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História Always Somewhere (Aonung x Neteyam) - 16. A canção do filho que partiu


Escrita por: Srta_Michaelis

Notas do Autor


Esqueci de avisar no último cap, mas a playlist oficial de Always Somewhere agora conta com as músicas do spin-off <3 aproveitemm

https://open.spotify.com/playlist/1aRePxCbac7cDunYhqoeCg?si=9d78ae6c64624584

Boa leitura!

Capítulo 51 - 16. A canção do filho que partiu


Listen to your heart (take a listen to it) (Ouça seu coração (dê ouvidos a ele))

When he's calling for you (Quando ele está chamando por você)

Listen to your heart - Roxette

 

— Eu fiquei tão preocupado! – Tai’Ren apertou Eiji ainda mais forte em seus braços, sem se preocupar com os protestos do menino.

Aneya lançou um olhar agradecido para Kaya, que acenou em resposta. Tai’Ren estava com os olhos ardendo, em um choro aliviado.

Depois de longos segundos em asfixia, Eiji conseguiu se livrar do abraço mortal.

— Tá querendo me matar!? – Reclamou, mas parou assim que viu os olhos molhados de Tai’Ren. Por fim, mordeu o lábio, tentando conter o próprio choro diante da situação que quase lhe fez morrer de medo. – Desculpe...

— Não seja bobo. – Aneya riu. – Essa cara triste não combina com você.

— Ei! – O menino voltou a se irritar. – Eu tô emocionado de verdade!

O Metkayina pousou a mão nos cabelos estranhamente lisos ao toque.

— Eu sei que está. Bem-vindo de volta.

— Por que fizeram isso? Foi... – A voz de Eiji não passava de um sussurro. – Muito arriscado.

— Nunca íamos deixar você pra trás. – Disse o Sully, convicto. – Mas bom, o mérito é todo da Kaya. Ela que fez tudo, nós só imploramos.

A guerreira revirou os olhos antes de responder, finalizando o reencontro emocionado:

— É melhor continuarmos. Temos muito caminho pela frente.

****

Nos dias seguintes, felizmente puderam se aventurar pelas selvas de Pandora sem grandes emoções e nem encontros com o Povo do Céu.

Conforme avançavam pelo leste e se distanciavam das planícies, como programado por Eiji, o clima se adaptava para a nova região, ficando mais úmido e quente para tornar fértil a poderosa selva. Os viajantes de Awa’atlu agradeceram a Eywa pelo clima mais quente depois de tanto tempo em terras gélidas, enquanto Kaya parecia incomodada. Eiji fez um juramento silencioso de que conseguiria roupas novas e do seu tamanho na primeira oportunidade que tivesse. As vestimentas largas e claramente de tamanho adulto eram quentes e irritantes para caminhar conforme seu corpo suava dia após dia.

Nas novas terras, o grupo incomum precisava agir com bastante cautela para não parecerem invasores inimigos, ao mesmo tempo em que tentavam não virar presa dos grandes predadores terrestres e voadores de Pandora. Tai’Ren acabou perdendo contato com seu ikran depois de adentrarem a selva densa, mas ficou tranquilo, pois sabia que ele estava em paz e de volta a natureza quente e amena da qual gostava.

À medida que caminhavam, o jovem Sully sentia os músculos enrijecerem em uma tensão crescente. Estava muito próximo de encontrar a resposta que vinha procurando. Saber a identidade de seu pai biológico, que constantemente cantava em seus sonhos, parecia surreal.

Contudo, seu coração apertava por saber que provavelmente jamais descobriria nada a respeito de sua mãe, já que sua origem tinha sido em um clã que vivia muito distante dali, se é que ainda estavam vivos de fato. Tai’Ren se arrepiou ao pensar no maligno Clã das Cinzas.

Depois de escutar tantas histórias de guerra e morte, ainda teimava em aceitar que sua mãe tivesse sido parte disso.

