I'll stop the whole world (Vou impedir o mundo todo)
I'll stop the whole world from turning into a monster (Vou impedir o mundo todo de se transformar em um monstro)
Eating us alive (Nos devorando vivos)
Don't you ever wonder how we survive? (Alguma vez você já se perguntou como sobrevivemos?)
Monster - Paramore
— Sim, é pra lá que nós vamos. – Disse Tai'Ren. – O que sabe sobre o Santuários dos Ossos?
Os olhos estreitos do menino chamaram atenção dos rapazes. Nunca viram alguém do Povo do Céu com aqueles traços.
— Olha, eu quero muito explicar, mas não acha que deveríamos estar correndo daqui? – O menino já estava com o casaco e colocou a bolsa pendurada apenas no ombro bom. – Vocês passaram a noite com uma fogueira acesa? Sem querer colocar pânico, mas toda essa região está mapeada, não é uma neblina que esconderia tantos sinais de calor!
— Tai'Ren. – Aneya tocou seu ombro, ele parecia preocupado. – Não quero concordar com o demônio, mas precisamos ir.
Contendo a curiosidade, Tai'Ren concordou e os três se esgueiraram pela floresta fria, com poucos lugares para se esconder por conta das árvores espaçadas. Aneya tremeu, cobrindo parte do rosto com o pano que ainda enrolava seu busto e o menino tentava se manter firme na corrida, apesar dos ferimentos.
Eles foram na direção contrária da antiga vila na'vi, fazendo um retorno no trajeto do qual tinham vindo. No entanto, pararam imediatamente ao ouvir um som distante e que logo fez o garoto pular.
— Aeronaves! Temos que nos esconder! Agora! – Gritou, pulando em um arbusto não muito longe.
— Tai'Ren! – Aneya chamou, urgente. – Vamos subir em alguma árvore, podemos nos esconder!
Trocaram um rápido aceno e escolheram uma árvore mais farta para se camuflarem. Tentaram subir o mais rápido possível, enquanto o som das máquinas do Povo do Céu ficava cada vez mais próximo.
O Metkayina acabou se atrapalhando com alguns apoios e Tai'Ren o segurou pelo braço, depois puxando-o para mais perto, colocando um dos braços em torno dos ombros largos cobertos pelo pano.
— Está tudo bem, estou te segurando. – Sussurrou.
Aneya demorou um segundo para lidar com a proximidade e teve que balançar a cabeça para não desfocar da situação urgente para lembrar dos dedos em seus quadris na caverna. Tai'Ren sentiu as orelhas se animarem com as naves passando sobre eles e quando as folhas balançaram, com o som ficando ensurdecedor, apertou com mais força o braço em torno dos ombros de Aneya, em uma espécie de abraço desajeitado.
O Metkayina se encolheu com a rotação barulhenta das hélices e deixou os olhos encontrarem os de Tai'Ren, que apenas lhe deu um sorriso tranquilizador. Se equilibrando com os pés, ele soltou a mão que estava no galho para se comunicar com os dedos:
"Não se preocupe. Nada vai acontecer."
Aneya assentiu e devolveu o sorriso, agradecido pelas palavras. Até pensou em soltar as mãos para responder, mas ficou com medo de estragar tudo se desequilibrando.
Felizmente, as naves avançaram na floresta, sem notar a presença dos três. Mesmo assim, eles esperaram o som desaparecer para se reencontrarem no solo.
O garoto parecia aliviado.
— Vocês pensam rápido. Bem que me ensinaram que na'vis são habilidosos.
Aneya bufou e Tai'Ren franziu o cenho:
— Quem te ensinou? O que aprendeu sobre nós?
— Podemos ir pra um lugar seguro antes de eu contar tudo? – Retrucou, dando de ombros. – Aliás, que tipo de na'vis são vocês? Não sabia que alguns estavam adaptados para viver na água...
Ele olhou para Tai'Ren de forma bem analítica.
— E você, de onde vem? Não parece com um nativo da floresta. Nunca vi na'vis com as características de vocês.
— Por que não fica quieto!? – Grunhiu Aneya.
