contra ele. Apesar da agressividade deles, ainda não queria machucá-los.
— Irmãos!
Não conseguiu evitar um golpe na perna ruim, o que automaticamente o fez ir ao chão, com um grito sôfrego. Ergueu a cabeça quando sua trança foi puxada com força. A dor o fez soltar o punhal.
Sendo rapidamente imobilizado e choramingando pela dor na perna, Tai'Ren gemeu quando o na'vi alto que lhe atacou primeiro se colocou na sua frente.
— P-por favor... – Implorou, preocupado com sua perna que não doía daquela forma há anos. – Eu não quero machucar vocês.
Mas ao contrário do que imaginava, a piedade não veio.
— Ele mente! – Gritou o homem, selvagem. Sua voz rouca fez os outros que seguravam o rapaz gritarem uma série de uivos estranhos.
— Não! - Tai'Ren interveio, urgente. - Eu sou um filho de Eywa como vocês!
O homem pegou o punhal que tinha derrubado, analisando com curiosidade o material, depois arrancou o totem de seu peito, junto com o peixe esculpido por Aneya. Sem interesse pelos objetos, os derrubou na terra. Mas depois mudou de ideia e pegou o punhal, colocando-o na bochecha do rapaz imobilizado.
— Filho de Eywa!? – Ele se aproximou, descrente, e então passou o punhal para abrir um corte no rosto escuro. – Você é um traidor! E agora está marcado como um!
— Por que diz isso!? – Tai'Ren gemeu, sentindo os olhos molhados pela dor do sangue banhando sua bochecha esquerda e respingando no peito desnudo.
Porém, quando o na'vi levou as mãos ao seu pescoço e puxou o colar do comunicador, ele entendeu. Seus olhos se arregalaram.
— Ele diz que é um "irmão"! – Começou o homem para os guerreiros que o seguravam. – Mas vejam... ele fala com o Povo do Céu! Está os chamando pra cá!
Os outros na'vis imediatamente ficaram inquietos e puxaram sua trança com mais força. Um deles pressionou o joelho na perna ferida, arrancando outro grito do mais jovem.
— Não! – Tai'Ren insistiu. – Eu posso explicar! Por favor, me devolve!
— Você não vai trazer o mau pra nossas terras! – O homem gritou, puxando a outra peça de sua orelha, pressionando-o o objeto até tudo se quebrasse.
— Não!!!
Os olhos cinzas se desesperaram ao ver o comunicador destruído sendo jogado da terra úmida. As lágrimas escorreram pelo rosto parcialmente ensanguentado.
— Matem-no e vamos embora. – Ordenou o na'vi.
Um dos guerreiros saiu de cima de Tai'Ren e ajeitou o martelo nos dedos, se preparando para golpeá-lo na cabeça.
Tomado pelo instinto de sobrevivência, o Sully se remexeu, usando toda sua força para escapar dos braços firmes, mas a desvantagem numérica era enorme. Mesmo assim, ele se recusou a olhar para o autor do golpe e continuou se debatendo.
O guerreiro levou os braços para acima, sob os olhos do líder e cravou os olhos em quem precisava abater. Contudo, quando o impulsionou os braços para o golpe, uma enorme flecha o atingiu no peito, derrubando-o já sem vida.
Tai'Ren sentiu o peso sobre ele diminuir, conforme os guerreiros se erguiam para procurar o intruso e quando virou a cabeça para observar o corpo daquele que teria causado sua morte, viu a lança cortar o ar até empalar um outro na'vi em uma árvore próxima.
Aneya adentrou o local com muita velocidade e rosnou ao arrancar a lança da árvore, sendo imediatamente cercado pelos restantes. Mas isso não o abalou. Ele estava furioso e também mostrava as presas enquanto o corpo se ajustava na posição de combate dos Metkayina.
Os na'vis hostis logo pularam sobre ele, mas tiveram seus golpes duramente reprimidos e estavam com dificuldades para se aproximar por conta da lança que era perfeitamente manipulada para os atingir.
— Tai'Ren! – Eiji correu até ele, tentando segurar o fuzil da melhor maneira possível, já que seu braço seguia dolorido. – Você está bem?