— Está tudo bem? – Aneya sussurrou, preocupado com o silêncio do rapaz ao seu lado.

— Ah sim, está. – Respondeu o Sully, curto. – Só estou meio ansioso.

Balançando a cabeça em um aceno, Aneya respondeu:

— Estamos perto do que viemos buscar. Depois de tudo o que passamos... até eu estou ansioso. – Um sorriso suave despontou em seus lábios.

Tai’Ren retribuiu o sorriso – embora com menos intensidade, já que estava lutando para esconder a dor no joelho prejudicado.

De acordo com Eiji, se continuassem caminhando, deveriam chegar em algumas horas na selva profunda, o novo lar dos Anurai. Apesar da empolgação, o grupo estava ligeiramente tenso por não saberem o que encontrariam por lá. Kaya revelara que o clã Tawkami era dotado de uma estranha inteligência a respeito da flora de onde moravam, e produziam curas milagrosas, assim como venenos mortais.

Os conhecimentos milenares tornavam os misteriosos na’vis um tanto perigosos, mas Tai’Ren estava otimista, já que os Tawkami foram bondosos o suficiente para acolher os Anurai que perderam o lar.

Aneya esperou a resposta do mais novo.

— Logo isso vai terminar e vamos pra casa. – Tai’Ren começou, abrindo um sorriso positivo. – Vamos nadar com nossos ilu’s até enjoar.

— Não vejo a hora.

Se não estivessem em constante vigilância teriam entrelaçado os dedos.

— Se tudo o que eu sei de Pandora estiver certo e eu sei que está...- Disse Eiji, com um semblante orgulhoso. – Já devemos estar na selva profunda. Se preparem para fazer contato a qualquer momento.

O grupo trocou um aceno e seguiu junto pela mata densa e repleta de pequenos animais curiosos que desciam das árvores para vigiá-los e depois corriam de volta, assustados com a presença estranha.

Kaya sentiu o ritmo cardíaco aumentar pela ansiedade ao saber que iria rever seus irmãos, mas também por estar buscando palavras que pudessem explicar que tinha perdido seu filho.

Ao lado da guerreira, o pequeno Eiji tentava não demonstrar, mas estava apavorado. Isso porque tinha absoluta certeza de que seria visto com hostilidade, e não julgava ninguém por isso. A guerra entre humanos e na’vis já vinha de décadas e perpetuou dentro daqueles que tiveram suas existências ameaçadas, um senso de raiva e proteção.

Um passo após o outro, cada um deles procurava lidar com seus sentimentos conflitantes sem saber ao certo se conseguiriam alcançar aquilo que vieram buscar.

Tai’Ren mancou, sentindo-se pesado como nunca. Mordeu o lábio para conter o desconforto constante e deixou o orgulho e preocupação com Aneya impedi-lo de pedir ajuda para caminhar.

Contudo, com o passar do tempo, o esforço foi ficando insustentável e ele gemeu se apoiando em uma árvore.

— Tai’Ren... – Aneya se virou para acudi-lo quando um silvo de uma flecha cortou o ar, passando por eles e terminando seu caminho no antebraço exposto do Sully, que gritou de surpresa e dor.

Em um ímpeto furioso e assustado, o Metkayina virou de costas e disparou sua flecha na direção que acreditou ser a correta em um segundo, escutando um urro de dor em meio as folhas das árvores.

Kaya foi veloz e segurou seu braço antes que pudesse atirar outra vez no inimigo camuflado.

— Se acalma! Não podemos ser hostis!

— Tai’Ren! – Eiji correu na direção do amigo, que puxava a flecha grande pra fora da carne.

Imediatamente, o Sully sentiu o braço adormecer e soube que estava em apuros.

— Veneno... – Sussurrou, fazendo o humano arregalar os olhos.

Aneya conteve o ímpeto assassino e correu para seu amado, enquanto Kaya varria a floresta com os olhos amarelos e afiados.