— Vocês dois. – Tai'Ren, que caminhava na frente, ergueu uma das mãos. – Parem agora. Temos que ficar concentrados. Não há tempo pra isso.
Com a voz séria e entendendo que haviam acabado de passar por uma situação complicada, ambos se calaram e seguiram o jovem Sully, acatando o conselho de se manterem atentos, mas Tai'Ren não era o melhor exemplo de silêncio:
— Eu estou com fome...- Resmungou.
— Nem me fale. – O menino respondeu, desanimado. – Ao menos, vocês conseguem se alimentar de quase tudo por aqui. Mas eu preciso pescar ou caçar. As frutas na maioria são tóxicas.
— E como você caça sem um arco? – Tai'Ren questionou, curioso.
— Atirando, mas não é muito agradável, fica resto de projétil. E eu estou sem balas, então...- Ele puxou a pequena arma da cinta com muita dificuldade, por ser só conseguir fazer isso com o braço baleado. – Minha pistola já era e a comida também.
— Constrói uma lança.
— Que tal você tentar fazer isso sem uma mão e com o outro braço ferido? – Retrucou, cínico. – Meio difícil, não é?
Aneya apenas revirou os olhos, sem vontade de entrar no diálogo. Tai'Ren riu.
— Você é uma criança bem nervosa.
— Tenho 13 anos, sou adolescente.
— Então eu estava certo...- Comentou para si mesmo. – Você tem quase a mesma idade da Nan...
Pensar na irmã fez seu peito doer. Como será que ela estaria? Talvez brigando muito...
— Quem é Nan? – Perguntou o garoto, confuso.
— Minha irmã.
Percebendo que Tai'Ren estava distante e aparentemente triste, Aneya se aproximou e tocou em seu braço, passando os dedos em um carinho suave. O toque fez os olhos cinzas voltarem a realidade e olhou para o mais alto, agradecido e envergonhado.
Os olhos escuros e estreitos do garoto apenas analisaram a cena e depois ele deu de ombros. De vez em quando parava por conta da dor no braço baleado, mas logo recobrava o passo.
Conforme voltavam, se afastando cada vez mais da direção aonde precisavam ir, o dia se encaminhava para o final, deixando-os cada vez mais exaustos e famintos depois da longa caminhada. Felizmente, estavam em um determinado ponto da floresta mais ameno e não tardou para escutarem os sons característicos de animais ao redor.
Tai'Ren sacou o arco e avançou com cautela, sinalizando para que Aneya ficasse com o garoto, o que o Metkayina aceitou com muito pesar. Apesar do cansaço, ele estava determinado a não falhar. Portanto, na primeira oportunidade que teve de acertar a presa, deixou a flecha na direção certeira, garantindo ao menos mais uma refeição para eles.
Mais tarde, depois de Tai'Ren subir em uma árvore alta para checar que não havia aeronaves por perto, Aneya acendeu a fogueira e preparou o jantar. O menino estava encolhido sentado na grama e, com certo esforço, puxou a bolsa para pegar uma das pílulas, engolindo-a sem auxílio de água.
Aproveitou que tirou a máscara para tomar o remédio e limpou o sangue seco que havia restado. Acabou tocando com muita força nas bandagens na cabeça, o que o fez soltar um gemido.
— O que é isso que comeu? – Tai'Ren perguntou gesticulando para pílula.
Colocando de volta a máscara a tempo de soltar o fôlego que prendia, o garoto respondeu:
— Remédios pra dor. Eu tenho por causa das...- Ele gemeu por outra vez ter tocado na ferida da cabeça. - ... você sabe. Das queimaduras. Tomei por muito tempo.
Aneya estava focado na carne no fogo, mas suas orelhas estavam atentas ao diálogo.
— Como ficou ferido assim? – Tai'Ren perguntou, lembrando-se de quando viu a pele queimada.
Para sua surpresa, o menino ajeitou a bolsa na grama e a usou de travesseiro, deitando-se e se mantendo encolhido no casaco grande. Fez uma nota mental de colocar o gorro depois que o limpasse.