— Eiji...- Sussurrou.
— Povo do Céu!!! – Gritou um dos na'vis, urgente ao notar a presença do garoto.
Aneya se aproveitou da distração para acertar mais dois guerreiros com a lança.
— Vai embora! – Tai'Ren tentou empurrar o menino, mas sabia que não daria tempo de impedir um dos na'vis de chegar até eles.
Percebendo que estava em apuros, Eiji ergueu o fuzil, colocando os dedos no gatilho e usando o braço amputado pra tentar estabilizar e dividir o peso da arma. A aproximação do na'vi foi tão rápida que ele sequer conseguiu se preparar para o tranco, e quando a arma disparou, atingindo o nativo que corria na direção deles, Eiji foi jogado para trás, gritando ao ter sua ferida atingida com força.
Tai'Ren tentou se apoiar na perna boa para se levantar e ajudar o menino, mas não conseguiu ficar de pé, então se arrastou da forma como conseguiu.
— Você está bem, Eiji!?
O menino gemia, com uma expressão dolorida. A ferida em seu ombro tinha voltado a sangrar.
— Tô vivo...
Tai'Ren teria rido das palavras do rapaz se não tivesse escutado um grito lamurioso de Aneya.
Quando se virou, viu o líder dos na'vis hostis rosnando enquanto apertava o punhal no lado direito do peito do Metkayina.
Tomado por uma fúria completamente nova, que cresceu em seu corpo ao ponto de expulsar as dores, Tai'Ren se levantou, pegando sua própria faca no chão e pulando sobre o último homem que tinha restado.
Gritou quando conseguiu empurrá-lo para a terra e, antes que as mãos alheias lhe acertassem, cravou o punhal repetidas vezes no busto pintado do na'vi.
Eiji arregalou os olhos ao ver Aneya cair na grama com a arma no peito. Ele tinha outros ferimentos de batalha, mas nenhum tão grave quanto esse. Sabia que precisavam agir rápido, por isso, correu até Tai'Ren, que continuava golpeando o na'vi, fora de si.
— Tai'Ren! – Gritou, tentando segurar o braço ensanguentado. – Para!
— Me solta!
— Não! Nós temos que ajudar o Aneya! Você quer que ele morra!?
Tai'Ren grunhia para o homem que tinha lhe causado tanta dor e sua vontade era de continuar o apunhalando, mas Eiji tocou seu ombro.
— Ele já morreu! Não precisa mais fazer isso!
Os olhos pequenos pareciam desesperados, o que fez Tai'Ren ir aos poucos voltando para a realidade. Fitou suas próprias mãos, banhadas com o sangue de outro na'vi e arregalou os olhos, pulando para trás. Não conseguia acreditar que tinha feito aquilo.
— Tai'Ren! Não temos tempo! – Eiji gritou, já perto de Aneya, que estava deitado e muito ofegante.
A visão da faca no peito do Metkayina rapidamente o arrancou do desespero. Se aproximou, ignorando a perna gritando de dor.
— Aneya!
— I-isso...- Ele gemeu, tentando controlar a respiração. – É ruim, não é?
Tai'Ren tocou o rosto dele, como na noite passada. Quase podia escutar seu próprio coração palpitando, em sofrimento. Apesar do medo crescente por ver a gravidade daquilo, tentou passar alguma tranquilidade para os olhos azuis.
— Não se preocupe... Eu vou te curar, vai ficar tudo bem!
— Temos que tirar isso dele! – Eiji apontou para a faca.
— Pega as bolsas! – Tai'Ren ordenou para o garoto, que rapidamente obedeceu, correndo de volta.
Aneya tentou tocar no cabo da arma, mas grunhiu, muito dolorido.
— Não mexe! – Tai'Ren afastou sua mão.
Observou o sangue abundante escorrendo da ferida e mordeu os lábios para conter as lágrimas.
— Seu rosto... está machucado.
— Não foi nada. – Sussurrou, com a voz trêmula. – Você me salvou...
— E-eu...- Aneya estava com a visão levemente turva. – Vou morrer?
— É claro que não. Para de falar bobagens! Eu ainda preciso de você.