— Irmãos Tawkami! Não somos inimigos! – Gritou ela, com seriedade. Atrás de si escutou um praguejar de Aneya. Concluiu que a situação era péssima. – Sou uma Anurai e sei que somos bem-vindos por aqui.

— Você trouxe um assassino das cinzas e um do Povo do Céu! – Uma voz grossa ecoou de dentro da floresta e Kaya praguejou não ter olhos treinados como os na’vis da região.

— Vão embora! – Gritou outra voz. – Ou vamos atirar de novo!

— Eywa sabe que não somos inimigos! – Tentou convencê-los. Com a visão periférica viu Tai’Ren apagar nos braços de Aneya e Eiji pálido de medo. Rezou para que o moleque não inventasse de abrir a boca afiada. – Minha família está com vocês e eu nunca arriscaria a vida deles!

— O na’vi das Cinzas não entra na vila!

— E nem o demônio! – Percebeu que as vozes secundárias pareciam mais assustadas do que verdadeiramente raivosas e imediatamente se aproveitou da emoção que pairava sobre eles.

— Eu jamais andaria ao lado de um demônio depois do que fizeram com a minha família! Mas a criança não é como os outros... – Ao menos não totalmente, completou internamente. – Se ainda assim não confiam em mim, tragam a tsahik e perguntem o que Eywa acha de nós.

Um na’vi de pele azul muito escura surgiu em meio á selva. Ele usava um colar com muitas flores e tinha o corpo parcialmente pintado de pigmento esverdeado. Pela idade, não deveria ser o líder dos Tawkami, mas Kaya agradeceu ter um rosto pra encarar.

— Nós não ferimos ninguém que não seja inimigo! Somos íntegros! Ele... – O misterioso Tawkami aponto para Tai’Ren, e não se abalou diante do olhar mortal que Aneya direcionou pra ele. – Faz parte de um clã na’vi que não acredita em Eywa! Eles mataram vários dos nossos que viajavam pela costa. São assassinos!

— Tai’Ren é um Metkayina! – Gritou Aneya, enfurecido. – Ele pertence aos recifes! E se tentar nos atacar outra vez, eu te mato!

O rapaz Tawkami encolheu os ombros, mas não voltou para a selva. Kaya apertou mais o arco na mão, nervosa. Aneya não estava colaborando.

— Não vamos matar ninguém. – Ela respondeu, corrigindo a sentença do companheiro de viagem.

Como se Eywa ouvisse suas preces, Eiji manteve-se calado. Apesar disso, o nervosismo cresceu mais na mulher por saber que Tai’Ren estava em apuros e provavelmente com os minutos contados.

— Vocês acertaram alguém que já estava ferido, como ainda podem se chamar de íntegros? – Continuou Kaya. – Eu revelei a localização de vocês para cada um deles. Se quiserem punir alguém, atirem a próxima flecha em mim, mas escutem o que eles têm a dizer. Vieram de muito longe.

— Morreria pelos demônios? – O rapaz de corpo pintado a observou com atenção.

— Eu nunca morreria pela raça que matou meu filho. Mas eles são inocentes. Todos eles.

Os olhos amarelos não mostraram qualquer hesitação e por um instante, Kaya sabia que deveria ter incontáveis na’vis escondidos na selva densa, escutando cada palavra do que ela tinha a dizer. Observando-os como se fizessem parte de um espetáculo.

Aneya apertou mais Tai’Ren em seus braços. Estava fervendo de raiva e se não estivesse com os braços muito firmes em torno do tronco fino do rapaz desacordado, teria corrido em direção a cada um dos na’vis que os cercavam. Mas não podia fazer isso, precisava dar um jeito de salvar Tai’Ren antes que ele morresse.

Seus olhos buscaram o de Eiji e os orbes escuros e assustados do menino concordavam que precisavam fugir dali o quanto antes.

Só não esperavam que em questão de segundos fossem bombardeados por uma fumaça amarelada e ardente, que nublou seus sentidos tão rápido que mal conseguiram ter tempo de se afastar.