— Longa história, mas já que querem tanto saber... – Seus olhos pretos se perderam no céu colorido de Pandora. – Eu me chamo Eiji. Na verdade, eu não nasci com esse nome. Nos meus crachás eu sempre fui identificado como "cidadão 211". Um número bem sem graça, modéstia parte.
— Que nome estranho. – Tai'Ren deixou escapar, com o rosto enrugado.
— Qual deles? – Eiji ergueu uma das sobrancelhas.
— Os dois.
— Ei! Vocês também têm nomes esquisitos e eu não disse nada.
— Nós não temos nomes estranhos, demônio! – Retrucou Aneya, na defensiva.
— Tudo bem, você ganhou. – O garoto se encolheu, depois olhou pra Tai'Ren. – Por que ele sempre me olha como se fosse me matar?
— Porque é isso que eu vou fazer se tentar alguma coisa. – O Metkayina interrompeu, voltando a se colocar no diálogo. – Você deveria voltar para o próprio mundo!
— Eu sinto muito, já estou nele. – Respondeu, simplesmente. Porém, notando o olhar assassino de Aneya, ele voltou a se encolher. – Tudo bem, vou explicar. Sei que parece estranho pra vocês, mas eu nasci em Pandora. Na verdade, vocês não têm noção de quantas crianças nasceram aqui. Eu só fui uma delas, por isso me nomearam de 211. Até que ponto sabem dos planos da humanidade?
— Não muito. – Revelou Tai'Ren. – Tudo o que sei é que o Povo do Céu quer transformar nosso mundo no deles.
— Isso é verdade. Existem duas etapas pra isso: A primeira foi mapear os recursos deste planeta e fazer uma ofensiva contra os nativos, liberando as terras. Faz anos desde as batalhas desta fase. Tudo começou antes de vocês e eu nascer. Mas agora que as maiores bases estão construídas, é preciso povoar. É aqui que eu entro...ou melhor, entrava.
Tai'Ren escutou as palavras em silêncio. Apesar do tom despreocupado de Eiji, Tai'Ren sabia da importância que as primeiras lutas contra o Povo do Céu tiveram. Graças ao seu avô e aos clãs que se uniram para lutar ao seu lado, a floresta Omatikaya permanecia livre até o momento. Era impossível não crescer sabendo dos atos de bravura dos na'vis e da resistência humana em Pandora.
Eiji continuou:
— É bem estranho dizer isso, mas eu e muitas outras crianças fomos planejadas, criadas e treinadas para que a colonização fosse um sucesso. Por isso, nós nunca pisamos nesse mundo que vocês tanto falam pra eu voltar. – Ele suspirou. – Na verdade, nós nunca pertencemos a lugar nenhum. Passei minha vida inteira dentro de uma base e só tinha autorização para sair do quarto quando fosse para ir para a sala branca.
— Sala branca?
— É a escola, onde aprendemos sobre a missão e nosso papel nela. Eu aprendi tudo sobre Pandora, desde a composição do ar até as características da vida vegetal e animal daqui, inclusive, sobre vocês na'vis.
— O que ensinam sobre nós? – Disse Tai'Ren, apreensivo.
Aneya preferia olhar para a carne, sem saber se acreditava em qualquer palavra daquela.
— Que vocês são selvagens e bem perigosos. – Admitiu Eiji, distraído com um inseto que voou perto dele. – Não evoluíram tanto ao ponto de construir armas complexas, mas foram compensados com uma estrutura física que os torna resistentes e bem complicados de matar.
— Só isso...?
Os olhos pequenos de Eiji procuraram os cinzas.
— Sim. É o que precisávamos saber. É, eu sei. É simples demais, mas é assim que funciona. Me encheram de informações porque precisavam criar uma colônia inteligente. Só que nunca nos deixaram sair pra conhecer esse mundo que sempre diziam ser "nosso".
— E então, você quis fugir? – Supôs Tai'Ren.
O menino voltou a olhar para o céu, de repente com um semblante carregado.