Eiji voltou tentando equilibrar tudo e Tai'Ren não perdeu tempo. Puxou tudo o que tinha trazido para emergências.
— Eiji! Eu preciso que procure algum lugar com água. Ainda tenho alguma coisa aqui, mas se eu não conseguir conter o sangue, vou precisar de mais. Pega meu punhal e marca as árvores pra não se perder. Seja discreto! Estamos em território inimigo.
— Certo! – O menino correu até o corpo inerte do enorme na'vi e puxou o punhal de Tai'Ren, ignorando a própria ferida no ombro. – Já volto!
Ele sumiu na floresta outra vez.
O Sully pegou o pequeno compartimento onde tinham armazenado um pouco de água e o colocou por perto. Tocou suavemente o cabo da arma, sentindo o peito de Aneya descer e subir, tentando controlar a dor.
— Vou precisar tirar isso de você, Aneya. Vai doer, mas preciso que fique acordado. Pode fazer isso?
Os olhos azuis pareciam preocupados e isso estava lhe destruindo por dentro ao ponto de ignorar o ombro deslocado e a perna que precisava de atenção.
— Posso...
Tai'Ren fez uma contagem interna rapidamente e puxou o punhal com um movimento só, arrancando o grito do outro. No mesmo instante, deixou a água banhar o buraco na pele clara, se misturando com o sangue que jorrava, agora muito mais intensamente.
— E-ele... – Aneya estava agonizando. – Puxou minha própria...faca. Eu fui descuidado.
Era um ferimento profundo e muito agressivo. O punhal Metkayina não possuía uma lâmina uniforme. Na verdade, era forjado a partir da pedra de obsidiana, deixando pontas irregulares para aumentar o dano.
— Já disse pra parar de falar besteiras. – Tai'Ren estava afoito mexendo nas coisas que tinha trazido. Não sabia se apenas aquelas plantas seriam o suficiente para parar um sangramento tão intenso, então aproveitou para implorar internamente ajuda de Eywa outra vez.
— Tai'Ren...eu... – Algumas lágrimas banharam o rosto claro e ainda ofegante. – Estou com medo... de novo. Eu quero ir com você.
O menor pressionou uma das mãos com firmeza sobre o ferimento, tentando conter o sangue. Ele estava quebrado por dentro, mas queria continuar tranquilizando Aneya até onde fosse possível.
— Não precisa ter medo... estou aqui com você. E nós vamos continuar nisso juntos.
Enquanto usava uma das mãos para pressionar o local da perfuração, Tai'Ren deixava a outra livre para pegar o que precisava para fechar a ferida. Quando finalmente conseguiu trabalhar para passar os remédios na ferida e fechá-la, percebeu que Aneya já estava muito fraco e respirava com uma intensidade muito menor.
— E-eu me sinto cansado... – Ele sussurrou, sentindo os olhos pesados.
— Aguenta firme. – O menor respondeu, tentando ser o mais rápido possível na tarefa, mas estava muito preocupado com a quantidade de sangue que dificultava o trabalho de fechar o corte.
— Tai'Ren...eu...
— Fica quieto! – Os dedos finos trabalhavam rápido tentando superar a hemorragia.
Sem água para ajudar, a visão do que estava fazendo estava muito prejudicada.
— Eu...vejo você.
As palavras sussurradas fizeram seus dedos pararem e os olhos se erguerem para o rosto claro, mas Aneya estava adormecido, o que rapidamente, o colocou em alerta. Deixou o rosto encostar no peito e agradeceu a Eywa por ainda sentir o coração aguentando.
Quando terminou o trabalho e percebeu que o sangramento permanecia, mesmo que em menor quantidade, puxou o tecido que usavam para o frio e o rasgou para improvisar bandagens, já que havia usado quase tudo em Eiji.
Sem ter mais o que fazer além de esperar, Tai'Ren se arrastou até o comunicador, certificando-se de que o pequeno aparelho não passava de destroços.
Deixou os olhos correrem por suas mãos manchadas com o sangue de Aneya e não conseguiu impedir os soluços de saírem.
De repente, ele só queria ir pra casa.
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