***

Aneya demorou apenas alguns segundos para entender que estava recobrando a consciência. Porém, quando o fez, imediatamente saltou, procurando qualquer arma ao seu redor. Foi instintivo mostrar as presas.

— Se acalma. – A voz de Kaya soou baixa ao seu lado.

A mulher estava sentada a alguns metros da cama improvisada de folhas onde estava deitado. Apesar da guerreira não estar com um semblante ansioso, aquilo não aliviou em nada a raiva do Metkayina. Seus braços estavam vazios.

Tai’Ren não estava mais com ele. Por isso, quando sua voz preencheu o ambiente minúsculo de uma cabana montada de madeira e enorme folhas verdes, estava repleta de ódio:

— Onde ele está!? O que fizeram com ele!?

Kaya se levantou, erguendo as mãos para tentar acalmar o pupilo.

— Está sendo tratado.

— E você entregou o Tai’Ren nas mãos de quem o envenenou? – Gritou ele. - Eu não confio neles! O que fizeram com a gente?

— Aneya. - Kaya chamou, firme. – Tai’Ren está com a tsahik dos Tawkami na cabana ao lado. Se quiser ir até lá, está livre. Mas preciso garantir que você não vai estragar tudo aqui.

— Do que está falando? – Sussurrou Aneya.

— Eles nos apagaram para trazer pra vila. Estão todos bem, mas você não é bem visto por ter acertado um deles com a flecha. Eu reencontrei os Anurai, contei sobre o que aconteceu e a tsahik dos Tawkami aceitou cuidar do Tai’Ren. Mas se você sair daqui querendo matar todos eles, vão fazer o mesmo conosco, começando por quem está mais frágil. Já deve imaginar quem seja.

Diante das palavras, o Metkayina tentou controlar sua respiração.

— E como sabe que não estão machucando ele?

— Porque eu acabei de vir da tenda onde ele está. – Explicou Kaya. - E como eu disse, está livre pra ir até lá, mas precisa se comportar. Os Tawkami não são guerreiros como eu e você, mas como percebeu, eles têm alguns truques perigosos.

— E o Eiji?

— Está fora da vila, ainda dormindo. Não consegui um tratamento igual o de vocês, mas ele está vivo.

Balançando a cabeça em concordância, parecendo finalmente se acalmar diante das informações, Aneya seguiu a mulher mais alta para fora da tenda, ainda com uma postura retraída e pouco à vontade.

Imediatamente sentiu as dezenas de olhares sobre ele. Os na’vis que pareciam ocupados fazendo suas atividades, logo ergueram os olhos para analisar o estranho visitante de pele muito mais clara e traços diferentes de tudo o que eles viram antes.

Aneya não demorou para identificar os indivíduos do clã Anurai em meio aos floridos Tawkami. Os familiares de Kaya compartilhavam com ela a marca de pigmento na testa, símbolo do ritual de passagem. Os olhos amarelados se arregalavam quando viam em Aneya a marca que sinalizava que ele havia se tornado um dos seus.

Apesar disso, permaneciam calados e o Metkayina percebeu, com um certo lamento, que todos eles pareciam muito abatidos e tristes, com ombros encolhidos, corpos magros e olhos medrosos. A maioria dos sobreviventes Anurai eram mais velhos, já que os jovens lutaram para que pudessem escapar em segurança.

Os Tawkami por sua vez, também não tinham posturas agressivas. Na realidade, pareciam ainda mais frágeis e assustados. Com um biotipo fino e esguio, eles pareciam menores e mais leves do que os Omatikaya e chamavam atenção por seus colares coloridos e pinturas corporais. Aneya estreitou os olhos. Imaginou que um clã que vivesse em um ambiente tão difícil quanto aquela selva, teria naturalmente uma aptidão ao combate.

Mas aquele não parecia ser o caso.