— É claro que não. Quando você escuta qual seu propósito desde que nasceu, não existe outra coisa pra acreditar. Tudo o que eu e meus amigos sabíamos é que tínhamos que manter a base funcionando e que vocês, nativos, eram o que nos impedia de ter um lar. Então, não tinha como crescer sem odiar na'vis. Na sala branca nós aprendíamos tudo o que precisávamos até que nosso avatar estivesse maduro para tentarmos a conexão.
— Você tem um avatar?
— Tenho em algum lugar por aí. – Eiji deu de ombros, sem se importar com aquilo. – Os avatares das crianças das colônias são mantidos em outra base. Não sei onde, mas quando completamos uma certa idade, temos o direito de assumi-lo.
— Se cresceu odiando os na'vi, por que me salvou? – Tai'Ren estava muito imerso nas palavras do garoto. Aneya estreitou os olhos com o rumo da conversa.
— Apesar de não termos muita liberdade, algumas crianças tiveram a sorte de serem adotadas. - Comentou Eiji, com um sorriso, ignorando o questionamento anterior. – Eu fui uma delas. Não era algo comum. Poucos de nós se afeiçoava a um adulto. Eu mesmo nunca achei que aconteceria comigo. Mas quando conheci minha mãe, vi que ela era a mulher mais durona do mundo! E ela gostou de mim também.
— Sua mãe era um soldado?
— Melhor do que isso, ela pilotava aquelas aeronaves que vimos hoje. – Respondeu Eiji, com um tom orgulhoso. – Não podíamos morar juntos porque ela também morava na base e os meus estudos tomavam muito tempo, mas ela sempre vinha me encontrar para falar sobre as missões que fazia em Pandora! Me ensinou a atirar e costumava trazer alguma coisa da floresta pra mim.
Parecendo perdido em pensamentos, ele tentou tocar um inseto brilhante que outra vez voltava a voar em seu campo de visão.
— Na maioria das vezes, ela levava bronca dos cientistas responsáveis pelo meu corredor, mas nunca nos importamos. Minha mãe falava sempre pra mim: "quando você crescer, espero que não vire um chato de jaleco". – Ele tentou engrossar a voz fina para imitá-la. – Depois que me apeguei a ela, os dias na sala branca ficaram muito ruins. Por que nos manter presos vendo imagens de Pandora se poderiam nos levar pra ver o mundo de verdade? Eu comecei a fazer perguntas, mas a resposta era sempre a mesma: "ainda há na'vis na região". Eu nem sei quantas vezes pedi pra minha mãe me levar com ela pra voar...
Eiji conseguiu finalmente alcançar o inseto e deixou que ele pousasse em seu braço sem a mão. A visão do membro amputado o fez reviver coisas doloridas.
— Geralmente as missões dela eram pra buscar mercadorias. Eu não sabia o que eram exatamente e nem minha mãe sabia o que ela transportava. Isso nunca foi importante pra gente. Mas um dia, ela foi chamada para uma missão diferente. – Ele desviou os olhos do inseto brilhante para encarar Tai'Ren. - Uma invasão a um lugar que se chamava Santuário dos Ossos. Não conhecíamos a região e eu fiquei com medo, mas minha mãe não tinha escolha. Muitos pilotos morreram em batalhas na região e ela foi recrutada.
— Ela lutou contra o povo Anurai? – Tai'Ren ficou subitamente apreensivo e Aneya tocou seu ombro, também concentrado. – Sabe o que aconteceu lá!?
— Eu não sei o que houve. – Eiji admitiu, pesaroso. – Só sei que minha mãe não voltou com os outros soldados. Eu esperei todos os dias, mas me disseram que a nave dela tinha caído nas planícies ao ser atingida por nativos.
Era perceptível que havia um conflito na voz do pequeno humano, um misto de angústia e raiva. Tai'Ren se compadeceu pela perda:
— Sinto muito.
Eiji deixou o inseto voar e se sentou, virando-se para a fogueira.
— Eu fiquei com tanto ódio dos na'vis por terem tirado ela de mim! Primeiro, não me deixam ter um lar e agora, destroem as pessoas que eu amo! Sem a minha mãe, eu voltei a ser só mais uma criança da colônia e de novo, só conseguia pensar no meu propósito. Estava sendo preparado para viver na floresta, mas meus amigos seriam enviados para terras diferentes, para se adaptarem e buscarem recursos novos. Agora, a colônia era minha única família.