Ignorou os olhares curiosos e cochichos e cortou o caminho até a cabana duas vezes maior do que as outras, cuja entrada havia um arco de flores laranjas e brilhantes. Assim que adentrou o local, sentiu o cheiro doce de diversas plantas diferentes, mas não ligou para a característica mais marcante do ambiente.

Seus passos aceleraram na direção onde o corpo de Tai’Ren estava deitado. Preocupado, Aneya tocou o rosto adormecido e logo se acalmou ao sentir a pele em uma temperatura agradável. Para ter certeza, levou a outra mão para o abdômen do rapaz desacordado, constatando que havia sim respiração.

— Graças a Eywa... – Sussurrou, com os olhos se enchendo rapidamente. – Obrigado, Grande Mãe.

— Sei que está preocupado... – Um voz feminina e muito suave soou ao seu lado e Aneya pulou. Não tinha reparado na presença alheia. - ... mas ele precisa descansar. Agradeço se esperar mais algumas horas.

Os olhos azuis analisaram a presença da mulher. Um cocar grande e repleto de flores laranjas, amarelas e vermelhas chamavam atenção e explanavam que aquela figura não era apenas uma simples indivíduo do clã.

A tsahik dos Tawkami parecia fazer parte da selva profunda, não apenas como na’vi, mas como parte da natureza. Ela tinha uma pintura amarela sobre os olhos e seu corpo estava envolto de raízes entrelaçadas, formando extensas braçadeiras e o que parecia ser peças de proteção para o corpo fino. Longas tranças caíam ao redor de suas pinturas corporais, balançando conforme ela andava.

— Quero ficar ao lado dele. – Disse Aneya, sem hesitar. – Vocês o acertaram com veneno uma vez, não quero que isso aconteça de novo.

Os olhos da mulher lhe analisaram com muita calma e ainda impassiva.

— Não era nosso veneno mais mortal, mas sim, o mataria em alguns dias. – Ela passou por Aneya, sem se preocupar em manter uma postura de vigilância sobre si mesma. – Agora, Tai’Ren está fora de perigo, mas eu o mantive dormindo enquanto trabalho na ferida da perna.

A informação foi um misto de alívio e ansiedade pro rapaz, que imediatamente perguntou:

— Vai conseguir curar o joelho dele?

— É uma ferida antiga. – Afirmou ela, voltando a atenção para as misturas que tinha produzido.

— Como sabe?

— Eywa já trabalhou nesta ferida muitas vezes e por diversas mãos. – Disse a tsahik. – Eu pude sentir. É verdade que os Tawkami têm o privilégio de ter a maior variedade de plantas que este mundo pode oferecer, por isso, temos remédios aqui que outros clãs não poderão ter nunca, mas existe um limite até para os recursos que a Grande Mãe oferece.

O Metkayina baixou o olhar.

— Ouvimos isso muitas vezes.

— Imaginei.

— Significa que não tem cura?

— Não se somente as mãos da Grande Mãe agirem aqui.

— O que quer dizer?

— As mãos de Eywa agiram sobre a ferida dele. – A mulher caminhou até um pequeno recipiente e o estendeu ao rapaz. – Mas não foi só ela.

Uma minúscula peça de metal jazia no pote e antes que Aneya pudesse responder, a tsahik concluiu:

— Talvez ele precise consertar o que já foi feito lá atrás. Eu até faria, mas não tenho as ferramentas do Povo do Céu. Posso fechar a ferida e diminuir as dores dele. Talvez ele sinta que está curado. Mas não dura pra sempre. Na verdade, será frágil como uma folha.

Aneya assentiu. Ele sabia que os danos que passaram na viagem tinham comprometido os procedimentos que Tai’Ren havia feito no joelho e somente o Povo do Céu saberia consertar o estrago. Também sabia que havia se passado muito tempo e esforço naquelas condições e talvez nem mesmo o Povo do Céu fosse capaz de livrar Tai’Ren das sequelas.

— Eu agradeço se puder ao menos tirar as dores dele. Quando encontrarmos o que viemos buscar aqui, vou levá-lo pra casa.

— Farei o que puder. – Concordou a tsahik com a voz suave. – Você pode ficar ali e descansar. Não fale comigo enquanto eu estiver trabalhando nas feridas dele. Não posso errar.

Sem falar mais uma palavra, o garoto dos recifes acatou o pedido da mulher e observou atentamente os movimentos lentos e delicados líder espiritual dos Tawkami, enquanto ela permanecia concentrada em aplicar nos pontos corretos da perna de Tai’Ren, a mistura de aroma refrescante.

***

Kaya suspirou quando se viu sozinha. Muitas perguntas vieram de seus irmãos Anurais, exceto da tsahik de seu clã, que parecia compreender os tormentos que ela tinha vivido.

No mais, a guerreira respondeu os diversos questionamentos sobre como estava a vila e os irmãos thanatores. Contudo, a mais dolorida, veio quando perguntaram por que sua criança não estava ali com ela. O silêncio que entregou como resposta bastou para que todos se afastassem, com olhos molhados e lamentos chorosos, respeitando o espaço que a mulher precisava.

O calor da saudade de repente foi substituído pela dor que parecia maior a cada dia. Aflita, Kaya percebeu que sem a Árvore das Vozes, as memórias ao lado de seu filho não eram tão vívidas assim e seu coração foi tomado por uma dor intensa que a fez andar sem rumo pelas tendas de folhas longas e grossas.

Seu tormento só diminuiu quando encontrou a figura minúscula de Eiji, que dormia sentado diante de uma árvore, com os braços amarrados para trás. Diferente de Tai’Ren e Aneya, o menino foi mantido relativamente longe das casas e devidamente imobilizado.

O rapaz na’vi que havia se mostrado para eles antes de adormecerem estava perto do garoto, provavelmente de vigia. Ele se aprumou quando viu a guerreira se aproximar. Havia um arco em sua mão.

— Por que ele não tá acordando? – Kaya quebrou o silêncio entre eles.

— O Povo do Céu é resistente ao nosso gás por causa da máscara, então o atingimos com um dardo. – Ele apontou para a própria cintura, onde um pedaço minúsculo do que parecia ser um pedaço fino e longo de madeira, estava bem preso. – Isso direto no sangue deve apagar eles por horas, talvez até dias.

— Então por que mantê-lo amarrado assim?

— Isso é óbvio. – O na’vi deu de ombros. – Ele pode tentar se comunicar com os outros demônios.

— Enquanto dorme? – Kaya enrugou a testa.

— Preferimos não arriscar. – O homem se encolheu.

Sob o olhar atento da mulher, ele percebeu que não tinha chances em uma luta – e talvez até na argumentação, por isso deixou os ombros caírem, relaxando a postura de tensão. Toda aquela situação era assustadora pra ele e isso não passou despercebido por Kaya.

— Você não sabe muito sobre o Povo do Céu, não é?

— Não. – Ele sussurrou com sinceridade. – Tudo o que sabemos, são informações que os Anurais trouxeram das planícies. Eles não chegaram até nós ainda, mas os irmãos que se aventuraram além da selva foram mortos.

Kaya fechou os olhos, com pesar.

— Sinto muito.

Ele fitou Eiji por alguns segundos.

— Nem sabia que eram tão pequenos. – Admitiu. – Como são capazes de tomar nosso mundo se parecem tão frágeis?

Ela se sentou ao lado de Eiji, quase como se sentisse que o menino estivesse fingindo, mas pela respiração profunda, esse pensamento parecia infundado.

— Eles não são pequenos assim. O menino é criança. Ainda vai crescer. – Respondeu Kaya, com paciência. – Mas eles não atingem o nosso tamanho. São menores e mais fracos.

O rosto do homem se contorceu em espanto e depois em confusão.

— Então... como podem estar vencendo?

— Não é sobre como eles são. O Povo do Céu não é mais forte do que nós, mas têm armas e constroem coisas muito maiores do que na’vis. Eles construíram formas de nos caçar na terra, no ar e na água. Não tem pra onde fugir.