Ele balançou a cabeça, com as sobrancelhas franzidas.
— Eu guardei esse ódio pelos na'vi, mas nunca parei de me questionar sobre as coisas ao meu redor. Como estaríamos preparados pra viver se nunca pisamos em Pandora? Fui criado pra acreditar que ficar o dia inteiro estudando tudo sobre vocês, me daria vantagem. Mas a cada dia, eu me questionava, porque vocês, na'vis, agiam dessa forma? Se nós somos tão superiores a vocês, por que a guerra nunca acabava? O que vocês têm de especial? Eu dormia e acordava com isso na cabeça, até que percebi uma coisa óbvia que nunca fui ensinado a questionar: Nós fomos criados com a certeza de Pandora é nosso mundo por direito, mas e quanto aos humanos mais velhos que não nasceram aqui? Por que vieram?
— Eles não falam sobre o mundo de vocês?
— Não. E eu perguntei sobre isso. – Eiji parecia imerso na sua linha de raciocínio. – Os tutores da sala branca disseram a mesma coisa que eu escutava o dia inteiro. "Pandora é o mundo de vocês". Então eu percebi qual era a estratégia. Não é rentável criar uma colônia em um mundo estranho para fazerem eles lutarem por um mundo que não é deles. Quando eles criaram isso na nossa cabeça, nos afeiçoamos a Pandora, de forma que realmente sentimos que essa guerra é fundamentada, porque é nosso direito existir, afinal, o mundo é nosso! Ficar sem a minha mãe, me abriu os olhos para toda aquela historinha que criaram na minha cabeça, mas, de repente, nada disso importava, porque...de alguma forma, meses depois...minha mãe voltou.
— Mas ela não tinha morrido? – Aneya questionou, finalmente passando alguma impressão da conversa.
Os olhos de Eiji ficaram sombrios.
— Minha mãe voltou como uma prisioneira. Me deixaram vê-la só uma vez. Ela me disse que sobreviveu a queda da aeronave, mas ficou ferida e quando acordou, estava em uma vila na'vi. Mesmo que fosse uma inimiga, muitos concordaram em acolhê-la. Era no Santuário dos Ossos.
Tai'Ren sentiu uma estranha euforia se apoderar de seu peito. Seus olhos se arregalaram a medida que entendia o que as palavras de Eiji queriam dizer.
— Os Anurai...? – Sussurrou.
— Sim, foi o que ela disse. Parece que são um grupo de na'vis artesãos ou algo assim... não tivemos muito tempo pra conversar. Mas ela parecia diferente. Disse que eles cuidaram dela e a ensinaram sobre Pandora coisas que nunca tinha ouvido falar. E quando a RDA mandou outro grupo invadir as planícies, ela lutou ao lado dos na'vis, mas foi capturada. – Eiji baixou a cabeça, tentando esconder os olhos molhados. – Eles me obrigaram a vê-la ser fuzilada por traição e me separaram das outras crianças para não os contaminar com... ideologias.
— Mataram um de vocês...? – Aneya parecia horrorizado. - Vocês matam seus próprios irmãos?
Eiji fungou e balançou a cabeça, em afirmativa.
— No começo, eu fiquei bravo pela minha ter sido manipulada pelos na'vi, mas depois eu me senti ridículo. Ela era forte e inteligente. Mesmo que tivesse acreditado em uma mentira, por que a matar dessa forma? Foi aí que eu percebi que nunca foi pela traição! Eles queriam impedir que outros de nós descobrissem que os na'vi não eram tão selvagens assim. Mas tudo bem, porque agora eu tinha isso claro, e eles iriam perceber que nunca deveriam ter me dado inteligência. – Disse, vingativo.
— O que você fez? – Foi a vez de Tai'Ren perguntar.
— Escapei do meu quarto e roubei dois explosivos. Eu não ia explodir os meus amigos, é claro. Mas sabia que precisava desestabilizar a base completamente. – Ele sorriu, travesso. – Sabem qual é uma das nossas maiores preocupações aqui? Recursos, principalmente alimentos. Muita coisa em Pandora é tóxica pra nós, então desenvolvemos técnicas para plantar. Eu não tive tempo pra nada, só peguei a pistola que era da minha mãe e dei um jeito de escapar até a estufa onde ficava a comida. Coloquei o explosivo, mas não deu pra passar totalmente despercebido pelos sensores de calor. Acabei sendo cercado e...bom...
Ele gesticulou com o braço amputado.
— Não tive tempo de ir longe o suficiente. Por sorte, queimei só metade do corpo e não perdi a perna.
— Você conseguiu fugir deixando todos eles sem comida? Mas e o seus amigos? Todos morreram? – Aneya parecia incrédulo.
— Eles nunca deixariam a colônia morrer. É muito caro fazer outra. Tenho certeza de que deram um jeito de mandá-los para outros lugares. Mas sim, foi assim que eu escapei. E um dia, quero encontrar eles outra vez. Meus amigos precisam descobrir o mundo por conta própria.
Tai'Ren começou a ajudar Aneya a distribuir a carne pelas tigelas, mas não cessou suas dúvidas.
— Se você foi atingido pela explosão...Como não foi capturado?
— Eu me arrastei pela floresta por um tempo, mas quando eu estava prestes a morrer, fui salvo por um velhote.
— Velhote?
— Sim, um humano da primeira geração. – Eiji sentiu a barriga roncar com o cheiro da refeição.
— Primeira geração?
— Quando a RDA perdeu a batalha na floresta Omatikaya, Jake Sully, o líder da resistência na'vi deu a autorização pra alguns ficarem. – Eiji tagarelava, mas com os olhos na comida. Tai'Ren e Aneya se entreolharam a menção, mas não responderam. – Bom, foi o que o velhote me contou quando salvou minha vida.
— Ele sabia cuidar de feridas?
— Bom, todos os cientistas entendem um pouco de tudo. – O menino agradeceu a tigela com um sorriso e tentou comer mesmo sem poder erguer muito um dos braços. – Mas ele era um botânico.
— Um o quê? – Tai'Ren franziu o cenho, também concentrado na carne.
— Um botânico. É alguém que estuda as plantas e o que elas podem fazer.
— Igual uma tsahik...?
— Hm... – Eiji deu de ombros. – Não sei. Tsahik não é tipo uma líder espiritual? Não aprendi sobre religião na'vi, mas tem algumas coisas no diário do tio velhote.
— Por que o chama assim?
— De velhote?
— Sim.
— Porque ele é velho, ué. – Comentou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Então, o caderno não é seu? – Disse Aneya.
— Não. A bolsa e os comprimidos também não. Na verdade, até minha roupa foi ele quem deu.
— E onde está esse...botânico?
Eiji desistiu do pedaço que ia colocar na boca por debaixo da máscara.
— Morto. – Sussurrou, chateado. – Eu fui inocente e não percebi que estava sendo seguido. Ele me deu o que eu precisava pra fugir e foi morto pelos avatares.
Notando a tristeza do menino, ambos optaram por continuar comendo e permaneceram em silêncio. Eiji fungou para espantar as lágrimas e prendeu a respiração para levantar a máscara e colocar o pedaço de carne na boca, voltando a ajustar a proteção no rosto logo em seguida.
Agradeceu o espaço para que pudesse controlar suas emoções e terminou sua refeição ignorando o rosto molhado.
Quando a noite realmente se colocou sobre eles, deitou outra vez apoiando a cabeça na mochila. Aneya apagou a fogueira e Tai'Ren se sentou ao lado do Metkayina, mas foram distraídos pela voz juvenil:
— Devem estar se perguntando porque eu quero acompanhar vocês até o Santuário dos Ossos, sendo que minha mãe morreu por causa daquele lugar.
— Eu perguntaria quando estivesse se sentindo melhor. – Tai'Ren sorriu. – As vezes precisamos de um tempo para o coração esvaziar.