Os olhos do na’vi da selva se arregalaram com as revelações.

— Então, não há como vencer?

— Os garotos que vieram comigo descendem de clãs que lutaram e venceram o Povo do Céu. Eles vêm de uma realidade onde o Povo do Céu se dividiu. Enquanto a maioria mata na’vis, outros se uniram para nos ajudar. Esse menino, é um deles.

— Povo do Céu ajudando na’vis? – Ele parecia descrente.

— Eu também não costumava acreditar, mas... – Outra vez, Kaya se viu fitando o menino em sono profundo. – Essa criança não pensou duas vezes antes de matar um dos seus pra me salvar. O Povo do Céu não é muito unido. Eles julgam e matam os irmãos que pensam diferente da maioria.

— Não sei se consigo acreditar nisso.

— Eu demorei pra entender isso também, mas uma hora ou outra, eles vão nos encontrar e você pode ver com os próprios olhos.

A resposta fez o homem se arrepiar, temendo o que poderia acontecer em um futuro próximo. Kaya continuou:

— Solta ele.

— Não posso fazer isso, preciso garantir que ele não vai fazer mal a ninguém.

— Vou mantê-lo longe da vila e você pode ficar de vigia se quiser. Não vamos deixar ele amarrado. Garanto que o risco de ele conseguir fazer algo contra você é muito baixo.

Na verdade, Kaya tinha suas dúvidas quanto aquilo. Eiji era esperto demais e com certeza poderia pensar em algo pra enfrentar um na’vi que não era um guerreiro, mas eles não precisavam saber e ela o manteria na linha.

O na’vi cujo nome ela ainda nem sabia pareceu pensar.

— Tudo bem, mas esse o mais próximo que ele pode estar da vila.

Com um aceno rápido, Kaya soltou os braços de Eiji e sem nenhuma dificuldade, carregou o menino até encontrar um local onde parecia confortável para deixa-lo.

YiJin, o na’vi que acabou se apresentando enquanto a acompanhava floresta adentro, resolveu montar uma rede de folhas e raízes resistentes e depois de algum tempo, Kaya transferiu o corpo de Eiji para o pequeno casulo esverdeado, que se camuflava na selva.

Percebeu uma mancha de sangue no braço onde provavelmente ele recebera o impacto do dardo.

— Obrigado pela ajuda. – Disse ela.

YiJin assentiu, ainda estranhando a fragilidade do garoto de outro planeta. Ele parecia ainda menor do que os pequenos animais que conviviam com os Tawkami, trazendo galhos e raízes em troca de comida.

Só naquele momento, ele percebeu um detalhe curioso:

— O Povo do Céu só tem uma mão? – Perguntou, constatando também que o garoto tinha um dedo a mais do que os na’vi, o que pareceu ainda mais estranho.

— Não, eles têm duas. Mas não o Eiji, ele perdeu uma delas.

— Como? – YiJin parecia ávido para perguntar tudo o que conseguia sobre os misteriosos invasores.

— Fugindo dos próprios irmãos.

A resposta soou muito sombria para o na’vi e ele se calou, se dando por satisfeito por um momento. Aproveitou a deixa para se sentar não muito longe de onde estavam os viajantes.

Kaya permaneceu próxima da rede e fechou os olhos, voltando a sentir o vazio que a ausência da voz de seu filho trazia.

***

Quando Tai’Ren abriu os olhos sua visão estava embaçada e precisou piscar para dissipar as lágrimas acumuladas, que vazaram pelos cantos de seus olhos cinzentos.

Outra vez havia sonhado com a canção que escutou em sua comunhão com Eywa. Era doce, suave, mas ao longo dos anos, ganhara um aspecto triste, principalmente depois que tentou de todas as formas recriá-la para soar tão perfeita quanto a de seu pai – e falhou em todas as tentativas.

Contudo, agora parecia diferente.