— Eu só... - Ele hesitou. -... queria muito saber o que minha mãe viu lá que a fez lutar as lado dos na'vi. Mas, eu sinto muito dizer isso pra vocês, é impossível entrar lá.
— E por quê? – Aneya disfarçou a apreensão.
— Porque além da presença dos humanos, o lugar está infestado de thanator, o maior predador deste continente. Eles são gigantescos, por isso nem as máquinas estão conseguindo avançar. Como o intuito não deve ser bombardear, as aeronaves pousam e são destruídas.
A simples menção ao animal fez o Metkayina tremer e ele logo sentiu os dedos gentis em seu ombro. Tai'Ren tinha um sorriso suave.
— Vamos dar um jeito.
— Você é bem otimista, Tai'Ren. – Eiji riu. - Nem parece que vamos todos morrer quando chegarmos lá.
Até teria entrado na brincadeira pessimista, mas se lembrou de um outro ponto em aberto:
— Eiji.
— Hm?
— E a vila onde você me salvou? – Perguntou Tai'Ren, tentando expulsar os flashes da mente. – Como foi parar lá?
— Eu estava voltando do Santuário dos Ossos. Na verdade, mal cheguei perto e fugi. Quando eu voltei, vi que o massacre já tinha acontecido e plantei a bomba pra escapar. Era impossível fugir sem destruir tudo. Teriam me pegado. Não estava nos meus planos ver um na'vi vivo no meio de tudo, principalmente um tão estranho.
Aneya rosnou e o garoto se afastou.
— Calma, eu não falei de você!
— Eu sei disso!
— Tudo bem, desculpa. – Resmungou o menino. – Vocês realmente são do mesmo lugar? É que são muito diferentes.
— Sou adotado. – Respondeu Tai'Ren, compreensivo. – Meus pais infelizmente foram mortos pelo Povo do Céu e agora estou tentando descobrir suas identidades. Sei que meu pai veio do Santuário dos Ossos.
— Ah...- Eiji murchou um pouco. – Sinto muito por eles. Mas e o seu amigo assassino?
— Olha, só gar...- Aneya estava prestes a voar sobre a criança, mas Tai'Ren o conteve na mesma hora em que uma voz soou em seu ouvido.
"Tai'Ren?"
Ele ficou alguns segundos processando o chamado e tentando entender que aquilo não era um sonho.
"Filho...? Se estiver aí, me responde, por favor." A voz de Neteyam de repente, parecia preocupada, quase chorosa.
"Pai...?" Sua voz saiu mais frágil do que gostaria e percebeu os olhos curiosos de Aneya e Eiji sobre si. Piscou os olhos com força para espantar a emoção súbita de saudade.
"Oi bebê." Não precisava estar ao lado de Neteyam para saber que ele estava sorrindo.
"O-o que está fazendo na floresta? Achei que estivesse nos recifes."
"Estava com muita saudade e eu tenho certeza de que seu tio não está perguntando as coisas que eu pedia, então resolvi fazer uma surpresa."
Tai'Ren riu.
"Eu estou com muita saudade também. Estão todos aí? O pai? A Nan?"
"Não filho, só eu vim. Ao'nung está contando com a sua irmã pra ajudar com seus irmãos. Mas todos estamos sentindo muito sua falta. A Nan principalmente."
"Achei que o Luwen fosse sentir mais."
"Você deu aquela flauta e agora ele não pensa em outra coisa, parece um mini você." Neteyam riu, baixinho. "Não temos muito tempo então, chega de enrolação."
"Tudo bem." Tai'Ren se preparou para enxurrada de perguntas.
"Está se protegendo do frio?"
"Sim, pai."
"Está dormindo nas árvores?"
"Sim."
"Está economizando as misturas que sua avó te deu, eu espero."
"Não se preocupe."
"E está dando certo caçar?"
"Aprendi a atirar com você, pai." Não pôde conter o sorriso. "Não tinha como dar errado."
"E fez o que seu tio pediu? Saíram da área perigosa?"
"Sim, pai." Tai'Ren concordou outra vez, revirando os olhos.
"Ótimo. Como está o Aneya? Os pais dele me pediram pra dizer que sentem falta dele."
"Ele está bem pai." Lançou um olhar travesso para o Metkayina. "Pode dizer pra eles que agora ele sabe caçar, subir em árvores e está conseguindo até voar comigo!"
Quando a mão saiu do pescoço, ele sussurrou:
— Seus pais estão com saudade. Quer dizer algo pra eles?
— Você já resumiu bem. – Ele riu.
"Olha só, estou vendo que estão conseguindo se virar bem. Aliás, deixa eu dar uma palavrinha com ele?"
Tai'Ren franziu o cenho.
"Por quê?"
"Anda logo, passa pra ele."
Tai'Ren revirou os olhos e tirou o comunicador, estendendo para o outro, que lançou um olhar perdido.
— Não me olhe assim, ele quer falar com você.
— Comigo? – Aneya ficou um pouco pálido.
— Vai logo!
Meio atrapalhado com o equipamento, Aneya engoliu o seco antes de falar, sendo analisado por um olhar cuidadoso de Tai'Ren.
"Hm, olá, senhor."
"Oi Aneya, como está?" A gentileza o deixou em um misto de tranquilidade e desconfiança.
"Bem. Estamos só descansando agora."
"Em segurança, eu espero."
"Sim, senhor. Estamos em uma região tranquila. Eu vou ficar de vigia, de qualquer forma."
"Pois bem... e sobre você estar cortejando meu filhote, em que pé que está isso?"
Tai'Ren estreitou os olhos ao ver Aneya começar a gaguejar, se afastando dele.
"S-sobre isso..." Tentou falar o mais baixo possível, principalmente ao ver Tai'Ren sussurrar um:
— O que está escondendo? Por que está se afastando?
"Continue." Neteyam incentivou.
"Não aconteceu nada. Nós estamos focados na missão." Tentou disfarçar um rubor no rosto ao se lembrar do quase beijo.
"Garoto, se mentir pra mim outra vez, vou atrás de vocês."
Aneya nem percebeu a ameaça, estava muito aliviado ao ver Tai'Ren emburrado, mas respeitando seu espaço.
"Acho que ele tentou me beijar, mas fomos interrompidos." Revelou.
"Como assim você acha? Não tem como achar uma coisa assim. Ou ele tentou ou não."
Estar falando sobre aquilo com Neteyam era completamente estranho, mas ao mesmo tempo, estava feliz de poder colocar para fora suas inseguranças.
"É que depois a gente não conversou sobre isso. Só fingimos que não aconteceu."
"Típico de um filho meu. Seja paciente e, quando o momento for propício, conversem. Mas só quando não estiverem em perigo, nada de desconcentrar." O voz agora mais séria, fez o calor nas bochechas de Aneya sumirem.
"Sim, senhor. Eu vou continuar lutando ao lado dele."
"Eu sei que vai. Se cuidem, Aneya. Você é um bom garoto."
Agradecido pelo elogio, se despediu gentilmente e passou o aparelho de volta para que Tai'Ren se despedisse, rezando para que Neteyam não revelasse a conversa dos dois.
Aparentemente aquilo não aconteceu, pois Tai'Ren estava muito determinado a não dormir aquela noite e o encheu de perguntas infinitas para tentar sanar a curiosidade sobre o comportamento estranho, até que acabou se rendendo ao cansaço e dormiu sem a resposta que queria ouvir.
Eiji observou todo o momento e balançou a cabeça antes de dormir, concluindo com 100% de certeza que aqueles na'vis eram sim muito estranhos, mas fez uma nota mental para perguntar no dia seguinte, como eles possuíam aquele tipo de equipamento.
Aneya, por sua vez, sorriu aliviado por se ver livre das perguntas e aproveitou a noite ainda fria, para refletir sobre as palavras de Neteyam enquanto esculpia uma nova figura, dessa vez, um dos insetos que viu.
Não sabia quando o momento seria propício para encararem o que aconteceu na lagoa, mas tinha a certeza de que quando chegasse, diria tudo o que estava construindo em seu coração.
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