Mesmo de olhos abertos, Tai’Ren podia ouvir a canção de seu pai em alto e bom som, como se estivesse novamente na visão proporcionada por Eywa, tantos anos atrás. Ainda estava sonhando?

Ergueu o tronco e se levantou, concluindo com certeza que aquilo era um sonho, já que não havia dor em seu joelho. O poder que o som da canção tinha sobre si era tão forte que caminhou em direção a saída do misterioso local sem perceber a presença de Aneya, que estava adormecido a alguns metros.

Com o rosto molhado, o Sully seguiu para a luz de uma fogueira, sem se importar com a paisagem diferente ao qual estava inserido. Talvez tivesse passado por alguns na’vis, ele não se importou com aquilo.

A visão de um grupo de na’vis sentados ao redor de uma fogueira parecia fazer seu corpo gravitar até lá. Curioso, emocionado e ansioso.

Um homem na’vi, de longas tranças tocava um instrumento de sopro, diferente do que seu pai tocava. Mas a precisão das notas era tamanha que para Tai’Ren não havia dúvida alguma, então foi natural quando ele deixou a voz sair:

— Pai...?

Porém, ao contrário de seus sonhos, onde tudo era melodioso e suave, aquilo parecia estranhamente real e cru. De repente, se deu conta de diversos olhares assustados em sua direção. Os na’vis em volta da fogueira se distraíram da canção e se afastaram. Alguns gemendo de horror e outros mostrando as presas.

O homem que tocava se virou para entender o motivo do horror. Os olhos cinzas pousaram nos amarelados e se arregalaram. Ele não poderia estar louco. Aquele homem era seu pai. Mas como?

— Se acalmem! – Uma mulher Anurai gritou para os sons nada amigáveis que Tai’Ren recebia, mas o menino parecia em choque para se dar conta. – Deixe-o.

O homem que antes tocava encarou Tai’Ren inicialmente receoso, mas depois confuso. O Sully se aproximou, abaixando-se para enxergar o rosto alheio melhor a partir da luz da fogueira. Em dias normais, teria percebido que o joelho parecia intacto.

— Quem é você? – A voz do homem soou rouca e imediatamente o menino percebeu que o na’vi já era mais velho, porém, ainda manteve em seu rosto alguns traços suaves, apesar da idade.

Talvez aquilo não fosse um sonho.

Com os olhos se enchendo outra vez, ele pegou o amuleto em seu peito e o estendeu ao homem, que arregalou os olhos, em puro espanto.

— Eu sou Tai’Ren. Nasci em uma ilha, mas fui criado nos recifes por uma família que me ama muito. Tudo o que eu sei sobre meus pais é que me deixaram esse colar e a música que você acabou de tocar.

Com os dedos magros, o na’vi de olhos amarelos tocou o amuleto esculpido em osso.

— Essa música... Eywa mostrou meu pai cantando. – Continuou Tai’Ren, incrédulo.

— Eu...-Os olhos dourados do homem brilharam, tão incrédulos quanto o do rapaz a sua frente. – Fiz essa canção no nascimento do meu filho, Tsu’Yan... como Eywa pode ter mostrado pra você?

— Talvez, Ela soubesse que só assim, eu encontraria as respostas. Essa música... é a única memória que tenho do meu pai.

Como se falar da canção trouxesse memórias dolorosas, o homem fechou os olhos e continuou tateando o amuleto com os dedos.

Tai’Ren, por sua vez, ainda teimava em acreditar que aquele momento estivesse de fato acontecendo, mas se agarrou aquela pequena centelha de esperança.

— Eu esperei tantos anos meu filho voltar... – O velho na’vi abriu os olhos úmidos e fitou o amuleto longamente antes de colocá-lo de volta no pescoço de Tai’Ren, absorvendo lentamente os traços do menino, que pareciam tão diferentes.

Ele não era como Tsu’Yan, mas ao mesmo tempo era. E isso, foi o suficiente.

— Eywa...obrigado.



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